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SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1888

Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os ex.mos srs. Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dois officios do ministerio da fazenda, acompanhando diversos documentos requisitados pelos srs. João Arroyo e Eduardo de Abreu. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Eduardo José Coelho e Miguel Dantas. - Requerimento de interesse publico apresentado pelo sr. Pinheiro Chagas.- Requerimentos de interesse particular mandados para a mesa pelos srs. Sousa e Silva, Augusto Ribeiro, visconde de Silves, Coelho e Campos e Miguel Dantas. - Justificações de faltas dos srs. Oliveira Pacheco, Augusto Pina, D. José de Saldanha, João Pinto, Menezes Parreira, Soares de Moura o Estevão de Oliveira. - O sr. João Pinto refere-se aos acontecimentos de Braga e insta pela sua escusa de membro da commissão de inquerito, e, apresenta uma, proposta para ser substituido pelo sr. Godinho. Declarada urgente se logo approvada. - Responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros, no tocante aos acontecimentos de Braga. - O sr. Antonio Maria de Carvalho estranha que não lhe tivessem sido remettidas as notas tachygraphicas de um seu discurso. Resposta do sr. presidente. - O sr. Arroyo chama a attenção do governo para alguns assumptos, e requer que se interrompa qualquer discussão logo que compareça o sr. presidente do conselho para se tratar dos acontecimentos de Braga. Responde o sr. presidente, e insiste no pedido o sr. Arroyo, approvando-se a final o seu requerimento. - O sr. Eduardo José Coelho apresenta um parecer da commissão de legislação criminal. - Pergunta do sr. José de Azevedo Castello Branco, a que responde o sr. presidente. - O sr. Pinheiro Chagas pede, e a camara approva, a publicação no Diario do governo do uns documentos que pediu, pelo ministerio da marinha. Refere se em seguida á circular do sr. arcebispo de Larissa, respondendo-lhe n'esta parte o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - Usa segunda vez da palavra sobre o mesmo assumpto o sr. Pinheiro Chagas, respondendo lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Teixeira do Vasconcellos chama a attenção do governo um o facto de te exportarem de uns para outros portos do Brazil vinhos fabricados no Rio de Janeiro com a marca de vinhos portuguezes. Responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- Trocam-se novamente explicações entre o sr. Antonio Maria de Carvalho e o sr. presidente sobre as notas tachygraphicas que aquelle sr. deputado deixou de receber. - O sr. Ferreira de Almeida pede explicações ao governo sobre a mudança da sede da esquadrilha da fiscalisação no Algarve. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.º 6 ácerca da contribuição industrial, e usa em primeiro logar da palavra o sr. Ruivo Godinho, que apresenta uma moção. - Interrompe se esta discussão pela chegada do sr. presidente do conselho, conforme a deliberação da camara, e usa da palavra o sr. Lopo Vaz sobre os acontecimentos de Braga, respondendo-lhe o sr. presidente do conselho. - Segunda vez usa da palavra sobre o mesmo assumpto o sr. Lopo Vaz replicando-lhe o sr. Ministro do reino. - Tomam parte no incidente os srs. Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco e Franco Castello Branco, tendo respondido ao primeiro o sr. presidente do conselho. - A requerimento do sr. Elvino de Brito têem-se os nomes dos deputados inscriptos antes de fallar sr. Franco Castello Branco. - Explicações entre o sr. Arouca e o sr. presidente. - Usa da palavra sobre o incidente o sr. Arroyo.- A requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco estabelece-se a inscripção a favor e contra. Responde aos oradores da opposição o sr. Laranjo, que defende o procedimento do governo, ficando ainda com a palavra reservada. - Levanta-se a sessão.

Alertara da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Oliveira Pacheco, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Freitas Branco, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Pereira de Matos, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues do Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Victor, Vicente Monteiro, Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira; Mattoso Santos, Fernando Cominho (D.), Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Candido da Silva, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Alfredo Ribeiro, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Ferreira Galvão, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Laranjo, Pereira dos Santos, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Simões Dias, Abreu e Sousa, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção; Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Visconde de Monsaraz e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Serpa Pinto, Campos Valdez, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Emygdio Julio Navarro, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Scarnichia, Dias Galla, Joaquim Maria Leite, Simões Ferreira, Eça de Azevedo, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José Maria doa Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Luiz José Dias Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. João Arroyo, copia da correspondencia trocada Centre o governo e a companhia nacional de tabacos, desde a data em que d'ella tornou posse.
Á secretaria.

Do ministerio da fazenda, remettendo em satisfação ao requerimento do sr. Eduardo de Abreu, documentos relativos ao imposto sobre o álcool racionalizado e estrangeiro,
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cobrado pelas alfandegas de Lisboa e do consumo, no anno civil de 1887.
Á secretaria.

REPRESENTAÇÕES

Dos amanuenses de secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, pedindo para serem equiparados em vencimento e promoção aos seus collegas do ministerio da fazenda.
Apresentada pelo sr. deputado E. J. Coelho, enviada ás commissões de legislação civil e de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Do comicio realisado no concelho de Paredes de Coura, protestando contra a lei que estabelece as licenças para o exercicio de certas industrias, e bem assim contra as novos addicionaes.
Apresentada pelo sr. deputado Miguel Dantas, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me seja enviada copia dos seguintes documentos:
1.° Copia de todos os telegrammas trocados entre o actual governador de S. Thomé e o governo da metropole, relativos ao protectorado sobre a costa de Dahomey, bem como de todos os officios respeitantes a esses mesmos telegrammas, em especial dos officios confidenciaes, trocados em outubro de 1886, e julho do 1887;
2.° Copia dos documentos authenticos a que se refere o relatorio do governo, de 19 de dezembro ultimo;
3.° Nota dos serviçaes dahomotanoa introduzidos em S. Thomé, durante os annos de 1885, 1886 e 1887;
4.° Nota dos saques effectuados sobre a metropole pela junta de fazenda do S. Thomé, durante os annos economicos de 1884-1885, 1885-1886, 1886-1887, e os primeiros seis mezes do anno economico de 1887-1888, e indicação da applicação d'essses saques;
5.° Copia do officio dirigido em julho de 1887 ao ex-governador de S. Thomé, Custodio Miguel de Borja, pedindo-lhe explicações sobre o tratado de Ajuanjun, e o estabelecimento do protectorado;
6.° Resposta do referido ex-governador, e copia de quasquer documentos a que elle se refira n'essa sua resposta;
7.° Copia do relatorio do major Antonio Cortez da Silva curado, datado de 7 de novembro de 1885, sobre os acontecimentos de Cotonum;
8.° Copia do relatorio do major Silva Ourado, sobre a sua ida a Abomey, em abril e maio de 1886, e a acta lavrada em Ajuda, sobre o resultado d'essa sua missão;
9.° Termo de protesto lavrado contra as pretensões de França sobre Cotonum, por emissarios do rei de Dahomey em Ajuda, aos 11 de setembro de 1885.
10.° Acta lavrada em Ajuda, tambem era setembro de 1885, em que se estipulou o statu que em Cotonum, até á decisão definitiva do gabinete francez e portuguez. = Manuel Pinheiro Chagas.
Mandou-se expedir,

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Do tenente coronel reformado José da Costa Vieira Barbosa, pedindo que seja approvado por esta camara, quando a ella vier, o projecto de lei apresentado na camara dos dignos pares em sessão de 9 do corrente, pelo digno par o ex.mo sr. D. Luiz da Camara Leme, que tem por fim melhorar a sua reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Sousa e Silva, enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
Do tenente reformado Antonio Felicissimo Velloso, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. deputado Augusto Ribeiro e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Do capitão tenente reformado da armada, Domingos Leonardo Vieira, fazendo igual pedido!
Apresentado pelo sr. deputado visconde de Silves e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Do tenente coronel reformado Anacleto José de Sousa, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. deputado Francisco de Barros Coelho e Campos, e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

Do major reformado Antonio Ferreira da Cruz, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. deputado Miguel Dantas, e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro a v. exa. que faltei a algumas sessões d´esta camara por motivo justificado. = O deputado, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco.

Participo a v. exa. e á camara que os srs. deputados Antonio Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento, João José Dias Gallas e Joaquim Maria Leite, têem faltados ás sessões d'esta camara por motivos justificados. = O deputado, João Augusto de Pina.

Tomo a liberdade de participar que, por falta de saude, não me foi possivel comparecer á sessão de 21 do corrente. = José de Saldanha Oliveira e Sousa.

Participo a v. exa. e á camara que, por motivos justificados, faltaram a algumas sessões os meus particulares amigos e distinctos collegas os srs. deputados José Guilherme Pacheco, João de Sousa Machado, Wenceslau de Sousa Pereira Lima, José Luiz Ferreira Freire. = O deputado, João Pinto.

Participo a v. exa. e á camara que, por justos motivos, faltaram a algumas sessões da camara os srs. deputados Albano de Mello Ribeiro Pinto, conde de Fonte Bella e João Monteiro Vieira de Castro. = O deputado, João de Menezes Parreira.

Declaro a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, não tenho comparecido As sessões d'esta camara. = O deputado por Felgueiras, Francisco Pinto Coelho Soares de Moura.

Participo á camara que o sr. deputado Dantas Baracho faltou á sessão do sabbado e á de hoje, e terá ainda de faltar a mais algumas por motivo de doença. = João J. d'Antas Souto Rodrigues.

Declaro que, por incommodo de saude, deixei de comparecer a algumas sessões d'esta camara. = O deputado, Estevão Antonio de Oliveira Junior.
Para a secretaria.

O sr. João Pinto: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta.
Eu tinha sido aggregado á commissão de inquerito parlamentar, e vim depois a camada pedir escusa a d'esse encargo, porque tinha dito anteriormente que não podia fazer parte d'essa commissão. A camara, de certo, por at-

