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SESSÃO DE 21 DE JANEIRO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de tres oficcios, dois do ministerio da fazenda e um do ministerio da marinha. - Têem segunda leitura e são admittidas duas propostas para renovação de iniciativa. - Mandam para a mesa requerimentos de interesse publico os srs. Consiglieri Pedroso e Augusto Fuschini. - Justificam suas faltas ás sessões os srs. A. Cavalheiro, Firmino Lopes e Pinto de Magalhães. - Presta juramento e torna assento o sr. Sant'Anna e Vasconcellos. - O sr. Lencastre propõe, e a camara approva, que se eleja uma commissão especial para a proposta das reformas constitucionaes e outra para dar parecer sobre o bill de indemnidade, ficando a mesa auctorisada a nomear as mais que faltam. - A pedido do sr. Ribeiro dos Santos, são aggregados á commissão de legislação civil dois srs. deputados. - O sr. Fuschini apresenta uma proposta que justifica com diversas considerações. - Renova a iniciativa de um projecto de lei o sr. Pinto de Magalhães. - Responde ao sr. Fuschini o sr. Consiglieri Pedroso. - O sr. Mendia participa a constituição da commissão de agricultura.

Na ordem do dia usa largamente da palavra o sr. Antonio Candido, combatendo o projecto de resposta ao discurso da corôa, justificando a substituição completa que apresenta, e respondendo ás considerações feitas na sessão anterior pelo sr. presidente do conselho. - Responde-lhe, na qualidade de relator, o sr. M. d'Assumpção.

Abertura da sessão - Ás duas horas e vinte minutos da tarde.

Presentes á chamada - 62 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Candido, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Avelino Calixto, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Cypriano Jardim, E. Coelho, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Monta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Matos de Mendia, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira de Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Elias Clareia, Laranjo, José Frederico, Pereira dos Santos, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Manuel d'Assumpção, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Carrilho, Antonio Centeno, Sousa Pavão, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Pereira Leite, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Emygdio Navarro, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Correia Barata, Mártens Ferrão, Wanzeller, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, J. A. Pinto, J. A. Valente, Melicio, Scarnichia, Souto Rodrigues, J. Alves Matheus, Coelho de Carvalho, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Visconde de Reguengos e Visconde de Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Seguier, Carlos du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Sousa Pinto Basto, Góes Pinto, Filippe de Carvalho, Castro Corte Real, Frederico Arouca, Costa Pinto, Baima de Bastos, Ferreira Braga, Sousa Machado, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, José Luciano, Ferreira Freire, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Aralla e Costa M. P. Guedes, Pedro Correia, Pedro Franco, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da marinha, remettendo os mappas indicativos de todos os contratos realisados n'aquelle ministerio de valor superior a 500$000 réis, desde janeiro a dezembro do anno findo.

Enviado á commissão de fazenda.

2.° Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Mariano de Carvalho, a informação da direcção geral da thesouraria do mesmo ministerio, acompanhada da nota das quantias levantadas para occorrer ao pagamento do coupon da divida externa.

A secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Garcia de Lima, um mappa do producto da receita de pontes e barcas, arrecadada nos cofres publicos nos annos económicos de 1860-1861 a 1883-1884 nos districtos de Aveiro, Braga, Lisboa, Coimbra, Porto, Santarem, Vianna e Villa Real.

A secretaria.

Segundas leituras

Proposta para renovação de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 121, que já na sessão passada obteve parecer da respectiva commissão.

Camara, 20 de janeiro de 1885. = Arthur de Seguier.

Admittida e enviada á commissão de legislação, ouvida a de administração publica.

Refere-se ao seguinte projecto de lei:

Senhores. - Os povos das freguezias de Pinzio, Avellãs da Ribeira, Ribeira dos Carinhos, Pomares e Codeceiro, vivem descontentes, por pertencerem judicialmente a Pinhel e civilmente á Guarda. Já manifestaram, em repres-

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sentação a esta camara, o incommodo e contrariedade que causa aos seus interesse, esta desharmonia, não só pelas distancias que medeiam entre elles e as comarcas e concelhos, mas ainda porque as neves do inverno lhes prohibem toda a communicação com a cabeça da comarca.

É de todo ponto conveniente manter ligações e estreitar os laços entre as freguezias e as respectivas comarcas ou concelhos, congraçando os seus interesses commerciaes e industriaes e tornando faceis as transmissões dos povos entre si.

As rasões allegadas nas representações e a analyse das disposições orographicas e hydrographicas devem necessariamente levar-nos á convicção de que as freguezias de Pinzio, Avellãs da Ribeira e Ribeira dos Carinhos devem pertencer política e administrativamente á comarca da Guarda e as freguezias de Pomares e Codeceiro devem ficar ligadas para os mesmos effeitos ao concelho de Pinhel, a que pertencem judicialmente.

Ficam d'este modo harmonisados os interesses d'aquellas localidades sem detrimento das comarcas, cujas vantagens não podem ser indifferentes aos poderes publicos.

N'estes termos tenho a honra de mandar para a mesa o projecto de lei seguinte:

Artigo 1.° São incorporadas na comarca da Guarda para os effeitos judiciaes as freguezias de Pinzio, Avellãs da Ribeira e Ribeira dos Carinhos, e ligadas ao concelho de Pinhel para todos os effeitos políticos e administrativos as freguezias de Pomares e Codeceiro.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, em 8 de março de 1884. - O deputado pela Guarda, Arthur Amorim Sieuve de Seguier.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 101-A, apresentado na sessão legislativa do 1879 pelo sr. deputado José Luciano de Castro, e que auctorisa o governo a ceder gratuitamente á camara municipal de Tavira o edifício onde está alojada a guarda principal, a fim de ser demolido e substituído por outro.

Sala das sessões, 20 de janeiro de 1885. = O deputado, Barbosa Centeno.

Admittida e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

A proposta refere-se ao seguinte projecto de lei:

Senhores. - A camara municipal de Tavira projecta construir um mercado mixto no largo dos Mareantes d'aquella cidade, e abrir duas grandes alamedas nas duas margens do rio que a atravessa.

A conveniencia e necessidade de um mercado em uma cidade como aquella não carecem de demonstração.

A abertura das alamedas, sobre tornar mais formosa a cidade, é do maximo interesse publico; estreitando e desobstruindo o rio, que se acha em grande parte entulhado, facilita a sua navegação; evita que as aguas d'elle em marés vivas invadam algumas das tornando-as intransitaveis, e que as suas margens continuem sendo immundas sentinas, altamente prejudiciaes á hygiene e decencia publica.

Não póde, porém, a camara levar a effeito as obras projectadas sem que lhe seja concedido um edifício pertencente ao estado, situado na praça publica da mesma cidade, a confrontar do nascente com o rio, do norte com a avenida da ponte, do poente com a estrada real e do sul com a mesma praça, e que ora serve de estação de guarda principal, porque esse edifício se acha comprehendido dentro da área do terreno, que abrange a alameda da margem direita, como da planta junta se vê.

Compromette-se a camara a preparar outra casa em logar adequado e nas condições de servir para a estação da guarda.

Por todas estas considerações, e attendendo ás necessidades publicas da cidade e concelho de Tavira, tenho a honra de propor á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei;

Artigo 1.° É o governo auctorisado a ceder gratuitamente á camara municipal de Tavira o edifício pertencente ao estado, e que ora serve de estação da guarda principal, situado na praça publica da cidade de Tavira, e confronta do nascente com o rio, do norte com a avenida da ponte, do poente com a estrada real e do sul com a mesma praça.

Art. 2.° A camara municipal de Tavira fica obrigada, logo que esta cessão se realise, a fornecer casa apropriada para a estação da guarda principal.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 15 de abril de 1879. = José Luciano de Castro.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada, com urgencia, a esta camara uma nota da divida total n'esta data á fazenda publica, por direitos de mercê não pagos e relativos a titulos nobiliarios, condecorações e outras mercês honorificas concedidas pelo ministerio do reino. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada, com urgencia, a esta camara uma nota das pessoas agraciadas com mercês honorificas, nos ultimos dez annos, e que ainda não satisfizeram os respectivos direitos de mercê. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada, com urgencia, a esta camara uma nota das pessoas agraciadas, nos ultimos dez annos, com mercês honorificas e que ainda não satisfizeram os respectivos emolumentos e sellos. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada, com urgencia, a esta camara uma nota das pessoas agraciadas, nos ultimos dez annos, com mercês honorificas estrangeiras e que ainda não tenham satisfeito os emolumentos e sellos devidos pela respectiva portaria de licença para usar das referidas mercês. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.

3.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja fornecida a nota do rendimento bruto kilometrico das linhas férreas de norte e leste no anno civil de 1884.= Augusto Fuschini.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

I. Rendimento bruto e despeza de cobrança do imposto sobre o sal, no regimen da lei de 1 de junho de 1882;

II. Rendimento bruto e despeza de cobrança do imposto sobre o sal, no regimen da lei de 6 de junho de 1884, até 31 de dezembro do mesmo nano. = Augusto Fuschini.

Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que faltei às sessões de 17, 19 e 20 do corrente por falta de saude. = Adriano Cavalheiro.

2.ª Declaro que faltei ás tres ultimas sessões, 17, 19 e 20, por motivo justificado. = Firmino J. Lopes.

3.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Pinto de Magalhães.

Para a acta.

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O sr. Presidente: - Convido os srs. deputados Lopes Navarro e Adriano Cavalheiro a introduzirem na sala o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, que já se acha proclamado deputado.

Foi introduzido e prestou juramento.

O sr. Lencastre: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta:
"Proponho que a camara eleja a commissão encarregada de dar parecer sobre as reformas constitucionaes, e que essa commissão seja composta de dezesete membros;

"Que igualmente eleja uma commissão especial encarregada de dar parecer sobre o bill da indemnidade composta de nove membros;

"Que a mesa seja auctorisada a nomear as commissões que faltam para eleger, sendo as commissões compostas de tantos membros quantos a mesa julgar conveniente." = Luiz de Lencastre.

Pelo que respeita á primeira parte d'esta proposta, v. exa. e a camara sabem que no anno passado se nomeou uma commissão especial para dar parecer sobre as reformas políticas, e eu entendo que este anno deve proceder-se de igual modo, porque as rasões são as mesmas.

Quanto á segunda, o que proponho n'ella é o que sempre se tem feito, quando só trata da uma proposta para bill de indemnidade. O costume, como todos sabem, é nomear-se uma commissão especial para apresentar o respectivo parecer.

Na ultima parte da minha proposta peço que a mesa fique auctorisada a nomear as commissões que faltam.

Isto justifica-se pela circumstancia de se acharem já eleitas as mais importantes commissões, e pela confiança que toda a camara deposita na mesa, tendo por isso a certeza de que as nomeações serão as mais acertadas.

Peço a urgencia da proposta.

Declarada urgente, foi em seguida approvada.

