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SESSÃ0 DE 24 DE JANEIRO DE 1876

Presidencia do ex.ª sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Ricardo de Mello Gouveia Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

STJM3XA.RIO

Apresentação, pelo sr. Barros e Cunha, de um projecto de lei relevando o governo da responsabilidade que assumiu pelas providencias extraordinarias que decretou com relação á provincia do Algarve. — Rejeitada a urgencia d'este projecto requerida pelo seu auctor. — Apresentação, pelo sr. ministro das obras publicas, dos relatorios a respeito dos caminhos de ferro do Douro e Minho, e proposta de lei para o governo ser relevado da responsabilidade que assumiu pelas medidas que adoptou para a construcção do caminho de ferro do Algarve, e emprestimos de cereaes e legumes aos lavradores da mesma provincia. — Discussão a proposito d'este assumpto. — Ordem do dia. — Discussão na especialidade do projecto de lei n.º 107 (instrucção primaria).

Presentes á chamada 60 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Agostinho da Rocha, Pereira de Miranda, Avila Junior, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Mello Gouveia, Barão de Ferreira dos Santos, Correia da Silva, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bretiandos, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, Francisco Costa, Camello Lampreia, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Barros e Cunha, Vasco Leão, Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Klerck, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Pereira Rodrigues, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello Simas, Pinheiro Chagas, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Pedro Jacome, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Thomás Bastos, V. da Arriaga, V. da Azarujinha, V. de Carregoso, V. de Sieuve de Menezes, V. de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Cardoso Avelino, Boavida, Arrobas, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Forjaz de Sampaio, Fonseca Osorio, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, Correia de Oliveira, Mexia Salema, Freitas Branco, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Thomás Ribeiro, V. de Guedes Teixeira, V. de Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto "(Alfredo), Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. de Seixas, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Perdigão, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Guilherme Pacheco, Luciano de Castro, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Nogueira, Lourenço de Carvalho, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Pedro Roberto, Placido de Abreu.

Abertura — As duas horas da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da guerra, acompanhando os esclarecimentos prestados pela 1.ª repartição da direcção geral d'aquelle ministerio, ácerca da pretensão do coronel reformado Francisco Tavares de Almeida.

 commissão de guerra.

2.° Do mesmo ministerio, acompanhando, informado, o requerimento em que Francisco Xavier de Brito pede se lhe torne extensiva a disposição da carta de lei de 14 de agosto de 1860.

A commissão de guerra.

3.° Do mesmo ministerio, acompanhando, informado, o requerimento em que o tenente de infanteria Antonio Pinto pede que lhe seja contada, para os effeitos da reforma, a antiguidade do posto de alferes do dia 17 de setembro de 1862.

A commissão de guerra.

4.° Do mesmo ministerio, acompanhando, informado, o requerimento em que o primeiro official reformado da direcção da administração militar João José Frederico Bartholomeu pede ser considerado, para os effeitos da sua reforma, com a graduação de tenente coronel desde 10 de maio de 1870.

A commissão de guerra.

5.° Do mesmo ministerio, acompanhando, informado, o requerimento do general de brigada reformado Francisco José Maria de Azevedo, pedindo lhe seja melhorada a reforma no posto de general de divisão.

A commissão de guerra.

SEGUNDAS LEITURAS Projecto de lei

Senhores. — A theoria mais orthodoxa em materia de contribuições é que ellas devem assentar sobre todos os elementos que constituem a fortuna publica, que é a verdadeira materia collectavel para a imposição dos tributos.

Collectar a riqueza em todas as suas manifestações é rasoavel, por ser ella que principalmente desfructa as vantagens da civilisação e do progresso; tributar o trabalho productor da riqueza, é menos consentaneo com a justiça, mas ainda poderá admittir-se como uma indeclinavel necessidade de occasião n'um paiz, aonde a receita publica não chega infelizmente para pagar o dispêndio do estado; mas tributar o talento e o merito artístico, as letras e as artes liberaes, é um enorme contrasenso, insustentavel ante os principios que regem as sociedades cultas.

O escriptor, o artista ou o homem de sciencia que consegue n'um paiz, onde são precários os proventos das suas profissões, distinguir-se por fórma que a munificencia regia julgue dever galardoar com uma mercê honorifica, em vez de obter o premio dos seus merecimentos, cava muitas vezes a propria ruina, porque é compellido ao pagamento de direitos e emolumentos, que na maior parte dos casos não póde satisfazer com o producto minguado do seu labor honrado.

As condecorações que se obtém por esta fórma lisongeiam aquelles que as alcançam, e não seria, sem grande constrangimento, que um escriptor, um artista ou um homem de sciencia praticaria o acto indelicado de devolver á corôa a mercê concedida; mas no dia em que uma condecoração lhe é posta ao peito, começa para elle a triste preoccupação de que, mais tarde ou mais cedo, o fisco inexoravel lhe irá liquidar o debito com o producto da sua mobilia, vendida em almoeda. A mercê deixa de ser um premio para ser uma calamidade.

Profundíssimas são as reformas que terá de soffrer a nossa legislação tributaria quando forem mais prosperas as nossas condições financeiras.

A contribuição de registo terá de ceder o passo á liberdade de transacções sobre propriedade, e ao direito sagrado que assiste ao legatário de receber inteiro o legado, sem que o fisco lh'o dizime.

Por outro lado, a riqueza mobiliaria, representada pelos titulos de divida publica, terá de sujeitar-se á imposição

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de um tributo, que os principios de igualdade de ha muito reclamam.

Quando se tratar de remodelar toda essa legislação haverá então ensejo proprio para acabar com as mil incongruências, que n'ella se acham actualmente consagradas; mas, emquanto esse momento não chega, vamos a pouco e pouco suavisando as suas disposições em harmonia com os principios eternos da verdade e da justiça.

O projecto, que tenho a honra de submetter á vossa illustração, tende a. esse fim. Conto que o acolhereis com benevolencia, no que lograreis alcançar o reconhecimento d'aquelles, que têem na verdade jus a ser comtemplados com o beneficio que lhes resultará da conversão em lei do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As condecorações concedidas por merito artístico, scientifico ou litterario, serão isentas do pagamento de quaesquer impostos ou emolumentos.

Art. 2.° Aquellas pessoas que, tendo sido agraciadas com condecorações por merito artístico, scientifico ou litterario, não hajam ainda pago os direitos de mercê e respectivos emolumentos, ficam desde já isentas d'esse onus, devendo ser-lhes entregues gratuitamente os respectivos diplomas, e annullados os processos de relaxe para a cobrança coercitiva.

Art. 3.° As pessoas a quem forem ou tiverem sido conferidas condecorações estrangeiras por merito artístico, scientifico ou litterario, ficam igualmente dispensadas de pagar quaesquer impostos e emolumentos pela concessão da licença para as poderem usar.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 21 de janeiro de 1876. = Eduardo Tavares, deputado por Almada — Julio de Vilhena, deputado por Felgueiras = Mariano de Carvalho — Marçal Pacheco = Joaquim José Alves — Manuel da Assumpção — A. Carrilho.

A commissão de fazenda, ouvida a de instrucção publica.

Declarações

1.º Declaro que não compareci mais cedo ás sessões por motivo de doença.

Camara dos deputados, 24 de janeiro de 1876. = Adriano Carneiro de Sampaio.

2.ª Declaro que por incommodo de saude não compareci ás sessões anteriores. = Guilherme de Abreu.

3.ª Declaro que por motivo justificado não tenho comparecido a algumas sessões. = O deputado, Visconde de Villa Nova da Rainha.

4.ª Declaro que faltei ás tres ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

5.ª Participo á camara que o sr. deputado João Ribeiro dos Sant03 continua bastante incommodado de saude, e por este justificado motivo não tem podido vir ás sessões e se demorará em comparecer.

Sala das sessões, 24 de janeiro de 1876. = Mexia Salema.

6.ª Declaro que por motivo de molestia tenho faltado ás sessões.

Sala das sessões, 24 do janeiro de 1876. Miguel Maximo da Cunha Monteiro, deputado por Famalicão.

7.ª Participo á camara que por motivo de saude não pude comparecer á ultima sessão da camara.

Sala das sessões, 24 de janeiro de 1876. = O deputado por Pinhel, Augusto das Neves Carneiro.

O sr. Presidente: — Participo á camara que a grande deputação, encarregada de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa, foi recebida pelo mesmo augusto senhor com a sua costumada benevolencia.

O sr. Secretario (Ricardo de Mello): — Participo á camara ter desempenhado a commissão, de que fui encarregado na sessão passada, de ir desanojar o nosso collega, o sr. Anselmo Braamcamp, pelo fallecimento de seu bom irmão e prestante cidadão, o sr. Geraldo Braamcamp.

O s. Bivar: — Tive a honra do apresentar um projecto de lei sobre a contribuição predial no districto de Faro, relativa ao anno de 1875, assignado tambem pelos srs. Marçal Pacheco e Gomes da Palma.

Já particularmente solicitei do respectivo ministro a sua esclarecida attenção sobre as medidas que propunha; e agora peço á illustre commissão de fazenda, que ainda ha poucos dias se constituiu, que dê o seu parecer sobre áquelle projecto, que eu julgo da maior necessidade; e da illustração, intelligencia e zêlo que reconheço em cada um dos illustres membros d'esta commissão espero que o meu pedido será attendido.

Julgo da maior necessidade e justiça a medida que proponho, e opportunamente empregarei todos os fracos recursos da minha curta intelligencia para mostrar que é indispensavel e urgente adoptar aquella providencia ou qualquer outra que a camara, na sua alta sabedoria, tenha por mais conveniente, attenta a precaria situação em que se encontram os lavradores e proprietarios da provincia do Algarve.

Aproveito esta occasião para pedir que pela mesa seja enviada á commissão de fazenda uma representação, que apresentei na sessão passada, dos escrivães de fazenda do districto de Faro, representação que desejo que a illustre commissão tenha na consideração que merece, e que me parece ser de toda a justiça.

O sr. Mello e Simas: — Por parte da commissão de fazenda declaro a V. ex.ª e á camara que a mesma commissão se tem occupado de propostas importantes do governo, como são: a proposta sobre a lei de receita e despeza do estado, a proposta da caixa geral dos depositos, e a proposta sobre a reforma das pautas, e que tão depressa acabe o exame d'estas propostas se ha de occupar do projecto de iniciativa do illustre deputado, e dos outros que se acham na commissão de fazenda, apresentados por differentes srs. deputados.

