136 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Que vimos nós? Vimos logo no começo da campanha, levantar-se um parlamentar illustre, considerado e respeitado merecidamente por todos os membros d'esta casa, e declarar que se occupava n'esta occasião do assumpto que prende presentemente a attenção da camara, porque a isso o haviam arrastado os seus correligionarios politicos! Principiamos por ver um chefe eleito ha poucos dias, que vinha dar as suas primeiras vozes de cominando á opposição monarchica, apresentar considerações que envolviam uma censura suave aos actos dos seus amigos politicos!
Depois, vimos o partido progressista renegar inteira e absolutamente das idéas que na sessão legislativa proxima passada expozera sobre a organisação de um corpo de guarda fiscal. Então, o partido progressista luctava com affinco, com pertinacia, por uma organisação perfeitamente militar; agora, defende esse partido systemas de conciliação, termos medios incompatíveis com os principios fundamentaes da organisação do exercito! (Apoiados.)
Assistimos á exposição de factos, de muitos factos, por oradores brilhantes, convincentes, parlamentares que toem no vigor da palavra e na força da eloquencia o melhor auxiliar para a defeza de uma causa qualquer. Seguidamente, sem demora, sem tergiversações, ouvimos a resposta a todos os argumentos apresentados, facto por facto, ponto por ponto, com a justificação cabal da conducta do nobre ministro da fazenda. Refiro-me não só aos discursos que partiram das cadeiras ministeriaes, mas tambem ao discurso proferido pela voz auctorisada de um illustre deputado, e meu particular amigo, que occupa na administração geral das alfandegas um cargo elevado.
Emfim, sr. presidente, vimos reapparecer na scena parlamentar portugueza o sr. Marianno de Carvalho... A obra de reformação do sr. ministro da fazenda não influiu sómente na disciplina fiscal, influiu igualmente na disciplina partidaria... (Apoiados.)
Ao mesmo tempo que aperfeiçoava e regularisava os serviços aduaneiros, contribuindo consequentemente para o augmento das receitas publicas, conseguia tambem reunir elementos dispersos da opposição, e, portanto, incutir vida nova ao regimen parlamentar. (Apoiados.)
Devo por isso felicitar duplamente o nobre ministro da fazenda. Elle fez bem ao seu paiz; fez bem ao seu partido que se orgulha de o apoiar, e, como generoso que é, fez bem á opposição que o guerreia. (Apoiados.)
Varias são as conclusões a tirar d'este debate.
A primeira é que a reforma alfandegaria, contida nos Reis decretos que têem a data de 17 de setembro de 1885, fica inteiramente de pé. (Muitos apoiados.)
A critica parlamentar e extra-parlamentar deteve-se unica e simplesmente em minucias, occupou-se exclusivamente de minudencias.
A architectura geral d'essa grande obra de reformação, as suas linhas capitães, o delineamento fundamental dos principios constitutivos d'esses seis diplomas, que representam uma alteração profunda da anterior legislação aduaneira, tudo isso foi respeitado pelas invectivas dos illustres deputados opposicionistas, como o fôra pelos seus orgãos da imprensa periodica. (Apoiados.) Tudo isso ficou de pé, repito.
É verdade que a opposição progressista nos advertiu de que faz tenção de discutir os seis decretos de 17 de setembro de 1885 em interpellações especiaes e successivas.
Tenho sempre o maximo respeito pela palavra de s. exas., mas arreceio-me tão sómente de que, em a discussão assumindo o apice da importancia, comecem s. exa. a saír, como fizeram o anno passado... (Riso. - Apoiados.) V. exa. ha de estar lembrado, e ha de recordar-se a camara, de que, na anterior sessão legislativa, em se discutindo questão de vulto, s. exas. os deputados progressistas usavam pegar dos seus chapéus e iam fazer a avenida. (Riso. - Apoiados.)
