SESSÃO DE 20 DE JANEIRO DE 1886 149
tranhe que eu tome a iniciativa, arrojada talvez, de uma reforma, na organizarão do pessoal judiciario.
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"A divisão o harmonia da poderes publicos é o principio conservador dos direitos dos cidadãos e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias que a constituição offerece."
Tal é o artigo 10.º da carta constitucional da monarchia portuguesa, codigo que no artigo seguinte estabelece quatro poderes politicos: o moderador, o legislativo, o executivo e o judicial.
Para que efficazes sejam a divisão e harmonia d'estes poderes, é absolutamente indispensavel a independencia de cada um em relação a cada qual dos outros; ou antes, para que seja bem garantida esta independencia, lei fundamental do direito politico interno de uma nação liberalmente regida, é que a carta prescreve categoricamente a referida divisão.
Tem o poder judicial garantida, sufficiente e dignamente a sua independencia? Não; nem sequer bem definida. Aos magistrados judiciaes portuguezes nunca faltou a independencia de caracter; mas quantas e quantas vezes lhe têem faltado, para sustentar essa independencia, as garantias que o espirito da carta constitucional assegura, garantias que não podiam deixar de estar no animo liberal e valoroso do excelso principe que outorgou a seus reinos a carta constitucional!
O § 11.° do artigo 145.° do codigo politico e fundamental da nação estabelece que será mantida a independencia do poder judicial; e acrescenta que nenhuma auctoridade poderá avocar caudas pendentes, sustal-as ou fazer reviver os processos findos. Isto porém não basta; é absolutamente indispensavel que a independencia seja bem garantida ao poder judicial, desde a sua primitiva constituição, isto é, desde a encolha e a nomeação dos cidadãos a quem ha de ser confiado o exercicio de funcções tilo augustas, que não são menos soberanas que as do poder moderador, estabelecido e definido pela carta a chave de toda a organização politica.
Ora, n'este capital ponte, que é a fonte salutar o genuina da independencia, tem o poder judicial ainda menos garantias que os professores de instrucção superior.
O poder executivo podo escolher á vontade arbitrariemente, caprichosamente, os juizes de primeira instancia; tão latas são as leis que regulam o ingresso ha magistratura judicial (decreto de 21 de maio de 1841, reforma judicial novissima, artigo 91.°, § unico; lei de 29 do maio do 1843, artigos 2.° e 3.°; e outras)! Mais claro e ao alcance de quem rapidamente ler estas linhas: o ministro da justiça a póde escolher os juizes de primeira instancia entre os magistrados do ministerio o publico, os administradores de concelho que sejam bachareis formados em direito, os conservadores privativos do registo predial e os juizes ordinarios em determinadas condições, apenas com a restricção correspondente ao direito dos magistrados judiciaes do primeira instancia do ultramar á sua collocação na magistratura judicial do continente ou dão ilhas adjacentes, nos termos do regimento de justiça de 1 de dezembro da 1866 (artigo 149.°) e do decreto de 17 do novembro de 1869 (artigo 7.°).
Depois, para a segunda instancia, ainda podo escolher um, sempre no meio de tres propostos pelo supremo tribunal de justiça, de modo que assim tem um meio seguro e facil de impedir a promoção a um determinado juiz, embora justa e legitima.
A similhante arbitrio não está sujeito um professor da instrucção superior. Desde que um candidato for approvado em concurso e proposto para um determinado logar pelo jury respectivo, tendo sido satisfeitos os preceitos da lei e observadas as formalidades dos regulamentos, o ministro do reino, cedo ou tarde, ha de nomeal-o necessariamente. Póde o ministro demorar a nomeado quanto queira, por odiosa violencia; não o póde nomear outro candidato, que não seja approvado era concurso e proposto pelo jury; nem póde sequer alterar a ordem da nomeação, no caso de haver mais que um candidato, e mais que um logar. Póde passar por cima das mais justas conveniencias e dos mais legitimos interesses; não póde tomar effectiva qualquer perseguição tentada contra um candidato que haja incorrido nas das iras.
O conde, hoje marquez, do Thomar, cujos meritos superiores de estadista succumbiram por baixo do seu imprudente orgulho - orgulho que foi o seu mais formidavel inimigo entre tantos que lhe moveram guerra de morte! - o conde de Thomar teve forças e coragem para demorar a nomeação do dr. Raymundo Venancio Rodrigues para o logar de lente substituto extraordinario da faculdade de mathematica na universidade de Coimbra, por cerca da dois annos; mas a final, por decreto do 29 de novembro de 1843, teve a nomeação que houvera ganho no concurso, inerme do protecções, forte e valoroso de merecimentos e estudo, este meu antigo mestre, de saudosissima e veneranda memoria. Ha mais do quarenta annos, foi isto assim; hoje tanto não poderia ser.
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O poder real, declarado, hereditario pelo artigo 4.° da carta constitucional da monarchia, foi pelo artigo 5.° conferido á dynastia da serenissima casa de Bragança na pessoa da princeza D. Maria da Gloria, pela abdicação e cessão de seu augusto pae; e o artigo 71.° da mesma carta constitucional pescreve que o poder moderador compete privativamente ao Rei, como chefe supremo da nação. Assim é conferido o puder moderador; de nenhum outro poder politico depende, em Portugal, a nomeação da pessoa que ha de exercel-o. A missão das côrtes, n'este grave e fundamental ponto do regimen constitucional, reduz-se-a verificar a identidade da pessoa a quem o codigo fundamental confia a chave de toda a organisação politica (artigo 71.° da carta, constitucional).
Pelo artigo 13.° d'esta, o poder legislativo compete ás côrtes com a sancção do Rei; e o artigo immediato determina que as côrtes sejam compostas de duas camaras: a dos dignos pares e a dos senhores deputados. A primeira, pelo artigo 39.º era constituida por membros vitalicios e hereditarios, nomeados pelo Rei e sem numero fixo; hoje, pelo acto addicional que teve origem n'esta mesma camara, é limitado o numero dos dignos pares, entro os quaes ha uma parte, a terça, que é de eleição o temporaria. A segunda camara era, como é ainda, como não póde deixar de ser, electiva e temporaria e a esta pertencem tres importantissimas iniciativas: pelo artigo 35.°, sobro impostos e sobre recrutamentos; e, pelo artigo 140.°, rara a reforma da carta constitucional.
Estabelece portanto o nosso codigo politico que um dos raros do poder legislativo, ao qual confere tres valiosissimas iniciativas de soberania, seja independente de qualquer outro poder politico da monarchia pela escolha das pessoas que hão de ser chamadas a exercel-o.
O poder executivo sob este ponto da vista, está dependente do moderador, pois que uma das attribuições d'este é nomear e demittir livremente os ministros d'estado (artigo 74.°, § 5.º, da carta constitucional); e, para o exercicio do tão importante attribuição, nem o Rei é obrigado a ouvir o conselho d'estado, como o é para, usar do qualquer das outras attribuições que pelo mesmo artigo 74.° lhe são conferidas. Pelo julgamento dos seus actos está dependente do qualquer das duas casas legislativas: praxe reconhecida por todos os partidos politicos e liberaes.
Mas esta dupla dependencia é uma necessidade determinada pelo equilibrio harmonico dos poderes politicos; é