O sr. Klerck: — Mando para a mesa uma representação dos escrivães de fazenda do districto de Portalegre, pedindo que lhes seja dada uma reforma em attenção aos relevantes serviços que esta classe presta ao paiz.

Não são só estes individuos que dirigem a sua reclamação n'este sentido, mas outros que têem reclamado contra a desigualdade que se dá e este respeito; por isso peço a V. ex.ª que dê a esta representação o destino conveniente, para ser tomada na devida consideração.

Mando tambem para a mesa um requerimento de Sebastião Miguel Soares, alferes ajudante da praça de Marvão, pedindo que lhe seja concedida melhoria no seu estado.

Este official tem prestado serviços ao paiz, e espero que deve ser attendido como é de justiça.

O sr. Barros e Cunha: — Peço a V. ex.ª que tenha a bondade de me mandar informar se já chegaram dos respectivos ministerios os documentos a que se referem os requerimentos que mandei para a mesa.

O sr. Presidente: — Vou mandar saber á secretaria.

O Orador: — Então para não perder tempo mando para a mesa uma proposta, da qual peço a urgencia.

V. ex.ª 3abe que disse na ultima sessão que, em harmonia com o destino que tivesse a substituição que eu offereci na resposta ao discurso da corôa, ácerca das medidas adoptadas pelo governo na provincia do Algarve, assim seria o meu procedimento.

Esperava que a substituição fosse mais largamente discutida, tomada na verdadeira accepção em que eu a tinha apresentado, e que não fosse considerada como um arbitrio pessoal.

Por consequencia, não posso deixar continuar a passar os dias de sessão, porque estamos quasi no fim de janeiro sem ver bem definido e bem claro se acaso o governo póde, na ausencia do parlamento, continuar a dispensar-se de que o mesmo parlamento dê a sua approvação aos actos

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por elle praticados para acudir aos males da provincia do Algarve.

A camara deu-me uma lição que me aproveitou. A camara disse me que eu devia ser reservado, conveniente, discreto e respeitador do seu decoro e decencia; o que implica que na proposta que apresentei não havia estes requisitos, que eu por fórma alguma proporia ao parlamento se preterissem, fosse qual fosse o assumpto em que o seu voto tivesse de ser dado.

Portanto já V. ex.ª vê que não posso deixar por mais tempo de definir bem a minha idéa. A minha idéa é que os actos do governo merecem a approvação do parlamento, e que as obras que elle decretou para a provincia do Algarve não devem ser suspensas em consequencia de lhe faltar os meios; e pelo facto de estar o parlamento aberto. Dê, portanto, o parlamento as providencias que elle entender na sua alta sabedoria.

Peço que a minha proposta seja declarada urgente o remettida á respectiva commissão, para sobre ella dar o seu parecer.

Lida na mesa a proposta, não foi julgada urgente por 36 votos contra 20.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Cardoso Avelino): — Mando para a mesa o relatorio do governo sobre a construcção dos caminhos de ferro do Douro e Minho, e uma proposta de lei sobre as providencias que o governo tomou com relação á provincia do Algarve. (Leu.)

Com o relatorio vão os documentos que se referem propriamente a todos os factos relativos á construcção dos dois caminhos de ferro do Douro e Minho, assim como os documentos para demonstrar o preço no mercado de Londres dos carris e outras peças de ferro, e um excellente trabalho feito na repartição de estatistica do meu ministerio, para comparar o preço dos salarios em 1866-1867 com o preço dos salarios em 1872-1873 e 1873-1874.

Mando para a mesa estes documentos para serem competentemente publicados.

Mando igualmente para a mesa a seguinte proposta de lei. (Leu.)

Juntamente vão todos os documentos que tinha na minha repartição e que podem esclarecer a camara sobre a natureza das obras e despezas que se têem realisado na provincia do Algarve.

- (O relatorio sobre os caminhos de ferro será publicado no fim da proxima sessão.)

A proposta de lei sobre as obras e despezas que se têem realisado no Algarve, é a seguinte:

n.º 6-A

Senhores. — Depois de encerrada a primeira sessão parlamentar da actual legislatura, teve o governo noticia dos damnos que estava soffrendo e dos desastres que ameaçavam a provincia do Algarve; e na portaria de 15 de maio de 1875 ordenou ao governador civil de Faro que, visitando o districto, colhesse informações exactos ácerca dos prejuizos causados á agricultura pela falta de chuvas, e fornecesse os indispensaveis esclarecimentos para se providenciar convenientemente. O relatorio de 17 de junho do mesmo anno (documento n.º 1) mostra a intelligencia e louvavel zêlo com que aquelle magistrado desempenhou a importante commissão de que fóra incumbido.

Dos alvitres propostos o governo preferiu os que reuniam maior somma de utilidades. Emprestar sementes aos pequenos lavradores para lhes assegurar, pelo modo possivel, as suas colheitas; imprimir o maximo desenvolvimento na viação ordinaria do estado, do districto e dos municipios; concluir os trabalhos da linha ferrea entre Faro e Boliqueme até S. Bartholomeu de Messines e até á portella dos Termos, foram as medidas que o governo adoptou, por serem as mais uteis á agricultura, as mais consentaneas á economia publica, as mais proficuas ás classes trabalhadoras e as menos onerosas para o estado.

Pelos documentos juntos vereis o modo como o governo realisou estes pensamentos.

Da compra e remessa das sementes para o Algarve foram encarregados os cidadãos Estevão Antonio de Oliveira Junior e José Maria dos Santos, que, mais uma vez, no desempenho d'esta commissão, deram prova de inexcedivel zêlo e acrisolado patriotismo.

A crise não cessou. Superior a todos nós reside a vontade que póde libertar os habitantes do Algarve das desgraças que os affligem e ameaçam; mas até onde alcança a acção dos poderes publicos, esses males têem sido atenuados. E mais o serão ainda se o parlamento, approvando as medidas tomadas, conceder ao governo as auctorisações que elle pede, ou decretar providencias que na sua sabedoria julgue mais efficazes.

Com este intuito temos a honra de submetter á vossa deliberação a seguinte

Proposta do lei

Artigo 1.° São legalisadas as despezas feitas com a construcção do caminho de ferro do Algarve, e com a compra de sementes que tiverem sido ou forem fornecidas por emprestimo aos lavradores no actual anuo agricola.

Art. 2.° Igualmente são legalisadas as despezas extraordinarias feitas no districto de Faro com a construcção das estradas de 1.ª, 2.ª e'3.a ordem.

Art. 3.° É auctorisado o governo a continuar a construcção do caminho de ferro do Algarve até que, nos termos legaes, a construcção e exploração do mesmo caminho sejam devidamente adjudicadas.

Art. 4.° Fica por este modo relevado o governo da responsabilidade em que incorreu por ter adoptado as providencias referidas nos artigos precedentes, e revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas commercio e industria, em 20 do janeiro de 1876. = Antonio de Serpa Pimentel = Antonio Cardoso Avelino.

Relatorio da visita feita pelo governador civil de Faro aos differentes concelhos do Algarve, a fim de dar conta do estado das searas

Ill.mo e ex.mo sr. — Em portaria expedida por esse ministerio, com a data de 15 de maio ultimo, foi-me ordenado que fizesse uma visita ao districto a meu cargo, a fim de, por meio d'ella, colher nas differentes localidades informações exactas ácerca do verdadeiro estado da agricultura d'esta provincia, que constava achar-se em precarias condições pela falta de chuvas, e habilitar-me pela minha pessoal inspecção a fornecer ao governo os esclarecimentos de que elle carece para providenciar convenientemente.

Dando cumprimento á regia ordem, saí d'esta cidade no dia 23 d'aquelle mez com destino á villa do Bispo, por cujo concelho comecei a visita, percorrendo seguidamente os demais concelhos, e terminando este serviço no dia 10 do corrente, em que regressei a Faro.

Na impossibilidade de percorrer todas as aldeias, todos os casaes, o que faria prolongar a visita por muitos mezes, inspeccionei os pontos a que me foi possivel chegar e fiz reunir em todas as capitães de concelho as camaras municipaes, os maiores contribuintes, os parochos e os regedores de todas as freguezias, para colher de todos a maior copia de esclarecimentos ácerca das culturas nas differentes freguezias.

Pareceu-me ser este o meio mais proficuo de chegar á verdade, e creio que me não afastarei muito d'ella na exposição que passo a fazer do resultado d'este inquerito, porque as informações dadas sobre os pontos que não pude visitar harmonisam com a inspecção ocular d'aquelles que percorri.

Seguirei n'esta exposição a mesma ordem por que foram visitados 03 concelhos.

Concelho de Villa do Bispo Freguezia de Budens N'esta freguezia, como nas outras do concelho, cultiva

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se apenas o trigo, cevada, raros centeios, grão, chicharo e milho. É, porém, no trigo que consiste a sua principal riqueza agricola.

Apresentaram-se as searas com magnifico aspecto no principio do anno, e attingiram pela maior parte um desenvolvimento superior ás searas dos outros concelhos, especialmente nas — chamadas terras de dentro — terrenos baixos e verdes, que são por isso menos exigentes de copiosas chuvas. Mas, a final, a prolongada estiagem tolheu n'umas o completo desenvolvimento da espiga e produziu n'outras a sua morte prematura, restando apenas n'estas o feno e algum grão mirrado. Calcula-se que ainda assim a média da producção será de 50 por cento de uma colheita regular.

Das sementeiras serodias nem a semente se espera.

Freguezia da Raposeira identicas informações.

Freguezia de Villa do Bispo

Idem.

Freguezia de Sagres

E a freguezia que mais soffre com a estiagem. Tem os mesmos generos de cultura, mas são maiores os estragos nas searas. A producção ha de ser inferior á das outras freguezias. Ha tambem ali absoluta falta do agua potável. O destacamento militar que existe na praça de Sagres abastece-se da villa do Bispo, que dista uns 6 kilometros.

Este concelho, que se compõe de serra inculta e extensos terrenos de lavoura, é considerado o celeiro do Algarve pela abundancia da sua producção de cereaes que exporta em larga escala. Arvores e vinhas apenas tem algumas, mui poucas, junto das povoações para recreio. Ha algumas plantações novas de figueiras.