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tenção e delicadeza para commigo, não permittiu a escusa que pedi.
Como não posso rejeitar logar algum para que a camara me nomeie, e não podendo, como já tinha dito, fazer parte da commissão do inquerito, propunha que o meu nome seja substituido pelo do meu, illustre collega e amigo o sr. Ruivo Godinho, se effectivamente a camara deseja que o grupo do sr. Manuel Vaz Preto tenha representação n'esta commissão.
Peço a urgencia d'esta proposta a fim da camara poder desde já sobre ella tomar uma resolução.
Visto estar com a palavra, embora não veja presente o sr. ministro do reino, desejo que o governo me diga se é verdadeira a noticia de terem sido presos em Braga os vendedores de uns supplementos aos jornaes Cruz e, es pada e Constituinte, e apprehendidos os exemplares d´sses supplementos, levantando-se autos contra os vendedores, autos a que creio, se não deu seguimento judicial, por não terem fundamento juridico.
Communico á camara que no dia 24 se deve celebrar em Braga um comicio, em que só receiam graves desordens, e desejo saber se o governo está informado d'isso e se tomou já as devidas providencias para que seja mantida a liberdade de reunião.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho a minha substituição como membro da commissão de inquerito ás obras do porto de Lisboa, sendo nomeado o meu collega o sr. José Domingos Ruivo Godinho. = O deputado, João Pinto Rodrigues dos Santos.
Declarada urgente foi em seguida approvada sem discussão.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, aproveito a occasião de me ser concedida a palavra para declarar que pelo sr. presidente do conselho, fui encarregado de dizer a v. exa. e á camara, que, sendo sua intenção comparecer n'esta casa logo no principio da sessão, motivos de serviço publico o impedem de assim proceder, uno podendo vir á sessão senão mais tarde.
Quanto ás ponderações que o illustre deputado, o sr. Rodrigues dos Santos acaba de fazer, direi, sem poder dar promenores com respeito aos factos succedidos em Braga, porque não tive conversações com o sr. presidente do conselho, que não fossem para me assegurar que a ordem estava mantida em todo o paiz, que s. exa. aguarda os relatorios das auctoridades d'aquelle districto para proceder em harmonia com as leis e fazer respeitai as. ( Apoiados.)
Em segundo logar, pelo que respeita á recommendação que s. exa. fez ao governo, de manter a liberdade dos cidadãos que em Braga projectam reunir-se era comicio para ahi apreciarem os acontecimentos politicos, evitando qualquer desordem que lhes tolha o poderem realisar essa manifestação, posso affirmar em nome do governo que são essas as suas intenções formaes e os factos que se estão dando no paiz provam isso mesmo. (Apoiados.)
Todas as vezes que os cidadãos, no uso liberrimo do seu direito, se congreguem e reunam para discutir, segundo a sua apreciação particular ou especial, a marcha dos acontecimentos publicos, o façam com ordem, regularidade, obediencia ás leis e respeito ás auctoridades, têem estes cidadãos assegurado o uso pleno d'esse direito, que o governo de modo algum pensa, nem póde pensar em coarctar-lhes, mas o que ao mesmo tempo o governo não podia deixar de fazer, é tomar todas as providencias que sejam necessarias para que a ordem publica seja mantida.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Tive o cuidado de pedir a palavra no principio da sessão, antes de se inscrever qualquer dos meus collegas, porque o assumpto sobre que desejo chamar a attenção de v. exa. é especialmente de interesse meu, e desejava por isso que não esse intercalado nos assumptos de importancia que a camara vae tratar.
Infelizmente não fui ouvido por v. exa. e d'este modo vou interromper o assumpto em questão com a curta exposição do assumpto que me diz respeito, e que é o seguinte:
Na sessão de 14 de janeiro tive a honra de proferir dois discursos, que foram publicados sem que me tivessem sido remettidas as provas tachygraphicas, e com a circumstancia de estar irregularissimamente feito o serviço da revisão.
Emquanto a esta ultima parte, nada direi, porque desde o momento em que se declara que não revi, a minha responsabilidade está salva, ainda que nem sempre essa declaração de que o orador não reviu tem sido a expressão da verdade.
Mas isso é outra questão.
Para mim o facto é que está estabelecido n'esta casa que as notas tachygraphicas são remettidas aos oradores que até hoje se tem entendido terem o pleno direito de consentirem ou não na publicação dos seus discursos. (Apoiados.)
Isto é o que diariamente se tem feito.
E note v. exa. que não sou dos que applaudem o systema seguido, de dar ao orador o direito de publicar ou não o seu discurso; mas o facto é que ato hoje se tem mantido isto, inclusivamente para os proprios ministros.
Pergunto, pois, qual a rasão por que não me mandaram as notas tachygraphicas.
Como tenho assistido ás sessões não tenho tido interesse em ver o Diario das côrtes.
Estranhando porém que tivesse decorrido tanto tempo sem me terem sido enviadas as notas tachygraphicas dei-me ao trabalho de examinar o Diario da, camara, e vi que a ultima sessão publicada era a do dia 17, d'onde conclui que já estava publicada a sessão do dia 14 em que fallei, sessão em que tive a honra de ser constantemente interrompido d'aquelle lado da camara.
Era naturalissimo que se não fizesse uma excepção, cuja explicação eu preciso, porque desejo esclarecida esta lenda que corre lá fóra, de que o corpo tachygraphico d'esta casa faz politica.
Desejo que se esclareça isto, e pretendo saber se é por politica que não se mandam as notas tachygraphicas e se publicam discursos incorrectos, o que não honra por certo quem toma sobre si o encargo de revel-os, ou se foi simplesmente um lapso,
Aguardo que v. exa. queira ter a bondade de se informar do que deixo exposto, a fim de eu requerer o que tiver por conveniente.
O sr. Presidente: - Creio que o corpo tachygraphico e todos os empregados d'esta camara cumprem os seus deveres; e sempre os têem cumprido, sem obedecerem a inspirações politicas; no emtanto, torno nota das observações do sr. deputado e procurarei informar-me a respeito do facto a que o sr. deputado alludiu, providenciando para que se não repitam as irregularidades que apontou.
O sr. Arroyo:- Chama a attenção do governo para um requerimento que lhe fóra dirigido pelos primeiros aspirantes dos correios, telegraphos e pharoes, que, tendo servido de quatro a dez annos no exercito e tendo continuado no antigo corpo telegraphico, contando actualmente de trinta a quarenta annos de serviço effectivo, pretendem que se lhes conto para a aposentação o tempo de serviço militar.
Pedia ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que communicasse ao seu collega das obras publicas o desejo que elle, orador, tinha de que s. exa., de accordo com o sr. ministro da fazenda, tomasse este assumpto em consideração e o resolvesse com justiça.
Tambem pedia ao sr. ministro que communicasse aos seus collegas da justiça e da fazenda o facto de, não se te-

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rem ainda pago os juros do primeiro semestre aos parochos de Louzada e de Penafiel.
Era uma irregularidade e até uma illegalidade, para que não via desculpa. Pedia por isso aos srs. ministros da justiça e da fazenda que tomassem providencias a este respeito.
Por ultimo, o orador referindo-se á declaração feita pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros de que o sr. presidente do conselho, por motivo de serviço publico, não podia vir no principio da sessão para discutir os acontecimentos que se deram em Braga, com relação aos supplementos dos jornaes Cruz e tapada e Constituinte, requereu que fosse consultada a camara sobre se queria que, quando s. exa. chegasse, se interrompesse a discussão em qualquer altura que estivesse, para só tratar d'aquelle assumpto.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Se o sr. presidente do conselho vier antes de se ter entrado na ordem do dia, não tenho duvida em dar a palavra aos srs. deputados que a pediram para quando s. exa. estivesse presente; se vier depois de se ter entrado na ordem do dia, podem os illustres deputados pedir a palavra para um negocio urgente e eu a concederei, ou consultarei a camara.
O sr. Arroyo: - O que eu requeria a v. exa. foi que tivesse a bondade de consultar a camara sobre se permitte que, seja qual for a altura em que se ache o debate, quando entrar n'esta camara o sr. presidente do conselho, se interrompa immediatamente essa discussão para discutirmos com s. exa. o incidente de Braga.
Consultada a camara resolveu afirmativamente.
O sr. Eduardo José Coelho: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação criminal propondo algumas alterações alei de l de julho de 1867.
Mundo tambem para a mesa uma representação dos amanuenses do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça. Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O parecer foi a imprimir.
A representação teve o destino indicado no respectivo extracta a pag. 212.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - V. exa. sabe de antemão que eu desejava hoje ter uma conversação amavel com o sr. presidente do conselho e ministro do reino sobre assumptos referentes ao districto da guarda ; s. exa., porém, não está presente, e eu peço por isso a fineza do ficar inscripto para quando s. exa. chegue. No entretanto, pergunto a v. exa. se porventura já vieram do ministerio do reino os documentos que solicitei relativos ás nomeações dos professores provisorios do districto da Guarda.
O sr. Primeiro secretario (Francisco José de Medeiros): - Foi expedido o officio com o pedido de v. exa., mais ainda não veiu resposta.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - N'esse caso peço a v. exa. a bondade do instar pela satisfação do meu pedido.
O sr. Pinheiro Chagas: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:
"Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me seja enviada copia dos seguintes documentos:
"Copia de todos os telegrammas trocados entre o actual governador de S. Thomé e o governo da metropole, relativos ao prote-torado sobre a costa do Dahomey, bem como de todos os officios respeitantes a esses mesmos telegrammas, era especial dos officios confidenciaes trocados em outubro de 1886 e julho de 1887;
"Copia dos documentos authenticos a que se refere o relatorio do governo, de 19 de dezembro ultimo;
"Nota dos serviçaes dahomeanos introduzidos em S. Thomé, durante os annos de 1885, 1886 e 1887;
" Nota dos saques effectuados sobre a metropole pela junta de fazenda de S. Thomé, durante os annos economicos de 1884-1885, 1885-1886, 1886-1887 e os primeiros seis mezes do anno economico de 1887-1888, e indicação da applicação d'esses saques;
"Copia do officio dirigido, em julho de 1887, ao ex-governador de S. Thomé, Custodio Miguel de Borja, pedindo-lhe explicações sobre o tratado de Ajuanjum e o estabelecimento do protectorado;
"Resposta do referido ex-governador e copia de quaesquer documentos a que elle se refira n'essa sua resposta;
"Copia do relatorio do major Antonio Cortez da Silva Curado, datado de 7 de novembro de 1880, sobre os acontecimentos de Cotonum;
o Copia do relatorio do major Silva Curado sobre a sua ida a Abomey, em abril o maio de 1886, e a acta lavrada em Ajuda sobre o resultado d'essa sua missão;
"Termo de protesto lavrado contra as pretensões da França sobre Cotonum, por emissarios do rei de Dahomey em Ajuda, aos 11 de setembro de 1885;
"Acta lavrada em Ajuda tambem em setembro de 1885, em que se estipulou o statu que em Cotonum, até á decisão definitiva dos gabinetes francez e portuguez."
Alguns d'estes documentos já foram tambem pedidos pelo sr. Ferreira de Almeida e creio que foi auctorisada a sua publicação no Diário do governo.
Eu pedia o mesmo para os documentos que peço agora e que não foram ainda pedidos por aquelle meu illustre collega, exceptuando, é claro, quanto á publicação, quaesquer documentos que tenham a natureza de confidenciaes e aos que tambem me refiro no meu requerimento.
Desejo tambem que v. exa. me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino; no entretanto, aproveitando a occasião, sempre chamarei a attenção do governo para um facto, a respeito do qual será bom que se dêem explicações á camara e ao paiz.
Todos têem conhecimento de uma famosa circular do sr. arcebispo de Larissa, que deu motivo a uma portaria do sr. ministro da justiça.
Consta agora que o sr. arcebispo, longe de se conformar com as indicações d'essa portaria, não obedeceu de fórma alguma ás suas prescripções, continuando a ser feito o inquerito que lhe fóra estranhado pelo governo.
Não sei isto senão pelo que dizem os jornaes; oficialmente nada sei a este respeito; e por isso, sem mais considerações, limito-me a perguntar ao governo, que vejo representado pelos srs. ministros dos negocios estrangeiros e da fazenda, se é verdade ou não que o sr. arcebispo de Larissa reagiu contra as prescripções do governo, formuladas na portaria que veiu publicada na folha official.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, em primeiro logar digo ao illustre deputado o sr. Arroyo que communicarei aos meus collegas da justiça, da fazenda, que já está presente, e das obras publicas as perguntas que lhes dirigiu e as considerações com que as acompanhou.
Em segundo logar, referindo-me ás considerações do sr. Pinheiro. Chagas, observarei que o governo não póde a esse respeito dar todas as informações que daria só estivesse presente o sr. Beirão; mas, em todo o caso, direi que, tendo o governo, por portaria, feito saber ao reverendo arcebispo de Larissa que entendia necessário que fossem explicadas certas disposições da sua circular, de maneira que não podessem attribuir-se-lhe intentos e idéas que tinham sido assumpto de critica, aquelle prelado resolveu expedir uma segunda circular explicando as prescripções que tinha formulado na primeira.
D'essa segunda circular veiu um exemplar para o ministerio da justiça.
Esse exemplar está sendo examinado pelo meu collega, que ácerca d'elle ainda não se pronunciou.
Não posso, como disse, ir alem d'estes esclarecimentos