Note tambem a camara que a opposição progressista, querendo criticar acerbamente a reforma do sr. ministro da fazenda, lhe fez o maior dos elogios, pela bôca de um dos seus mais eminentes caudilhos.
Na verdade, o sr. Barros Gomos, procurando amesquinhar os decretos de 17 de setembro de 1885, comparou o sr. Hintze Ribeiro, sabe v. exa. com quem? Com Mousinho da Silveira. (Riso.) É exacto. Não encontrou s. exa. nada que tão profundamente podesse ferir o orgulho do illustre ministro da fazenda. Já é!
Se o sr. Hintze Ribeiro, cujos talentos distinctissimos e trabalho indefesso asseguraram de ha muito a s. exa. um logar elevadissimo entre os nossos primeiros estadistas, continuar a produzir obras de identico valor ao dos referidos decretos, virá o sr. Barros Gomes á camara, e, para desdenhar das medidas governativas do sr. Hintze Ribeiro, comparal-o-ha talvez ao marquez de Pombal! (Apoiados.)
Ha outra conclusão a tirar do debate, e vem a ser que, se esta questão vive ainda, é porque foi utilisada pela politica; (Apoiados.) se tem tido larga duração, é porque o facciosismo partidario se aproveitou d'ella. Prova-o a correcção da conducta do governo, evidenciada nos discursos dos oradores governamentaes que me precederam no uso da palavra; prova-o o tom apostolico, sentimental, elegiaco dos discursos dos deputados opposicionistas, de uma eloquencia parlamentar coeva do Noivado do sepulchro; (Riso.) provam-no ainda os successivos desvios de que a opposição progressista tem lançado mão para que da apreciação de factos, inteiramente estranhos ao assumpto que se discute, se podessem deduzir illações desfavoráveis á reforma do sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)
Em ultimo logar, conclue-se do debate que o parlamento portuguez perde por vezes bem inutilmente o seu tempo. (Apoiados.)
Isto não era questão que tantos dias devesse roubar á camara. (Apoiados.)
Ao governo e a nós, maioria, cumpria-nos, no inicio do uma sessão legislativa, quando pela primeira vez expluem as iras opposicionistas accumuladas durante o interregno parlamentar, consentir n'uma discussão larga, ampla, e, por assim dizer, illimitada, emquanto o assumpto se não esgotasse. Mas a opposição, que pede todos os dias economias, era a quem competia reclamar uma economia de tempo ao parlamento. (Muitos apoiados.)
A questão a que a opposição attribuiu mais valor, e que considerou como ponto capital da discussão, foi a do uso que o actual gabinete fez da auctorisação parlamentar concedida pela lei de 31 de março de 1885.
Sustenta a opposição progressista, e assim o affirmou o sr. Thomás Bastos, que o governo, depois de haver usado uma vez d'essa auctorisação parlamentar, não podia voltar a usar d'ella; que a auctorisação caducara, promulgados que foram os decretos de 17 de setembro de 1885.
Argumentou até o sr. Barros Gomes com a lei de 23 de agosto de 1869, em virtude da qual o governo de então recebeu das camaras legislativas a auctorisação precisa para proceder á reforma do quadro e dos serviços publicos, lembrando como, segundo a doutrina sustentada pelo actual gabinete, seria legitimo usar ainda hoje da auctorisação contida na lei de 1869.
Principiarei por estabelecer o principio juridico, que julgo verdadeiro, e á face do qual me parece dever ser resolvido o problema: todo o poder delegado conserva nas mãos do mandatario, e dentro dos seus respectivos limites, a natureza que tinha nas mãos da pessoa ou corporação que legitimamente o outorgou.
Assim é em direito civil: o mandatario faltara ao mandato, não cumprirá para com o mandante, se não realisar a totalidade das obrigações inscriptas no titulo da procuração.
É assim em direito administrativo: a auctoridade delegada incorrerá no delicto da desobediencia ou será castigada por incuria, se não cumprir integralmente as funcções que