SESSÃO DE 20 DE JANEIRO DE 1886 131
litar, porquanto nem as graduações concedidas no quadro hierarchico do artigo 6.° eram legaes, nem houvera especial escolha dos individuos que tinham a desempenhar as funcções a que eram attribuidas essas graduações; nem tão pouco se procurara por esse regimen de transição estabelecer melhor passagem do estado anterior para este que o vae substituir.
A questão que principalmente occupava a camara era a da perseguição movida contra os guardas fiscaes, e é dessa que eu tambem vou occupar-me.
Pedem-nos provas, apontâmos os factos que são do conhecimento publico, não só da imprensa opposicionista, como da imprensa ministerial; que não tem querido fazer uso d'elles, o que não lhe levo a mal, porque conheço a situação em que está. O que é certo é que os factos são narrados por differentes pessoas e do diversas localidades e que não podem ser considerados pura invenção; a menos que não tenhamos de admittir que os pobres guardas adquiriram o espirito imaginoso de Eugenio Sue ou Ponson de Terrail para andarem fazendo tétricos romances. (Apoiados.)
Como esses factos se passaram entre os superiores e os guardas sem a intervenção de pessoas estranhas, é impossivel podermos obter outras provas que não sejam as declarações d'aquelles que se dizem perseguidos, para contrapor ás allegações dos superiores que negam que taes factos existam. Se não merecem fé as declarações dos perseguidos ou suppostos perseguidos, não sei porque hão de merecei a as declarações dos suppostos ou verdadeiros perseguidores, tanto mais que nem todos esses individuos que estão revestidos de auctoridade no corpo da fiscalisação têem tal auctoridade moral, que as suas simples allegações possam ser admittidas sem reflexão, quando não venham documentadas ou bem comprovadas (Apoiados.)
Vou apresentar á camara alguns factos, e creio que um d'elles bem frisante.
Um guarda da fiscalisação externa, que estava em Lisboa, recebeu ordem para marchar para Castello de Vide. Tendo sido antes d'isso intimado a alistar-se, declarou, pelos motivos que já todos conhecem, que não se alistava. Recebeu ordem para marchar para aquella localidade. Obedeceu, e, chegando ali, depois de ter estado algum tempo em serviço, foi successivamente intimado pelo chefe do districto, pelo chefe de secção e chefe do posto para se alistar, e respondeu sempre negativamente.
Achava-se ali este guarda desde fins de dezembro, quando em 10 de janeiro lhe constou que ia ser novamente intimado para se alistar, sob pena de não o fazendo, receber guia de marcha. Elle, que estava em uma dependencia de Castello de Vide, em Montalvão, teria de marchar para o Porto.
Effectivamente assim succedeu; foi aquelle guarda para o Porto, e ahi teve noticia de que a marcha não era simplesmente até aquella cidade; deram-lhe ordem para marchar para Bragança.
Ora, este guarda a que alludo não andou n'estas jornadas unicamente por conveniencia do serviço, embora se dissesse ha dias n'esta casa que as transferencias só por tal motivo eram feitas; tão pouco era dos protegidos que estão sempre em Lisboa, porque já estivera no cordão sanitario em setembro, e ainda ultimamente lhe deviam a gratificação relativa ao serviço d'esse mez.
Mandam-n'o percorrer todo o paiz, não como um judeu errante, mas como um guarda errante victima das judiarias de seus superiores.
Menos feliz do que o sr. presidente do conselho, a quem de Faro até Monsão ninguem perguntava pelas reformas politicas, ao guarda perguntam de Lisboa até Castello de Vide, de Castello de Vide até o Porto, d'ali até Bragança, e quem sabe ate onde mais: alistas-te? Se não te alistas, caminha.
Aos guardas que não quizeram alistar-se até 17 de dezembro o sr. ministro mandou distribuir as instrucções assignadas pelo sr. administrador geral e depois d'elles as lerem, se não se convencem Jogo das vantagens do alistamento, manda-os passear de Lisboa a Bragança.
No antigo receituário medico recommendava-se aos doentes que passeassem depois de tomar o leite de jumenta; parece que similhantemente as instrucções assignadas pelo sr. administrador geral precisam ser passeadas para melhor serem assimiladas.
Assim como isto succede com os guardas que estão em Lisboa, com quantos não terá succedido o mesmo sem se poderem queixar, porque estão em pontos da raía distantes, e são desprotegidos? (Apoiados.)
Este processo é gradual. Creio que na inquisição tambem se procedia assim.
Pergunta-se em Lisboa ao guarda se quer, alistar-se; se elle declara que não quer, passa-se-lhe guia de marcha, e põe-se-lhe na guia a seguinte verba: «não é alistado».
V. exa. e a camara comprehendem perfeitamente para que isto é. É para serem recebidos com todas as honras, affagos e carinhos; é para não pararem em ponto algum até que cedam. (Apoiados.)
Pergunto se este é que é o systema, se esta é que é a fórma de obter alistamentos voluntarios? (Apoiados.) E d'esta maneira que se obtém um corpo fiscal que possa inspirar confiança, e que seja proveitoso para o paiz? (Apoiados.)
Já o cordão sanitario serve para mais alguma cousa. Não é simplesmente um cordão de oiro para uns, e cordão para estrangular os pobres pescadores do Algarve, como disse um meu collega n'esta camara, é tambem cordão para apertar os guardas fiscaes até o ponto de cederem, para virem alistar-se, o que lhes repugna pelas rasões bem conhecidas de todos. (Muitos apoiados.)
Citarei outro facto.
Em 6 do corrente e de noite, porque era a melhor occasião para se fazer este serviço, o chefe de posto no Aterro, Antonio Agostinho (e cito o nome porque elle já está demittido e portanto livre de perseguição), foi procurado pelo sub-inspector, que lho perguntou se se alistava. O chefe do posto respondeu que não podia resolver-se a alistar-se sem primeiro consultar seu pae, para saber se lhe convinha ter este destino que o prendia durante oito annos, ou outro qualquer que seu pae lhe quizesse dar. Pediu tres dias de licença para ir á sua terra consultar o pae e daria depois a resposta. Disse-lhe o sub-inspector que, se queria a licença, alistasse-se primeiro. Corno o chefe de posto insistisse em que não podia de maneira nenhuma resolver sem ouvir o pae, foi-lhe negada a licença e o sub-inspector disse-lhe que se considerasse despedido. O chefe de posto, em obediencia ao seu superior, retirou-se, e o sub-inspector levantou-lhe um auto de abandono de serviço e o chefe de posto foi demittido.
Vejam os processos que se seguem. A questão é chegar-se a poder dizer que estão todos alistados.
Eu quero crer que o sr. ministro da fazenda não dê estas ordens, mas deve tomar providencias para obstar a taes procedimentos, que são publicos e notorios.
Sr. presidente, disse e repito, o fim é arranjar alistados seja por que modo for. Até se procuram em suas casas os doentes e incapazes do serviço para os forçar ao alistamento; e isto deu logar a um qui pro que engraçadissimo.
Um collega nosso e que eu muito prezo, o sr. António Centeno, foi procurado em sua casa para ser intimado a apresentar-se no corpo fiscal, como guarda da alfandega, por isso que estava com parte de doente e era preciso que comparecesse para se alistar. De maneira que até já vem procurar se guardas á camara dos deputados para augmentar o alistamento. (Riso.)
Para que serve chamar os guardas que estão doentes em sua casa, e os que se acham incapazes de fazer serviço? Naturalmente é para os fazer alistar. Aqui têem