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que dou n'este momento; mas creio que elles devem em parte satisfazer o illustre deputado.
Completal-os-ha em tempo o meu illustre collega da justiça.
O sr. Pinheiro Chagas: - V. exa. dá me a palavra?
O sr. Presidente: - Eu inscrevo novamente o sr. deputado.
O sr. Pinheiro Chagas: - Era unicamente para agradecer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, acrescentando apenas uma simples consideração.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem v. exa. a palavra.
O sr. Pinheiro Chagas: - Não quero levantar a questão relativa ao sr. arcebispo de Larissa, porque me reservo para tratar d'esse assumpto quando estiver presente o sr. ministro da justiça. Entretanto, sempre observarei ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que me parece extraordinario que, tendo dito o sr. ministro da justiça áquelle prelado que lhe cumpria explicar a sua circular, elle a explicasse por meio de outra circular.
Ora esta segunda circular póde provocar segunda portaria, a qual, por sua vez, póde dar logar a uma terceira circular, e assim successivamente, sem sé chegar a um resultado.
Não seria mais natural que o sr. arcebispo de Larissa explicasse primeiro as intenções da sua circular ao governo, e que, só depois d'este se conformar, as explicasse então ao publico? Isto de ir successivamente lançando ao publico circulares explicando outras circulares a que se referem as portarias do governo, parece-me um pouco burlesco.
Agradeço, comtudo, a explicação do sr. ministro dos negocios estrangeiros, e peço novamente a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino.
(S. exa. neto reviu)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - É culpa minha, de certo, visto succeder-me o caso muitas vezes, o não me fazer entender muito bem por aquelle lado da camara, especialmente pelo sr. Pinheiro Chagas.
Creio que é do dominio da imprensa, e por consequencia do dominio do publico, que o sr. arcebispo de Larissa explicou para com o sr. ministro da justiça as prescripções da sua circular, por meio de officio que dirigiu áquelle prelado, mas, alem d'isso, elle tratou, de accordo com a portaria, dê explicar aos parochos a significação, o valor, o alcance d'aquellas prescripções.
O illustre deputado está por certo de boa fé, mas não têem rasão de ser as suas observações, porquanto, repito, o sr. arcebispo de Larissa explicou era officio ao governo ar prescripções da sua circular, officio de que não sei se já veiu copia para a camara, e, se não veiu ainda, virá em breve, porque é meu collega não negará de certo nem esse nem qualquer outro documento, mas, alem d'isso, explicou em uma segunda circular aos parochos a sua primeira circular.
O sr. Visconde de Silves: - Mando para a mesa um requerimento de Domingos Leonardo Vieira, official de marinha reformado, pedindo que lhe seja applicada a lei que augmentou os soldos dos officiaes em effectivo serviço.
Parece-me de toda a justiça este pedido, e por isso espero que as commissões competentes o tenham na consideração que merece.
O requerimento teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 000.
O sr. Francisco de Campos: - Mando para a mesa o requerimento do um velho e honrado militar, um tenente coronel reformado, que pede melhoria de reforma.
Eu, convencido da justiça com que este militar requer, rogo ás commissões de guerra e de fazenda que tomem o pedido na maior consideração.
Teve o destino indicado a pag. 212.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Sr. presidente,
pedi a palavra, aproveitando a presença do sr. ministro dos negocios estrangeiros, para chamar a attenção de s. exa. para um facto, que me pareço grave, e que não deve repetir-se, para bem do nosso commercio, e da prosperidade, que tem adquirido ultimamente a exportação dos nossos vinhos para os mercados do Brazil.
O facto foi publicado em primeiro logar por um dos principaes jornaes do Rio de Janeiro, O Paiz; e as considerações feitas sobre elle produziram grande temor e grande receio no mercado, que hoje abastece mais do que nenhum outro, de vinhos, o Rio de Janeiro. Refiro-me á impressão que este artigo produziu nas casas commerciaes da Figueira.
O facto revelado e severamente criticado por aquella illustrada folha do Rio de Janeiro, é o seguinte. É o caso, na verdade estranho, de um navio portuguez se prestar ao commercio irregular, illegitirno e illegal do transportar vinhos do Rio de Janeiro, para qualquer outro porto ou provincia do Brazil, como tendo a procedencia portugueza.
Ora, sr. presidente, v. exa. sabe quantos esforços os commerciantes portuguezes no Rio de Janeiro têem empregado, para diminuir ou restringir as garantia?, e até, posso assegurai1, as immunidades que a industria de vinhos falsificados gosavam no Rio de Janeiro, com graves resultados para a exportação dos nossos vinhos genuinos.
A lucta foi tenaz e demorada, mas alguma cousa se tem conseguido, mesmo por parte do governo portugues, e por parte do governo do imperio do Brazil, no sentido de restringir as garantias e facilidades da industria dos vinhos falsificados. Mas acontece que, apesar de todos estes esforços, ainda assim, o progredimento d'essa industria é tal, que ameaça de ruina o consumo dos nossos vinhos nos mercados do Brazil.

ra, se o facto que eu vou revelar á camara não tiver por parte do illustre ministro dos negocios estrangeiro a determinação de uma acção immediata, efficaz e rigorosa, imposta aos representantes consulares, para que punam com todo o rigor das leis o auxilio que a nossa minha mercante presta ao trafico d'este commercio illicito, é claro que os nossos vinhos, cuja producção é hoje superior a todas as necessidades locaes, e a toda á procura, que nos ultimos tempos tem tido por parte das casas franceza soffrerá as sim uma estagnação prejudicial e completamente ruinosa para o paiz.
O facto é ter-se prestado uma barca portugueza, Novo Silencio, com bandeira portugueza, a transportar vinhos falsificados, que o jornal O Paiz classifica de venenosos, do Rio de Janeiro para Pernambuco, trazendo o vasilhame a marca de um commerciante portuguez, para ser exposto ao consumo publico, como sendo vinho procedente de portos nacionaes.
Ora, o facto, creio eu, é um facto punivel e sujeito á fiscalisação rigorosa e immediata dos agentes consulares; e eu desejo que, para tranquillidade dos productores e exportadores portugueses, o sr. ministro dos negocios estrangeiros nos declare se está na firme resolução de recommendar ás auctoridades consulares que tenham o maximo cuidado em cohibir abusos d'esta ordem, que trarão com certeza a ruina do nosso commercio de vinhos. Ainda não ha muitos annos que, por causas identicas, embora com responsabilidades diversas, os vinhos exportados para o Brazil soffreram uma paralysação rapida e importante. Ultimamente, com a excessiva superabundancia de productos, a falsificação local desappareceu, e, justiça se faça ao nosso commercio, que procura hoje luctar em condições vantajosas com todos os vinhos, que concorrem aos mercados brazileiros, apresentando productos bons e de modo a acreditarem se. Mas isto é ha pouco tempo; porque em epochas

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anteriores o commercio de vinhos soffreu grandes golpes produzidos pela ambição demasiada d'aquelles que procuravam fazer grandes lucros com a exportação de vinhos adulterados para o Brazil.
Hoje, que este ramo de commercio progride e se torna cada vez mais consideravel e mais importante, e por isso mais proveitoso para a nossa economia nacional, é dever do governo impedir que por qualquer meio illegal e illegitimo esse commercio soffra um descredito, que seria para nós de consequencias desastrosas. (Apoiados.)
Eu chamo para este assumpto a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros, certo de que s. exa. procederá por fórma a evitar que factos d'esta ordem se repitam no futuro.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Do facto a que alludiu o illustre deputado, que acaba de fallar, tenho eu o mesmo conhecimento que s. exa. tem.
Li nos mesmos jornaes a noticia d'elle. Não tenho, por emquanto, a tal respeito informações officiaes nenhumas; mas não deixarei, quanto em mim caiba, de averiguar, por todos os meios ao meu alcanço, se para as auctoridades consulares de Portugal no Brazil se deriva qualquer especie de responsabilidade no facto a que s. exa. allidiu. Se essa responsabilidade se demonstrar, eu não deixarei de proceder. Alem de que, não deixarei da recommendar tambem que mesmo não se dando responsabilidade, mas podendo empregar-se diligencias, essas diligencias se empreguem para salvaguardar, quanto possivel, interesses de tanto valor e de tanta ponderação, como são aquelles a que o illustre deputado acaba de referir-se. E folguei em que s. exa., no decurso da sua conceituosa oração, advogando e defendendo hoje, corno aliás o fez sempre, de modo mais cordato e intelligente, (Apoiados.) os interesses dos commercio e da agricultura portugueza, folguei, repito, de ver que s. exa. no decurso d'essa oração tinha feito justiça ao governo brazileiro e tambem ás diligencias que os nossos representantes n'aquella côrte têem empenhado, de accordo com as instrucções recebidas, para quanto possivel acautelar os interesses, que temos a defender n'aquelle imperio.
Eu direi a s. exa. que bastante se tem conseguido, graças a essa boa fé, a essa intelligencia levantada dos negocios, que tem manifestado o governo do imperio. Por exemplo, n'essa questão de vinhos, a lei das marcas de fabricas, que ha pouco foi votada pelo parlamento imperial, salvaguarda os nossos interesses, e os de todas ab nações productoras e commerciantes de vinhos, do um modo muito satisfactorio.
Se nós não podemos alcançar o desideratum a que alludiu o sr. Teixeira e Vasconcellos, isto é, o evitar que se fabriquem vinhos artificiaes e que o consumo d'elles se alargue pelo Brazil, podemos, pelo menos, e devemos estimar que esses falsos productos que vem competir com o nosso principal ramo de exportação para o Brazil, o vinho, não venham tomar o nome dos nossos productos, lactando com elles por um modo condemnavel nos mercados do imperio.
E conseguiu-se isso por meio d'essa lei de marcas de fabricas, onde estão exaradas quasi todas as providencias e precauções que, desde muito, o governo portuguez se tinha empenhado por alcançar, embora as desejasse alcançar por via diplomatica. V. exa. sabe que está na politica d'aquelle grande imperio desprender-se quanto possivel de outras nações no que respeita a tratados ou convenções de qualquer ordem. O imperio brazileiro entende, e devemos respeitar a maneira por que aprecia os interesses que lhe cumpre zelar, que póde prestar homenagem aos pedidos justos das potencias estrangeiras, favorecendo o seu com-mercio, estreitando as suas relações com o imperio, não por tratados, mas por effeito da sua legislação privativa.
Seria para nós mais agradavel e representaria uma garantia mais segura, se nos fosse dado celebrar com o imperio uma convenção consular ou um convenio relativo ás marcas de fabricas; mas é certo que tambem com a legislação privativa podemos obter e temos em parte obtido o nosso principal desideratum, o salvaguardar devidamente os interesses do nosso commercio.
O sr. Miguel Dantas : - Mando para a mesa o requerimento de um major reformado, pedindo melhoria de vencimento.
Peço a v. exa. que o mande á commissão respectiva.
Aproveito a occasião para mandar tambem para a mesa uma representação assignada pelos individuos que assistiram ao meeting realisado em Paredes de Coura. Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara decidiu affirmativamente.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Pedi a palavra para dizer a v. exa. que a resposta que me deu ha pouco quando apresentei as considerações que julguei convenientes sobre a omissão havida por parte da tachygraphia, não me satisfez.
Eu desejava que v. exa., como presidente d'esta casa, e por consequencia a pessoa mais competente, procurasse informar-se da rasão por que não me foram remettidas as provas.
Emquanto ao futuro, isso fica por minha conta, e eu respondo, porque o facto se não ha de repetir.
O sr. Presidente : - Eu disse ao illustre deputado que tomava nota das suas considerações, a fim de evitar que se repita esse caso.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não me satisfaz isso. Eu desejava que v. exa. se informasse das rasões por que se tinha dado um facto que eu considero attentatorio dos meus direitos, e pelo que diz respeito ao futuro, eu conto que a simples exposição do que se passou obstaria á sua repetição.
O sr. Presidente : - Procurarei informar-me a esse respeito.
O sr. Ferreira de Almeida pediu a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, mas está quasi a dar a hora para se entrar na ordem do dia.
Se s. exa. precisa de muito tempo para apresentar as suas observações, reservo-lhe a palavra para outra sessão.
O sr. Ferreira de Almeida: - Serei breve.
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Ferreira de Almeida: - Recebera hontem uma representação ácerca de um facto que se referia ao circulo que representava, e via se portanto obrigado a pedir algumas explicações ao sr. ministro da fazenda.
Pela ultima reforma das alfandegas a sede da esquadrilha da fiscalisação no Algarve era mudada de Faro para Villa Real de Santo Antonio.
Não poderá consultar dados que esclarecessem a opinião dos seus constituintes a respeito d'este facto que ía affectar os interesses locaes, porque esta mudança fazia deslocar os depositos e outros serviços, e por isso pedia desde já ao sr. ministro da fazenda que attendesse aos legitimos interesses que se levantavam contra tal disposição, reservando-se, elle, orador, tratar do assumpto quando estiver mais esclarecido.
Faro era um ponto central, e cabeça de districto. Não comprehendia, portanto, a mudança para Villa Real de Santo Antonio, que estava n'um dos extremos da costa, que a esquadrilha tinha que fiscalisar.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - No momento actual não posso travar debate com o illustre deputado sobre a conveniencia da mudança da séde da esquadrilha de Faro para Villa Real de Santo Antonio. Nem a hora o permitte, nem é assumpto que se possa discutir

