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SESSÃO DE 21 DE JANEIRO DE 1885 211

não se levantou, não se inflammou, e nem sequer se surprehendeu, não obstante recordar-se de que, poucos mezes antes, o sr. Fontes dissera que tendo percorrido as provincias para ouvir o remediar as queixas dos povos, como os antigos reis das nossas chronicas, magnanimos e justiceiros (Riso), tudo lhe pediram e supplicaram, desde Monsão até não sei onde, menos reformas politicas! (Muitos apoiados.) Eu insisto n'esta consideração da indifferença publica. É capital. O governo representativo é governo de opinião.

A opinião é necessaria sempre, mas principalmente em periodos como este. E a opinião falta a este ministerio; e a solidão, em que elle opera, o isolamento em que elle se vê, depois de ter arrancado aos adversarios uma bandeira, que era d'elles, não para a honrar, não para a agitar aos ventos de uma discussão leal, mas para se cobrir com ella, pequenos para se resguardar n'ella, procurando algum calor artificial, que lhe prolongasse a vida por mais tempo; (Muitos apoiados.) esse isolamento e essa indifferença são o primeiro castigo infligido a quem voluntariamente comprometteu e profanou um assumpto, que ainda poderia ser, talvez, salvador para este pobre paiz arruinado e decadente! (Muitos apoiados.)

Sr. presidente: N'estes dois ultimos annos o pensamento da revisão constitucional appareceu em algumas das mais adiantadas nações do mundo. A Allemanha, a Belgica, a França, a vizinha Hespanha antes da exaltação de Canovas, a propria Inglaterra trataram de rever as suas organicas, dando rasão aos protestos e aspirações dos partidos mais liberaes. Este facto, porque é geral, deve ter uma causa commum. E tem, de certo. As conferencias e entrevistas dos soberanos, tão frequentes nos ultimos tempos, talvez não sejam estranhas a este phenomeno politico, que poderá significar a comprehensão de grandes perigos imminentes sobre as instituições consagradas, e o proposito de os conjurar, ou de os retardar pelo menos... Se assim é, a comprehensão é justa; o que não sei é se o propósito será baldado, ou não. As concessões do poder, da iniciativa do poder, quando não resultam do uma evolução de doutrina, e são apenas para defeza de interesses proprios, não costumam ser sinceras, não podem ser efficazes, e, quando se julga que satisfazem a revolução, o que fazem, a final, é fornecer-lhe novas e mais perigosas armas! O socialismo de Bismark naufraga, presentemente, n'este escolho.

Mas eu não venho fazer a philosophia d'este facto. Fallo ha muito tempo: fallarei ainda por algum tempo; não posso levantar agora o meu espirito ás grandes afirmações da philosophia politica, que não seriam descabidas n'este momento, que são utilissimas sempre, porque d'ellas vem a luz que illumina o pensamento e o trabalho d'estas assembléas. É necessario que o direito esclareça a lei, que a justiça apure a utilidade, que a rasão das cousas não esteja longe da producção dos factos, e que a relação e dependencia dos acontecimentos appareçam na sua maior luz! (Muitos apoiados.) Não quiz mais do que referir a coincidencia de tantas nações, empenhadas no mesmo pensamento, para que a camara frizasse bem o contraste que se dá entre a agitação produzida lá fóra pela discussão das leis constitucionaes e a fria, glacial indiferença que precedeu e acompanha os nossos trabalhos parlamentares. (Apoiados.)

Não foi grande, não foi notavel, a excitação politica das nações, a que alludi. A hora das grandes paixões politicas passou no mundo. A liberdade, nos seus elementos essenciaes, é um facto das leis, embora não seja, não tenha podido ser, um flicto dos costumes. Os heroes e os martyres já não é este pensamento que os produz!