O sr. Ribeiro dos Santos: - Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que sejam aggregados á commissão de legislação civil os srs. deputados Joaquim Antonio Neves e Joaquim de Sequeira.

Assim se resolveu.

O sr. Fuschini: - Sr. presidente, eu segui com a maior attenção a discussão que se travou n'esta casa ácerca da eleição da Madeira: d'ella deprehendi que esta questão tinha servido para acirrar paixões e accentuar velhos odios políticos; mas, sr. presidente, uma cousa realmente mo causou uma grande satisfação, foi o pleno accordo, a doce confraternidade entre deputados monarchicos e republicanos, quando se tratou da questão agraria da Madeira; a plena certeza com que ambas as parcialidades políticas asseveraram que na ilha da Madeira não existe a questão agraria; e n'este ponto, ao menos, alliaram-se e confraternisaram todos os partidos!

Sr. presidente, visto que nenhum dos srs. deputados por aquelle circulo teve occasião ou desejo de affirmal-o, sou eu que venho aqui dizer á camara que na Madeira ha uma gravíssima questão agraria e social. Encarrego-me de o dizer, sr. presidente, para fazer sentir á camara toda a responsabilidade que tem em não querer resolver dificuldades gravíssimas, que se estão dando n'aquella ilha.

Sr. presidente, não é facil n'uma questão d'esta ordem apresentar elementos positivos e bem estudados. Os que vem ao continente o que podem fallar são os proprietarios, os esmagados são os villões, e esses mesmos, se cá viessem, mal saberiam dizer qual é a origem do seu mau estar e da sua desgraça.

É para estranhar, e sem offensa o direi porque sou amigo de s. exa., é para estranhar que o illustre deputado republicano, que visitou a ilha da Madeira, a fim de estudar a eleição discutida, não nos esclarecesse melhor sobre a natureza do problema social que agita, ou tende a agitar as populações agrícolas madeirenses, em vez de nos querer persuadir que é a idéa republicana que as demovo, e não a fome a miseria que as leva a esperar, do que não comprehendem, o remedio para os seus males e a esperança para a sua desgraça!

É perfeitamente singular, sr. presidente, que se nos pretenda infundir a persuasão de que a extensão consideravel, que evidentemente vão tendo o partido republicano nas populações mais sertanejas do paiz, é devida ao conhecimento do direito publico e ás discussões em família da conveniencia de um chefe hereditario ou de um chefe electivo. (Apoiados.)

Nas cidades comprehende-se este desenvolvimento; nas populações mais illustradas explica-se: mas nas sertanejas, onde mal se sabe ler, onde mal se soletra, como é que as altas questões do administração publica podem ser comprehendidas, como é que se podem manifestar opiniões conscienciosas sobre os graves problemas políticos? (Apoiados.)

N'estes pontos, e ainda mesmo nos grandes centros de população, o incremento das idéas republicanas deve attribuir se em grande parte ás circumstancias penosas e infelizes das classes pobres, ao egoísmo o ao desprezo das classes preponderantes. São estes elementos, que preparam á activa propaganda republicana um vasto e uberrimo campo de acção.

Em relação á Madeira o que eu sei, vou dizel-o, sr. presidente, e sei pouco: mas eu exijo á camara, em nome da dignidade do paiz, em nome da dignidade das classes que dirigem hoje a sociedade portugueza, eu exijo á camara que lance mão dos recursos que tem, para conhecer o que se passa na Madeira, o que se passa em todas as nossas ilhas, porque tambem alguma cousa, singular e similhante se está passando no archipelago dos Açores.

Outr'ora havia na ilha da Madeira uma grande industria agrícola; era a da vinha, que desgraçadamente desappareceu ou tende a desapparecer; começou a extinguil-a o oidium, e o que este não matou, e as tentativas de regeneração vão sendo victimas da philloxera. Dos riquíssimos vinhedos madeirenses pouco resta. Esta cultura rica dava origem a variadas industrias subsidiarias, que escuso de enumerar á camara, porque desejo ser breve, a fim de não lhe furtar o tempo, em que deve escutar as discussões políticas, bem mais interessantes para muitos, bem mais attrahentes, do que estas miseras e enfadonhas questões sociaes.

Outra industria agrícola, tambem rica, dizem que desappareceu ou tende a desapparccer da ilha. As causas d'isto ignoro-as ainda presentemente.

Refiro-me á canna do assucar, cultura riquíssima, que podia igualmente produzir um grande numero do industrias subsidiarias ou derivadas.

N'estas condições, a Madeira possue hoje apenas principalmente uma cultura pobríssima, a dos cereaes.

Sabe v. exa. como os contratos de colonia são feitos na Madeira?

Por metade; 50 por cento para o dono da propriedade, 50 por cento para o agricultor, ao qual ficam as despezas do grangeio; ora todos sabem que as despezas do grangeio n'uma cultura pobre devem calcular-se em um terço, pelo menos, do producto bruto.

O agricultor madeirense, o colono, depois do seu trabalho annual não tira como legitima remuneração mais de 17 por cento do producto bruto do trato de terra ingrata, que agricultou.

Como se póde viver d'esta fórma?

Mais ainda. A propriedade na Madeira está agglomerada, está fortemente condensada. A divisão da propriedade não póde ainda produzir n'aquella ilha os seus beneficos resultados; ora, a agglomeração da propriedade, tem sido sempre a ruina de todas as sociedades. Já Plínio, se me é permittida a citação, a descreve como a principal causa da queda da republica romana.
Assim os proprietarios não se fazem concorrencia, e o

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colono nos limites estreitos da ilha, ou tem de acceitar o contrato, ou de emigrar.

Ha ainda uma outra causa de empobrecimento das classes populares n'aquella ilha. Os grandes proprietarios, por via de regra, não residem na ilha, de fórma que os seus rendimentos são gastos no continente ou noutra parte. A uma origem de miséria acresce outra origem do miseria.

Os resultados de tudo isto são conhecidos; a miseria nas populações ruraes da ilha e uma emigração cuja cifra excede toda a expectativa, sem que realmente eu a possa agora lixar, porque não ha o menor estudo positivo ácerca dos contratos da colonia e sobre o movimento do população na ilha da Madeira.

Isto exposto succintamente, é tudo quanto se póde saber ácerca da questão social da Madeira, eis porque eu esperava que aquelles que foram lá estudar a questão política tivessem estudado tambem a questão social; eis porque me admiro de que os deputados d'aquella ilha tenham vindo aqui em nome d'aquelles povos, tem terem uma palavra sobre estas questões, porque todas não podem ser falsas, e exijam simplesmente, como se outra cousa não faltasse, estradas e levadas!

Isto é gra-vissínio, sr. presidente, e eu assumo a responsabilidade do que vou dizer, para que mais tarde, se o meu vaticínio infelizmente se realisar, a minha responsabilidade fique completamente illibada.

Manifesta-se actualmente na Europa um movimento terrível, que eu não quero qualificar contra o nosso dominio colonial. Arrancam-nos hoje pela força aquelles terrenos africanos onde a nossa soberania era mais ou menos hypothetica, o que nós devíamos talvez dispensar; mas ámanhã ha de ir successivamente o resto, porque não se pára n'este caminho; e quando a força substitue o direito e o esmaga, acaba-se sempre por encontrar uma rasão leonina para satisfazer completamente os planos de um avido interesse.

Qual será o critério de justiça, que faça entrar a força nos limites do direito?!

Para quem appellar d'este synodrio da fortes, dos poderosos, dos que têem exercitos e armadas? Para quem appellar se a avidez se tornar um principio secundado pelo direito da força?

O resultado favoravel do primeiro ensino, animará o segundo; seremos espoliados das nossas colonias, e o movimento separatista, que se está manifestando nas nossas ilhas ha de accentuar-se.

O equilíbrio europeu permitte que nus, até certo ponto, não devamos ter grandes receios das nações da Europa, emquanto a esto segundo ponto.

Os seus interesses reciprocos, as suas invejas, não permittirão que uma se engrandeça em detrimento das outras.

É esta a grande historia d'este famoso equilíbrio, que tão facilmente se rompe quando para todos os fortes chega a presa; por este lado, pois, estamos mais ou menos seguros. Mas se um dia uma potencia formidavel, uma nação forte da America, fóra da acção do equilíbrio europeu, tomar a serio esse movimento separatista, se o seu interesse lhe indicar a conveniencia de o animar e de o insufflar; se mais tarde, usando do novo direito internacional de que as potencias da Europa lhe estão dando lições, essa potencia affirmar esse movimento com a sua força naval, pergunto eu, se lhe facilitarmos pelos nossos erros e pelos nossos descuidos esse caminho, onde iremos procurar meios, de que recursos havemos de lançar mão para impedir essa separação de uma parte importante do paiz?

É grave, sr. presidente, o que eu digo, mas é gravissimo o que se está fazendo.

Em vista d'isto, eu que me tinha imposto como um dever de consciencia expor estas opiniões á camara, esperei que na questão da eleição da Madeira fallasse o ultimo deputado inscripto para então pedir a palavra.

V. exa. sabe que circumstancias o impediram de conceder-me a palavra.

Eis a rasão, porque neste momento tomei a palavra para fazer estas considerações e ler á camara uma proposta, para a qual sincera e ardentemente lhe de uma solução favoravel.

A proposta é a seguinte:

"Proponho que se organise um inquerito parlamentar para estudar as condições economicas da Madeira, principalmente no ponto de vista do actual regimen da propriedade e do trabalho.

"A camara dos deputados, para esto e Quito, nomeará, fazendo representar todas as parcialidades políticas existentes no parlamento, uma commissão de nove dos seus membros, a qual, por todos os meios considerados mais conducentes ao seu elevado e interessante proposito, estudará o assumpto indicado, a fim de o expor ao parlamento, propondo ao mesmo tempo as medidas legislativas que possam melhorar as precarias circumstancias das classes agrícolas e industriaes madeirenses.

"Os ministros de estado actuaes, ou os que lhes succederem, sendo deputados, farão parte d'esta commissão e não perderão esta faculdade com a saída, do ministerio.

"Se a camara for dissolvida, a commissão de inquerito continuará a funccionar até ser substituída por outra similhante, nomeada pela camara que succeder a esta, se assim o entender necessario."

Por esta fórma nós poderemos em breve ter elementos para tomar resoluções positivas e uteis sobre o problema social da Madeira; por esta fórma poderemos apreciar a verdade das asserções contrarias.

Eu faço notar á camara que os inqueritos parlamentares deram entre nós o unico trabalho aproveitavel, que ha sobre a questão da emigração nacional, hoje antiquado, mas o unico que existo; eu lembro-lhe que na Inglaterra excellentes trabalhos têem sido feitos por meio de inqueritos parlamentares; em todo o caso rogo encarecidamente á camara que attenda a esta importante questão social e que não perca todo o seu tempo em discussões políticas, talvez brilhantíssimas, mas na maior parte das vezes vãs e esteries.