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De levê; mas posso succintamente dizer ao illustre deputado as rasões que predominaram no meu espirito para determinar essa mudança.
Nós somos talvez o unico paiz em que não ha servido de navios guarda costas, e eu nato pela minha parte de fazer com que seja preenchida esta lacuna importantissima no serviço aduaneiro maritimo e nas aguas territoriaes.
Penso, portanto, não só em ter empregada no Algarve a esquadrilha, composta de tres pequenos navios, mas projecto destinar dois navios para os Açores, um pelo menos para a Madeira, dois até tres para a costa maritima desde o Cabo do S. Vicente até Caminha, e um para estar em serviço no porto de Lisboa.
É a este meu pensamento geral de estabelecer uma fiscalisação maritima ao longo de toda a costa do continente e ilhas que obedeceu, em primeiro logar, a mudança da séde de Faro para Villa Real de Santo Antonio, filas ainda obedeceu a outra consideração e é que dos tres navios que estão na esquadrilha do Algarve, dois, salvo o caso de muito mau tempo, andam constantemente a cruzar e um está fundeado para descanso das tripulações. Todos estes navios têem tripulações superiores ás necessidades da sua navegação e é conveniente que aquelle que estiver fundeado, o esteja em Villa Real de Santo Antonio, porque a sua tripulação, excedente ás necessidades do serviço de bordo, póde em pequenas lanchas cooperar efficazmente para a fiscalisação ao longo do Guadiana.
Eis aqui as duas rasões principaes por que se mudou a séde da esquadrilha de Faro para Villa Real de Santo Antonio.
N'outra sessão, com mais vagar, poderemos tratar mais largamente d'este assumpto, e eu até prometto desde já ao illustre deputado vir ámanhã mais cedo para poder discutir este negocio com s. exa., se assim o quizer.
O que me parece é que realmente a administração publica não póde estar sujeita simplesmente nos interesses de uma cidade. São muito legitimos e respeitaveis os interesses da cidade de Faro, que alias teve já uma tal ou qual compensação porque, se deixa de ser ali a séde da esquadrilha, para lá foi a séde de um dos batalhões da guarda fiscal; mas, digo, por muito respeita veia que sejam esses interesses, não são de tal ordem que obriguem a conservar o que está, quando me, parece que nenhuma consideração aconselha a que seja ahi, mas em Villa Real de Santo António a séde da esquadrilha para que se possam policiar ao mesmo tempo as aguas do Algarve e as do rio Guadiana.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

OEDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 6 relativo à, contribuição industrial

O sr. Ruivo Codinho (sobre a ordem): - Sr. presidente, cumprindo as prescripções do regimento, começo por ler a minha moção de ordem; é a seguinte:
"Proponho que o projecto volte á commissão, para ser modificado, de modo que attenda todas as reclamações justas, e produza beneficios reaes para os contribuintes; e que, para serem modificadas no mesmo sentido, sejam revistas as leis da contribuição de renda de casas, sumptuaria e decima de juros, ultimamente votadas; é que se eleja uma commissão para elaborar um projecto de lei que reduza os quadros dos empregados publicos ás proporções restrictamente indispensaveis, que regule a admissão dos empregados addidos, que obste ao abuso que se tem feito das aposentações, e restrinja a casos raros e bem precisos a faculdade dos ministros darem gratificações á custa do thesouro".
Esta moção vem precedida de uns considerandos que me abstenho de ler á camara, para lhe não fatigar a attennder.
Sr. presidente, se eu fosse obrigado simplesmente a responder ao illustre deputado que me precedeu, o sr. Alves da Fonseca, teria a franqueza de dizer a v. exa. e á, camara que, se s. exa. teve por unico fim tomar toda a sessão, conseguiu perfeitamente esse fim, porque fallou toda a hora, e ainda teve de restringir algumas das suas considerações, para não levar a palavra para casa. Mas, se alem d'este teve tambem por fim sustentar o projecto, devo dizer com a mesma franqueza a v. exa. e á camara, que não foi tão feliz n'este intento, porque no pouco que disse sobre a materia do projecto, mais parecia estar a combatel-o do que a sustental-o.
O meu intuito não é simplesmente responder ao sr. Alves da Fonseca, mas demonstrar que o projecto não satisfaz; ao fim que se propõe, e não está em termos de ser approvado. (Apoiados.) Por isso, permitta-me o illustre parlamentar, que me precedeu, que eu o não acompanhe na prelecção que fez sobre os diversos processos de execução por multas, e, na historia que contou á camara da introducção do imposto por meio de licenças em Portugal, desde os mais remotos tempos da monarchia até nossos dias, e que vá já direito ao meu proposito, que é, como disse, mostrar que o projecto não satisfaz ao fim que se propõe, e não está em condições de ser approvado, e ao mesmo tempo Amostrarei que o pouco que s. exa. disse sobre o projecto procede mais contra do que a favor d'elle.
N'estas circumstancias a primeira cousa que temos a fazer é ver qual é o fim que o projecto se propõe conseguir. Este fim é acabar com as resistencias, reclamações e protestos que se levantaram em todo o paiz.
Dil-o o proprio governo no relatorio que precede o projecto que apresentou ás côrtes, quando diz: "O governo, mantendo todas as liberdades, mantém a ordem com firmeza, mas, embora notasse que as resistencias não provinham principalmente dos vendedores ambulantes aos quaes poderiam ser pedidas licenças, mas de pessoas a quem não eram nem podiam ser pedidas, resolveu propor vos providencias que, beneficiando o fisco, dessem satisfação a quaesquer reclamações justas e esclarecessem a opinião mal encaminhada.

il o tambem a commissão no seu relatorio, e ainda mais precisamente quando diz: "Levantaram-se, todavia, protestos e reclamações contra a execução d'estes decretos, revelando-se as difficuldades com que luctavam alguns contribuintes, inscriptos na 8.a classe da respectiva tabella, para pagarem o imposto".
Como remedio a este mal apresentou o governo esta proposta.
Está por consequencia perfeitamente demonstrado com as proprias declarações do governo e da commissão de fazenda que o fim d'este projecto é acabar com as reclamações, protestos e resistencias que se levantavam no paiz.
Vamos ver agora se o projecto satisfaz a esse fim.
(Entrou o sr. presidente do conselho.)
Como entrou o sr. presidente do conselho de ministros, não sei se v. exa. sr. presidente, quer cumprir a resolução que a camara, ha pouco, tomou ou se quer que eu continue com a palavra.
O sr. Presidente: - V. exa. está no uso da palavra.
O Orador: - Eu cedo da palavra aos srs. deputados que a tinham pedido para quando comparecesse o sr. presidente do conselho.
Para mim é indifferente fallar agora ou depois; mas como o objecto para que os srs. deputados pediram a palavra é mais urgente não tenho duvida em ceder agora da palavra, mas unicamente com o fim de cumprir a resolução da camara e com a expressa condição de que, terminado aquelle incidente, continuarei no uso da palavra.
A camara deliberou interromper a discussão, quando chegasse o sr. presidente do conselho; s. exa. chega agora: a logica, e a resolução da camara obrigam-me a interrom-

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per a discussão era que estava para continuar depois. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Lopo Vaz, que a pediu para quando estivesse presente o sr. presidente do conselho.
O sr. Lopo Vaz: - Sr. presidente, recebi hoje pelo correio uma carta assignada por varios cavalheiros da cidade de Braga, promotores de um comicio annunciado n'aquella cidade para o dia de ámanhã.
Carta identica, tanto pelo que diz respeito ao conteudo, como ás assignaturas, receberam tambem os dignos pares os srs. Hintze Ribeiro e Vaz Preto. Nenhum d'elles póde satisfazer hoje á incumbencia que se lhe faz n'estas cartas, por isso que não ha sessão na outra camara; faço-o eu no desempenho da missão que me incumbo a que recebi.
Diz-se n'esta carta que se propala em Braga que os agentes da auctoridade e os amigos d´ella estão combinados para promover desordens por todos os meios no meeting que n'aquella cidade se deve realisar ámanhã, acrescentando-se que já nos ultimos meetings tinha havido tentativa de perturbação da ordem por parte de alguns regedores, A commissão pede-me que faça sciente ao sr. presidente do conselho e ministro do reino do boato que corre n'aquella cidade, boato que, a serem verdade os factos anteriores, assume o aspecto da maior verosimilhança, e de que deseja que se mantenha completa e absoluta a liberdade de reunião, de representação e de manifestação de pensamento. (Apoiados.)
Da minha parte não tenho senão a acrescentar que o sr. presidente do conselho sabe muito bem não só que uma das melhores garantias, mas uma das principaes valvulas da ordem publica no systema constitucional é exactamente o mais completo respeito pela liberdade de manifestação de pensamento, (Apoiados.) porque por esta fórma, fazendo-se queixumes, criticas e censuras, e excedendo-se amplamente o direito de petição e de representação, muitas vezes se gastam ou pelo menos cessam e acalmam se as grandes indignações, quer sejam justas quer injustas.
Espero que o sr. ministro do reino, em vista da communicação que acabo de fazer, communicação que me é feita por varios promotores do meeting que se realisa ámanhã em Braga, dará as providencias necessarias a fim de ser completa e verdadeiramente respeitada a liberdade de reunião, do representação e de manifestação de pensamento e mantida convenientemente a ordem publica. (Apoiados.) Aproveito a occasião do estar com a palavra, para pedir ao sr. presidente do conselho as informações officiaes sobre um facto a que tive occasião de me referir n'uma das ultimas sessões, e sobre o qual farei agora o devido commentario, porque não desejo voltar a fazer uso da palavra n'esta sessão.
Dizia-se então que tinham sido presos os distribuidores dos supplementos de dois jornaes que se publicam em Braga, Cruz e espada e Constituintes que tinham sido apprehendidos pela auctoridade todos os supplementos ainda não vendidos, e autuados os jornaes; acrescentam depois alguns jornaes que os distribuidores foram intimados para não entregarem o producto da venda já feita de alguns supplementos. O sr. presidente do conselho dirá o que ha de verdade a este respeito.
Se, porventura, for tudo conforme dizem os jornaes e eu acabo de relatar, o procedimento da auctoridade administrativa é altamente attentatorio das liberdades publicas e leis do reino, especialmente da legislação que rege este assumpto, e que é a lei de imprensa de 18 de maio de 1866. Segundo ella, a camara e v. exa. sabem perfeitamente que a responsabilidade do que se escreve nos jornaes pertence, em primeiro logar ao editor, em seguida ao auctor, quando aquelle falta ou declina n'este; na falta de ambos ao dono da typographia onde o jornal só imprime, e só quando tambem este é desconhecido, póde ser pedida a responsabilidade aos distribuidores. Se bem me recordo, não ha disposição alguma que auctorise o governo a deter os distribuidores, e muito menos ainda a apprehender os jornaes, ou os seus supplementos, o que é equivalente para os effeitos da questão que se discute. Se a houvera, ainda o procedimento das auctoridades administrativas de Braga não poderia deixar de sar taxado de irregular e incorrecto, em vista do modo porque procederam depois, porquanto, n'um dos dias subsequentes ao da apprehensão dos supplementas, um dos mesmos jornaes repetia na primeira pagina a materia de um dos supplementos apprehendidos, e não foram os exemplares d'esse jornal apprehendidos. (Apoiados.) Se foi correcto o procedimento havido da primeira vez, foi incorrecto o havido posteriormente; e, se este foi regular, é innegavel que foi irregular aquelle. Em qualquer dos casos, porém, sempre o procedimento da auctoridade foi contradictorio em hypotheses absolutamente identicas.
Creio, porem, que só da segunda vez houve correcção e não da primeira. (Apoiados.)
Como a disposição que permitte em certos casos a prisão dos distribuidores e a apprehensão dos jornaes, existe em algumas legislações estrangeiras, tive occasião de as compulsar e examinar minuciosamente, quando em 1884 tive de fazer uma proposta de reforma penal, que foi convertida em lei.
Por essa occasião examinei, entre outras, a lei franceza, a qual consigna disposições que em hypotheses determinadas e claramente definidas justificam um procedimento similhante ao havido ultimamente em Braga, mas muito de proposito não procurei inscril as na legislação patria, por me parecerem menos conformes com os usos e costumes do paiz e com o pensamento liberal da lei de maio de 1866, ainda então como hoje acceita e applaudida por todos os homens liberaes do paiz. (Apoiados.)
S. exa. sabe, que se nos supplementos aos jornaes ou nos proprios jornaes ha quaesquer phrases de natureza injuriosa e que constituem delictos, ha sempre o direito de autuar esses jornaes ou supplementos e remetter a questão para o poder judicial, adquirindo para aquelle fim os exemplares strictamente necessarios e nada mais.
Pede se a responsabilidade ao editor ou ao auctor, segundo a hypothese, e por consequencia circumstancia nenhuma póde justificar nem desculpar a apprehensão dos jornaes nem a prisão, ou ainda a detenção dos distribuidores. (Apoiados.)
Esta prisão e apprehensão só é permittida pela lei do 1866, nos casos declarados no artigo 4.°, nenhum dos quaes se verificou agora em Braga.
Se os jornaes de que se trata não tivessem editores responsaveis, ou se elles, editores, não tivessem feito em devido tempo as suas declarações em conformidade com a lei, perante a auctoridade competente, então, e só então é que seria permittida a apprehensão de todos os exemplares dos jornaes, e ainda a prisão ou detenção do distribuidor, para por meio d'elles se investigar as ultimas responsabilidades da publicação. (Apoiados.)
Esta hypothese está excluida desde que se trata de supplementos de jornaes que tinham editores responsaveis, e que ha muito se publicam o tem continuado a publicar-se. (Apoiados.)
Parece-me, pois, que, se os factos se passaram como os jornaes dizem, o procedimento da auctoridade administrativa de Braga foi abusivo, contrario á lei e vexatorio das liberdades publicas, (Apoiados.) e especialmente da mais preciosa d'essas liberdades, que é a que permitte a manifestação do pensamento por meio da imprensa. (Muito apoiados.) No emtanto ouviremos as explicações do governo.
Vozes : - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Não tem participação alguma de que esteja annunciado para o dia immediato um meeting em
Braga e por conseguinte não sabe que fundamento te-

