SESSÃO DE 20 DE JANEIRO DE 1886 137
lhe foram conferidas pelo seu superior legitimo, em conformidade com o pensamento que presidiu ás ordena recebidas.
Tambem é assim em direito publico, o sobretudo em direito publico, porque ahi as auctorisações partem do proprio poder que faz as leis, o qual fixa e determina o limite, a extensão, a amplitude do voto de confiança que concede ao poder executivo, dentro da orbita fixada na lei fundamental.
No meu entender, sr. presidente, a questão não póde ventilar-se n'este ponto fundamental.
Sob este aspecto, são manifestamente erroneas as doutrinas da oradores opposicionistas, na parto em que ellas tendem a diferençar a faculdade do legislar, segundo é exercida pelo poder legislativo ou pelo poder executivo, em virtude de delegação d'aquelle poder. (Apoiados.)
O ponto de só saber se o governo podia reformar os decretos de 17 do setembro de 1885 ha de ser decidido á face da natureza das materias que constituem o decreto de 9 de dezembro de 1885, da importancia o alcance das suas disposições, comparadas com as dos decretos de setembro.
Eu me explico.
Da these que estabeleci deduz-se, sr. presidente, que seria tão irregular o procedimento do governo, destruindo por uma segunda reforma os principios e as bases que fixára na primeira, como seria incorrecto o parlamento que destruísse boje a obra legislativa que approvára na vespera.
O que não fica mal ao governo, no uso de uma auctorisação parlamentar, como não ficaria mal ao parlamento, é esclarecer disposições do decretas anteriores, completar essas disposições ou modificar uma primitiva reforma em pontos secundarios, em materias que não representam as bases capitães de diplomas anteriores.
Isto não póde taxar-se do incorrecto ou illegal; e isto, e só isto, é o que se fez no decreto do 9 do dezembro.
Demais, para bom se aquilatar a conducta do governo, deve attender só a que o ultimo decreto, o decreto que contem a completarão da reforma aduaneira lavada, á execução em setembro proximo passado, appareceu quando ainda não estava reunido o parlamento:(Apoiados) foi promulgado ainda durante o interregno parlamentar. (Apoiados.)
Por outro lado, não sei como evitar o absurdo que resultaria da adopção da opinião contraria.
Se o governo estivesse completamente inhibido do tocar na reforma promulgada, que enormes inconvenientes não poderiam d'ahi advir, sempre que uma necessidade urgente tornasse inadiavel uma leve modificação do algum dos textos dos decretos!
Deveria, em tal caso, ficar o governo impassivel perante a urgencia de um remedio prompto o efficaz? Deveria elle tomar tal responsabilidade? Não viria depois a opposição, que tão severamente o accusa agora pela, adopção do principio opposto, pedir-lhe estrictas contas dum procedimento d'onde proviria talvez grave prejuizo para o paiz? (Apoiados.) Não diriam então os oradores opposicionistas que os motivos ponderosos da conveniencia publica deviam preponderar sobre o vão prurido de respeitar abusiva e integralmente a primitiva reforma? (Apoiados.)
Taes me parecem ser, sr. presidente, os verdadeiros principios que a um gabinete qualquer cumpro acatar, no uso das auctorisações parlamentares, principios esses que não foram esquecidos polo nobre ministro da fazenda. (Apoiados.)
É facil agora, sr. presidente, reconhecer que não tem valor o argumento tirado da lei de 23 de agosto de 1869.
As circumstancias do caso são inteiramente diversas.
Se é exacto que uma reforma dos serviços publicos ha de conter sempre a modificação pequena ou grande de uma organisação ou de parte de uma organisação precedente, tambem é, por outro lado, exacto que, para uma auctorisação parlamentar se suppor transmittida do ministerio para ministerio, se torna necessario que não decorra um praso longo entro a concessão do voto de confiança e a sua utilisação, o que não perca a delegação de poder o caracter de opportunidade e actualidade inherente a todas as questões e ordem politica. (Apoiados.)
Mas allega-se que o sr. ministro da fazenda exorbitou das suas attribuições, alterando por portaria o que determinára por decreto. Feita a accusação n'estes termos vagos, pareço effectivamente que houve abuso do auctoridade por parto do poder executivo. A proposição é, comtudo, inexacta, exactamente pela fórma por que é apresentada.
O que ha a determinar é a materia a respeito da qual uma portaria póde ou não póde conter alteração de decreto, para em seguida se verificar se na portaria de que o ministro é accusado se excederam os limites lixados pela doutrina e pela praxe a esta especie do diplomas governativos. Ora como a portaria é diploma sufficiente para assumptos de expediente de administração, claro se torna, sr. presidente, que o ministro não praticou abuso algum do poder com a promulgação da portaria do 19 do dezembro ultimo, que nada mais contam do que uma prorogação do praso para o alistamento dos guardas fiscaes, alem do instruções para o seu alistamento. (Apoiados.)
O curioso é que a opposição invectiva primeiro o ministro pelo excessivo rigor com que procedeu para com os guardas da fiscalisação externa das alfandegas, para em seguida o accusar por um acto do manifesta tolerancia, baseado no estado atrazado dos alistamentos ao tempo da publicação da portaria! Sempre coherente, esta opposição! (Apoiados.)
Tambem foi alvo das mais vehementes censuras o decreto n.º 5 de 17 do setembro do 1885.
O gabinete foi accusado de haver invadido e offendido as garantias constitucionaes, os direitos individuaes do cidadão, e o estylo dos deputados progressistas revestiu por essa occasião côres verdadeiramente tragicas. É-me todavia impossivel adherir á critica dos meus adversarios.
(Susurro.)
Vejo, por um certo susurro que bordeja á minha volta, que as minhas considerações não calam no animo dos srs. deputados progressistas; mas isso-é-me totalmente indifferente, e proseguirei na defeza do procedimento do governo, em que pese aos meus delicados collegas da opposição. (Vozes: - Muito bem.)
O sr. Luciano do Castro affirmou que o nobre ministro da fazenda estabelecêra penas e reformára, o contencioso aduaneiro, sem para isso haver sido auctorisado pelo parlamento. Permitta-me o illustre chefe progressista lhe observe que é menos fundada a arguição de s. exa. (Apoiados.)
Na legislação anterior, só existia a pena do prisão para os delictos e descaminhos relativos ao imposto do tabaco, pena que, em virtude da lei de 13 do maio de 1864, era do um mez até um anno, ou de um anno até tres nos casos de reincidencia; mas já uma commissão, nomeada em 1S83 e 1864, advogára a applicação mais lata da pena do prisão.
Assim é que o n.º 4.° do artigo 1.° da lei de 31 de março de 1885 auctorisou o governo a rever a legislação repressiva dos contrabandos e descaminhos de direitos, estabelecendo a pena de prisão até dois annos, e mandando applicar a pena pelo poder judicial nos termos do processo em vigor.
Á face de texto tão expresso, é porventura licito sustentar que o governo excedeu os limites da auctorisação parlamentar, regulando, nos termos do decreto n.° 5, a applicação da pena de prisão até dois annos? (Apoiados.)
Quanto a processo, e por isso que referido n.º 4.º do artigo 1.º da lei de 31 de março de 1885 se não encontra principio nenhum restrictivo para a revisão da legislação
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