Já que estou com a palavra, v. exa., sr. presidente, me permittirá que eu mande um requerimento para a mesa. E outra questão social importante esta; uma classe inteira das mais infelizes e pobres do paiz tem a ella ligados os seus mais vitaes interesses.

O requerimento é o seguinte:

"Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

"1.º Rendimento bruto e despeza de cobrança do imposto sobre o sal, no regimen da lei do 1 do julho de 1882;

"2.° Rendimento bruto e despeza de cobrança do imposto sobre o sal, no regimen da lei de 5 de junho do 1884, até 31 de dezembro do mesmo anno."

Sr. presidente, estes elementos são-me necessarios, porque desejo dirigir uma interpellação ao sr. ministro da fazenda ácerca do modo como tem sido executada, a lei sobre o sal.

Não desejo antecipar os meus raciocínios; mas n'esta camara ha muito quem saiba que eu fui sempre adverso ao imposto sobre o sal; e nas circumstancias presentes, quando vejo levantarem-se os interesses de uma classe numerosa o desgraçadissima, como é a dos pescadores, não posso deixar de consignar a minha opinião sobre o assumpto, e de apresentar os resultados de um modesto, mas consciencioso estudo.

Finalmente mando outro requerimento para a mesa.

"Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja fornecida a nota do rendimento bruto kilometrico das linhas ferreas do norte e leste para o anno civil de 1884."

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Peço a v. exa. e á camara attenção por alguns minutos.

A questão que vou levantar é de grande importancia, e já em 1862 me occupei d'ella n'esta camara.

É sabido que pelo contrato de 1853 a companhia do caminho de ferro de norte e este é obrigada ao assentamento da segunda via, logo que o rendimento kilometrico bruto da linha de lesto, que é o troço comprehendido entre Lisboa e Badajoz, se elevar a 1:000 libras, ou 4:500$000 réis por anno, e que o mesmo rendimento da linha do norte, que é a parte comprehendida entre o Porto e o entroncamento, se eleve a 1:200 libras, ou 5:400$000 réis annuaes.

Ora, o rendimento actual das linhas do norte e leste attingiu, ou está proximo a attingir, este limite.

Chamo a attenção da camara sobre este ponto.

A linha do norte, e leste tem 500 kilometros, pouco mais ou menos, e com o assentamento da segunda via não pude a companhia despender menos de 15:000$000 réis por kilometro, ou cerca de 7.500:000$000 réis no total.

Não ha hoje engenheiro algum que depois da larga experiencia da exploração dos caminhos do ferro não saiba (e eu appello para os illustres engenheiros de caminhos de ferro que têem logar n'esta camara, entre os quaes vejo o sr. Almeida Pinheiro um especialista distincto) que, ao contrario do que se imaginava, quando se fez o contrato de 1853, não é necessario o assentamento de uma segunda via senão quando as linhas simples attingem um rendimento ainda superior ao dobro do fixado no referido contrato.

Effectivamente quando o rendimento kilometrico n'uma via simples excede certos limites as despezas de exploração elevam-se tanto, e esta torna-se tão difficil, que é mais economico construir a segunda via; emquanto, porém, este caso se não dá o assentamento de uma nova via constituo um grave erro económico, por tornar dormente e quasi esteril um avultado capital.

Parece-me este tanto mais grave, quanto temos nós necessidade de capital para intentar ainda alguns melhoramentos publicos.

Não será esta a occasião propicia para negociarmos o assentamento da segunda via em beneficio da construcção dos melhoramentos do porto de Lisboa?

Supponho que a segunda via não será precisa brevemente senão entre Lisboa e o Entroncamento, 100 kilometros approximadamente; são pois 6.000:000$000 réis que nós podemos negociar em excellentes condições, visto ser inutil construir a segunda via, que actualmente em nada contribuiria para o beneficio do paiz.

Appliquemos, portanto, esta quantia a uma obra instante e productiva.

O modo de applicação e a fórma do contrato com a companhia real dos caminhos de ferro não me cabe a mim estudal-os; pertence ao sr. ministro das obras publicas fazel-o; estude, pois, s. exa. o assumpto, e venha expol-o ao parlamento para ser devidamente apreciado.

Estas questões de administração são realmente aridas, mas quando o paiz quer e precisa melhorar o porto de Lisboa e medita e vacilla rasoavelmente diante de uma despeza de 15.000:000$000 réis, creio que é importante dizer-se que ha um capital de 6.000:000$000 réis, sobre o qual póde contratar-se em excellentes condições.

Se me disserem que isto offerece difficuldades, não o contestarei, mas devo fazer notar a v. exa. e á camara que governar não é transigir com as companhias poderosas e ricas.

Tenho-me espraiado de mais n'estas considerações, roubando o tempo á camara; parece-me, porém, que o assumpto o merece.

As grandes companhias, como as pequenas associações, estão sujeitas ás leis geraes do estado, e os seus interesses não podem contrariar o grandes interesses collectivos da nação.

Ahi fica a idéa, que será sustentada mais tarde e em occasião onportuna. E esta minha opinião não é nova.

Em 1882 apresentei eu nesta casa similhantes opiniões, que tiveram o valor de ser corroboradas por um dos membros mais auctorisados d'esta camara, um dos homens d'este paiz, para mim, de mais elevada intelligencia e competencia, o meu amigo Mariano de Carvalho.

Eis o que se póde ler na sessão de 15 de marco do 1882:

"É preciso, porém, que se conheça claramente esta questão da segunda via. Pelo contrato de 14 de setembro de 1860, approvado por lei de 5 de maio de 1860, concedeu-se a construcção e a exploração por noventa e nove annos das linhas do norte e leste, obrigando-se o concessionario a assentar a segunda via quando o rendimento bruto kilometrico da linha do norte ascendesse a 5:400$000 réis e da de leste a 4:500$000 réis. Estes rendimentos actualmente estão proximos de attingir a media fixada, principalmente na linha de leste, que em 1880 rendeu réis 1.195:000$000, ou seja 4:330$000 réis por kilometro; em breve, portanto, a companhia do norte e leste será legalmente obrigada a assentar a segunda via, em que despenderá segundo os calculos mais seguros, 15:000$000 réis por kilometro, ou 7.500:000$000 réis em toda a sua rede.

"Será conveniente para o paiz a immobilisação de tão grande capital em similhante obra? Eu hei de ter a audacia de o dizer, declarando expressamente que a opinião é só minha; não, não o é.

"O sr. Mariano de Carvalho: - É igualmente a minha.

"O Orador: - Tanto melhor; seremos dois, pelo monos, a protestar energicamente contra o longo adormecimento de um capital, que podia reproduzir-se com grande utilidade para o paiz que tanto carece d'elle barato para obras instantes de profundo alcance economico.

"Collocar uma segunda via, e para quê? Quando a experiencia tem demonstrado que uma só via satisfaz as condições de um movimento, que se traduz por um rendimento kilometrico de 10:000$000 réis e 12:000$000 réis? Pelo prazer de ver um grande capital morto representado em dois carris parallelos inuteis?

"Haverá receio, porventura, de que o estado quando entrar na posse das linhas, ao cabo ainda de setenta e sete annos, não encontre este capital realisado? Vãs chimeras!

"Dentro d'aquelle praso longo as linhas do norte o leste, uma das boas redes europêas, terão triplicado o seu rendimento e attingido aquella cifra, em que uma segunda via será não uma obrigação imposta por uma condição legal, mas uma necessidade impreterivel dictada pela exploração crescente, uma conveniencia de economia para a companhia; e a segunda via será collocada então e o estado recebel-a-ha mais tarde. Eis a verdade.

"No entretanto, e desde já, negociemos esse grande capital, que perfeitamente gratuito se póde applicar em beneficio do paiz: excluam, se quizerem, a extensão entre Lisboa e o entroncamento, que póde considerar-se troço commum das duas linhas, ficarão ainda 6.000:000$000 réis! Appliquemos esta enorme cifra á construcção de outras linhas; se quizerem, ao porto de Lisboa, principalmente, onde tudo nos falta, louvado seja Deus, menos o que a natureza prodiga nos concedeu: tal tem sido a nossa incuria, ou a nossa pobreza! (Apoiados.)

"Da nossa costa mal illuminada foge a navegação, do nosso porto mal fornecido foge o commercio, pois outro porto commercial como o nosso não o ha na Europa, pois o vasto estuario do Tejo ha de ser um dia o grande emporio do occidente a forçada escala da collossal navegação, que sulca o oceano em busca das costas americanas! (Apoiados.)

"Façamos convergir para o nosso porto a força d'esse

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capital, que vamos matar, transformando-a em grandes aterros marginaes, que substituam essas negras lamas que lentamente envenenam e atrophiam a população de Lisboa, em docas de carga e de descarga, de abrigo e de concerto, em pontes e em armazens de um excellente porto commercial. (Apoiados.)

"Eis o que é patriotico, eis o que é sensato, eis o que chamará sobre o paiz um manancial de riqueza e de prosperidade, e sobre o ministro energico que realisar esta medida, a gloria de uma obra grandiosa e de um arrojado emprehendimento."

Não foi hoje que tive esta idéa, foi ha tres annos. Convem esclarecer este ponto.

Tenho dito.

Os requerimentos vão publicados no logar competente. A proposta ficou para segunda leitura.

O sr. Pinto de Magalhães: - Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa de dois projectos de lei.

Ficaram para segunda leitura.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, vou responder em breves palavras ás considerações feitas pelo sr. Fuschini, porque a camara tem de occupar-se de outros assumptos, e eu não desejo portanto roubar-lhe o tempo n'esta occasião; mas antes d'isso mando para a mesa varios requerimentos, que constituem o fim principal para que pedi a palavra.

Como vejo que não está ainda presente o sr. previdente do conselho, vou occupar a attenção da camara por alguns momentos antes de se passar á ordem do dia, respondendo rapidamente ao sr. deputado Fuschini.

Eu estaria bem dispensado mesmo de responder ao illustre deputado com uma simples declaração.

Se o illustre deputado, que parece não ter prestado bastante attenção ao discurso em que eu fallei ácerca da questão agraria na Madeira, tivesse recorrido ao Diario da camara, veria que a opinião que ali está exarada é diversa e opposta mesmo á opinião que s. exa. me attribue n'este momento.

Sou eu que me espanto, com effeito, de que o sr. Fuschini, cavalheiro que se interessa tão profundamente por estes problemas sociaes, venha dizer que eu pronunciara n'aquella tribuna palavras que destoam, não só do meu modo de sentir, mas até do mais trivial bom senso em quem se occupa de questões d'esta ordem!

Eu não disse que não existia a questão agraria na ilha da Madeira; affirmei apenas que para o caso actual do desenvolvimento rapido, extraordinario e inexplicavel apparentemente do partido republicano n'aquclla ilha, a questão agraria e social, a ter realmente influido de algum modo no resultado, havia representado um papel meramente secundario.