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nha a noticia transmittida na carta, particular a que se referira o illustre deputado e que manifesta receios de ser perturbada a ordem por parte dos agentes da auctoridade.
O que póde assegurar a s. exa. é que o governo está resolvido a manter em toda a sua plenitude o direito de reunião, não tolhendo aos cidadãos o direito de livremente exporem as suas opiniões a respeito dos actos do governo. N'este intuito dará ao governador civil do Braga as convenientes instrucções.
Quanto á apprehensão dos dois supplementos a jornaes d'aquella cidade e á prisão de alguns distribuidores, esta informado pelo governador civil de que, por motivo de, ordem publica, elle entendeu dever ordenar essa apprehensão, porque considerou, os supplementos verdadeiramente incendiarios e provocadores de desordens, mandando ao mesmo tempo levantar o respectivo auto para ser remettido ao delega-o do ministerio publico.
Quanto aos distribuidores, tambem está informado pela mesma auctoridade, de que elles nem foram presos, nem soffreram o minimo incommodo.
Acrescenta o orador que a disposição legal em que o governador civil se fundou ou, pelo menos, poderá ter-se fundado para proceder, como procedeu, é a do codigo administrativo, que auctorisa os governadores civis a tomarem as providencias extraordinarias que forem precisas para manter a ordem.
Ao governo compete depois apreciar se se realisaram as condições de ordem publica que possam justificar o emprego d'essas providencias por parte do seu delegado, e ao parlamento compete tomar contas ao governo do procedimento que este adoptar.
Tanto os regulamentos de policia, como o codigo administrativo auctorisam os agentes da auctoridade a levantar autos e a apprehender os documentos necessarios para com elles se instruirem os competentes processos; mas é sua opinião, quanto á apprehensão de jornaes, que em face da lei, não devem ser apprehendidos senão os que forem absolutamente necessarios para se colligirem as provas para o processo; e n'este sentido tenciona dar ordens expressas a todos os governadores civis.
Em conclusão; o governador civil de Braga, em vista da agitação que se procurava promover n'aquella cidade, apresentando-se desfigurado o pensamento de uma proposta de lei apresentada á camara pelo seu collega da fazenda, entendeu dever mandar proceder á apprehensão dos supplementos, que eram um chamamento á revolta. Este acto do governador civil, considera elle, orador, perfeitamente justificavel e sustentavel, por motivos de ordem publica.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Lopo Vaz: - Começo por agradecer ao sr. presidente do conselho a declaração que acaba de fazer de que vae dar instrucções para ser mantida a ordem e a liberdade plena na reunião que em Braga se projecta fazer.
Eu não tencionava voltar a usar da palavra, se não me fizessem grande e estranha impressão algumas das considerações que s. exa. acaba de expor, e contra as quaes, como deputado e como homem liberal, não posso deixar de lavrar o meu protesto modesto, mas energico, contra o modo como o sr. presidente do conselho pretende interpretar o artigo 218.° do codigo administrativo.
Sr. presidente, a prova de que o governo hesita na applicação do artigo citado do codigo administrativo ao caso sujeito, está em que o sr. ministro entende que a auctoridade não devia ter apprehendido mais do que os numeros necessarios para se levantarem os autos que se desejava remetter ao poder judicial.
Esta propria affirmação envolve de uma maneira clara a condemnação do procedimento do governador civil de Braga, mas nem por isso deixa de ser peregrina a interpretação que o governo pretende dar ao citado artigo 218.°
Por causa d'este ultimo ponto é que eu pedi a palavra, a fim de deixar consignado que, nem os poderes publicos, nem o governo, nem as auctoridades administrativas podem em caso algum interpretar o artigo do codigo pela fórma como acaba de indicar o sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
Se assim se podesse interpretar esse artigo, tal interpretação podia levar-nos ás mais latas e ás mais graves consequencias; porque, e noto v. exa. e a camara que o artigo 218.° inscripto no capitulo que trata das attribuições dos governadores civis, tem disposições similares na parte do codigo em que se consignam as attribuições dos administradores do concelho; poderia, repito, levar nos á consequencia de ser facultativo a qualquer auctoridade sertaneja suspender a carta constitucional e todas ás leis do reino em nome da manutenção do socego na localidade. (Apoiados.)
Póde sim, e deve, a auctoridade administrativa, e é mesmo sua stricta obrigação, incorrendo em gravissima responsabilidade se e não fizer, adoptar ás providencias necessarias para a manutenção da ordem, como lhe prescreve o artigo 218.° do codigo administrativo, comtanto, porém, que essas providencias não importem violação de lei, aliás seria a auctoridade administrativa a provocar e proclamar a desordem a pretexto de manter á ordem, collocando-se acima da lei e contra a, lei, que primeiro que tudo lhe cumpre respeitar. (Apoiados.)
Em casos extraordinarios, n'um momento de grande perturbação social, póde permittir se, e permitte-se, como supremo remedio, como suprema necessidade, a suspensão de garantias, e n'esse caso suspende-se tambem temporariamente a acção e o vigor das leis, procedendo só em harmonia com o que reclamam as circumstancia?.
Mas tão grave é este facto, que a propria constituição o rodeia do formalidades essenciaes, e de circumstancias que senão davam em Braga, circumstancias que não se deram, e formalidades que era caso nenhum podem ser desempenhadas pelo governador civil do districto. (Apoiados.)
A doutrina exposta a este respeito pelo sr. presidente do conselho é que eu não queria que ficasse consignada sem protesto, porque póde ser gravissima nas suas consequencias. (Apoiados.) O Diario da camara e o extracto as sessões são lidos em toda a parte do paiz e é necessario que nenhuma auctoridade administrativa possa suppor-se auctorisada pelo discurso do sr. presidente do conselho., a saltar por cima das leis, a violar a constituição, a atacar os direitos dos cidadãos e a ferir a liberdade de cada um em nome da manutenção da ordem publica. (Apoiados.) Não, sr. presidente, a auctorisação consignada no artigo 218.° não póde, nem deve ser interpretado, senão como estando de harmonia com as leis do reino, que o governa dor civil nunca tem o direito de violar.
Se a primeira condição da manutenção da ordem é o respeito do direito e da liberdade, como admittir disposição do codigo administrativo que possa estabelecer como meio de garantir o direito e a liberdade, justamente a violação d'esse direito e d'essa liberdade? Não póde ser. (Apoiados.)
A suspensão de garantias concedida pelo codigo administrativo aos governadores civis e administradores de concelho seria a absoluta condemnação d'esse mesmo codigo, se porventura se podesse interpretar assim em harmonia com as declarações que o seu auctor acaba de fazer.
Felizmente, porém, as leis tem a interpretação que lhe dá, não o seu auctor, mas sim a que a letra e o espirito da mesma lei, o bom criterio, e os principies da hermeneutica juridica mandam que se faça. (Apoiados.)

uero crer piamente que foi, não direi menos pensadamente, porque s. exa. é sempre muito reflectido, mas com certeza no desejo do valer até certo ponto á situação, que se me afigura difficil, em que está collocada a auctoridade

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cencliarias, que poderiam , fazer perigar a ordem publica, se só peraittisse que fossem distribuídos e publicados.