A propriedade acha-se muito dividida, como em toda a provincia, e a população é quasi toda agricola. N'estas circumstancias, em anno de escassez como este, soffre maiores necessidades do que as dos outros concelhos, por não ter compensação em productos de outros generos, por falta de outros trabalhos em que se occupem os braços disponiveis, o finalmente porque baixando em consequencia os salarios, cresce a miseria da classe operaria. De Sagres emigraram já para as minas alguns individuos que nunca haviam procurado trabalho fóra do seu concelho. É certo, porém, que os prejuizos de um anno anormal n'este concelho, mesmo em rasão da sua cultura exclusiva, não o affectam consideravelmente alem d'esse anno. S o (Trem apenas a perda de uma colheita que póde ser largamente compensada no anno seguinte. Não assim onde a riqueza principal consiste no arvoredo, cuja perda só muito tarde póde ser reparada.

Concelho de Aljezur

Freguezia da Ordeira E situada esta freguezia no interior da serra, e a sua cultura, quasi unica, é de cereaes e milho. No Sitio da Carrapateira, um dos melhores da freguezia, houve já no anno anterior grande escassez de colheitas, tendo os lavradores de recorrer a emprestimos para poderem occorrer ás despezas agricolas do presente anno. As searas apresentam-se melhores do que as do anno passado, mas em relação a um anno regular produzirão um terço a menos. No resto da freguezia apenas estão soffriveis as searas dos terrenos baixos. As sementeiras serodias consideram-se perdidas.

Freguezia de Aljezur Compõe-se esta freguezia principalmente de terreno de serra, em grande parte inculto, e de uma extensa várzea, terra de primeira qualidade, cuja cultura, quasi exclusiva, foi de arroz e milho até 1872. A sementeira de arroz está hoje limitada a uma pequena área; no resto foi substituida, primeiro por milho e agora por trigo. As searas ali promettem abundante colheita, sendo talvez as melhores de todo o districto. Ainda assim os lavradores queixam-se da estiagem, que não lhes permitte depois das ceifas aproveitar os mesmos terrenos para outra sementeira, como costumam. Fora da várzea as searas, que são em muito maior quantidade, offerecem colheita escassa. Calcula-se por isso que a producção geral da freguezia será inferior em um terço á de um anno regular. A sede do concelho já hoje importa farinhas. Do milho, feijão e grão esperam colheita muito inferior.

Freguezia de Odeceixe Está quasi nas mesmas condições da freguezia de Aljezur.

É este um dos concelhos que menos tem a soffrer n'esta crise. A grande maioria dos lavradores colhe de certo muito menor producção do que nos annos anteriores regulares, o que é um mal importante; não será porém um desfalque que arruine, principalmente se o anno futuro for favoravel.

O arvoredo é escasso e consiste em alguns olivedos, que pouco ou nada produzem n'este anno, laranjeiras e sobreiros. Possue tambem mui poucas vinhas, que se não mostrára resentidas da estiagem.

O que ali se faz já sentir é a falta de trabalho. Em resultado, tem havido algumas emigrações, o que nunca succedêra em annos anteriores.

A construcção de um lanço da estrada districtal, a partir de Aljezur, seria um grande beneficio, principalmente para a classe operaria das tres freguezias do concelho. Concelho do Lagos, Freguezia de Bensafrim

É a freguezia que confina com a serra, e que menos prejudicada se acha com a falta de chuvas. O arvoredo (figueiras), comquanto apresente um aspecto pouco productivo, não se tem perdido. Os cereaes serão um terço a menos de uma colheita regular. As sementeiras serodias e que não produzirão a semente.

Freguezia da Luz

O arvoredo, principal riqueza d'esta freguezia, acha-se consideravelmente deteriorado, o algum está já perdido.

As searas em pessimo estado. As unicas soffriveis são as que se encontram nas terras limpas de arvores, nas proximidades de Espiche e Almadena, e que constituem uma insignificante parte da freguezia. A producção media de cereaes foi calculada em duas sementes, e a do figo na quarta parte de uma producção regular. Do serodio nem a semente.

Freguezia de Odeaxere O arvoredo em geral pouco promette. As searas pela maior parte não produziram a semente; só as que se acham nas várzeas duo esperança do dobrar a sementeira. Os serôdios, ainda mesmo chovendo, pouco ou nada produzirão.

Freguezia de Santa Maria É a freguezia que se acha em peiores circumstancias, por ser aquella onde apparece mais consideravel perda de arvoredo. As searas, nem feno produziram, são colhidas á mão, e assim levadas aos palheiros. Dos legumes nada ha a esperar.

Freguezia de S. Sebastião

O arvoredo em mau estado. As searas só no paul produziram tres a quatro sementes, quando a producção regular e de doze a quinze. No reato da freguezia poderá esperar-se quando muito uma semente.

A agua vae escasseando nas noras e poços.

E este o concelho do Algarve mais productor de figo. Tem tambem uma colheita importante de amêndoas; mas ambas estas producções promettem ser ainda mais escassas do que o foram no anno passado. Calcula-se que a colheita media attingirá, quando muito, a quarta parte de uma producção regular, se por effeito da secca não se perder ainda o pouco fructo que apresenta.

O aspecto geral das figueiras está manifestando falta de seiva. Já definhadas pela estiagem do anno precedente, poucos ou nenhuns lançamentos adquiriram e as raras e mal desenvolvidas folhas de que se vestiram, amarellecem já, como se estivessemos no fim da colheita.

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Receia-se por isso que com o progressivo augmento do calor dos mezes seguintes venha a morte de grande parte do arvoredo velho causar o maior de todos os prejuizos. Hoje mesmo já muitas arvores estão perdidas. Um dos maiores proprietarios do concelho accusou uma perda de figueiras e amendoeiras no valor superior a 1:000$000 réis.

Os salarios, em geral, são menores do que tem sido nos annos regulares. A abertura do primeiro lanço da estrada districtal de Lagos a Aljezur vae occupar muitos braços disponiveis e remediar muitas necessidades.

Concelho da Monchique Freguezia de Alferes É a freguezia menos productora do concelho. Tem cultura insignificante de cereaes, milho e feijão. Todas as sementeiras apresentam soffrivel aspecto, especialmente depois das ultimas chuvas que ali caíram. O arvoredo, cultura principal, não está tão desenvolvido como nos annos regulares. Receiam os proprietarios perda de fructo, porque as nascentes vão seccando, faltando por isso agua para regar todo o arvoredo.

Freguezia de Marmelete Tem boas searas, e as sementeiras serodias podem dar uma producção regular, continuando a chover. O arvoredo no mesmo estado do Alferes.

Freguezia de Monchique Tem poucas searas e essas soffriveis. O milho e feijão como na freguezia de Marmelete. O arvoredo no mesmo estado. Alguns proprietarios informaram ter já perdido algumas arvores por falta de regas e que o fructo é em geral escasso.

A riqueza agricola d'este concelho, todo situado na serra, consiste em arvoredo, especialmente de corte. Abundam n'elle os castanheiros e os pomares de laranjeiras, pereiros e outras arvores. Não tem figueiras nem amendoeiras. Abastece de fructa e madeiras de castanho grande parte da provincia, e exporta não pequena quantidade para outros pontos. E abundante em nascentes de boas aguas, e o arvoredo está habituado a regas frequentes. No presente anno, comquanto as chuvas não tenham faltado tanto como no baixo Algarve, ainda assim algumas nascentes têem desapparecido, e d'aqui o receio de que algumas arvores se percam.

Calcula-se que hoje haverá agua para regar apenas metade dos terrenos que eram regados em annos regulares.

Não obstante, é este o concelho que menos soffre com a estiagem.

Concelho de Villa Nova de Portimão Freguezia da Mexilhoeira A sua cultura principal é de arvoredo, figueiras, amendoeiras e oliveiras. Todas se acham em deploravel estado, havendo já a perda de muitas amendoeiras e figueiras. A producção d'estas será de uma vigesima parte de uma colheita regular. As oliveiras perderam toda a flor sem deixar fructo. Quanto a cereaes, bem poucos colherão um decimo de uma producção ordinaria. A maior parte das searas apenas apresenta palha e tão curta que só póde ser apanhada á mão. As sementeiras serodias irremediavelmente perdidas.

Freguezia de Alvor A sua riqueza principal consiste em vinhos. Apresentam abundancia de cachos, mas receia-se que a estiagem prejudique o seu desenvolvimento. As outras culturas não estão melhores do que as da freguezia da Mexilhoeira.

Freguezia de Portimão

Exceptuando as searas da várzea do Boina, pertencente ao Reguengo, que estão superiores ás de um anno regular, todas as mais estão em identicas circumstancias ás das outras freguezias. Do mesmo modo as sementeiras serodias e o arvoredo, que em alguns sitios se acha já perdido.

Os estragos da estiagem são superiores n'este concelho aos de Lagos. Ha mais arvoredo perdido; e o que resiste

apresenta menos fructo, e a queda da folha mais adiantada, principalmente na facha do terreno proximo á costa.

As searas nem feno produzem para sustento dos gados. Os terrenos mais adubados o melhor preparados são os que apresentam peior aspecto.

Concelho de Lagoa Freguezia de Ferragudo Por serem em geral magros e áridos os seus terrenos, e a sua situação proxima da costa, é a freguezia que se acha em mais deploraveis condições. Arvoredo (figueiras e amendoeiras) é a sua cultura principal; e esse offerece o mais triste aspecto, achando-se já perdido uma parte d'elle. Do mesmo modo as searas, que pela maior parte nem chegaram a formar espiga. Os serôdios tambem todos perdidos. Vinhas não existem n'esta freguezia.

Freguezia de Porches A producção de cereaes n'esta freguezia, em annos regulares, é de setenta moios. N'este anno não excede a tres. As oliveiras apresentaram abundante florescencia, mas perdeu-se toda sem fructo. As figueiras que existem em terrenos arenosos estão menos prejudicadas; as restantes pouco fructo apresentam, e muitas manifestam proxima morte. As vinhas de areias estão boas. Os serôdios irremediavelmente perdidos.

Freguezia de Estombar As searas só por excepção produzirão a semente. Os serôdios e arvoredo como nas outras freguezias. As vinhas soffriveis.

Freguezia de Lagoa

Idêntico estado.