Disse mais que havia para mim um grande argumento capital, que provava bem que a questão agraria não tinha sido a causa principal do desenvolvimento do partido republicano, porque, se assim fosse, claro era que devíamos encontrar a maxima intensidade d'este partido nos concelhos ruraes, e que devia corresponder uma intensidade, minima á capital do districto, que de certo nada tem que ver com a organisação, boa ou má, da propriedade nos concelhos ruraes...

O sr. Fuschini: - Peço perdão ao illustre deputado para lhe fazer uma interrupção. V. exa. permitte?

Eu não quiz contar á camara um certo numero de anedotas, porque não costumo occupal-a com pequenas cousas, mas quer v. exa. saber como é conhecido o sr. Manuel de Arriaga na ilha da Madeira?

Pelo fidalgo!!

Sabe v. exa. o que delle diziam os pobres villões?

Diziam que o sr. Manuel de Arriaga fizera com que passasse a lei dos terços, isto é, a lei na qual se determinava que a renda seja dividida em tres partes, uma para o agricultor ou explorador, outra para o dono da propriedade e a terceira para despezas do grangeio.

Diziam mais que esta lei estava no governo civil, donde a não deixavam sair, mas que o illustre ex-deputado republicano lá iria num navio para a arrancar do governo civil!

Ora v. exa. ha de desculpar-me que lhe diga, que gente d'esta, não é certamente a mais apta para discutir e ter opiniões sobre assumptos de direito publico. (Apoiados.)

O Orador: - Antes de tudo, tenho a ponderar a s. exa. que sei muito bem o que se dizia na ilha da, Madeira, não só a respeito do sr. Manuel de Arriaga, mas ainda mesmo a respeito de outros assumptos que de certo n'este momento pouco interessarão á camara; mas o que s. exa. provavelmente não sabe, senão tel-o-ía dito com toda a lealdade que é propria do seu caracter, é que essas lendas não foram inventadas pelos taes villões, mas foram exactamente propaladas por aquelles que tinham interesso em especular com a desgraça, com a credulidade e com a miseria!

Já vê s. exa. que o ponto de vista é completamente diverso, e por consequencia que bem pequeno é o valor dessas lendas a, que s. exa. acaba de referir-se, lendas que melhor seria talvez não repetir aqui, porque ellas provém de fontes onde de certo o sr. Fuschini não vão beber a sua sciencia nem buscar as suas informações!

Creio ter explicado o que disse a respeito da questão agraria na ilha da Madeira, ao occupar-me das causas do desenvolvimento da idéa republicana n'aquella ilha por occasião da ultima discussão na camara.

Se s. exa. ainda assim quer tirar todas as duvidas, póde recorrer aos annaes parlamentares e lá encontrará as palavras que eu aqui proferi.

Não desejo cansar a camara com esta discussão, que hoje me parece aqui absolutamente deslocada, e vou por isso terminar já.

Simplesmente direi a s. exa. que, embora eu me associe á proposta do sr. Fuschini, para que se faça um inquerito parlamentar, com o fim de estudar as condições do trabalho na Madeira, não a teria eu proprio feito, apesar de lhe reconhecer a justiça, porque ainda ante-hontem esta camara rejeitou uma proposta do inquerito, não tão lata, nem ao tão largo alcance, e sobretudo mais urgente, apresentada pelo sr. Dias Ferreira, a respeito dos factos occorridos por occasião da ultima eleição geral na assembléa da Ribeira Brava.

Já v. exa. vê que, embora me associe á proposta que acaba de ser apresentada, não tomei a iniciativa d'ella porque sabia já qual a sorte que á esperava, e, com franqueza, não desejo todos os dias e s lar a ser padrinho de defuntos!

A respeito da questão separatista, não existe na Madeira. É uma torpe calumnia com que pretendem ferir aquelle bom povo. Posso afiançar isto a v. exa.

Eu, que estive ha pouco tempo em meio d'aquellas populações, asseguro á camara que não existe lá ninguem que seja partidario da separação de Portugal. Do que a Madeira quer separar-se, e com rasão, é de instituições que, até no insuspeito dizer dos deputados monarchicos, têem sido para ella uma causa de miseria e de ruína!

Tenho dito.

O sr. Matos de Mendia: - Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de agricultura, tendo nomeado para presidente o sr. Estevão de Oliveira, e a mim para secretario, havendo relatores especiaes.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada vae passar-se á ordem do dia, continuando em discussão o parecer da resposta ao discurso da corôa.

Tem a palavra sobre a ordem o sr. Antonio Candido.

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O sr. Antonio Candido: - A minha moção de ordem é uma substituição completa ao projecto da illustre commissão incumbida, pela maioria d'esta camara, de redigir a resposta ao discurso da corôa.

Obedecendo aos preceitos do regimento, vou ler a minha moção:

(Leu.)

"Senhor. - A camara dos deputados, eleita em conformidade com a lei de 25 de maio do anno passado, convencida de que, do successivo aperfeiçoamento dos processos eleitoraes depende o fortalecimento das instituições, aprecia devidamente a satisfação de Vossa Magestade ao ver-se rodeado dos representantes da nação.

"A camara regista com agrado a declaração de que as nossas relações com as potencias estrangeiras não têem soffrido alteração alguma; e folgará de reconhecer que se têem mantido as allianças, que devem ser o fundamento d'essas relações. Aguardando os resultados finaes da conferencia de Berlim, de cuja iniciativa declina a responsabilidade o governo de Vossa Magestade, esta camara estimará muito verificar, que se empregaram as devidas diligencias e as melhores negociações, para que, na questão africana, fossem reconhecidos e respeitados os nossos direitos de soberania, e os nossos interesses commerciaes resalvados e protegidos como os das outras nações representadas n'aquelle congresso diplomatico.

"Esta camara lamenta, que o procedimento do governo durante o interregno parlamentar e o teor das reformas políticas por elle apresentadas, a inhibam de cooperar, como desejava, na elaboração das mesmas reformas.

"A camara estima que a tranquillidade material do paiz não tenha sido alterada, fazendo votos para que, quanto antes, se atalhe á desordem moral, que n'estes ultimos tempos ameaça subverter aquella.

"E quanto aos acontecimentos, que perturbaram a ordem publica nas nossas possessões, a camara deseja que o governo attenda á melhor organisação das nossas forças ultramarinas, em harmonia com as nossas necessidades de potencia colonial.

"A camara, dando a sua plena approvação ás providencias adoptadas para nos defendermos contra a invasão do cholera-morbus, sem prejuízo dos reparos que tenha a fazer por não haverem sido cumpridos os preceitos da contabilidade publica, atraiçoaria a opinião do paiz, que representa, se occultasse a Vossa Magestade a dolorosa commoção, determinada pelas outras providencias dictatoriaes, decretadas sem necessidade durante o intervallo das sessões, com tanta offensa para a magestade do poder legislativo, como damno para os verdadeiros interesses do paiz.

"A camara folga com o desenvolvimento e progresso, revelados pela exposição agrícola na mais importante das nossas industrias, e, no referente ás obras publicas, é seu desejo que ellas sejam reguladas pelos princípios da mais severa economia, e em conformidade com as circumstancias financeiras do paiz.

"A camara compreheude que a nossa questão colonial lhe exige a maior attenção, e entende que não podemos levar á Africa a civilisação e desenvolver os seus elementos de riqueza, sem reformar profundamente a nossa administração ultramarina, aluando uma justa iniciativa das colonias á necessaria fiscalisação da metropole.

"A camara, reservando-se para apreciar a maneira como o governo usou da auctorisação que lhe fôra concedida para contratar um emprestimo, deplora que a situação do credito publico não corresponda aos sacrifícios que têem sido impostos ao paiz, e sente que á boa vontade do parlamento não tenha correspondido o cumprimento das solemnes promessas de equilíbrio financeiro, que tantas vezes têem sido formuladas pelo actual sr. presidente do conselho.

"A camara envidará todos os seus esforços para habilitar o thesouro a honrar os seus compromissos, convencida do que a morigeração nas despezas é um elemento indispensavel de restauração financeira, e de que o paiz se não recusará aos sacrifícios, que em reforço ás economias forem necessarios para acudir aos seus encargos.

"Senhor, a camara dos deputados da nação portugueza reconhece quanto é ardua e importante a missão que tem a desempenhar era conjunctura tão melindrosa, mas espera que da confiança de Vossa Magestade, do apoio do paiz e da consciencia dos seus deveres tirará força bastante para bom se desempenhar do encargo que lhe é incumbido.

"Sala das sessões, em 20 de janeiro de 1885. = Antonio Candido."

A camara ouviu hontem as declarações do sr. Anselmo Braancamp, e ouviu-as com a respeitosa attenção que é devida á sua posição eminente e á conhecida lealdade da sua consciencia e da sua palavra. A proposta que tenho a honra de apresentar é todo o espirito dessas declarações, applicado ás formulas e artigos do projecto que se discute, e tem, para o partido progressista, o alto valor e a summa auctoridade que lhe resultam da approvação do seu venerado chefe.

Disse hontem o sr. Anselmo Braamcamp que a opposição progressista seria, alem de energica, franca e leal; e a primeira prova de que a nossa opposição revestirá estas duas qualidades, é a minha proposta, na qual se encontram compendiados, em claríssimo resumo, todos os aggravos que temos do procedimento do governo. (Apoiados).

Mas alem d'estas considerações que explicam fundamentalmente esta minha proposta, parece-me que ella poderá servir para simplificar a complexa e ampla discussão, em que está empenhada esta camara.

A minha proposta e o projecto da illustre commissão assignaram, se não me engano, e resalvadas quaesquer differencas, as duas correntes de opinião que dividem politicamente esta assembléa. Fica de um lado a identificação expressa do pensamento do governo e da adhesão da sua maioria; do outro lado, a affirmação divergente de todo esse discurso em que a voz irresponsavel do rei foi mais uma vez obrigada a fazer uma falsa historia de administração e um falsissimo programma de governo! (Muitos apoiados.)

Vencerá o projecto da commissão que ha de ser defendido por vozes eloquentes, umas já experimentadas galhardamente nos torneios parlamentares, outras adquiridas ainda ha pouco, em felicíssimas estreias, para gloria desta tribuna e da patria? Vencerá a minha proposta, a que tambem não ha de faltar o prestigio e a eloquencia dos oradores da opposição, destacando e avultando na sombra da minha modesta palavra?

Não sei.

Confio pouco na efficacia da tribuna como inspiradora das assembléas políticas. É só nos dias de revolução, quando a alma popular, ardente e apaixonada, intervém nas deliberações sociaes, que a palavra pôde, que a palavra vale! Mas, felizmente, o que se diz aqui passa deste recinto; alem desta casa continua a nação que nós representamos. (Muitos apoiados); a tribuna não é só o centro do parlamento, é tambem o logar mais alto do paiz (Apoiados); e assim como na natureza cosmica não se anniquila um átomo, na consciencia moral dos povos não se perde uma verdade, por muito simples que seja, e por mais desvaliosa que pareça. (Vozes: - Muito bem. - Muitos apoiados.)