administrativa de Braga, que s. exa. fez as estranhas declarações que todos ouvimos, sobre o modo de interpretar o codigo administrativo, mas acudiu lhe logo o protesto da sua propria consciencia, declarando que o governo daria ordem para não se apprehenderem jornaes; isto é, fez a condemnação da sua doutrina, (Apoiados) a condemnação da interpretação lata que quiz dar ao artigo 218.°
Quaesquer que sejam as considerações que s. exa. deseje ter com o governador civil do Braga, cavalheiro que aliás muito respeito e que é muito distincto, mas que póde ter commettido erros graves de administração, e n'este ponto creio que os commetteu, acima d'essas considerações está o não deixar passar seus protesto doutrinas que, a serem acceitas, importavam a subversão de todos os principios, de todas as leis e de todas as bases sobre que assenta a ordem social. (Muitas apoiados.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Observa que o illustre deputado querendo protestar contra a doutrina que elle, orador, expoz á camara, não fez mais do que protestar contra a doutrina da propria lei, pois que pela sua parte só affirmou o que está claramente expresso no artigo 118.° do codigo administrativo, que dá competencia aos governadores civis para tomarem as providencias que julgarem necessarias á manutenção da ordem.
O sr. Marçal Pacheco: - Mas em conformidade com as leis.
O Orador: - Mas esta é que é a lei, não ha outra.
Respeita muito a opinião dos illustres sábios da opposição; não ignora que todos sabem muito mais do que elle, orador; mas permitia se lhe que n'este ponto tenha tambem a sua opinião.
E de resto, a discussão não tem outro fim. É para que cada um possa apresentar a opinião que tem; de outro modo nada se aproveitava em discutir.
O codigo administrativo diz: " Todas as providencias necessarias para manter a ordem." Haverá alguma disposição que prohiba ou não permitta ás auctoridade administrativas usarem d'esta faculdade? Onde existe no codigo administrativo similhante disposição ?
É necessario attender a duas questões, que aqui se offerecem; uma é a apprehensão dos jornaes para se formar o processo criminal; e sobre este ponto já diste que estava perfeitamente conforme em que não se devia fazer senão a apprehenção dos jornaes necessarios para aquelle fim, sendo n'esse sentido que vae dar as instrucções necessarias tanto ao governador civil de Braga como aos dos outros districtos. A outra questão é a da ordem publica; è n'este ponto é que as attribuições dos governadores civis são mais largas, mas ficando sempre subordinados á responsabilidade do uso ou abuso que d'ellas fizerem; porque é o governo e o parlamento que hão de julgar se elles exorbitaram ou não; isto é, se adoptaram quaesquer providencias extraordinarias, sem que fossem determinadas pela necessidade de ordem publica.
O limite é este; está no direito que o governo tem de fiscalisar os actos dos governadores civis, e de procurar ver se elles, em nome da ordem publica, e abusando da interpretação d'essas palavras, praticaram algumas violencias ou algumas arbitrariedades, que não fossem necessarias para aquelle fim.
Esse acto do governo é depois fiscalisado pelo parlamento a quem tem de dar contas do bom ou mau procedimento das auctoridades administrativas.
Este é que é o limite. Esta é que é a doutrina em toda a parte, e sempre assim foi. Não é nova, é a doutrina de todos os escriptores e de todos os publicistas.
O sr. governador civil de Braga, acrescenta o orador, entendeu que, por necessidade de manter a ordem publica, lhe era indispensavel apprehender supplementos, verdadeiras proclamações á revolta, verdadeiras proclamações incendiaria, que poderiam fazer perigo a ordem publica, se se permittisse que fosse distribuidos e publicados.
Procedeu bem o governador civil?
Se effectivamente a ordem publica corria perigo, cumpriu o seu dever; e as informações que o governo tem, são de que aquelles supplementos podiam desvairar a opinião e produzir uma grave perturbação da ordem publica.
Conclue declarando que tambem elle, orador, se preza de ser liberal; e todos sabem que a actual lei de imprensa deve-se principalmente á sua iniciativa; mas não ha de levar o seu amor pela liberdade de imprensa até ao ponto de permittir que as auctoridades cruzem os braços diante de verdadeiros pasquins que excitam o povo á revolta.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. o restituir.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Como v. exa. vê, sr. presidente, não pedi a palavra para tratar d'este incidente, mas sim para tratar do um assumpto completamente estranho ao que está agora em discussão.
Como me parece que o sr. José Luciano de Castro vão tão bem que eu não me absolveria se obstasse a que s. exa. vá ainda melhor, por isso peço a v. exa. que me inscreva para me occupar do meu assumpto que desejo discutir quando esteja esgotado o incidente que occupa n'este momento a attenção da camara.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Franco Castello Branco.
O sr. Franco Castello Branco: - Parece-me que quem estava inscripto antes de mim era o sr. conselheiro Pinheiro Chagas.
O sr. Presidente: - O sr. Pinheiro Chagas está inscripto depois de v. exa.
O sr. Franco Castello Branco: - Eu prescindo de
usar agora da palavra, e peço a v. exa. que me inscreva para depois de fallar o sr. Pinheiro Chagas.
O sr. Presidente: - Fica inscripto e tem agora a palavra o sr. deputado Pinheiro Chagas.
O sr. Pinheiro Chagas: - Sr. presidente, fosse qual fosse a ordem, que eu me propozesse dar ás minhas idéas, na breve exposição de um facto grave que se deu no para e para o qual tencionava chamar a attenção do sr. ministro do reino, não posso deixar de pôr absolutamente de parte todas as considerações, para responder immediatamente ás palavras que acabam de ser proferidas pelo sr. presidente do conselho, e que representam o maior attentado á liberdade, que entre nós se tem praticado (Apoiados.)
Pois é possivel que s. exa. venha aqui declarar, em pleno parlamento, que não tem limitação alguma o direito de tomar qualquer governador civil todas as precauções que quizer, quando lhe pareça que a ordem publica está em perigo?! Pois nem sequer a lei de l de julho de 1867 deverá ser respeitada pelo governador civil? E ámanhã, quando elle entender, que a ordem publica está ameaçada, póde, firmado n'esse principio, fuzilar, enforcar, fazer em fim o que entender?!
Ámanhã, esse direito que hoje se diz pertencer aos governadores civis, poderá estender-se a qualquer regedor; e assim as mais sagradas garantias do cidadão ficam completamente á mercê da interpretação boa ou má, absurda ou legitima, que lhe queira dar, sempre com o pretexto da manutenção da ordem, qualquer magistrado.
E é possivel que o sr. presidente do conselho, o sr. ministro do reino, auctor do codigo administrativo, nos venha dizer que fez um codigo em dictadura, mas pelo qual desrespeita a carta o todas as leis, e que esse codigo tem de ser assim interpretado? Protesto absolutamente contra semilhante interpretação.
Eu vou lembrar á camara e ao sr. presidente do conselho um facto, que bem mostra quanto é absurda a inter-

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pretação dada por s. exa. ao artigo que citou, do seu codigo administrativo.
A camara sabe perfeitamente, que no momento que se seguiu á ominosa tyrannia de D. Miguel, estavam os animos por tal fórma excitados, havia uma tal conflagração em todos os espiritos, que os homens mais liberara não recuavam diante da medida mais aspera, mais estranha, mais despotica, para defender a liberdade, que acabava de ser calcada aos pés. Ninguem ignora o odio intenso, que tinha despertado em todos os animos a pessoa do infante D. Miguel, pelo modo por que elle tinha dirigido o governo do paiz, durante seis annos que esteve em Lisboa.
Pois bem; n'esse momento, apesar das leis administrativas d'esse tempo serem bem menos largamente liberaes do que hoje, nunca se entendeu que as auctoridades tinham o direito, com o pretexto da manutenção da ordem publica, de calcar aos pés todas as garantias individuaes; e foi preciso que a camara auctorisasse o procedimento contra D. Miguel e seus sequazes, com esse mesmo direito que o sr. presidente do conselho hoje contra a qualquer governador civil para proceder contra qualquer cidadão, contra qualquer jornalista!
E vem s. exa. aqui dizer-nos, por escarneo, que deve á imprensa tudo quanto é, e que foi, em parte, o auctor da lei de 1876! É então como Saturno; devora seus proprios filhos! E, a final, é o sr. presidente do conselho, é s. exa. mesmo quem vem logo depois condemnar, como muito bem notou o sr. Lopo Vaz, esse seu proprio procedimento!
Pois s. exa. diz-nos que os governadores civis têem o direito de apprehender os jornaes que quizerem, e depois declara-nos que deu ordens para que nunca mais apprehendam senão os jornaes precisos para base do processo?
Diz-nos isto s. ex.ª; diz-nos que quer que se mantenha em todo o paiz o cumprimento fiel da lei da imprensa, elle, que acabava de affirmar o principio de que os governadores civis tinham o direito de passar por cima da carta e por cima de todas as garantias individuaes!
O paiz não acredita, não póde acreditar, nas promessas que o sr. ministro do reino acaba de fazer (Apoiados) de que ha de manter a liberdade e a ordem.
O ministro, que acaba de proferir phrases como aquellas; o ministro que acaba de dizer que entrega aos regedores o direito de passarem por cima de todas as garantias individuaes, esse ministro não póde tranquillisar o paiz quando diz que ha de manter a liberdade e o ordem. (Apoiados.} Esse ministro tem tão pouca força nos seus subordinados, é tão mal informado por elles, que até vem dizer-nos que não sabe que haja meeting annunciado para ámanhã em Braga, quando toda agente sabia d'isso, quando se tinha espalhado a noticia do que os arruaceiros iriam a esse meeting, como foram já ao do domingo, sendo postos fóra da reunião três regedores!
Tudo isto se escreve nos jornaes; mas o sr. presidente do conselho não sabe nada. Os governadores civis fazem tudo quanto querem; passam por cima da carta e das leis, calcam aos pés todas as garantias individuaes; e um ministro, sem força moral perante o paiz, vem dizer á camara que ha de garantir a ordem e a liberdade!
Como podemos nós ter confiança no que esse ministro diz! (Vozes: - Muito bem.)
Mas, sr. presidente, eu não quero arredar a discussão do terreno em que ella se circumscreveu, e por isso eu termino aqui as minhas considerações.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): Não disse que aos agentes da auctoridade era permittido, em nome da ordem publica, praticar crimes. Não disse, nem podia dizer, que os delegados do governo, para manterem a ordem, podiam saltar por cima da constituição, calcar as leis e attentar contra as garantias e contra a liberdade dos cidadãos. Se tal dissesse, diria uma heresia.
A nenhuma actoridade, como a nenhum particular, é licito offender as leis e praticar crimes. Isto é evidente.
Não podia, pois, elle, orador ter sustentado a doutrina que lhe attribuiu o sr. Pinheiro Chagas.
O que disse, foi que os agentes da auctoridade podem perfeitamente, a fim de manterem a ordem publica, praticar quaesquer actos que não sejam prohibidos por lei.
O que disse tambem e agora repete, é que, se um administrador do concelho, ou um governador civil, no exercicio das suas attribuições exorbita, a sua responsabilidade é para com o governo, como este tem a sua responsabilidade perante o parlamento.
Não conhece disposição alguma de lei que prohiba a apprehensão de jornaes quando provoquem á revolta; como não conhece lei que declare os administradores de concelho ou os commissarios de policia inhibidos de fazer essas apprehensões a bem da ordem publica.
Conclue declarando que o seu fim, fallando terceira vez sobre o assumpto, foi unicamente accentuar bem as suas palavras, para que não se lhes dê interpretação diversa da que devem ter.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Tem ,a palavra o sr. João Pinto.
O sr. João Pinto: - Cedo da palavra, para que, possa desde já fallar o sr. Marçal Pacheco.
O sr. Presidente: - Quem se segue na inscripção é o sr. Ruivo Godinho.
Tem s. exa. a palavra.
O sr. Ruivo Godinho: - Sem que o sr. Antonio Maria de Carvalho, ou qualquer dos illustres deputados se julgue auctorisado a dizer que dou homem por mim, declaro a v. exa. que desisto da palavra agora e peço a v. exa. que me inscreva de novo.
Assim como o sr. José de Azevedo Castello Branco cedeu da palavra para fallar o sr. Pinheiro Chagas, eu entendo que é um dever de deferencia da minha parte permittir que falle o sr. Marçal Pacheco, primeiro do que eu, por isso que tambem foi s. exa. quem primeiro pediu a palavra.
O sr. Marçal Pacheco: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Azevedo Castello Branco, que a tinha pedido para quando estivesse presente o sr. presidente do conselho.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Eu pedia v. exa. que me inscrevesse para quando terminasse este incidente, porque é differente o assumpto de que tenho a tratar e não desejo collocal-o no meio d'esta discussão.
O sr. Presidente: - N'esse caso inscrevo-o em ultimo logar.
Tem a palavra o sr. Franco Castello Branco.
O sr. Franco Castello Branco: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Elvino de Brito (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que faça ler na mesa os nomes dos srs. deputados que se fizeram inscrever antes de ter começado a usar da palavra o illustre deputado que acaba de fallar.
O sr. Arouca: - Sr. presidente, v. exa. diz-me uma cousa? Isto não é ordem do dia, não é verdade?
O sr. Presidente: - Por deliberação da camara o incidente tomou o logar da ordem do dia.
O sr. Arouca: - Eu protesto contra o requerimento do sr. Elvino de Brito...
O sr. Presidente: - O sr. deputado Arouca não tem a palavra...
O sr. Arouca: - Eu reclamo...
O sr. Presidente: - O sr. deputado não póde usar da palavra.
O sr. Arouca: - Então não posso queixar-me?

