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SESSÃO DE 20 DE JANEIRO DE 1886 147

individuaes; o entre estes tão essencial como o da existencia, com o qual se consubstancia, é o do trabalho, do qual em meu entender, deriva o da propriedade.
Não é preciso e antes ocioso fôra proseguir n'esta ordem de reflexões. O direito de testar é uma expressão do direito de propriedade; um o outro são garantidos pela obrigação de cada um trabalhar conforme a sua aptidão. E, porque o direito de testar tem o seu fundamento natural e legitimo no da propriedade, é claro que por este ha de ser restringido.
Já tive occasião de expor-vos, meus senhores, a minha opinião ácerca da propriedade que os paes podem ter.
"Desde que um homem tem recebido n'um filho a benção de céo, em consciencia, conforme a grande e eterna lei do sentimento, deixou do ser proprietario de todos os bens que possuia, tanto dos adquiridos e recebidos por titulo gratuito, como dos que tenha alcançado e ainda venha a alcançar pelo seu trabalho, para ser administrador desses bens, que logo ficam sendo propriedade de seus filhos."
Isto disse eu, na sessão de 27 de maio do anno ultimamente findo; permitti que hoje o repita aqui.
Por estas razões e outras correlativas foi sem duvida que as nossas leis civis prescreveram a legitima em beneficio dos ascendentes e descendentes do testador.
A legitima consiste nas duas terças partes dos bens do testador, excepto quando este não tem descendentes, nem pae, nem mãe, e tem outros ascendentes, pois, em tal caso, a legitima perde uma sexta parte dos bens do testador, passando de duas terças partes para metade d'estes bens. Estas são as disposições dos artigos 1:784.°, 1:786.°e 1:787.° do codigo civil.
Mas, quando o testador tem filhos ou netos, deverá a lei civil conceder-lhe a faculdade de dispor de uma parte de seus bens?
Occorrem-me alguns casos em que é dever sagrado para um pae dispor de parte de seus bens em favor de pessoas que n'elles não tenham legitima ou de filhos em especiaes condições.
Quando a vida ou a honra de um filho tiver sido defendida, protegida e salva por outrem, deve o pae deixar o seu reconhecimento expresso no mesmo documento que transmite a seus filhos a fruição da propriedade dos bens que d'elle passaram para estes. Quando a um dos seus filhos faltam condições para trabalhar; quando, por exemplo, um é doudo ou cego ; é claro que a este o pae deve espoei ai benevolencia. Emfim, quando um filho tem prole muito mais numerosa do que qualquer dos outros e está em condicções menos prosperas que as dos mesmos, não podem estes ter motivo de queixa contra seu pae, se em favor d'aquelle dispozer de parte de seus bens.
Mas, em geral, a legitima ha de ser a mesma, quaesquer que sejam os encargos e as circumstancias do testador e de sua familia? Evidentemente não. A lei, para ser igual, a mesma para todos, tem de fazer variar as suas prescripções, na formula que as exprima ou traduza, com as variadas circumstancias das pessoas a quem haja de applicar-se.
Esta observação é abstracta: não é civil. E algebrica; não é juridica. Desde já reconheço esta verdade ; mas tambem não pretendo solução de rigor absoluto para este grande problema da familia.
O que pretendo é que a legitima varie com o numero dos filhos do testador. Tão rasoavel, tão natural, tão justo reputo este principio, ou regra, como queiram, que me cansa assombro não tel-o encontrado tanto no magnifico codigo civil que devemos a uma superior illustração da sciencia juridica, a um dos nossos mais conspicuos magistrados, como mesmo na anterior legislação civil. Não sei se em algum codigo do mundo está adoptado o principio que venho propor no artigo 6.°, o que sei e é fora de duvida, meus senhores, é que cada um o encontra na sua propria consciencia.
Empirica é a solução que lembro e tenho a honra de propor; mas assim ainda, e até por isto mesmo, terá logar proprio no codigo civil portuguez, monumento de sabedoria juridica, que para diversos problemas, e para os mais importantes, contem soluções empiricas.
Mo proprio codigo encontro este mesmo principio adoptado para um caso especial: a excepção, a que já me referi, do artigo 1:787.°; tem pois este principio o reconhecimento do sapientissimo auctor do nosso codigo civil.
Não me preoccupei com a reciprocidade entre as pessoas ligadas pela legitima. Conforme este meu projecto, ha casos em que um pae só póde dispor da sexta parte de seus bens, emquanto que cada um de seus filhos póde dispor da terça parte do que tiver. Mas d'aqui não resulta inconveniente que se sinta diante dos sagrados encargos de um pae de muitos filhos. E demais, meus senhores, n'esta mesma secção do codigo civil, encontrareis um caso em que a reciprocidade tambem não foi acatada : o mesmo doo artigo 1:787.° combinado com os artigos 1:985.° e 1:987.° A legitima de um neto que, seja unico descendente vivo do avô consiste, nos termos do artigo 1:985.°, em dois terços da bens do mesmo avô ; e a legitima do avô que seja o unico ascendente vivo do neto, nos termos do artigo 1:787.°, consiste em metade dos bens do mesmo neto.
É triste e duro que bens de uma pessoa som descendentes, sem pae, sem mãe, com irmãos e com qualquer da avós, tendo passado para a posse d'este ascendente, vão confundir-se depois na massa commum da herança d'este, para que, em seguida e pela ordem da successão, sejam repartidos não só pelos irmãos, mas tambem pelos primos do possuidor de quem o ultimo os tenha herdado, se não por estranhos em parte.
Mas, como o irmãos não estão ligados por legitima, julgo que a solução mais rasoavel e mais conciliadora de naturaes interesses, solução de manifesta prudencia, é a que tenho a honra de propor no artigo 6.° § 3.°
Resta me, para concluir as minhas observações ácerca da legitima, justificar a excepção proposta para os que tenham o impedimento da ordem ou se achem ligados por voto solemne reconhecido pela lei. Não é meu proposito justifical-a directamente. Apresento-a convencido da justiça e da conveniencia que lhe assistem, para compensar a excepção do n.° 5.° do artigo 1:058.°
Se não é licito constituir familia legitima aos que estejam nas condições d'este numero, não é justo impôr-lhes todas as obrigações que derivam da constituição da familia ou d'esta são elementos essenciaes.
Não quero discutir a justiça ou conveniencia da referida excepção; reconheço mesmo que é inopportuno qualquer debate sobre tão melindroso assumpto, que largamente, com profundos conhecimentos e notavel enthusiasmo, tem sido discutido nas assembléas parlamentares, nas escolas, em livros, folhetos e jornaes.

Projecto de lei

Artigo 1.° O pae ou a mãe que contrahir segundas núpcias, tendo filhos menores do matrimonio anterior, perderá o usufructo e a administração dos bens d'estes; mas poderá continuar a administrar os ditos bens, se o conselho de familia assim o deliberar e se o outro conjuge, antes do casamento, tiver dado para isso consentimento expresso; conservará o poder paternal no que disser respeito ás pessoas de sons filhos menores; e emfim poderá exigir que o conselho de familia arbitre para os mesmos filhos as mezadas convenientes.
§ unico. O pae binubo e a mãe binuba que, por deliberação do conselho de familia e consentimento expresso dado pelo outro conjuge antes do casamento, continuar na administração dos bens dos filhos menores, terá a obrigação de