Principiou hontem o combate, e as primeiras palavras que se cruzaram foram, como era de lei, a do nobre chefe do partido progresista e a do illustre presidente do conselho.

O primeiro tirou forças da sua doença e veiu trazer-nos a sua palavra, que tem o prestigio de quarenta annos de uma vida impolluta e da obediencia incontestada de um grande partido. (Muitos apoiados.) O segundo, urbano e primoroso, como e sempre, rendeu-lhe as homenagens mere-

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cidas, e disse, depois, da justiça e conveniencia da sua causa, como póde e como soube.

Mas que notavel e frisante contraste! O discurso do sr. Braamcamp foi claro, raciocinado, direito ao seu fim, grave como a situação do paiz, solemne como os conselhos da prudencia, sentido como o patriotismo que o inspirou, e luminoso como a liberdade que veiu servir. (Muitos apoiados.)

O discurso do sr. Fontes, eloquente e facil, como é do genio da sua palavra, foi o contrario de tudo isto: vão, contradictorio, cortado de digressões recreativas, picado aqui e alem de uma ligeireza do humor, que está sendo a nota mais repetida da sua ultima maneira parlamentar. (Muitos apoiados.)

Pedindo a palavra sobre um discurso do sr. Fontes, e tendo apresentado uma moção de ordem, eu tenho de justificar essa moção de ordem e tenho de responder ao discurso do sr. presidente do conselho.

Responder ao ultimo discurso do sr. Fontes confesso á camara que me é extremamente difficil. Disse tantas cousas! Moveu tantos assumptos estranhos ao debate! (Apoiados.) Quando eram necessarios argumentos, fazia diversões oratorias; quando se lhe pedia historia, contava anedotas; quando era convidado pela voz austera e auctorisada do sr. Braamcamp a dizer o seu juizo sobre cousas tão momentosas e graves como a economia e a fazenda da nação, narrava novamente as suas viagens, que o paiz já sabe de cor (Riso e apoiados.) dizia-nos que tinha nos arsenaes da memoria armas terriveis para castigar a nossa severidade, se ousássemos manifestal-a, armas que, por antigas, pareciam mais proprias de um museu do que de um arsenal, (Riso e apoiados.) improvisava umas cousas quaesquer do ancien regime, que não se sabe para que vieram, e fazia variações de philosophia vulgar sobre uma velha phrase sua. (Riso e muitos apoiados.)

Em todo o caso é necessario responder a s. exa., e eu confio um pouco em que a minha memoria reviverá os pontos essências do seu discurso. Esta confiança na minha memoria é uma vaidade, que se me desculpará, attendendo a que ninguem preza a que tem, ou sente o pudor da sua falta...

O sr. presidente do conselho exclamava hontem: estranho a declaração de guerra, que se me faz. Guerra houve sempre. Por treguas nunca dei. Ainda me sinto dos duros golpes, que me foram vibrados na sessão passada!... E logo em seguida, pouco depois, dava á sua palavra a maxima intensidade de indignação, não sei se natural, se postiça, e bradava contra o rompimento do accordo, que qualificava de impolitico, desleal para nós e prejudicial para a patria!!

Quem entende isto?

Parece-me que e caso para se dizer ao sr. Fontes que se a guerra a todo o transe não implica com o accordo, não o contradiz, fique s. exa. pensando que elle subsiste ainda. (Riso. - Apoiados.) Não vejo inconveniente n'isto.

Insistindo em que se rompêra o accordo, o nobre presidente do conselho declarou ao paiz e ao mundo que não foi sua a culpa; e trahindo, pela commoção da voz, melindres de sensibilidade, de que se não suspeitava, acrescentou que sentiria afflictivos remorsos se para tal houvesse contribuido! A isto se chama esgrimir com phantasmas, o que não fica bem a um ministro da guerra. (Riso. - Apoiados.)

O sr. Braamcamp disso, a não deixar duvida, que ninguém rompera o accordo, que o accordo se extinguira por si, como se extinguem os contratos cujas condições e clausulas se acham integralmente cumpridas o satisfeitas. (Apoiados.) E não se limitou a dizer isto. Provou-o com o texto inequivoco das declarações do digno par, meu amigo, o sr. Henrique de Macedo, na outra casa do parlamento, texto que eu vou ler tambem, porque é importante, porque é decisivo, porque é esmagador para quem pensou que poderia illaquear, n'uma habilidade interesseira e facil, a honra e o dever de um grande partido. (Apoiados.}

Note a caçoara que não e um discurso revisto pelo orador. É o puro extracto das notas tachygraphicas, documento official, e publicado no seu logar proprio.

Isto tem alguma importancia.

Dizia o ar. Henrique de Macedo:

(Leu.)

"Depois d'essa leitura, entendia o orador, que os compromissos do par Lido progressista, resultantes do accordo, eram:

"1.° Votar a generalidade dos dois projectos, (Referia-se aos projectos de reforma constitucional e de reforma eleitoral) caso essa generalidade viesse a ser votada;

"2.º Acatar e respeitar as reformas cuja necessidade for votada por esta camara, e cuja realisação for votada pela camara revisora o pela dos dignos pares, se se reconhecer que tambem ella tem de intervir nessa ultima votação, caso ella venha a realisar-se."

Mais abaixo, explicando o sentido de algumas palavras anteriormente proferidas, o sr. Henrique do Macedo, continuava:

(Leu.)

"Explicando o sentido das palavras "acatar o respeitar", disse que se devia entender que o seu partido poderia, se quizesse, continuar pelos seus meios de propaganda a insistir pela sua reforma, sem que, por isso, se considerasse que desacatava e desrespeitava a reforma feita, porque effectivamente propor, escrever, fallar contra uma lei existente não era desacatar nem desrespeitar essa lei.

"Portanto, a propaganda; a proposta, todos os meios legaes a que os partidos podiam recorrer contra uma lei que não traduzisse os seus principios, todo o partido progressista ficara livre do os empregar, porque essa liberdade se reservára."

Não attendeu o sr. presidente do conselho a estas declarações, quando ellas foram proferidas na camara alta? Se attendeu a ellas, esqueceu-as depois? A si impute, no primeiro caso, a falta de attenção, e, no segundo, a falta de memoria. (Apoiados.)

N'esta maré crescente de infelicidades e contradicções, o sr. Fontes Pereira de Mello estranhou que lhe não notificassem o acabamento do accordo. Se esse pacto de temporaria alliança entre os dois partidos tinha acabado por si, para que seria precisa a denunciação do seu termo? Se essa denunciação devesse ter logar, não seria o discurso do sr. Braamcamp a realisação d'ella? Não é o parlamento o logar proprio para actos d'esta ordem? Não tem estado esta camara inhibida do tratar questões politicas, obrigada á morosa preparação que lhe foi imposta, tão conforme aos hábitos e interesses do governo? Não têem estado desertas casas cadeiras, parecendo que os srs. ministros se sentem mal n'esta casa?! (Muitos apoiados.)

O illustre presidente do conselho, levantando-se para responder ao sr. Braamcamp, e não se atrevendo a negar a historia dos factos, narrada pela mais digna e leal palavra, que se póde ouvir, fez considerações, produziu argumentos, fallou de si, fallou de tudo, fallou de todos, como se a hypothese, contraria, a que lhe convinha, fosse a verdadeira! E disse, ora insinuando, ora affirmando, que o contrato do governo com a opposição progressista, obrigava esta a prolongar as treguas, pelas quaes não tinha dado, (Riso.) e a suspender a declaração de guerra, que nenhuma alteração trouxe nas relações dos dois partidos. (Riso. - Apoiados.)

Sc a materia do accordo fosse tão comprehensiva como afigura o nobre presidente do conselho, o resultado seria o mesmo. Esse accordo já não existiria. A distancia reaberta entro os dois partidos seria hoje maior que nunca. O contrato estaria desfeito, o contrato estaria extincto. Porque? Porque as estipulações de qualquer especie acabam, entre

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outras rasões que as invalidam, pela insolubilidade de algum dos contratantes, e o governo está ha muito tempo insoluvel, (Apoiados.) alienou o que ainda tinha para cumprir das suas obrigações, desde que fechou o parlamento no anno passado, (Apoiados.) fallou, (Muitos apoiados.) e fallou fraudulentamente, (Muitos apoiados.) e se o partido progressista estivesse, até então, de qualquer fórma compromettido, poderia e deveria rehaver a isenção do seu pensamento e a liberdade da sua palavra! (Muitos e repetidos apoiados.)

Mas, exclamava hontem o sr. presidente do conselho de ministros: se o accordo não era para o que eu suppunha, se não tinha as clausulas, a que me referi, se estava restricto ao que a opposição diz agora, para que o queria eu? De que poderia servir-me? Eu tenho andado desde 1872, com o espirito do seculo, como Diogenes com a sua lanterna, á procura de chefes de partido para me accordar com elles no alto e patriotico emprehendimento das reformas politicas. Pude entender-me com o sr. Dias Ferreira, que me cedeu, por ventura minha, dois ministros; suppuz que tambem tinha logrado a fortuna de me entender com o honrado chefe do partido progressista... Se esse partido não havia de cooperar com o governo nesta sessão constituinte, para que solicitaria eu o seu apoio na sessão do anno passado?!

Lamentavel, esquecimento este! Já se não lembra de que o accordo póde distrahir o partido progressista do deliberado proposito de inacção parlamentar, em que elle estava; já se não lembra de que sem o apoio dos dignos pares, que representam este partido na outra casa do parlamento, o projecto, que reconhecia a necessidade das reformas, não passaria, e, o que peior se afigurava então ao sr. Fontes, tudo o governo cairia amortalhado n'esso projecto! (Muitos apoiados.)

Mas eu ainda não comprehendi bem o que o nobre chefe do partido regenerador pretendia de nós, alem da votação da generalidade d'aquelle projecto; confesso que não atinei ainda, nas nebulosas o contradictorias explicações que lhe ouvi, com o que mais podesse entrar na materia do accordo! Que poderia querer mais de nós? A votação da sua proposta, que não conheciamos então, e que em caso algum transladaria a nossa consciencia politica?! Mas era impossivel, porque era indigno. (Muitas apoiados.) O compromisso de que não tentariamos contra a sua obra por meios violentos e processos revolucionarios?! Mas era desnecessario, porque se subentendia. (Muitos apoiados.)

Na convenção franceza, Mirabeau, combatendo uma lei do emigração, exclamou do alto da tribuna: juro que desobedecerei a esta lei, se for approvada. Não passou pela mente do sr. Fontes, de certo, que jurássemos desobediencia ás reformas politicas, se ellas viessem a ser lei d'este paiz...