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O sr. Presidente: - Nas discussões antes da ordem do dia ha a palavra para requerimentos, mas não têem preferencia.
Agora está-se na ordem do dia, porque a camara entendeu dever substituir a discussão do projecto n.° 6, pela do assumpto de que se trata.
O sr. Arouca: - Eu peço a palavra sobre o modo de propor.
O sr. Presidente: - Não se trata de propor nada á votação. O sr. Elvino de Brito pediu um, esclarecimento á mesa, e para lh'o dar não é preciso consultar a camara. (Apoiados.)
O sr. Arouca: - Elle fez um requerimento.
O sr. Presidente: - Eu não ponho á votação esse requerimento, nem preciso consultar a camara. Pediu um esclarecimento que a mesa está habilitada para lhe dar. (Apoiados)
O sr. Arouca: - Pois eu tambem quero pedir um esclarecimento. N'uma das ultimas sessões, a que v. exa. não presidiu, julguei ou que estava no meu direito, fazendo um requerimento antes da ordem do dia, e foi-me dito pela presidencia que antes da ordem do dia não havia requerimentos; appellei para a camara e ella confirmou a declaração da presidencia, dizendo tambem que eu não podia fazer requerimentos antes da ordem do dia.
Vejo agora que o sr. Elvino de Brito fez um requerimento para pedir esclarecimentos, e então pergunto quem é que está no seu direito, se o sr. Elvino se eu.
O sr. Presidente: - V. exa. refere-se a um facto acontecido n'uma sessão a que eu não assisti. Um deputado póde pedir a palavra para um requerimento antes da ordem do dia, mas não lhe dá isso a preferencia no uso da palavra: durante a ordem do dia a palavra para requerimento tem a preferencia, e tendo a camara resolvido, depois de se ter passado á ordem do dia, que continuasse a discussão do incidente sobre os acontecimentos de Braga, ficou o mesmo incidente substituindo a ordem do dia.
Agora vou ler a inscripção toda para satisfazer ao pedido do sr. Elvino de Brito.
Estavam inscriptos, contra os srs. João Pinto, Ruivo Godinho, Arouca, Jacinto Candido, Franco Castello Branco, Amorim Novaes; e favor os srs. Eduardo José Coelho, Barbosa de Magalhães, Abreu Castello Branco, A. Maria de Carvalho, Alves Matheus, Baptista, de Sousa, Elvino de Brito, Lobo d'Avila.
Agora tem a palavra o sr. Arroyo.
O sr. Arroyo: - Lamenta que os seus collegas, os illustres membros da opposição, os srs. Lopo Vaz, Franco Castello Branco, Marçal Pacheco e Pinheiro Chagas, embora antigos parlamentares, tivessem a ingenuidade de acreditar nas promessas do sr. presidente do conselho, quanto á manutenção da ordem.
S. exa. responde invariavelmente com a necessidade da manutenção da ordem, a todas as accusações, por actos arbitrarios e violentos das suas auctoridades.
Até o procedimento da auctoridade de Braga, apprehendendo os supplementos de dois jornaes e prendendo os distribuidores, fôra motivado pela necessidade de manter a ordem. Pelo mesmo motivo é que ha pouco estiveram atulhadas de tropas as ruas do Porto, e, os cidadãos pacificos foram espancados pela força publica!
Sempre a mesma resposta ! Mas se realmente se tratasse de manter a ordem, já s. exa. deveria ter saido dos bancos do poder. Assim devia ter já feito para honra do seu nome e dos seus antigos serviços parlamentares.
Tratava-se hoje das violencias praticadas pelo governador civil de Braga, e o sr. presidente do conselho não duvidara declarar que ellas se justificavam por uma disposição do codigo administrativo, feito em dictadura! Eram verdadeiras Heresias juridicas o que s. exa. dissera n'este ponto.
O orador, depois de fazer largas considerações, censurando o procedimento do governo, acrescenta o seguinte.
O sr. presidente do conselho estabelece o principio do que as auctoridades podiam fazer tudo o que a lei não prohibisse, e lembrava que esse principio era uma verdade para o cidadão, mas não para as auctoridades, que tinham nas leis e nos regulamentos as suas attribuições fixadas e enumeradas.
O sr. Franco Castello Branco havia pedido ao sr. José Luciano de Castro que se levantasse para responder ás arguições da opposição. Elle, orador, entendia que, para interesse do sr. José Luciano de Castro e do partido progressista, era melhor que s. exa. se deixasse ficar sentado.
(O discuso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco (para um requerimento): - Sr. presidente, como este incidente tem tomado uma grande importancia, e achando-se inscriptos muitos oradores, de um e de outro lado da camara, peço a v. exa. para dar á successão dos discursos a norma seguida nos debates dos projectos, que entram na ordem do dia; isto é, que se dê alternadamente a palavra aos que fallam a favor e aos que faliam contra.
O sr. Baptista de Sousa: - Contra quê?
O Orador : - Como o illustre deputado tem duvidas sobre a minha phrase, direi que entendo melhor que falle primeiramente um deputado contra o procedimento do governo e depois outro a favor, por que vejo que uns atacam o governo, e que outros o defendem. Não é necessario consultar a camara para isto.

sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, o assumpto que só debate é a apprehensão pelos agentes da auctoridade administrativa de Braga de um supplemento ao jornal Cruz e espada.
Para instruir a camara sobre a questão, a primeira cousa que haveria a fazer seria a leitura d'esse supplemento ; era a primeira peça do processo; (Apoiados) o sr. Franco Castello Branco não o leu, porque ha no supplemento injurias para os srs. ministros.
(Apartes. - Susurro.)
(O orador dirigindo-se ao sr. Marçal Pacheco): - Ainda ha pouco, quando v. exa. fallava, o sr. presidente interrompeu o para dar explicações sobre algumas asserções do seu discurso; v. exa. levantou-se altaneiro e disse-lhe: se quer fallar, desça d'esse logar, peça a palavra e falle por seu turno; agora sou eu que tenho a palavra, sou eu que digo a v. exa. o que v. exa. dizia ha pouco. Não serão os meus direitos iguaes aos seus ? (Apoiados.)
O sr. Franco Castello Branco não leu o supplemento, porque, segundo disse, não quiz que se suppozesse que sanccionava, lendo-as, essas palavras injuriosas para o governo.
Pois o que s. exa. não fez, faço-o eu; não para sanccionar o que está aqui escripto, mas porque a leitura me parece necessaria, e porque não basta que se leiam alto as injurias que se escrevem, para que fiquem realmente injuriados os homens a quem se referem. Onde estaria a honra de todos os homens publicos d'este paiz, se bastasse ler na camara injurias que se lhe dirigem, para elles ficarem injuriados. (Apoiados.)
Eu leio, pois. (Leu)
" Supplemento ao n.° 311 da Cruz e Espada. - A morte das confrarias e irmandades.
" O governo apresentou já ás côrtes um projecto de lei, em virtude do qual se apossa dos bens dos hospitaes, das confrarias e das irmandades !
"Depois de esfolar o povo, rouba-lhe essa migalha que a devoção ajuntou! Não mais terá o pobre uma vela á cabeceira, na hora da agonia, nem uma missa por sua alma."
Ri-se felizmente nas bancadas da opposição; os indignados riem! (Apoiados.)
Toda essa agitação que ahi vae pelo paiz? toda essa con-

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vulsão medonha só os commove ligeiramente e por alguns instantes; indignam-se com uns adverbios que juntam, depois riem com os adverbios contrarios! (Apoiados.)
(Continuando a ler.)
"Acaba esse recurso que o agricultor e o industrial tinham nos dinheiros das instituições de piedade, e cairá nas mãos da agiotagem!
"Este é o primeiro empuchão do attentado. Assim se fez com os bens das ordens religiosas, e com os paçaes. O clero foi illudido com promessas, que se transformaram na mais triste realidade.
" Aqui d'el-rei, ladrões!"
O sr. Franco Castello Branco: - E a capa? Não vem a capa.
Vozes: - E verdade; a capa?
O Orador: - A capa não vem; estes que são imaginarios, vêem sem capa.
(Susurro. - Apartes.)
O sr. Presidente: - Peço ordem.
(O orador continuou a ler.)
Vozes: - E os Baldomeras de outro tempo?
Outras vozes: - Baldomeras e outras cousas.
O Orador (interrompendo a leitura: - Isso foi uma phrase dirigida a quem ?
(Apartes. - Susurro.)
O sr. Presidente: - Peço ordem.
O Orador: - Dizia o sr. Franco Castello Branco que os auctores do supplemento, tanto não pretendiam illudir ninguem, que tinham copiado toda a proposta do sr. ministro da fazenda. É, respondo eu, mais um artificio para illudir.
Porventura a Interpretação que se dá no supplemento ás palavras da proposta, os commentarios de que a precedem, podem-se considerar, mesmo de longe, um transumpto, sequer remotissimo, das idéas da mesma proposta? (Apoiados.)
Com os seus commentarios, dirigidos a um povo pouco instruido, e que por isso não entende a proposta do sr. ministro da fazenda, exploram para um fim nada justo o que ha de mais nobre, de mais levantado e de mais vivo no coração d'esse povo, os sentimentos religiosos. (Apoiados.)
(Interrupções. - Susurro.)
S. ex.as não me deixam fallar? Se determinam que, quando fallam, estejam todos silenciosos, e quando fallam os seus adversarios politicos os podem interromper constantemente, assim seja. (Apartes. - Susurro.)
Mas parece me que tenho direito de fallar sem ser interrompido. (Apoiados.)
Ainda se comprehendia que s. exa. me interrompessem, se eu fosse um parlamentar que os interrompesse tambem quando s. ex.as fallam; mas não acontece assim, eu ouço-os sempre com attenção e respeito, e se s. ex.as me não não querem fazer o favor de me ouvir, posso exigir que estejam calados, que é a sua obrigação. (Apoiados.)
Era, dizia eu, uma exploração dos sentimentos religiosos do povo; mas a camara vae ver que ha n'esta exploração alguma cousa ainda mais notavel; é que n'este assumpto, como n'outros, o partido regenerador promove a agitação contra as suas idéas, contra uns actos d'elle proprio, attribuindo os aos adversarios politicos. Quer feril-os? Aggride até os seus proprios actos, fazendo mercê d'elles aos outros, o que eu vou demonstrar.
Em 1885 propoz o sr. Hintze Ribeiro, então ministro da fazenda, que todos os fundos disponiveis das misericordias, hospitaes e confrarias fossem recolhidos na caixa geral de depositos. Essa proposta combati-a eu aqui, porque se tratava dos fundos disponiveis...
Vozes da esquerda: - Ouçam, ouçam.
Vozes da direita: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - Tratava-se dos fundos disponiveis; tratava-se de dinheiro, que devia o era conveniente que fosse dado a juro nas localidades; combati por isso a proposta, conseguindo que n'ella se fizessem algumas modificações, convertendo se a final a proposta na lei de Ide julho de 1885, cujo artigo 3.° vou ler á camara.
"Artigo 3.° As misericordias, hospitaes e quaesquer outros estabelecimentos de piedade ou beneficencia que tenham administração nomeada ou tutelada pelo estado depositarão na caixa geral de depositos os seus fundos em cofre, que não tiverem immediata applicação, ficando o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessario para a effectiva execução das disposições d'este artigo."
Está assignada a lei pelo sr. Hintze, pelo sr. Pinheiro Chagas, por outros collegas no ministerio.
E o regulamento fez-se. É o decreto de 23 de dezembro de 1885, que diz no artigo 1.°: "A entrada na caixagegral de depositos dos fundos em cofre, preceituada no artigo 3.° da carta da lei de l de julho ultimo, pertencentes ás misericordias, hospitaes e quaesquer outros estabelecimentos de piedade ou de beneficencia, que tenham administração nomeada ou tutelada pelo estado, que não tiverem immediata applicação, tem por fim a boa arrecadação d'esses fundos, tornando-os ao mesmo tempo productivos para os estabelecimentos depositantes por meio de juros abonados pela referida caixa, nos termos do disposto no artigo 5.° da carta de lei em 10 de abril de 1876. =(Assignado) Hintze Ribeiro".
De maneira que o partido regenerador vem a esta camara propor uma lei para que os fundos disponiveis dos estabelecimentos de caridade dêem entrada, na caixa geral de depositos; e depois, quando se apresenta uma proposta de lei, que é a immediata consequencia d'aquella, (Muitos apoiados.) e que não tem os inconvenientes que aquella tinha, porque os capitães já reduzidos a inscripções não podem andar a juro nas localidades, não se prejudicando portanto com o facto de se recolherem na caixa geral de depositos as industrias locaes, mas beneficiando-se muito os estabelecimentos de piedade e beneficencia, o partido regenerador levanta-se em peso, e entende que deve nos seus jornaes, e pôr todas as fórmas, nos supplementos da Cruz e espada e Constituinte, em nome da religião, levantar-se a clamar contra as proprias idéas d'esse partido (Apoiados.)
É um acto ruim, mas é o seu costume, e costume já velho, costume inveterado. Foram elles que fizeram o tratado de Lourenço Marques, e quando o sr. Anselmo Braamcamp, que, através de, mil angustias e amarguras, tinha conseguido tornar esse tratado de perpetuo em temporario, limitando-o ao praso de doze annos, vinha pedir a sua approvação, o partido regenerador levanta uma grande grita, não contra o sr. Andrade Corvo, que tinha feito o tratado, não contra o sr. Andrade Corvo, que tinha acceitado as mais iniquas disposições d'elle; não contra o sr. Anselmo Braamcamp, que o tinha modificado, expungindo d'elle essas disposições; não contra as commissões de legislação civil e de negocios diplomaticos, mas contra quem? contra o sr. Marianno de Carvalho, que não tinha absolutamente nada com o tratado, que não pertencia nem sequer a nenhuma das commissões que o tinham revisto, que não tinha n'elle a responsabilidade de uma linha ou de uma letra. É esta a justiça do partido regenerador. Quando se, trata de fazer agitação, levantam-se, como no tratado de Lourenço Marques, contra aquillo mesmo que elles praticaram. (Muitos apoiados.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - V. exa. dá me licença?
O Orador: - Todas as licenças que v. exa. quizer.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - V. exa. disse que a opposição fazia arruaças. V. exa. tem a certeza d'isso?
O Orador: - Eu vou responder a v. exa. O partido regenerador apresenta-se aqui como o mantenedor da or-