Mas, se a questão politica, não resuscitou n'esses povos os bellos dias da primeira metade d'este seculo, teve comtudo a intensa consideração, a grave importancia, a discussão calorosa e ampla que merecem assumptos d'esta ordem, tão intimamente vinculados aos interesses positivos da moderna civilisação. (Apoiados.) É que lá fóra a proposição das reformas politicas não appareceu como um sophisma, como uma habilidade, como uma extorsão de programmas alheios, como insidia armada á credulidade nacional, commentada, antes e depois, pelos mais nefandos attentados constitucionaes, que exautorariam de toda a influencia e perderiam no conceito social quaesquer homens, por mais alta que fosse a sua estatura e por maior que fosse o seu prestigio. (Muitos apoiados.)

Foram estes attentados, sr. presidente, que acabaram com toda a benevolencia, implicita no accordo. Gravissimos, enormes attentados! O primeiro, a que quero referir- me, é a mais lamentavel fraqueza do sr. Fontes; é a mais escura nodoa de sua vida publica; consummou-se no momento mais infeliz da sua existencia politica, porque n'esse momento o sou espirito, preterindo considerações altissimas, cedeu a uma tentação indigna, feita de arranjos partidarios e de irritações pessoaes mais pequenas ainda! (Muitos apoiados.)

Comprehende a camara, que vou fallar da dictadura assumida para fazer a reforma do exercito.

Era necessaria a reforma do exercito; não o contesta ninguem. Não o póde contestar o meu partido, que contempla na força armada do paiz a viva recordação de passadas glorias, e a preza como esteio e, segurança da independencia da patria. (Apoiados.)

Era necessaria a reforma do exercito, e se a iniciativa d'ella valesse como penitencia e castigo, deveria pertencer leis ao actual sr. ministro da guerra, a quem se attribuem os maximos erros da nossa administração militar nos ultimos annos.

Era necessaria a reforma do exercito, e um illustre ministro da ultima situação progressista, o sr. João Chrysostomo, mostrou que ella era necessaria, e indicou o que havia a fazer. (Apoiados.)

Mas a reforma do exercito podia fazer-se sem uma dictadura afrontosa. (Muitos apoiados.) Mas não havia necessidade de fechar o parlamento, no anno passado, antes de ser discutido e votado na camara alta o projecto que auctorisava o governo a fazer essa reforma. (Apoiados.)

Mas podia e devia esperar-se por esta sessão, em que estamos, para que se realisasse esse pensamento, que era justo, que poderia ser modificado na sua forma, mas nunca seria recusado na sua substancia! (Apoiados.)

A dictadura exercida pelo governo é um crime, (Muitos apoiados) e ou, no exercicio dos meus direitos de deputado, do alto d'este logar, em nome do paiz, accuso o governo por esse crime, offerecendo a circumstancia aggravantissima da sua impenitencia, porque só hontem, já em fins de janeiro, trouxe a esta camara a proposta do bill de indemnidade! (Muitos apoiados.)

A dictadura exercida pelo governo foi mais que um crime; foi um acto de impudor que repugnou a todas as consciencias dignas! (Apoiados.)

Comprehende-se a dictadura da tyrannia; não se comprehende a dictadura da vaidade! Comprehende-se a dictadura militar, cheia de perigos e responsabilidades para quem a assume; não se comprehende isso que para ahi se fez, sem risco nem consequencias! (Muitos apoiados.) Por isso, na historia da nossa decadencia moral e politica, a data de 19 de maio de 1884 é peor que a data de 19 de maio de 1870. (Vozes: - Muito bem. - Muitos apoiados.)

Eu não posso ter na minha palavra toda a indignação da minha consciencia. Se podesse, ella seria agora mais ardente e pesada do que convem ao meu caracter e a este logar...

Depois da dictadura de 19 de maio de 1884 o meu partido não podia continuar approximações de qualquer especie com este governo; e de mim sei dizer que se as continuasse eu lhe retiraria de vez o meu fraco e insignificante apoio. Não é da nossa escola o transigir com um crime d'esta especie. Não ha talvez uma radical differença de comprehensão politica entre o partido regenerador e o partido progressista, mas ha uma enorme differença de comprehensão