É pequena a area d'este concelho, mas não ha outro no districto que tenha cultura mais intensa, especialmente de arvoredo. Não ha, por assim dizer, um metro de terreno que não esteja aproveitado. Abunda em figueiras, vinhas e amendoeiras; e apenas as vinhas promettem soffrivel producção.

O arvoredo e searas estão ainda em peior estado do que no vizinho concelho de Portimão. Vêem-se já muitos figueiraes despidos de folhas, e parte do pouco fructo com indicios de caír peco. Ha tambem muitas arvores já perdidas.

É um dos concelhos que mais soffre com a estiagem.

Concelho de Silves Freguezia de S. Marcos A sua riqueza agricola consiste em montados e searas. Estas offerecem melhor aspecto do que nos annos regulares.

Freguezia de S. Bartholomeu Predomina a figueira n'esta freguezia, e o seu estado não é dos peiores. Em alguns sitios o arvoredo pouco rebentou, mas n'outros apresenta-se com lançamentos regulares. À producção será de dois terços de uma colheita ordinaria.

Freguezia de Silves A parte d'esta freguezia que confina com as do litoral está no mau estado em que estas se acham, mas no resto que se estende até á serra não ha perdas importantes, e o arvoredo, sua principal riqueza agricola, apresenta soffrivel aspecto.

Freguezia do Algoz E a freguezia do concelho que se acha em peiores circumstancias. Os olivedos são a sua principal riqueza, e estes nenhum fructo mostram; as figueiras, quando muito, produzirão uma quarta parte de uma colheita ordinaria; as sementeiras de legumes totalmente perdidas; as vinhas mal rebentadas, e as alfarrobeiras perdem o pouco fructo que mostraram. Ha tambem grande falta de agua potável; dos dois unicos poços que tem, um está secco e o outro quasi no mesmo estado.

Freguezia de Alcantarilha Identicas informações, excepto a respeito das vinhas, que estão boas.

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Freguezia de Pera

Idem, notando se n'esta freguezia ainda mais miseria do que nas outras.

Este concelho abrange uma grande area, que se estende desde a esta até á serra. As freguezias do litoral (Pera, Alcantarilha, Algoz e parto da de Silves) acham-se nas mesmas condições deploraveis de Lagoa e Albufeira. As freguezias da serra, pelo contrario, pouco ou nada soffrem n'esta crise. E é o que succede a quasi todo o districto. A maneira que se caminha do litoral para a serra, observa-se que os estragos da estiagem vão progressivamente diminuindo.

Concelho de Albufeira Freguezia de Paderne

Cultura principal figueiras, que se acham em mau estado, havendo já muitas perdidas, e calcula-se que a colheita, se não se perde o pouco figo que apparece, attingirá, quando muito, a quarta parte de uma producção regular. Dos cereaes haverá apenas a semente. Os olivedos perderam toda a flor sem fructo. As amendoeiras pouca novidade mostram, e essa fica pela maior parte imperfeita. Só as alfarrobeiras estão soffriveis quanto á quantidade da producção, que será pouco inferior á do anno precedente, mas de qualidade ruim. Os serôdios totalmente perdidos, e as vinhas pouco lançadas, mas mostrando abundancia de cachos, muitos dos quaes se vão esbagoando. Ha grande falta de agua potável.

Freguezia da Guia É a freguezia mais pobre do concelho. O genero e estado da agricultura é quasi o mesmo que se dá na freguezia de Paderne. O que tem de melhor é o vinhedo das areias; o que se acha em terreno argilloso lançou mal e mostra pouco fructo.

Freguezia de Albufeira O mesmo genero de cultura das outras freguezias, e maiores estragos nas searas, especialmente nos terrenos de primeira qualidade, como são os de quarteira; e que são considerados uns dos melhores do Algarve. As figueiras pela maior parte apresentam-se quasi despidas de folhas.

Pôde dizer-se a respeito d'este concelho o que se disse com referencia ao mau estado das culturas do concelho de Lagoa. É talvez ainda mais triste o aspecto do arvoredo em Albufeira, e é n'este concelho que a miseria invade já muitas familias, especialmente nas freguezias ruraes. Informaram os parochos que algumas pessoas estavam reduzidas a tal penuria, que aproveitavam para alimento a semente cozida da alfarroba.

Em todo o concelho abundam terrenos áridos; d'aqui o maior estrago das culturas resultante da estiagem. Concelho de Loulé Freguezia de Salir Sua principal riqueza agricola consiste em cereaes, de que se espera colheita um pouco inferior á de um anno regular. O arvoredo consta de oliveiras, alfarrobeiras e figueiras, que pouco têem soffrido com a estiagem. Ainda assim a producção será inferior á de uma colheita ordinaria, exceptuando as oliveiras que nenhum fructo apresentam, tendo havido no anno passado boa colheita. Os serôdios têem melhor aspecto do que nas outras freguezias, mas não chegarão a produzir a quarta parte do anno anterior. As nascentes desapparecem, e falta bastante gado, que tem morrido á falta de pastes.

Freguezia do Ameixial N'esta freguezia ha pouco arvoredo, apenas alguns sobreiros. As searas, sua cultura principal, estão em melhores condições do que as de Salir. A producção não soffre desfalque.

Freguezia de Alte A maior parte d'esta freguezia está inculta e os melhores terrenos cultivados pertencem ao morgado de Alte. Abunda em alfarrobeiras, que em geral apresentam producção inferior á de um anno regular. As searas produzirão quando muito a semente, e os serôdios reviveram com as ultimas chuvas, podendo ainda esperar-se alguma colheita.

Freguezia de Querença Terreno montanhoso, sua principal cultura oliveiras e alfarrobeiras. As primeiras não têem fructo, as segundas pouco promettem. As poucas searas que têem estão perdidas, os serôdios maus e o gado morre em quantidade por falta de pastos.

Freguezia de Boliqueime

Sendo talvez a mais rica freguesia do concelho, é a que apresenta mais deploravel aspecto em todos os ramos da sua agricultura. Soffre todos os effeito3 da estiagem como a vizinha freguezia de Albufeira, acrescendo que a maior parte dos terrenos pertencem ao morgado do duque de Loulé, e achando-se estes arrendados por preço elevado, ficam 03 lavradores nas mais tristes condições, por que nem podem satisfazer as rendas, nem têem meios com que possam agricultar no anno proximo futuro. Falta-lhes até a palha para os gados.

Freguezia de Almancil

Quasi nas mesmas condições e grande escassez de agua potável.

Freguezia de Loulé

Quanto a searas, nas mesmas condições das outras freguezias. O arvoredo, principal cultura, alfarrobeiras e figueiras, soffrivel.

Este importante concelho está em condições similhantes ao de Silves. As freguezias da serra pouco soffrem, as do litoral acham-se em miseravel estado. A classe dos pequenos lavradores, e que constitue a maioria d'elles, luta já com grandes difficuldades, e que mais se aggravarão no proximo inverno.

Concelho de Tavira Freguezia de Santo Estevão A sua cultura principal é de oliveiras e alfarrobeiras. As primeiras nada produzem (no anno passado houve colheita regular). As segundas apresentam alguma producção, mas ruim. Tambem tem alguns figueiraes, que se acham em geral em mau estado. As amendoeiras pouco produziram, as vinhas, especialmente as velhas, tiveram poucos lançamentos; os serôdios estão perdidos e as searas produziram um terço de uma colheita regular. Abunda em pomares de regadio; mas as nascentes vão desapparecendo, e receia-se por isso a perda de muitas arvores.

Freguezia de Santa Catharina Tem os peiores terrenos do concelho. A sua cultura principal, é de oliveiras e alfarrobeiras, que se acham nas mesmas condições das de Santo Estevão. As searas apresentam melhor aspecto, esperando se uma producção media de 50 por cento, em referencia a um anno regular.

Freguezia de Cachopo É a freguezia que menos soffre. As searas estão regulares. Pouco arvoredo de fructo.

Freguezia da Fuzeta Não é das freguezias que mais soffre, não obstante achar-se situada na zona proxima da costa. As vinhas, sua cultura principal, apresentam bastante fructo; as figueiras, comquanto pouco lançadas, têem um aspecto mais sadio do que se observa nos outros figueiraes do litoral. As searas em geral produzirão a semente, e os serôdios ainda se não consideram totalmente perdidos.

Freguezia da Luz Arvoredo é a sua cultura predominante. O seu estado é similhante ao que se observa na Fuzeta. As vinhas estão menos lançadas, e as searas promettem melhor colheita do que na freguezia de Santo Estevão. Tem muitos pomares que já se resentem da secca das nascentes..

Freguezia da Conceição Nas mesmas condições da freguezia de Santo Estevão.

Freguezia de S. Bispo Confina com as freguezias de Santo Estevão e Luz, e as condições da sua agricultura são identicas.

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Freguezia de Santa Maria

Tem uma parte do serra, cultivada principalmente de cereaes, e a sua producção será de pouco mais de uma semente. A outra parte está nas mesma3 condições das outras freguezias.

A producção geral d'este concelho é calculada em um quinto approximadamente de uma colheita regular, e ainda assim não é dos mais prejudicados.

Concelho de Olhão Freguezia de Moncarapacho

Está nas mesmas condições precarias da maior parte das freguezias proximas.

A sua cultura principal, que é de arvoredo, está consideravelmente prejudicada. As figueiras pouco ou nada rebentaram, e pouco fructo promettem. Ás oliveiras quasi nada produzem, as amendoeiras vão perdendo algum fructo que promettiam, e as alfarrobeiras muito pouco apresentára, e esse mal desenvolvido. As vinhas em geral pouco lançaram e o fructo perde-se em grande parte. As sementeiras têmporas, especialmente de trigo, nem a semente produzem. Os serôdios nas mesmas circumstancias. Freguezia de Quelfes

Está em iguaes condições da freguezia de Moncarapacho. As hortas é que pouco têem soffrido, porque conservam as nascentes.

Freguezia de Pexão

Está talvez em peiores condições, por ser o seu terreno mais árido do que o das outras freguezias e haver falta de ribeiros e nascentes.

Freguezia de Olhão A area d'esta freguezia limita-se á villa. As observações feitas a respeito dos outros concelhos do litoral são applicaveis a este. As perdas são graves, e o seu effeito não se limitará ao presente anno, mormente se o arvoredo continuar a perder-se á proporção que o calor se tornar maÍ3 intenso.