Sr. presidente: Obrigado pela necessidade da resposta ao discurso do sr. Fontes, tenho falindo do accordo, entrando na interpretação casuistica das suas clausulas, e cingindo-me á estreita dialetica em que s. exa. metteu as suas rasões. Quero agora fallar d'elle sob outro aspecto, indicando as suas origens, ponderando a sua opportunidade, fazendo a sua philosophia, e dizendo, em summa, por quaes rasões o acceitei e applaudi.

Acceitei-o, applaudi-o. Dei-lhe, de plena liberdade, a adhesão da minha consciencia. Não me arrependo. Não venho penitenciar-me do que fiz, isto é, do que pensei. Não venho dizer que recebi a mercadoria pela côr da sua bandeira. Não darei, pela minha parte, o espectaculo merecido pelo illustre chefe do partido regenerador, que, com tantos annos de vida publica e tão largo conhecimento dos homens e das cousas, vem dizer aqui, n'esta camara, que se illudiu sobre as qualidades dos homens com quem tratou!

Por que acceitei o accordo? Por que o applaudi?

Eu vou dizer.

Desde que o sr. Fontes assumiu a suprema direcção do seu partido, uma unica preoccupação teve e tem. É a de governar, governar sempre, governar só, governar com as suas idéas ou com as alheias, governar dentro ou fóra do ministerio, governar discricionariamente tudo e a todos. (Vozes: - Muito bem. - Muitos apoiados.) Perdeu, pouco a pouco, todo o sentimento da vida constitucional. (Muitos apoiados.) Ennevoou-se-lhe, com os fumos da gloria, a lucida e poderosa rasão, e chegou a pensar, a crer sinceramente, que a sua complexa personalidade, excessivamente grande para a geographia d'este paiz, dava para tudo: para a vigorosa sustentação dos interesses conservadores, para a ousada e calorosa, defeza das idéas progressistas, e até, se tanto fôra mister, para os primeiros ensaios de transacção da monarchia com a republica. (Riso. - Muitos e repetidos apoiados.) E tratou logo de comprometter e embaraçar de todos es modos, desde a intriga palaciana até á falsificação eleitoral, desde a seducção degradante até á guerra do exterminio, o unico partido forte, organisado; cheio de tradições, com hierarchia e com disciplina, com programma e com ideal, que podia e devia alternar-se no poder com o partido regenerador. (Muitos apoiados.)

E d'ahi vieram, como da sua natural surgente, as perturbações que tanto têem contribuido, com prejuizo de todos, para a anarchia moral, talvez irremediavel, da nossa politica! (Apoiados.)

Foi em contradicção a esse pensamento dominador e absorvente do sr. Fontes Pereira de Mello que appareceu o expediente das reformas politicas. Era uma cousa a tentar, bem a ilusão metaphisica de que as reformas regenerassem o paiz, entendeu se, e entendeu-se bem, que era necessario alterar e reconstruir as cousas por fórma que o poder não fosse apanagio de um só homem, (Apoiados.) e patrimonio quasi inalienavel de um unico partido! (Muitos apoiados.) Lançada na circulação esta idéa, que não julgo a priori, que a experiencia exaltará como uma verdade, ou fará entrar no dominio, já grande, das nossas utopias constitucionaes; lançada na circulação esta idéa, urgia dar-lhe satisfação, realisal-a. A politica innamma facilmente as consciências, educadas, pela maior parte, por processos pouco positivos; por outro lado, o pensamento da revisão constitucional estava gastando esforços e attenções, imperiosamente reclamado pelas necessidades recrescentes e pelos perigos immediatos da nossa administração interna e da nossa, politica colonial. ( Apoiados.)

Foi n'esta occasião que o sr. Fontes teve a idéa e tomou a iniciativa do accordo para as reformas politicas. Pareceu-me propicio o momento para a resolução do problema constitucional. Applaudi. O meu partido declinava de si um encargo, que seduzia o meu espirito e interessava a minha actividade; mas pensei que, no espaço indefinido da politica, os ideaes e as boas causas se succedem facilmente. Tive sobresaltos, porque conheço as tradições do sr. presidente do conselho, e sei que, para elle, o governo tem fido sempre, não a applicação scientifica de altos principios, mas uma arte de expedientes habeis; no entretanto era necessario encerrar um periodo de anciedade publica, que já se tinha prolongado excessivamente. (Apoiados.)

Por outro lado agradava-me a posição digna, honesta, do meu partido no accordo que se elaborava. Pedia, como condição unica, uma lei eleitoral, que era excellente; não pedia, como é costume n'esta terra, ainda com o pretexto de menores serviços, lugares na bancada dos ministros, nem participação nos proventos do poder. (Muitos apoiados.)

Dava assim um exemplo de nobre desinteresse e sympathica abnegação, n'este meio ganancioso e egoista, em que do todo falta o ideal das consciencias convictas e das almas dedicadas, e mostrava-se digno dos grandes nomes, que enchem e esmaltam a sua formosa genealogia! Mostrava que descendia de Passos Manuel, o melhor poeta e o primeiro santo da nossa historia constitucional; do duque de Loulé, a alma mais estoica o fidalga, que ainda se

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estrellou na nossa, moderna politica; do heroico e modesto marquez de Sá, que Alexandre Herculano appellidou o portnguez mais illustre d'este seculo; do bispo de Vizeu, esse bello caracter, feito do força nativa, abnegação constante o bondade plena; de José Estevão, o glorioso tribuno, em cujo peito leal não coube nunca uma ambição pequena, que morreu sem outras grandezas alem das do seu genio e do seu renome, e que nunca trocou pela cadeira de ministro a sua cadeira de deputado, comprehendendo e sentindo que ali, directamente, sem intermedio de especie alguma, melhormente representava o povo, o povo, de que era, o povo, que elle amava, n'esses bons tempos em que a paixão pelo povo não era uma inferioridade e uma vergonha! (Vozes: - Muito bom, muito bem. Repetidos apoiados.) Mostrava que descendia de todos casos, que o sr. Fontes citou hontem explorando a sua memoria, e que era digno do os representar, que conhecia e professava a sua doutrina moral, que continuava e honrava a sua escola, em que sempre se ensinou que a apostacia interesseira é um crime abominavel, e que a politica não póde ser, não deve ser, uma mercancia ignobil! (Repetidos apoiados.)

O partido progressista reclamou a lei eleitoral. Não pediu mais nada. Foi a unica condirão que impoz. Não lucrou outra. Não promoveu interesses seus; serviu e zelou os do paiz. Nem sequer brazonou a sua historia, porque essa lei traz a assignatura do homens, que não são seus: mas honrou o enriqueceu, mais uma vez, a legislação e o direito d'esta terra. A lei eleitoral, obtida no anno passado, é quasi perfeita. Não conheço melhor. Porque a vi repudiada em algumas das suas disposições por deputados, que têem a gloriosa responsabilidade d'ella, e lembro-mo n'este momento, ainda com viva admiração, do lucido, eloquente e notabilissimo discurso do meu prezado amigo, o sr. Marçal Pacheco, que certamente apenas a repelle na parte a que se referiu n'uma das sessões passadas; porque a vi repudiada, repito, devo dizer que, no meu juizo, é a melhor cousa feita pelo parlamento portuguez ha trinta annos! Igualámos a Hespanha. Somos superiores á Inglaterra e ás mais cultas nações do Novo Mundo. A França e a Italia, as nossas veneraveis educadoras, uma porque é o foco da revolução permanente, que nos agita ha um seculo, e a outra, porque representa o fidalgo morgadio da nossa raça e nos ensina, em lições immortaes, a formula do direito e o sentimento da arte; a França e a Italia podem aprender aqui a theoria do direito eleitoral. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente: Esta lei appareceu como prefacio das reformas politicas. O partido progressista desobrigára-se dos seus compromissos votando a generalidade do projecto das reformas, e aguardaria, cheio do benevolencia, a obra do governo. Mas esta benevolencia, que estava, naturalmente, entre as linhas do accordo, e era uma consequencia da approximação dos partidos, como a estima pessoal o é da approximação dos individuos, tornou-se impossivel, desappareceu, acabou, desde que, fechado o parlamento, o sr. Fontes inaugurou essa serie de attentados constitucionaes, que tanto commoveram o paiz, e logo fizeram que todo elle correspondesse com inteira indiferença, se não foi desprezo, á obra falsissima, que o sr. Fontes ía fazer sob color de uma revisão constitucional! (Muitos apoiados.)

Não podia ser maior, nem mais significativa a indifferença publica, e qualquer estadista menos corajoso teria succumbido diante d'ella. Mas são para muito mais os brios do sr. presidente do conselho.

É constituinte esta legislatura. Tem, portanto, um caracter grave, excepcional. Quem tem medo a palavras, dá-lhe outro nome; chama-lhe revisionista, por exemplo, preferindo indicar a fórma do processo, que nos compete, a dizer logo, n'um só termo, a especialidade dos poderes do que estamos revestidos. Em alguns actos solemnes e publicos, o governo evitou qualificar estas côrtes. Imagino que procedeu assim por conselho do sr. ministro do reino. (Riso.) No relatorio do projecto das reformas, diz-se que a obra d'esta camara será um novo acto addicional á carta de 1826. Reminiscencias do acto de 1852, em que teve de cooperar o sr. Fontes Pereira de Mello. E deixe me dizer, sr. presidente, que n'estas hesitações, no emprego d'estas pequeninas habilidades, se manifesta o estreito espirito com que vae ser ensaiada a reforma das nossas leis fundamentaes. Fazer uma reforma em que ficasse tudo como estava, em que nem sequer se modificasse a carta na sua fórma material foi, inicialmente, e é agora o pensamento do sr. Fontes. E realisa-o, este feliz estadista! Nunca plano algum seu foi tão completamente realizado. Seguramente, faz uma reforma em que ficou tudo como estava! (Riso. - Apoiados.)

Mas é constituinte, dizia eu. A lei de 13 de maio do anno pagado, o decreto que convocou os collegios eleitoraes, os diplomas, que nos foram entregues, asseguram que é constituinte. Do estado moral do paiz, da sua attenção e interesse pela nossa alta missão, é que ninguem suspeitaria tal cousa. E, mas não parece! (Apoiados.)

Comprehende v. exa. sr. presidente, que eu me não refiro ao paiz, considerado na totalidade da sua população; não posso referir-me se não áquella pequena parte, que está dividida pelos partidos politicos militantes.

