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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. presidente do conselho disse tambem que não devia levantar-se uma questão tão futil para fazer caír o ministerio. Futil a questão de fazenda! Se o é, o que póde chamar-se ao programma do s. ex.ª que considera esta questão como um dos seus pontos fundamentaes? Futil a questão religiosa.
Pois será futil, n'um paiz constitucional e livre, levantar uma questão que mostra que o governo pretendeu atacar a liberdade do consciencia, os direitos individuaes e interesses da familia? (Apoiados.)
Custa-me censurar o sr. presidente do conselho.
Respeito a velhice, ainda quando me apparece na sua immobilidade archeologica. Respeito a do sr. presidente do conselho pelos serviços do seu passado.
Entrando na questão religiosa disse o nobre presidente do conselho que nós defendiamos a internacional e o socialismo.
Se v. ex.ª, sr. presidente do conselho, quiz lançar á maioria d’esta casa uma suspeição politica, chamando-lhe internacionalista, a maioria d'esta casa ergue-se em peso e devolve-lhe o epitheto. (Repetidos apoiados.)
Quem é socialista e internacionalista, mas inconsciente, é o sr. presidente do conselho, com a sua portaria ácerca dos enterros civis, porque n'aquella portaria sobrepõe-se o estado á familia, transpõe o governo o liminar sagrado da sociedade domestica, violando a liberdade de consciencia. Isto é que é o socialismo e a centralisação. (Apoiados.)
Eu comprehendo a centralisação nas suas grandes manifestações.
Comprehendo o governo que funda uma officina nacional com o fim de proteger as industrias, ou que organisa por sua conta um grande estabelecimento commercial.
Não o justifica a economia politica, mas defendem-n'o as rasões do estado.
O que eu não comprehendo é que um governo se faça centralisador, convertendo-se em emprezario de enterros. (Apoiados.)
A centralisação politica e á centralisação administrativa accrescentou o governo a centralisação funeraria. (Apoiados.)
O sr. marquez d'Avila teria feito uma revolução em Portugal se o bom senso dos governados não fosse superior á vontade dos governantes.
O elemento clerical em Portugal morreu ás mãos de Joaquim Antonio de Aguiar.
Caiu o despotismo do um lado; baqueou a reacção do outro. E o elemento clerical, que tem sido lá fóra, em Franca, na Italia, na Allemanha e na Belgica, um instrumento de desordem, tem sido entre nós um promotor de ordem e de paz. (Apoiados.)
Podia o sr. Gambetta dizer: o clero, eis o inimigo; nós apenas podemos dizer: o clero, eis o proletario. (Vozes: — Muito bem.)
O sr. presidente do conselho, respondendo ao sr. Dias Ferreira, disse que desejava acabar com a especulação dos enterros civis, mas s. ex.ª tornou-se especulador dos enterros catholicos.
Na casa da familia do fallecido reina o luto e a dôr. Disputam a posse do cadaver dois inimigos: um, o livre pensador, quer apossar se d'elle para fazer o enterro civilmente; outro, o governo, offerece o dinheiro do thesouro para fazer o enterro catholico. São ambos igualmente censuraveis. (Apoiados.)
Em que se funda a portaria?
Na vontade presumida do fallecido?
Diga-me o governo qual é a vontade presumida da creança que apenas abre os olhos á luz do dia, logo os fecha no occaso da morte? (Apoiados.)
O nobre presidente do conselho tratou tambem da questão dos conegos, e disse que pela lei do sr. Barjona tinha obrigação de prover os canonicatos. A lei dava auctorisação ao governo para proceder á nomeação dos conegos quando se julgassem precisos. Confiava no bom senso do governo, esperando que não fosse inutilisado o seu plano da reducção das dioceses.
E se a lei obrigava o governo a nomear os conegos, como diz o sr. presidente do conselho, como se póde comprehender que o ministerio que trouxe a proposta ás côrtes e a fez converter em lei, não fizesse a nomeação?
É evidente, pois, que a interpretação dada á lei pelo sr. presidente do conselho destoa completamento do pensamento do legislador. (Apoiados.)
O nobre presidente do conselho, no seu grande enthusiasmo pela causa dos conegos, disse que nós pretendemos atacar a Deus. Atacar a Deus! Pela minha parte declaro que me limito a atacar... o sr. Barros e Cunha. (Riso.)
Disse o sr. presidente do conselho que podia justificar a nomeação dos conegos com as palavras do sr. cardeal patriarcha, e eu digo que o sr. cardeal patriarcha pediu a nomeação dos conegos, mas só no caso de que isso não fosse contra o principio das economias ou contra quaesquer principios até ali estabelecidos, e o sr. presidente do conselho não fez caso de nada d'isto.
Fallou ainda o nobre presidente do conselho na creação da cadeira do sãoskrito, e disso que esta cadeira existia em todos os paizes civilisados.
Sim existe; mas lá a instrucção superior chegou ao grau que a civilisação do seculo lhe aponta; lá ha cadeiras de phylologia e de mythologia comparadas, lá existem os Bopps e os Mullers, e entre nós a lua da sciencia moderna não chegou ainda a illuminar as aulas, que continuam em completa escuridão. (Apoiados.)
Lá fóra comprehende-se a cadeira de sãoskrito, porque a instrucção superior tem sido collocada no seu verdadeiro nivel, mas entre nós não se comprehendo que, sem a reforma da instrucção superior se crie, uma cadeira de sãoskrito. O exemplo lá de fóra podia adoptar-se entre nós se se tratasse de levantar á sua verdadeira altura a instrucção superior; a idéa do nobre presidente do conselho era muito acceitavel quando se reformasse a instrucção secundaria e primaria, que se acham em lastimoso estado.
Quiz defender-se o nobre presidente do conselho com um documento assignado pelo sr. Corvo; mas o sr. Corvo na sua portaria não dá mais do que uma subvenção para se fazer o estudo do sãoskrito, e d'ahi a crear uma cadeira destinada a proteger um individuo, por mais illustrado que seja, vae uma distancia que o governo não logrou transpor.
O sr. presidente do conselho disse que não havia individuos habilitados para ir ao concurso. Como sabe isso? Quem disse a s. ex.ª que não ha entre nós quem conheça as linguas orientaes? S. ex.ª de certo que as não conhece, aliás não teria affirmado, como affirmou, que o hebreu descende do sãoskrito.
Depois, respondendo o nobre presidente do conselho aos argumentos apresentados pelo sr. Lopo Vaz ácerca ainda da cadeira de sãoskrito, disse que havia alumnos que frequentavam aquella cadeira. Havia alumnos que foram chamados a frequentar aquella cadeira, mas que depois a abandonaram. (Apoiados.)
Acrescentou s. ex.ª que salvou o paiz d'esta vergonha. Até agora tinhamos andado envergonhados, no dizer de s. ex.ª. Não era a questão de fazenda, a reforma da administração, o desenvolvimento das instituições que nos devia preoccupar. Era a creação da cadeira de sãoskrito. Pedia o povo romano panem et circenses. O povo de Lisboa, depois das cutiladas do passeio publico, pedia apenas... sãoskrito. (Riso.)
Depois declarou s. ex.ª que não queria censurar a administração financeira do ministerio transacto. Se isso é benevolencia da parte do governo, nós não acceitâmos essa benevolencia (Muitos apoiados.); póde censural-o á vontade, s. ex.ª; que já declarou n'esta casa, e disse a verdade, que quando tomou as redeas do poder, o estado financeiro do
Sessão de 23 de janeiro de 1878