Concelho de Faro Freguezia de S. Braz E freguezia da serra e está por isso nas condições favoraveis das que lêem igual situação. A sua riqueza agricola consiste no arvoredo (alfarrobeira, figueira e sobreiro), e este apresenta, por ora, aspecto animador. Dos cereaes espera-se colheita mediana. Só as sementeiras de legumes pouco ou nada promettem.

Freguezia de Estoy O arvoredo, sua principal cultura, acha-se em mau estado. Das figueiras ha já muitas seccas; o fructo das amendoeiras, que não era escasso, vae pecando; os olivedos perderam, sem fructo, toda a florescencia; as vinhas novas estão soffrivelmente lançadas e apresentam abundancia regular de fructo, mas as velhas mostram-se resentidas da estiagem. De cereaes não se espera mais do que a sexta parte da semente; os serôdios estão irremediavelmente perdidos, e as alfarrobeiras estão em geral pobres de fructo. E uma das freguezias que se apresenta em peiores condições agricolas. Escasseiam-lhe tambem as sementes. Freguezia da Conceição Está quasi nas mesmas circumstancias. A alfarrobeira é que apresenta producção mais regular.

Freguezia de Santa Barbara Esta freguezia está tambem nas mesmas condições deploraveis de Estoy, acrescendo que não existe já uma unica nascente, o que obriga os habitantes a irem procurar agua a mais de 6 kilometros de distancia.

Freguezia de S. Pedro Quasi no mesmo estado das outras freguezias, apenas no sitio da Arábia apparecem algumas searas soffriveis; e o arvoredo das areias acha-se menos prejudicado. Nas hortas vae escasseando a agua para a rega de que necessitam. Freguezia da Sé

Nas mesmas condições. Os serôdios, incluindo o milho de sequeiro, totalmente perdidos; e das searas só por excepção apparece alguma regular. O arvoredo mal rebentado e com fructo escasso.

Exceptuando a freguezia de S. Braz, que pouco soffre com a presente estiagem, as restantes offerecem o mesmo aspecto deploravel da maior parte das freguezias do litoral.

Mas o mal que mais se faz sentir desde já é a falta absoluta de agua potável na freguezia de Santa Barbara, e a grande escassez d'ella na freguezia limitrophe de Estoy.

Concelho de Villa Real de Santo Antonio Freguezia de Cacei la

A parte d'esta freguezia que limita com a costa apresenta boas vinhas, e com abundancia de fructo. O seu arvoredo, principal cultura, não está perdido e em geral o seu aspecto é menos mau. As alfarrobeiras, que são em pequena quantidade, promettem soffrivel producção; as figueiras produzirão metade de uma colheita regular, e as oliveiras, como em todo o districto, nenhum fructo mostram. Das sementeiras têmporas espera-se apenas a semente, e das serodias poucas a poderão produzir.

A outra parte d'esta freguezia é na serra. Não tem arvoredo, e os legumes semeiam-se em pequena quantidade. Tem searas, e essas apresentam bom aspecto, comquanto inferior ao do um anno regular.

Freguezia de Villa Real

Não tem arvoredo. A sua principal cultura é de milho e feijão, e ambas estas sementeiras estão totalmente perdidas. Searas ha poucas, mas essas boas. O terreno é todo arenoso e offerece abundancia de nascentes.

Como se vê, este concelho não é dos mais prejudicados com a estiagem, porque alem de conservar abundancia de agua potável, nem tem arvoredo perdido, nem deixa de colher fructo, embora em quantidade inferior a um anno regular. E se as sementeiras serodias estão perdidas, as têmporas podem dar soffrivel producção.

Concelho de Alcoutim Freguezia de Alcoutim A sua principal cultura é de cereaes. Ha sitios d'esta freguezia onde se espera uma producção de cinco sementes, e n'outros menos do que uma colheita regular. Os serodio estão perdidos. As poucas vinhas que tem, mostram abundancia de cachos, mas esbagoados já em grande parte. Tem pouco arvoredo e esse com mau aspecto. As oliveiras não dão fructo algum. Nas proximidades da villa é onde mais escasseou a chuva, e por isso se acha em peiores condições.

Freguezia do Pereiro Cultiva unicamente cereaes, e a sua colheita regular é de tres sementes. N'este anno produzirá duas. Começa a sentir-se escassez de agua nos tres poços que existem na freguezia.

Freguezia de Martim Longo

Tem montados e cultiva cereaes. Em anno regular a producção é de seis sementes, n'este apenas produzirá duas quando muito. Tem poucas sementeiras serodias, e essas acham-se em mau estado.

Freguezia de Giões

O mesmo genero de cultura. Está em melhores condições do que as outras freguezias, podendo considerasse regular a colheita d'este anno.

Freguezia de Vaqueiros

A me3ma cultura. Os melhores terrenos produzirão, quanto muito, a semente; os peiores, e que são a maior parte, darão uma producção de tres sementes, isto é, metade de uma colheita regular.

A riqueza agricola d'este concelho, que é todo serra, consiste especialmente em cereaes; e como se vê das informações a respeito de cada uma das freguezias, a colheita do presente anno, ainda que inferior á de um anno regular, está longe de soffrer o desfalque que se observa na maioria dos outros concelhos.

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As chuvas foram menos escassas na serra, e d’aqui a rasão da differença.

Concelho de Castro Marim Freguezia de Odeleite

A sua cultura principal é de cereaes. Na maior parto a producção será de uma semente, no resto de sete ou oito. A media em toda a freguezia será de tres sementes. Não excede a cinco a de um anno regular. O pouco olivedo que tem está soffrivel. Fora da povoação ha escassez de agua potável.

Freguezia do Azinhal

Tem pouco arvoredo, alem de um importante pomar de laranjeiras, que nada tem soffrido com a estiagem. Tem tambem poucas vinhas, e essas estragadas. A sua principal cultura é de searas, e estas darão uma producção media de duas sementes, que em. anno regular é de cinco ou seis. Este resultado é devido principalmente a terem sido invadidas por agua salgada as principaes terras, que são as várzeas da Moita. Só poderiam produzir, se tivessem caído copiosas chuvas que as adoçasse.

Freguezia de Castro Marim

E esta freguezia a que se acha em melhores condições quanto a searas e vinhas, sua principal cultura. As searas em anno regular produzem a media de oito sementes; n'este anno quatro a cinco. As alfarrobeiras tambem promettem boa novidade. As oliveiras, figueiras e sementeiras serodias é que se apresentam em mau estado.

Está ainda em melhores condições do que o concelho de Alcoutim, com o qual confina.

De todas estas considerações, indispensavelmente minuciosas e fastidiosas, poderá V. ex.ª concluir que o estado d'este districto em geral é mau. A um anno secco e escasso, como o passado, seguiu-se outro ainda mais secco e esteril, e por isso a classe dos proprietarios está passando realmente por uma crise, cuja extensão e effeitos ainda não são faceis de calcular.

A população do Algarve compõe-se de maritimos, de proprietarios, e de proletários ou jornaleiros: aquelles, por certo, os mais miseraveis, nada soffrem n'este anno, porque o producto da pesca tem sido abundantíssimo; os proletários ou jornaleiros pouco soffrem tambem, porque não falta por emquanto trabalho, quer publico, quer particular, e não faltam generos alimenticios por preços relativamente baratos.

Quem deve soffrer com mais intensidade são os pequenos proprietarios, porque esses ficam sem sementes para lançarem de novo á terra, e ficam sem gados, porque não tendo actualmente meios de os alimentar, vendem-nos ao desbarato.

Com dois annos successivos de producção cada vez mais negativa, ainda será possivel que a classe dos proprietarios readquira o perdido equilibrio, se as colheitas dos annos futuros forem boas, ou pelos menos regulares; mas a riqueza do Algarve consiste nas arvores, especialmente na figueira; ora se as arvores seccarem de todo, como já vão seccando em partes, ficará a maior e melhor parte da população do Algarve incontestavelmente arruinada, e a crise então será extensa e aterradora, igual ou superior aquella por que em epochas recentes passaram os povos do Douro e da Madeira, quando a molestia lhes destruiu os vinhedos, seu unico recurso.

Esta espectativa, ou antes este receio de um mal tamanho e incalculavel, actua já sobre o espirito da população, e d'aqui o desalento, e d'aqui os clamores, que se ouvem por toda á parte.

A falta de agua potável, que em sitios é preciso ir buscar a grandes distancias, aggrava ainda o mal estar. Ora, estes receios e estes terrores podem ser um pouco prematuros e exagerados, mas infelizmente não são inteiramente destituídos de fundamento. Na minha excursão vi já muitas figueiras completamente seccas e amendoeiras com o fructo perdido; e as proprias alfarrobeiras, de natureza selvagem e agreste, com a folha estiolada e cadente, e com o fructo enfezado e pouco vivedouro por falta de humidade.

N'estas circumstancias, e sob taes impressões, mal póde V. ex.ª avaliar a quantidade de alvitres que se offereciam para attenuar a crise, nas numerosas reuniões que promovi, mais para conhecer do mal do que do remedio. Estes alvitres consistiam pela maior parte no perdão total das contribuições, segundo uns, ou na moratoria segundo outros. No maximo desenvolvimento dos trabalhos da viação quer municipal ou districtal, quer do governo. No donativo de cereaes feito aos povos segundo uns, ou no emprestimo gratuito, segundo outros, para ser pago dentro de dois annos. Opinavam outros que o governo deveria dar subsidios, ou fazer quaesquer contratos, a fim de que os numerosos bancos que têem agencias n'esta provincia estabelecessem aqui succursaes que emprestassem capitães a juro modico. Outros pretendiam que o governo subministrasse instrumentos para procurar agua; outros que as confrarias fossem inhibidas de gastar cousa alguma senão em actos de pura beneficencia e caridade. E finalmente na assembléa que houve em Lagos foi lido o conjuncto de alvitres que um cidadão propoz, e que eu prometti de enviar ao governo, como agora faço, para ser tido na consideração que merecer (documento n.º 1).

Resumindo assim os alvitres que se me afiguraram menos destituídos de senso pratico, resumirei tambem o juizo que sobre elles formo.

O perdão total ou parcial das contribuições considero o inadmissivel, porque na sua generalidade comprehenderia classes inteiras de individuos que pouco ou nada soffrem com a crise.