Percebe-se que o povo, a grande multidão trabalhadora e anonyma, não interviesse n'esta alta elaboração social; a liberdade ainda não levou as suas illuminações redemptoras aos mais profundos valles, em que existem a sua miseria e a sua ignorancia! (Muitos apoiados.) Percebo-se ainda que não interviessem n'ella os desenganados, os desilludidos de toda a esperança, os vencidos na lucta cruel dos ideaes da sua consciencia com a realidade das cousas, os que voluntariamente se collocam á margem de todo o movimento, azedos na sua impotencia ou descoroçoados no seu scepticismo! Mas não se percebe, não só comprehendo, sem rasões muito ponderosas, a indiferença dos partidos diante das reformas politicas; e essa indifferença, foi geral, foi completa, sem artificios, que velassem a sua intenção, sem equivocos, que embaracem agora a sua critica! (Apoiados.) Em tantos mezes decorridos desde que o nobre presidente do conselho lançou pregão da sua obra, nem um pamphleto veiu inscrever-se na bibliographia politica d'esta terra! A imprensa, que é o reflector immediato e vivo da consciencia nacional, todos os assumptos desdobrou e moveu nas suas columnas, menos este, que tão proximamente lhe pertencia! Nem um meeting se congregou á bella luz d'este sol meridional, que convida, como o de Athenas, á vida publica a descoberto. (Muitos apoiados.)

Abre-se o periodo eleitoral. Era o ensejo azado para a grande lucta. Mas nada! Esto periodo foi ainda mais calmo, mais sereno, mais socegado do que é costumo na nossa terra. Se n'um ou noutro ponto, só tingiu de nodoas do sangue, ninguem contemplo n'esses funebres incidentes o signal de uma excitação publica elevada...

Reparo agora, sr. presidente, que o discurso da corôa e o projecto da sua resposta são omissos a este respeito.

Não qualificam o acto eleitoral. Não alludem ás desgraças que o enlutaram. Não declinam de sobre o ministerio a responsabilidade do que houve. Não quiz o governo commover indiscretamente, a voz do augusto chefe do estado na sessão real da abertura, ou foi seu proposito não sombrear, de qualquer maneira, a perspectiva cor de rosa, em que o paiz nos foi desenhado, illuminado em cheio pelo espirito do seculo, triumphante na diplomacia da Europa, respeitado e glorioso na Africa, e rico, opulento, a trasbordarem de dinheiro as arcas do thesouro?! (Vozes. - Muito bem. - Muitos apoiados.)

Mas porque não só levantou o paiz, porque se não inflammou, tratando-se de reformas politicas, vendo o sr. Fontes Pereira do Mello finalmente convertido á opportunidade das reformas politicas?! Porque a verdade é que

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não se levantou, não se inflammou, e nem sequer se surprehendeu, não obstante recordar-se de que, poucos mezes antes, o sr. Fontes dissera que tendo percorrido as provincias para ouvir o remediar as queixas dos povos, como os antigos reis das nossas chronicas, magnanimos e justiceiros (Riso), tudo lhe pediram e supplicaram, desde Monsão até não sei onde, menos reformas politicas! (Muitos apoiados.) Eu insisto n'esta consideração da indifferença publica. É capital. O governo representativo é governo de opinião.

A opinião é necessaria sempre, mas principalmente em periodos como este. E a opinião falta a este ministerio; e a solidão, em que elle opera, o isolamento em que elle se vê, depois de ter arrancado aos adversarios uma bandeira, que era d'elles, não para a honrar, não para a agitar aos ventos de uma discussão leal, mas para se cobrir com ella, pequenos para se resguardar n'ella, procurando algum calor artificial, que lhe prolongasse a vida por mais tempo; (Muitos apoiados.) esse isolamento e essa indifferença são o primeiro castigo infligido a quem voluntariamente comprometteu e profanou um assumpto, que ainda poderia ser, talvez, salvador para este pobre paiz arruinado e decadente! (Muitos apoiados.)

Sr. presidente: N'estes dois ultimos annos o pensamento da revisão constitucional appareceu em algumas das mais adiantadas nações do mundo. A Allemanha, a Belgica, a França, a vizinha Hespanha antes da exaltação de Canovas, a propria Inglaterra trataram de rever as suas organicas, dando rasão aos protestos e aspirações dos partidos mais liberaes. Este facto, porque é geral, deve ter uma causa commum. E tem, de certo. As conferencias e entrevistas dos soberanos, tão frequentes nos ultimos tempos, talvez não sejam estranhas a este phenomeno politico, que poderá significar a comprehensão de grandes perigos imminentes sobre as instituições consagradas, e o proposito de os conjurar, ou de os retardar pelo menos... Se assim é, a comprehensão é justa; o que não sei é se o propósito será baldado, ou não. As concessões do poder, da iniciativa do poder, quando não resultam do uma evolução de doutrina, e são apenas para defeza de interesses proprios, não costumam ser sinceras, não podem ser efficazes, e, quando se julga que satisfazem a revolução, o que fazem, a final, é fornecer-lhe novas e mais perigosas armas! O socialismo de Bismark naufraga, presentemente, n'este escolho.

Mas eu não venho fazer a philosophia d'este facto. Fallo ha muito tempo: fallarei ainda por algum tempo; não posso levantar agora o meu espirito ás grandes afirmações da philosophia politica, que não seriam descabidas n'este momento, que são utilissimas sempre, porque d'ellas vem a luz que illumina o pensamento e o trabalho d'estas assembléas. É necessario que o direito esclareça a lei, que a justiça apure a utilidade, que a rasão das cousas não esteja longe da producção dos factos, e que a relação e dependencia dos acontecimentos appareçam na sua maior luz! (Muitos apoiados.) Não quiz mais do que referir a coincidencia de tantas nações, empenhadas no mesmo pensamento, para que a camara frizasse bem o contraste que se dá entre a agitação produzida lá fóra pela discussão das leis constitucionaes e a fria, glacial indiferença que precedeu e acompanha os nossos trabalhos parlamentares. (Apoiados.)

Não foi grande, não foi notavel, a excitação politica das nações, a que alludi. A hora das grandes paixões politicas passou no mundo. A liberdade, nos seus elementos essenciaes, é um facto das leis, embora não seja, não tenha podido ser, um flicto dos costumes. Os heroes e os martyres já não é este pensamento que os produz!

Mas, se a questão politica, não resuscitou n'esses povos os bellos dias da primeira metade d'este seculo, teve comtudo a intensa consideração, a grave importancia, a discussão calorosa e ampla que merecem assumptos d'esta ordem, tão intimamente vinculados aos interesses positivos da moderna civilisação. (Apoiados.) É que lá fóra a proposição das reformas politicas não appareceu como um sophisma, como uma habilidade, como uma extorsão de programmas alheios, como insidia armada á credulidade nacional, commentada, antes e depois, pelos mais nefandos attentados constitucionaes, que exautorariam de toda a influencia e perderiam no conceito social quaesquer homens, por mais alta que fosse a sua estatura e por maior que fosse o seu prestigio. (Muitos apoiados.)

Foram estes attentados, sr. presidente, que acabaram com toda a benevolencia, implicita no accordo. Gravissimos, enormes attentados! O primeiro, a que quero referir- me, é a mais lamentavel fraqueza do sr. Fontes; é a mais escura nodoa de sua vida publica; consummou-se no momento mais infeliz da sua existencia politica, porque n'esse momento o sou espirito, preterindo considerações altissimas, cedeu a uma tentação indigna, feita de arranjos partidarios e de irritações pessoaes mais pequenas ainda! (Muitos apoiados.)

Comprehende a camara, que vou fallar da dictadura assumida para fazer a reforma do exercito.

Era necessaria a reforma do exercito; não o contesta ninguem. Não o póde contestar o meu partido, que contempla na força armada do paiz a viva recordação de passadas glorias, e a preza como esteio e, segurança da independencia da patria. (Apoiados.)

Era necessaria a reforma do exercito, e se a iniciativa d'ella valesse como penitencia e castigo, deveria pertencer leis ao actual sr. ministro da guerra, a quem se attribuem os maximos erros da nossa administração militar nos ultimos annos.

Era necessaria a reforma do exercito, e um illustre ministro da ultima situação progressista, o sr. João Chrysostomo, mostrou que ella era necessaria, e indicou o que havia a fazer. (Apoiados.)

Mas a reforma do exercito podia fazer-se sem uma dictadura afrontosa. (Muitos apoiados.) Mas não havia necessidade de fechar o parlamento, no anno passado, antes de ser discutido e votado na camara alta o projecto que auctorisava o governo a fazer essa reforma. (Apoiados.)

Mas podia e devia esperar-se por esta sessão, em que estamos, para que se realisasse esse pensamento, que era justo, que poderia ser modificado na sua forma, mas nunca seria recusado na sua substancia! (Apoiados.)

A dictadura exercida pelo governo é um crime, (Muitos apoiados) e ou, no exercicio dos meus direitos de deputado, do alto d'este logar, em nome do paiz, accuso o governo por esse crime, offerecendo a circumstancia aggravantissima da sua impenitencia, porque só hontem, já em fins de janeiro, trouxe a esta camara a proposta do bill de indemnidade! (Muitos apoiados.)

A dictadura exercida pelo governo foi mais que um crime; foi um acto de impudor que repugnou a todas as consciencias dignas! (Apoiados.)

Comprehende-se a dictadura da tyrannia; não se comprehende a dictadura da vaidade! Comprehende-se a dictadura militar, cheia de perigos e responsabilidades para quem a assume; não se comprehende isso que para ahi se fez, sem risco nem consequencias! (Muitos apoiados.) Por isso, na historia da nossa decadencia moral e politica, a data de 19 de maio de 1884 é peor que a data de 19 de maio de 1870. (Vozes: - Muito bem. - Muitos apoiados.)

Eu não posso ter na minha palavra toda a indignação da minha consciencia. Se podesse, ella seria agora mais ardente e pesada do que convem ao meu caracter e a este logar...

Depois da dictadura de 19 de maio de 1884 o meu partido não podia continuar approximações de qualquer especie com este governo; e de mim sei dizer que se as continuasse eu lhe retiraria de vez o meu fraco e insignificante apoio. Não é da nossa escola o transigir com um crime d'esta especie. Não ha talvez uma radical differença de comprehensão politica entre o partido regenerador e o partido progressista, mas ha uma enorme differença de comprehensão

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moral nos processos do administração e de governo, usados por um o outro partido. É isto o que mo tom d'este lado. (Apoiados.)

Sr. presidente: Um abysmo clama por outro abysmo. Depois da dictadura assumida para reformar o exercito veio o adiamento das côrtes constituintes!

Adiar as curtes constituintes! Mas onde se tez cousa igual? Mas onde foi que o illustre presidente do conselho, n'esses enormes e complicados estudos de direito publico comparado, a que se dedicou para redigir o relatorio que precede a sua proposta de reformas politicas, onde foi que s. exa. viu que era possivel suspender, annullar temporariamente, por um acto do poder executivo a soberania viva da nação, invocada solemnemente para rever as suas leis fundamentaes?!