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dem publica; lá fóra é o instigador de tumultos e desordens.
Vozes: - Prove isso.
(Susurro.)
O sr. Presidente: - O sr. deputado não póde dar explicações no meio d'este tumulto.
O sr. Arouca: - V. exa. acha que as palavras proferidas pelo illustre deputado são correctas? Peço a v. exa. que nos responda, para sabermos o que havemos do fazer.
O sr. Marçal Pacheco: - Retire o sr. deputado essa palavra.
O Orador: - Não retiro nada.
O sr. Lopo Vaz: - Insinuações d'esta natureza, ou se provam, ou se retiram. (Apoiados.)
A opposição protesta contra tal accusação. Se porventura o illustre deputado tem alguma prova em contrario, apresente-a; e senão tem, ao sr. presidente, em cuja imparcialidade confio, compete pedir ao sr. deputado que retire a phrase. (Apoiados.)
O Orador: - No outro dia...
O sr. Arouca: - Não é no outro dia; é preciso que o sr. presidente diga se as palavras proferidas pelo sr. Laranjo são ou não correctas.
O sr. Presidente: - O sr. Laranjo está no uso da palavra; estou certo de que s. exa. nas phrases que proferiu não teve intenção de offender a s. exa. (Apoiados.)
O sr. Arouca: - S. exa. diz-nos que somos amotimadores lá fóra e não nos offende? (Apoiados.)
Nós tomâmos a liberdade de não deixar fallar o sr. Laranjo, emquanto não explicar aquellas palavras. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - O sr. Laranjo é quem tem a palavra.
O Orador: - Eu não sei se posso faltar. Realmente a minha situação é a seguinte: Quando eu começo a fallar, quando solto uma phrase, os illustres deputados dão-se por offendidos. Um dia.. .
Uma voz: - Ahi vem uma historia.
(Susurro).
O Orador: - Os illustres deputados, que contam tantas historias, não consentem que eu conto uma? (Apoiados.)
Vozes: - Agora não conta.
O sr. Presidente: - Se os illustres deputados querem que o sr. Laranjo dê explicações é preciso que o escutem. Nós me obriguem, pelo tumulto, a levantar a sessão.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Nós o que queremos é que o sr. deputado explique a phrase ou a retire.
O Orador: - Os illustres deputados estão offendidos por uma palavra, que pela sequencia natural do discurso, teria, provavelmente uma explicação que o serenaria; polo menos não os deixaria tão agitados e por tal fórma; mas tomaram esta resolução não me querem ouvir Parecia-me conveniente que a opposição fosse tão serena como nós como, quando os ouvimos. (Muitos apoiados.) Ainda hoje os ouvimos dizer á maioria - que ella simplesmente tinha amor a estas cadeiras; (Apoiadas) ainda hoje ouvimos d´ahi a palavra carnavalesco!...
O sr. Arroyo: - O sr. presidente não chamou ninguem á ordem.
O Orador: - De maneira que a logica do sr. Arroyo e dos illustres deputados, seus collegas é a seguinte: quando elles fallam, só o sr. presidente póde chamar á ordem; quando nós fallamos, podem s. exa. chamar-nos á ordem a nós!... (Apoiados.)
O sr. Arouca: - Isto não acaba assim, havemos de seguir outro systema Preciso saber se o sr. Laranjo retira ou não retira as palavras que a opposição julga offensivas: e nas mãos de v. exa., entregues á sua honra e cavalheiro; deixamos esta questão.
O sr. Presidente: - Se s. exa. permittissem que o sr. Laranjo continuasse a usar da palavra, daria sem duvida explicações com as quaes s. exa. ficariam satisfeitos; mas s. exa. não consentem que falle!
O Orador: - Estava eu dizendo, que se os illustres deputados quizessem ser um pouco mais serenos e me quizessem ouvir em silencio, não seriam necessarias todas estas explicações.
Ora, os illustres deputados querem que eu retire umas palavras que proferi e nem elles já sabem quaes foram!
(Susurro.)
O sr. Presidente: - Peço ordem. Quem tem a palavra é o sr. Laranjo.
O Orador: - Eu fallava do partido regenerador, que lá fóra é representado tanto pelos srs. deputados, como pelos seus correligionarios. (Apoiados.) Visto que s. exa. atacam n'esta casa o partido progressista e os agentes do governo, tambem eu estou no meu direito dizendo o que penso do partido regenerador. (Apoiados.)
(Ápartes.)
Eu não sei que modo boja de se provar, de só explicar ou de se retirar qualquer cousa com estas interrupções. Querem os illustres deputados que eu me exprima por gestos? (Apoiados.)
Eu disse que o partido regenerador era mantenedor da ordem aqui, o instigador da desordem lá fóra. Foram estas as minhas palavras.
Vozes : - Prove, prove.
O Orador: - Pois provo. Não é preciso, para um partido ser promotor de desordens, que os deputados que o representam escrevam cartas, ou digam directamente a um ou a muitos individuos que façam esta ou aquella desordem. Basta, por exemplo, que os jornaes d'esse partido propaguem noticias falsas a respeito de propostas do governo, ácerca de tumultos e desordens em umas localidades, e com essas noticias incitem outras a tambem se agitarem.
Vozes: - Prove, prove.
O Orador: - Ahi têem, por exemplo, como prova, o supplemento de que aqui li parte.
O sr. Amorim Novaes: - É um jornal legitimista, não é regenerador.
O Orador: - Mas esse jornal faz agora amavel companhia a s. ex.ªs, e dou-lhes os meus parabens por isso. (Apoiados - Riso.)
Ah: têem tambem a Gazeta do Portugal, que está todos os dias gritando: ávante com a agitação; ahi têem o Jornal do commercio, que diz lá para fóra que o paiz está em sobresalto e que foram Apunhaladas sentinellas.
Uma voz: - Os regedores de Braga são tambem regeneradores ?
O Orador: - Não sei se são regeneradores; é possivel que o sejam, porque muitas vezes este governo cáe no erro de nomear regeneradores, mesmo para empregos de confiança. (Apoiados.)
A Gazeta de Portugal, jornal do sr. Serpa, chefe de uma fracção importante do partido regenerador, exporta para o paiz o para o estrangeiro...
Vozes: - Exporta para o paiz?
O Orador: - Sim, sr. Franco Castello-Branco; sim, illustres purista da lingua, a quem, mesmo no maximo ardor das discussões, não escapa nenhuma palavra menos correcta ou menos propria; repito e não corrijo a phrase - exporta para todo a paiz e para o estrangeiro, - porque, dentro do mesmo paiz, póde-se exportar e exportar-se effectivamente do uma terra para outra. (Apoiados.)
O sr. Marçal Pacheco: - V. exa. diz que a opposição que está n'esta casa, não promove as desordens lá fóra ?
O Orador: - Eu começára a fallar do partido regenerador quando me referia ao tratado de Lourenço Marques. Diza que o partido regenerador se apresenta como mantenedor da ordem aqui, e lá fóra, nos seus jornaes, ou por

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SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1888 225

quaesquer outros meios, mas principalmente pelos seus jornaes, propaga noticias de tal natureza, que incitavam e amiudavam as desordens.
(Interrupção.- Susurro.)
Vozes: - Que noticias são essas?
O Orador: - São as noticias das sentinellas apunhaladas, são outras que taes; são os gritos de avante e outros. (Apoiados.)
Pois é rasoavel, é legitimo vir para aqui pedir que se mantenha a ordem, apresentarem só aqui como mantenedores da ordem publica, e lá fóra os jornaes do seu partido trazerem expressões que dão um resultado diverso? (Muitos apoiados )
Em que relações estão os illustres deputados com os jornaes do seu partido? Governam os ou renegam-os ? Digam. (Muitos apoiados)
(Grande agitação. - Interrupções, apartes e respostas que não se perceberam.)
O sr. Presidente: - O sr. deputado, se quer continuar a usar da palavra tenha a bondade de não responder ás interrupções. Lembro lhe que já deu a hora.
O Orador: - V. exa. faz-me urna censura, que eu acceito, e acato, mas que me parece que v. exa. devia ter dirigido para aquelle lado da camara, porque eu, a não tapar os ouvidos, vejo me obrigado a responder ás interrupções, ou então quando quizer fallar, tenho que fazer o que se costuma fazer na França, quando se quer entrar para a academia; isto é percorrer um a um os logares dos não sei quantos immortaes, pedindo-lhes por favor que me não interrompam; mas como v. exa. disse que já deu a hora, peço que me reserve a palavra para ámanhã.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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