Para os que soffrem, realmente, ha o meio legal das annullações por sinistros, e ninguem por certo deixará de considerar como taes os factos extraordinarios que destruiram a materia collectavel. O que é certamente de maxima justiça e conveniencia é a prorogação dos prasos para o pagamento das contribuições por espaço de um anno, ou mais se for preciso, sem multas para os contribuintes e sem execuções durante esse tempo, mesmo pelas dividas anteriores, que aliás não são muitas.

Feito isto convirá dar o maior desenvolvimento possivel aos trabalhos da viação, quer do estado, quer do districto, quer dos municipios. Consiste n'isso, quanto a mim, o principal auxilio e remedio, para conjurar a crise ou para lhe minorar os effeitos. Este remedio, porém, para ser efficaz deve ser empregado simultaneamente em muitos pontos e em differentes escalas, de modo que possa aproveitar ao maior numero de jornaleiros e a toda a classe de artistas. N'este genero, a obra ou trabalho que satisfaria ao maior numero seria a do caminho de ferro do Algarve, que já teve o assentimento dos representantes do povo, e que emprehendida n'estas circumstancias, e por estes motivos, não poderia ser impugnada pela assembléa legislativa a mais exigente. Principiando desde já esses trabalhos seria isso um beneficio tamanho para esta provincia, e um remedio tão efficaz para a salvar d'esta grande calamidade, que não haveria parlamento algum que não concedesse a mais completa indemnidade ao governo que tal emprehendesse. Alem d'este trabalho julgo tambem da maior conveniencia que o governo mande levar até ao cabo de S. Vicente a estrada real do litoral do Algarve, que chega só até Lagos, e que mande construir por adiantamento ao districto a estrada districtal de Alcoutim a Martim - Longo e d'ahi a Tavira, e a d'este ponto a Santa Catharina, cujos estudos me consta acharem-se concluidos pela direcção das obras publicas.

As camaras municipaes vão gastar todo o seu fundo de viação nas obras que se acham estudadas; mas como estas não são muitas, e como o pessoal da engenheria districtal anda todo empregado em estudos, recommendei-lhes (documento n.º 2) que dessem o maior desenvolvimento a outras obras e melhoramentos, fóra do plano da viação, acon-

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selhando-as a que não recorressem para isso ao imposto em generos ou em serviços, mas ao credito. Estou persuadido de que os meus desejos serão secundados por aquellas corporações.

Pelo que respeita ao fornecimento de generos para semear julgo que seria isso de toda a vantagem para os povos, podendo o governo mandar para aqui alguns carregamentos de trigo, milho, favas e cevada para emprestar, pelo custo, por espaço de dois annos.

Quanto á indicação de se pedirem ao governo instrumentos para a pesquiza de aguas, tanto a julgo de conveniencia, que já antes eu tinha pedido ao ex.mo ministro das obras publicas que fizesse enviar para aqui algumas verrumas artesianas ou quaesquer outros instrumentos analogos, que houvesse disponiveis n'aquelle ministerio. Como até hoje não póde ser attendida a minha solicitação, renovo-a aqui, esperando em que o será, se isso couber nos limites do possivel.

Finalmente, pelo que respeita á applicação de todas as receitas das confrarias para matar a fome dos que não podem trabalhar, já tambem recommendei esse meio (documento n.º 3), mas sem fundar n'elle grandes esperanças. As irmandades e confrarias d'este districto são geralmente pobres, e as suas receitas provém, na maior parte, de esmolas. Os seus gerentes não prescindem de applicar tudo para o culto, não só porque julgam cumprir d'esse modo a vontade dos bemfeitores, mas por outros motivos que é ocioso dizer, por serem geralmente conhecidos. Alguma cousa espero obter d'essas corporações, bem como das juntas de parochia, como commissões de beneficencia, comquanto pouco haja a esperar d'esta fonte, quando todos precisam mais ou menos de recorrer a ella.

Finalmente, do emprego simultaneo de todos estes meios, ou de quaesquer outros que o governo, com mais competencia, julgue conveniente empregar, resultará para este districto a inapreciável vantagem de poder resistir aos effeitos da crise excepcional que está atravessando. Pela minha parte julgo ter cumprido o dever que as circumstancias e as ordens do governo me impunham, expondo fielmente os factos, e indicando os remedios mais acceites pela opinião publica.

Deus guarde a V. ex.ª Faro, 17 de junho de 1875. — Ill.mo e ex.mo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios do reino. =0 conselheiro governador civil, José de Beires.

O sr. Pires de Lima: — Peço a palavra para um negocio urgente.

O sr. Presidente: — A camara vê muito bem que a hora está muito adiantada e que ha um projecto importante dado para ordem do dia de hoje. São horas de entrarmos na ordem do dia, porém o sr. Deputado Pires de Lima pede agora a palavra para um negocio urgente. Não lh'a posso dar sem consultar a camara, por isso peço aos srs. deputados que occupem os seus logares.

Vozes: — Falle, falle.

Consultada a camara, resolveu que lhe fosse concedida a palavra.

O sr. Pires de Lima: — Começo por agradecer a benevolencia que a camara teve, consentindo que me fosse concedida a palavra. Corresponderei a essa benevolencia, sendo muito breve.

O sr. ministro das obras publicas acaba de apresentar uma proposta pedindo á camara um bill de indemnidade pelos actos dictatoriaes que praticou com relação á provincia do Algarve.

Antes de tudo desejo saber se essa proposta é considerada como urgente ou não. Ignoro as praxes do regimento e não sei se as propostas do governo são pela sua natureza urgentes.

O sr. Presidente: — As propostas do governo são sempre pelo regimento consideradas urgentes.

O Orador: — Bem. Pois então, antes de tudo, seja-me

permittido felicitar o sr. ministro das obras publicas por ter corrigido uma votação que ha pouco houve n'esta camara sobre um projecto do sr. Barros e Cunha, projecto identico ao do governo, e cuja urgencia foi rejeitada.

O sr. Barros e Cunha propunha que fosse relevado o governo da responsabilidade pelos actos da dictadura exercida durante o intervallo parlamentar com relação á provincia do Algarve, e a camara, na sua alta sabedoria, declarou que o projecto do meu honrado amigo e correligionario não era urgente. Vem um minuto depois o sr. ministro das obras publicas e apresenta uma proposta que tem o mesmo effeito, que tem os mesmos intuitos, que não é formulada nos mesmos termos, mas que enuncia o mesmo pensamento, e essa proposta é admittida e julgada urgente. (Apoiados.)

A votação da maioria não a comprehendo, não a sei explicar, e muito menos posso harmonisa-la com a maneira por que tem procedido até agora os illustres deputados que apoiam o governo.

Ha pouco as opposições vieram a esta casa e apresentaram o projecto de reforma da carta, e a maioria, na sua sincera affeição ao nosso codigo fundamental, nem sequer quiz ouvir a leitura d'es3e projecto; tal era o respeito e a veneração que mostrava consagrar á arca santa das nossas franquias!

Hoje o sr. Barros e Cunha, confiando nos sentimentos da maioria e prestando-lhe sincera homenagem, veio pedir ao parlamento que sem perda de tempo sanasse as feridas que o governo, em circumstancias extraordinarias, fizera á constituição, quando usara em relação ao Algarve de medidas dictatoriaes, e a maioria esquecendo os seus precedentes de hontem, acolheu com indifferença pedido tão sensato, e encolhendo os hombros, respondeu fleugmatica e pachorrentamente não tenhamos pressa, ámanhã trataremos d'isso! Admirável coherencia! (Apoiados.)

Porém eu não insisto sobre este assumpto; o meu fim é outro.

O sr. ministro das obras publicas, veio á camara pedir um bill de indemnidade para os actos dictatoriaes que praticou com relação á provincia do Algarve, mas porque não veio tambem pedir bill de indemnidade para todos os outros actos da dictadura que exerceu? Pois no intervallo parlamentar não assumiu mais vezes faculdades extraordinarias e não procedeu como se tivera as attribuições dos corpos co-legislativos? Acaso não se lembra já, por exemplo, de haver, sem ter lei que o auctorisasse, permittido a bancos do Porto a emissão de notas... (Apoiados.)

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas que não se ouviu).

S. ex.ª diz que ha de apresentar um projecto, mas devia já te-lo feito, assim como devia tambem ser mais diligente em relação ao Algarve. Pois que?! Não basta que s. ex.ª nos fins de março deixasse de vir a esta casa habilitar-se com faculdades extraordinarias para acudir á crise do Algarve, cujos primeiros symptomas, medonhos e assustadores, começavam a manifestar-se, era ainda necessario deixar passar 24 dias depois de aberto o parlamento, para só agora, tarde e a más horas, apresentar um projecto que, sobre ser tardio e serodio, é tambem insufficiente e incompleto?

Pois é este o respeito que se mostra á constituição do estado, é esta a consideração que se tem pelos representantes do povo? (Apoiados.)

O sr. ministro das obras publicas promette um projecto de bill por causa dos bancos, aguardo o cumprimento da promessa, e faço votos para que proceda igualmente em relação a todos os actos da dictadura que exerceu.

Não quero abusar da benevolencia da camara e por isso termino aqui.

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Presidente: — O sr. deputado Thomás Ribeiro pediu para tomar parte n'este incidente. Não posso conce-

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der-lhe á palavra sem consentimento da camara. Vou consulta-la.;

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Thomás Ribeiro:---Tomarei muito pouco tempo á camara.

Ouvi o sr. Pires de Lima fazer uma accusação ao.sr. ministro das obras publicas, e creio que á maioria tambem.

Ao sr. ministro das obras publicas, porque apresentou hoje, sómente, uma proposta em que se pede um bill de indemnidade á camara que tinha rejeitado outra ha dias, no mesmo sentido, do sr. Barros e Cunha...

Vozes: — -Hoje, hoje.

O Orador: — Hoje ou seja quando for. O sr. ministro das obras publicas, respeitador da constituição (apoiados), apresentou se hoje, e apresentou-se muito a tempo para a camara o poder julgar relativamente ao acto que elle praticou para com a provincia do Algarve,; dando-lhe os meios de viver que não tinha. (Apoiados.).

Estou persuadido de que a camara se congratulará com o sr. ministro e com o governo por ter tomado estas medidas em circumstancias extraordinarias, saíndo um pouco das attribuições legaes que não podia haver na ausencia do parlamento..

O sr. Pires de Lima: — Não é essa a minha questão.

O Orador: — Sei perfeitamente o que queria o sr. deputado...