Ah! Se o nobre presidente do conselho tivesse, desde o principio, a comprehensão das graves considerarmos que tornavam necessaria? as reformas politicas, e a necessidade d'ellas era, não para revolucionar integralmente as condições sociaes d'esta terra, porque isso é objecto de outra causalidade e de mais complexas influencias, mas para reconstituir o nosso regimen parlamentar, e tornar possivel a vida legal e util de todos es partidos; se tivesse levantado o seu espirito a esse ponto, não faria o que fez, não prefaciaria com tamanhos attentados a convocação d'esta assembléa, não trataria com tanto desdem os representantes da nação, logo depois de eleitos, nem os desconsideraria, como faz, logo depois de reunidos (Muitos apoiados.)

E eu vou provar que os desconsiderou gravemente.

Podia argumentar já com o theor das reformas politica. Mas não farei isso, seguindo, como sempre, a inspiração do meu venerado chefe e illustre amigo, o sr. A. Braamcamp. Das reformas direi sómente que, como satisfação ao espirito do seculo, valem pouca cousa, o, como resistencia aos progressos da democracia... não valem nada. (Muitos apoiados.)

Mas eu quero referir-me a outro facto. É n'elle que esta. o insulto, a affronta, de que vou fallar. E custa-me que se fizesse o que se fez, obrigando a palavra do Rei a dizer palavras indignas; e magoa-me profundamente a desconsideração, a que vou referir me, porque ella caíu em cheio sobre a maioria, que só tenho rasões para estimar muito, e onde conheço e admiro tantos talentos de primeira ordem, desde a Universidade, onde elles primeiramente se manifestaram!

Mas isto não se escreve; mas isto não se faz. Aqui está o discurso da corôa. Vou ler um periodo.

(Leu.)

«Tendo a lei declarado que alguns artigos da carta constitucional carecem de reforma, e estando os novos eleitos munidos com os poderes necessarios para a realisar, o meu governo voa apresentará a proposta do um novo acto addicional á constituição do estado, contendo as alterações que pareça opportuno que se façam nos referidos artigos da lei fundamental. Tambem vos será presente uma proposta de lei eleitoral em referencia aos membros temporarios da camara dos pares.

«Tambem vos será presente uma proposta de lei eleitoral em referencia aos membros temporarios da camara dos pares...»

Diz isto o governo pela voz do chefe do estado!

Atas quem o auctorisou a suppor que seriam temporarios alguns membros da camara dos pares?

Porque não hão de ser todos temporarios, se as constituintes quizerem?

Por que não serão todos vitalicios, se ellas assim o entenderem?

Quem deu ao governo o poder de limitar a acção e a liberdade das duas camaras?

Para que se trouxe a lume isto, que podia ser uma intenção do sr. Fontes, ou uma interpretação possivel da vontade das suas maiorias, mas não podia ser publicado
sem traír planos e revelar combinações que ferem, injuriam e ultrajam o parlamento?! (Muitos apoiados.)

Faz tristeza, isto. É a decadencia! O pudor das fórmas parlamentares é a ultima cousa que se perde no regimen constitucional! Está perdido, entre nós! (Apoiados.)

Eu devo declarar a v. exa. e á camara que me impressionaria pouco a decadencia do regimen parlamentar no nosso paiz. O parlamentarismo é uma formula provisoria, insufficiente, que o futuro tem de substituir como entender melhor. A rasão diz que estas assembléas, formadas por processas artificiaes, não são, em verdade, proprias para tratar competentemente da administração e da politica. A historia contemporanea confirma tudo isto, acrescentando-lhe defeitos que a rasão não formulava, exactamente nas nações de mais intensa vida politica, na Allemanha, na Italia, na França, na Italia, na Inglaterra.

Não me impressionava muito que decaísse entre nós o regimen parlamentar; mas impressiona-me que a sua ruina assumisse esta entranha fórma. La fóra é a intensidade, o excesso de vida. que rompe este moldo do actual regimen; entro nós! esphacella-se, cão a bocados, pela desconsideração da governos e pelo justo desprezo do povo! (Muitos apoiados.)

N'este assumpto, extremamente grave, desejava entrar agora, demorando me o tempo que reclama a sua importancia. É uma nova phase dos merecimentos d'este governo, que dá impressores a todos os caracteres, e obriga a attenção do todos os espiritos, os mais faceis em especulações de doutrina e os mais positivos por escola ou por temperamento.

A par de todos os desatinos politicos do governo, temos agora uma crise financeira assustadora, que póde ser o inicio do grandes desgraças. O sr. ministro da fazenda dá-nos a certeza de um deficit de 8:000:000$000 réis, a praça de Londres começa a castigar-nos cruelmente pelos nossos erros, e nomeadamente pelo ultimo, cuja triste responsabilidade pertence ao nobre ministro das obras publicas! (Muitos apoiados.)

A isto chegamos, depois da pompa solemne com que em 1881 o sr. presidente do conselho tomou conta da pasta da fazenda, promettendo matar o deficit com morte dura o violenta, para cornar assim, com digno remate, todas as glorias e serviços da sua vida publica! E a final de contas o deficit não morreu; o que morreu, foi essa illusão do sr. Fontes Pereira de Mello, se... se ella chegou a ter vida no seu cerebro!

Sr. presidente: No uso da faculdade que o regimento me permitte ainda, terei de pedir novamente a palavra a v. exa. n'esta discussão. Por isso não me alongarei mais. Estou cançado, e a camara deve estar fatigada tambem. (Vozes: - Não, não). Agradeço rendidamente o favor da camara, mas a minha saude não me permitte maior esforço.

Antes de concluir necessito dizer algumas palavras, que a mim mesmo me impuz a obrigação de dizer na primeira vez em que fallasse aqui, depois da sessão do dia 7.

N'esta sessão o illustre presidente do conselho, fazendo-me a honra de mo responder, estranhou que eu lhe attribuisse, se não todas, as maiores responsabilidades dos acontecimentos do Porto, o todas as que se lhe referiam de longe ou de perto. Recordo-me do que, no discurso com que me fez a honra de me responder, tomando uma attitude altiva, disse s. exa. que assumia, com coragem e destemor, todas as responsabilidades dos seus actos. É facil isto, chega a não ser incommodo, visto que, n'este paiz, não ha quem lhe possa tomar a serio, eficazmente, essas responsabilidades, que tem a vaidade, nada perigosa, de não declinar. (Muitos apoiados.)

Pareceu-me que o sr. Fontes notára no meu discurso uma intenção determinadamente aggressiva. Illudiu-se. Não a tive; não a posso ter.

Ser-me-ha agradavel ferir e maguar o illustre presidente do conselho com a insistencia das minhas accusações? Não, de certo. Quem me conhece sabe que nada ha mais avesso

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á minha indole do que offender e importunar alguem, seja quem for. Não tenho odios. Nunca, no meu espirito, a opposição ás doutrinas. se transformou em desamor pelas pessoas. Se a minha palavra podesse ter illuminações e cores, ella só as teria quando podesse, dentro do coração, embeber-se da luz dos meus mais puros affectos e das mais fervorosas dedicações.

Mas terei alguma rasão pessoal contra o sr. Fontes? Não. Admirei sempre a sua grandeza parlamentar, e tive, desde que o conheço, a mais viva sympathia pelo seu porte correcto e distincto. As minhas relações pessoaes com este eminente estadista datam desde pouco, e já me deu a honra de palavras, que não posso esquecer.

Então por que é que nomeio sempre o sr. presidente do conselho, e o cito a todo o momento, nas pequenas e grandes cousas, deixando no silencio e no escuro os seus collegas do governo?

Devo dizer, em primeiro logar, que o meu silencio a respeito dos illustres ministros que se sentam ao lado do sr. Fontes não significa, de modo algum, a minha approvação de todos os seus actos; significa apenas, que os colloco, como devo, inferiormente ao seu chefe na ordem da importancia, como no grau das suas responsabilidades. (Apoiados.)

Nomeio em primeiro logar o sr. Fontes, e cito-o a todo o momento, porque a sua qualidade de primeiro ministro lhe permitte preponderar no governo, e o feitio especial da sua personalidade o leva a projectar a sua sombra em tudo e sobre todos! E a tão insolita extensão de influencias e poderes tem correspondido a mais completa inanidade de pensamento e de intenções politicas. (Muitos apoiados.)

Governa ha quinze annos este paiz, e a anarchia moral em que vivemos aggrava-se cada vez mais, e avoluma e engrossa de dia para dia esta torrente devastadora do sentido das palavras, da significação das idéas, do prestigio das pessoas, da dignidade das instituições, da descriminação dos partidos e até da integridade da patria! (Muitos apoiados.)

Se ámanhã se retirar da vida publica, não póde levar na consciencia a satisfação d'um grande dever cumprido ou dum alto destino realisado!! Que tem feito de tantos talentos, que a natureza lhe concedeu, da confiança da corôa, tantas vezes concedida, da docilidade parlamentar, tantas vezes assegurada, dos mil acasos felizes da sua fortuna prospera?

Nada, nada, nada! (Muitos e repetidos apoiados.)

É ver:

Collocou-se diante do throno como ante-mural e defensor, da monarchia, e a idéa republicana, que era um sonho, torna-se um partido, nasce, cresce, desenvolve-se, augmenta de importancia a toda a hora, e assume a innegavel importancia que hoje tem. (Muitos apoiados.) Põe. é seu pensamento na politica colonial, e o seu penultimo ministerio ficou, assignalado pelo tratado da India, como este ha de ficar marcado pela perda do Zaire. (Muitos apoiados.) Quiz resolver a questão da fazenda, e eis o credito do paiz na amargura em que o vemos! (Muitos apoiados.) Lembrou-se do realisar, elle! as reformas politicas, arrancou-nos a bandeira, que era nossa, mas essa bandeira ha de caír lhe das mãos, ou tem de a levar a uma victoria, que será triste, nefasta, desgraçada para a sua reputação de homem publico, para a segurança das instituições e para o futuro do paiz! (Muitos apoiados.)

A responsabilidade cresce na medida do poder e da liberdade. Ninguem tem sido tão poderoso como o illustre presidente do conselho, ninguem tem governado tão livremente em longos e successivos ministerios. É por isso que eu não posso, sem grande e profunda commoção do meu patriotismo, vel-o cercado das ruinas em que se tornaram os principios, os interesses e as instituições em que tocou, sereno, impassivel, aprumado, não como o heroe da poesia, antiga, que era a personificação das consciencias estoicas, mas como a moderna fórma sensivel da indifferença politica e do scepticismo moral. (Muitos e repetidos apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e por varios dignos pares que estavam na sala.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção de ordem do illustre deputado.

Leu-se na mesa e foi admittida, ficando em discussão com o parecer.

O sr. Manuel da Assumpção: - Subindo á tribuna s. exa. orou largamente, respondendo ao discurso do orador precedente, e defendendo, na qualidade de relator, o projecto de resposta ao discurso da corôa.

(O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira é na primeira parte a eleição das commissões especiaes de reformas politicas e do bill de indemnidade, e na segunda parte a continuação d'esta discussão.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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