O sr. Pires de Lima: — Notei que o governo não viesse aqui no primeiro dia d'esta sessão legislativa, como era do seu dever, e como exigia o respeito que deve ao parlamento, pedir um bill de indemnidade pelos actos que praticou. Não confundamos uma cousa com outra. S. ex.ª está a deslocar a questão.

O Orador: — Não desloco a questão. O ministro não veiu no primeiro dia pedir um bill de indemnidade, mas vem hoje, e vem muito a tempo para mostrar o respeito que tem pelos representantes do paiz (apoiados) e pela constituição. (Apoiados).

O ser considerada urgente hoje a proposta do ministro, e não o ser o projecto apresentado pelo meu collega e amigo o sr. Barros e Cunha, não é menos respeito, nem menos consideração pela camara. (Apoiados.) A proposta do sr. Barros e Cunha sei eu, o sabe a opposição perfeitamente o que significava; é preciso chamar ás cousas pelos seus nomes; essa proposta era clara e precisamente um voto de censura ao governo. Não quer isto dizer que s. ex.ª não estava no direito de trazer á camara uma proposta qualquer, mas não negue á maioria dos representantes do paiz plenissimo direito de a rejeitar, e a sua urgencia tambem.

Hoje não votou a urgencia da proposta do ministro, essa urgencia está consignada no regimento d'esta casa que declara urgentes as propostas do governo. E pois a lei, e não uma votação da camara, que declara os projectos do governo urgentes. (Apoiados.) Mas se a camara a votasse estava no seu direito. Não foi preciso.

Quanto ao mais estou de accordo e associo-me a s. ex.ª no desejo de que o sr. ministro e todos os srs. ministros, que tenham exorbitado das leis e da constituição, venham pedir ao parlamento a consagração dos seus actos; sou tambem representante do paiz, e prezo a dignidade da camara a que tenho a honra de pertencer. Venham, é justo, legalisar o seu procedimento, ainda mesmo que tenham praticado actos muito louvaveis, como os que praticou para a provincia do Algarve. Tenho concluido.

(Interrupção do sr. Pires de Lima.)

Peço perdão. S. ex.ª é que tinha confundido as questões. Tinha achado que foi mau apresentar hoje este projecto e dar-se-lhe o caracter de urgente, quando se não tinha votado pela urgencia da proposta do sr. Barros e Cunha.

S. ex.ª bem sabe qual era o intuito d'aquella proposta, tem muito alto espirito, tem um elevado talento e muita pratica parlamentar, para saber que effectivamente era um

voto de censura dirigido ao governo, o qual a maioria linha direito e obrigação de rejeitar, porque n'este ponto não tem nada que censurar ao sr. ministro das obras publicas, antes pelo contrario tem que louva-lo. (Apoiados).

Quanto á urgencia da proposta do sr. ministro, repito, não proveiu de uma votação da camara, mas sim da consignação da lei..

É o que tinha a dizer.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados Mariano de Carvalho e Pinheiro Chagas pediram a palavra sobre este incidente, porém eu não lh'a posso conceder sem consultar a camara.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Em vista da manifestação da camara, dou a palavra ao sr. Mariano de Carvalho..

O sr. Mariano de Carvalho: —-... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicação n'este logar.)

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Poucas palavras direi á camara.

Tenho pena que um amigo meu, na sua generosidade, dispensasse alguns louvores ao ministro das obras publicas, que os não merece, pelo que tem feito hoje, pelo que deixou de fazer, e pelo que ha de fazer ámanhã. O governo apresentou a proposta para ser relevado da responsabilidade em que incorreu pelas providencias tomadas para a provincia do Algarve quando póde recolher e reunir todos os documentos que podessem esclarecer a camara sobre aquellas providencias, as suas consequencias, e utilidade para aquella provincia. Houve demora. Essa demora é uma nova responsabilidade do governo. Pois quando aquella proposta se discutir, quando essa questão vier á camara, o governo explicará todas as rasões que teve para essa demora; não a antecipemos.

O ministro das obras publicas tem excedido as verbas do orçamento do estado que lhe foram votadas pelo parlamento para estradas ordinarias, subsidios de estradas districtaes, subsidios de estradas municipaes, subsidios para igrejas.

É verdade; o ministro das obras publicas não occulta esses factos; tem dito isto mesmo no parlamento sempre que se discute o orçamento. Ha mais alguma cousa: houve uma voz auctorisada da opposição, talento reconhecido de todos, e de quem todos tem saudade, o sr. Santos e Silva, que disse, em nome dos seus amigos, e appello para a camara, que havia de absolver o ministro das obras publicas d'esse crime. Confesso o meu peccado; mas eu não podia apresentar proposta alguma de lei para a camara me relevar d'essa responsabilidade emquanto não podesse precisar as sommas exactas que tinha excedido em cada uma das verbas; As contas estão promptas todas, hão de ser distribuidas na camara, e com ellas espero apresentar os projectos de lei para as regular.

Devo lembrar á camara, e é uma offensa quasi lembrar-lhe, porque os illustres deputados são parlamentares antigos e alguns mais antigos do que eu, em minha defeza, que em todos os annos e em todos os ministerios algumas verbas têem sido excedidas, e nem sempre esses ministros, que praticaram taes factos, que o sr. Mariano de Carvalho julga uma offensa violenta á carta constitucional, têem vindo legalisar no anno seguinte essas despezas; e algumas têem sido legalisadas por situação politica differente. (Apoiados.)

Quando se discutir a proposta do governo darei á camara todas as explicações como souber ou poder.

Emquanto á falta que o sr. Mariano de Carvalho me attribue, direi que em breves dias espero que o parlamento me absolva ou condemne por esse peccado que commetti. Estimarei muito ouvir as opiniões dos illustres deputados a respeito d'esta questão. (Apoiados.)

O sr. Pinheiro Chagas: — Pedi a palavra simplesmente para protestar contra uma affirmação do sr. Thomás

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Ribeiro, que me parece vae lançar grande desordem na lingua portugueza.

Se as cousas não são o que são, mas apenas aquillo que o illustre deputado e a maioria querem que sejam, não sabemos como havemos de fallar e proceder. (Apoiados.)

O sr. Thomás Ribeiro entende que as cousas são urgentes e não urgentes, conforme as apresenta o governo ou n opposição.

(Interrupção.)

Peço desculpa a V. ex.ª; se o regimento entende que umas certas propostas apresentadas paio governo são urgentes, parece que o bom senso e a rasão indicam que as mesmas propostas apresentadas pela opposição são tambem urgentes. (Apoiados.)

O que não se póde admittir é que venha aqui, no mesmo dia, um representante do povo, um deputado apresentar um projecto de lei em certo sentido, e a camara rejeita-lhe a urgencia; e no mesmo dia, momentos depois, vem um ministro, apresenta uma proposta de lei identica aquelle projecto, e a camara considera-a urgente!...

(Aparte do sr. Manuel de Assumpção, que não se percebeu.)

O regimento declara que todas as propostas de lei apresentadas pelo governo são urgentes? Nós vimos como foi urgente a da reforma da carta! (Muitos apoiados.)

(Aparte do sr. Marçal Pacheco, que se não percebeu.)

Eu desejava que me esclarecessem Acerca do que quer dizer a palavra urgente, e que continuássemos a discutir a questão n'este terreno.

Não era urgente o projecto de lei apresentado pelo sr. Barros e Cunha, depois de vinte dias de aberta a sessão, para que se concedesse ao governo um bill de indemnidade por ter estado em dictadura vinte dias, quando não o podia estar senão até á abertura do parlamento; a camara entendeu que não o era. E o sr. ministro das obras publicas vem dizer que está prompto a pedir a absolvição e não veiu; segundo creio, está demorando o pedido da absolvição por seus peccado3, que confirma que tem commettido, á espera da quaresma; quer fazer então penitencia e receber a absolvição (Apoiados).

Entre as questões, ácerca das quaes o sr. Avelino deve pedir bill, creio que se enumera a das despezas que foram feitas com a exposição de Vienna...

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Peço perdão. Essa proposta já está na camara.

O Orador: — Não me constava que tivesse sido apresentada.

Eu tinha pedido a palavra simplesmente para dizer, que não me parecia que o mesmo projecto apresentado por um deputado da opposição e por um ministro não fosse urgente no primeiro caso e o fosse no segundo.

E devo accrescentar que é urgentissimo que esta3 propostas pedindo bills se apresentem no principio da sessão. É este o caminho que sempre tem sido seguido, que sempre se deve seguir, e que a constituição ordena que se siga sempre.

O sr. Presidente: — Devo dar uma breve explicação á camara.

O projecto de lei apresentado pelo sr. Barros e Cunha não é identico á proposta de lei do sr. ministro das obras publicas.

A proposta de lei do governo tem quatro artigos, cada um dos quaes trata de assumptos differentes. N'um d'elles pede-se auctorisação para continuar a construcção do caminho de ferro do Algarve, o que é cousa diversa de ser relevado da responsabilidade em que incorreu pelas providencias que tomou em relação á provincia por occasião da crise que a affligiu.

Por consequencia não ha contradicção da parte da camara.

O sr. Pires de Lima: — Fui prevenido nas considerações que desejava apresentar, pelos meus amigos e collegas, os srs. Pinheiro Chagas e Mariano de Carvalho, e pouco mais tenho a acrescentar.

Limitar-me-hei unicamente a dizer duas palavras em resposta ao sr. Thomá3 Ribeiro..

S. ex.ª imaginou que eu, quizera censurar o sr. ministro das obras publicas por haver em circumstancias extraordinarias assumido a dictadura em relação ao Algarve; é não foi esse realmente o meu intuito, nem tal se podia depreenderdes minhas palavras. Censurei e censuro o sr. ministro das obras publicas por outros motivos.

O anno passado quando ainda estava aberto o parlamento, começou a manifestar-se no Algarve a crise assustadora que mais tarde assoberbou esta provincia; o illustre ministro podia vir então a esta casa armar-se com faculdades extraordinarias para em occasião opportuna prover de remedio á calamidade que se previa, e parecia inevitavel, mas não o fez, preferindo assumir a dictadura. Abriram-se as camaras, e em logar de correr logo, como era sua obrigação, a pedir um bill, continuou a ser dictador, estando reunidos os representantes da nação, e só passados vinte e quatro dias é que se lembrou de trazer uma proposta para lhe ser relevada a responsabilidade!

(Interrupção que não se ouviu.)

A crise já se manifestava. Podia conjurar-se, é verdade, mas o governo nada perdia com o estar munido de auctorisação parlamentar para lhe acudir com meios extraordinarios, se ella vingasse, como infelizmente aconteceu (apoiados).

O sr. Thomás Ribeiro quiz combinar a votação da camara com o procedimento do illustre ministro, e n'esse intuito affirmou que a camara deixara de considerar urgente a proposta do sr. Barros e Cunha por ter visto n'ella uma moção de censura ao governo.

Parece-me que se enganou o meu illustre collega. As intenções da maioria não foram essas, que s. ex.ª lhe attribuiu. Muitos membros d'ella apoiaram a urgencia.

Portanto insisto na minha idéa. A camara declarou que não era urgente sanar as feridas feitas na constituição pela dictadura exercida no Algarve; o governo apresentando uma proposta de bill, proposta que pelo regimento é considerada urgente, corrigiu e emendou a resolução da maioria.

Vozes: — Muito bem.

O ar. Mariano de Carvalho: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ferreira de Mesquita: — Pedi a palavra para dizer simplesmente que não sei a que proposito vem para aqui a minha humilissima pessoa e os meus fracos recursos technicos de verificador da alfandega e de vogal do conselho geral das alfandegas.

Parece-me que o sr. Mariano de Carvalho, no caso de que se trata, devia antes lembrar-se de uma comparação muito conhecida, muitas vezes empregada, que tem o gracioso de uma certa infantillage. Consinta-me a camara este francezismo, e que lembra a todos, ainda mesmo aos que não são verificadores da alfandega; é uma bola de sabão. (Vozes:-- Muito bem.)

Demais, o illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho, tinha ainda outra rasão para empregar esta imagem infantil; tinha-a, por assim dizer, de casa, porque traduziu primorosamente uma excellente comedia italiana com este titulo. (Riso.)

Julgo, pois, que seria melhor que o illustre deputado fallasse na bola de sabão, em logar de fallar no tecido de ponto de meia a que se referiu.

E permitta-me a liberdade de lhe offerecer esta imagem para seu uso, quando tratar dos ataques que a opposição está fazendo ao governo, e para applicar ás rasões que os illustres deputados opposicionistas allegam quando ferem estas pelejas.

Vozes: — Muito bem.

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O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'esse logar.)

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem alguns papeis a mandar para a mesa, tenham a bondade de os enviar.

O sr. Julio Ferraz: — Mando para a mesa uma representação dos povos de Machico, da ilha da Madeira, em que pedem a conservação da comarca oriental do Funchal, em substituição da comarca creada ultimamente na villa de Santa Cruz.

Esta representação funda se em rasões que deixo á apreciação illustrada da commissão competente, que fará toda a justiça, com o que muito folgarei.

Peço que a representação seja publicada no Diario do governo, como têem sido as que têem vindo a esta camara sobre o mesmo assumpto.

O sr. A. J. Teixeira: — Remetto para a mesa um projecto de lei, regulando as aposentações e jubilações dos professores publicos.

O sr. Pereira de Miranda: — Envio para a mesa um projecto, auctorisando a camara municipal de Lisboa a contrahir um emprestimo para o fim que vae indicado no mesmo projecto.

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o projecto n.º 107, sobre a reforma de instrucção primaria. Este projecto já foi approvado na sua generalidade na sessão legislativa do anno passado, e por isso entra agora na sua especialidade, para o que se vae ler o artigo 1.°

ORDEM DO DIA Discussão da especialidade do projecto n.º 107, que é o seguinte

(Será publicado no fim de uma das proximas sessões.)

Approvados sem discussão os artigos 1.º e 2.º Entrou em discussão o Artigo 3.°

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Illidio do Valle: — Penso que não será preciso, sr. presidente, no correr d'esta discussão roubar tempo á camara para demonstrar a utilidade e necessidade d'esta reforma. Como utilidade particular e individual, nunca a instrucção foi seriamente contestada. E se como necessidade publica e social ella foi por muito tempo desconhecida, não é hoje de certo no meio das sociedades contemporâneas, e no seio do parlamento portuguez, que seria preciso accumular argumentos para demonstrar que a instrucção é a primeira garantia da ordem, a mais poderosa alavanca do progresso, o manancial mais fecundo de riqueza, o principal fundamento da liberdade, e o mais solido esteio das instituições modernas. Eu creio, pois, que me não será preciso fazer consumo improductivo de palavras para defender uma causa, que se acha de antemão vencida no animo de todos.

Em projectos, porém, d'esta ordem que, alem da sua importancia social, modificam consideravelmente todo um ramo de administração, ha duas partes essenciaes a distinguir. Constituem a primeira as bases ou principios geraes sobre que assenta a reforma, e que mais ou menos a ligam a uma certa escola politica, ou a um determinado systema administrativo.

Constituem a segunda as condições de adaptação da lei ao meio em que tem de ser applicada, isto é, as disposições tendentes a torna la pratica e exequivel em circumstancias determinadas de uma epocha ou de um paiz.

Com relação ao primeiro ponto de vista o projecto acha-se modelado pela organisação do ensino nos paizes mais cultos, e que mais a peito tem tomado a causa da instrucção, e estão n'elle consignados todos os principios que a

rasão e a experiencia tem indicado como mais efficazes e proficuos.

São esses principios ou bases a obrigação do ensino considerado como necessidade social de primeira ordem: a sua gratuidade, consequencia logica e natural da obrigação: a descentralisação d'este serviço, como meio de despertar a iniciativa local, e rodear a escola dos elementos que mais devem interessar-se no seu desenvolvimento: a inspecção permanente do estado, para vigiar e fiscalisar o cumprimento das leis e regulamentos, e indicar ou tomar as providencias necessarias ao melhoramento da instrucção: a creação de escolas normaes, para obter professores com as habilitações necessarias para o fim que têem a desempenhar.

São estes os pontos que constituem a generalidade do projecto, já approvados na sessão passada, e que, portanto, não temos agora que discutir.

Hoje temos simplesmente a discussão da especialidade, isto é, dos meios pelos quaes estes principios devem ser applicados no nosso paiz, e em relação com os nossos usos, tradições, habitos, ou systema administrativo. Sob este ponto de vista o projecto, posto que edificado sobre as mesmas bases, não é, todavia, a copia fiel de nenhum dos outros paizes; e tanto o governo como a commissão procuraram, tanto quanto possivel, adapta-lo ás nossas circumstancias. Esta parte, todavia, é perfeitamente accessoria, e podem sobre ella divergir muito as opiniões individuaes sem alterar o pensamento fundamental.

Se no correr da discussão se apresentarem, pois, algumas propostas ou emendas, que a commissão tenha já discutido ou apreciado, eu não terei duvida em explicar aqui os fundamentos em que a commissão apoiou o seu modo de ver.

Como, porém, os artigos são muitos e possam sobre elles emittir-se algumas propostas aproveitaveis, e que mereçam attenção mais pausada, eu peço aos illustres deputados o obsequio de as mandarem para a mesa, a fim de serem enviadas á commissão, para que esta possa estuda-las com áquelle escrupulo e minuciosidade que merecem todos os assumptos tendentes a melhorar este importantissimo ramo de administração.

O que acabei de dizer applica-se perfeitamente ás observações de s. ex.ª, que me parece limitarem-se a uma simples questão de redacção, e a commissão não tem a pretensão de que a redacção dada ao projecto seja a mais perfeita de todas as redacções. S. ex.ª de certo comprehende muito bem, que em questões tão pequenas e accessorias, nem eu estou auctorisado a responder pela opinião de todos os membros da commissão, nem vale a pena protelar indefinidamente a discussão com questões tão accessorias.

Em todo o caso s. ex.ª terá a bondade de mandar a sua emenda ou substituição, ou o quer que seja, ou se assim não quizer, eu procurarei tomar lembrança d'ella, ou das mais que apresentar, para serem devidamente estudadas e apreciadas.

O sr. Marianno de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Illydio do Valle: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Marianno de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Illydio do Valle: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Pires de Lima: — Pedi a palavra unicamente para mandar para a mesa uma proposta, que não vem a proposito n'e8te artigo que se discute, mas n'outro, que ha de vir á tela da discussão dentro em pouco; e como é possivel que n'essa occasião não esteja presente, por isso a remetto para a mesa agora. (Leu.)

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Não a justifico n'e8te momento, e só digo que o meu fim é apenas garantir o ordenado aos professores n'um quantitativo que julgo indispensavel para elles poderem viver decentemente.

Não sei se esta proposta será ou não approvada; ella tem um defeito, e é o de ser assignada por um membro da opposição.

Ainda ha pouco tempo aconteceu n'esta casa, quando se discutia é orçamento da instrucção publica, que eu, o sr. Barros e Cunha, e outros deputados da opposição apresentassemos differentes propostas, as quaes foram rejeitadas, para mais tarde as idéas n'ellas formuladas apparecerem incluídas, o que vi com grande prazer na proposta do governo, que ora se discute! Isto prova que n'esta casa as idéas não são boas ou más consideradas em si, mas unicamente pela origem d'onde partem.

Apesar d'isso, cumpro com o meu dever, mandando para a mesa essa proposta, de cujo bom resultado não tenho grande esperança.'

Peço que seja remettida á commissão competente, para ser discutida com as emendas d'este projecto de lei.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que os vencimentos dos professores e mestras vitalícias de instrucção primaria não possam em caso algum ser inferiores a 150(5000 réis annuaes. = Manuel Augusto Pires de Lima.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — A proposta que o sr. Pires de Lima mandou para a mesa tem mais relação com os artigos 31.° e seguintes, portanto dar-se ha conta d'ella quando se tratar d'esses artigos.

Em seguida foram approvados os artigos 3.º e 4.º

O sr. Presidente: — Está em discussão o artigo 5.°

O sr. Mariano de Carvalho: —... (Não restituiu o

seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Illydio do Valle: —... (Não restituiu seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Foi approvado o artigo 5.°, e bem assim o artigo 6.º

Entrou em discussão o

Artigo 7.°

O sr. Mariano de Carvalho: —... (Não restituiu o

seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Illydio do Valle: —... (Não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

O sr. Mariano de Carvalho: —... (Não restituiu o

seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — Não ha numero na sala. A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

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