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SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Inacio Francisco Silveira da Mota

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Dá-se conta de quatro officios, sendo dois do ministerio dos negocios estrangeiros, um do digno par Vicente José de Seiça e outro do sr. deputado Bernardino Machado. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Santos Viegas, Adolpho Pimentel e José Burgos de Faria. - Justificações de faltas dos srs. Rocha Peixoto, Fuschini, Sousa e Silva, Dantas Baracho, Athaide Pavão, J. J. Alves, conde da Praia da Victoria, Adolpho Pimentel, Mattoso Corte Real, Sousa Machado e Figueiredo Mascarenhas.- Declarações de voto dos srs. Dantas Baracho, Fuschini e Cunha Bellem. - Manda para a mesa um projecto de lei o sr. Cypriano Jardim. - O sr. Fuschini, referindo-se a dois projectos de lei, que apresentou em sessões passadas, insta com as respectivas commissões para que apresentem os seus pareceres. - O sr. ministro das obras publicas annuncia que em breve apresentará diversas propostas de lei e entre ellas uma sobre o ultimo assumpto a que alludiu o sr. Fuschini. - O sr. José Luciano de Castro levanta a questão relativa á desannexaçào do concelho de Guirmarães e á agitação do districto de Braga. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho de ministros. - Usa novamente da palavra sobre o mesmo assumpto o sr. Luciano de Castro, a quem responde o sr. ministro do reino, e successivamente entram no debate, apresentando e sustentando moções de ordem, os srs. José Borges, Adolpho Pimentel, Alves Matheus, Franco Castello Branco e Antonio Candido. - Responde-lhes o sr. presidente do conselho. - Levanta-se a sessão por ter dado a hora, ficando a questão pendente.

Abertura - Ás tres horas da tarde.
Presentes á chamada - 94 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Sousa e Silva, António Candido, António Centeno, Garcia Lobo, António Ennes, Moraes Sarmento, Moraes Machado, Carrilho, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Sousa Pavão, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Fuschini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches do Castro, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira da Mota, Baima de Bastos, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira do Vasconcellos, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Borges de Faria, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, M. P. Guedes, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel. Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde do Reguengos, Visconde do Rio Sado, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, E. Hintze Ribeiro, Francisco Beirão, Sant'Anna e Vasconcellos, Melicio, Dias Ferreira, Pereira dos Santos, Julio de Vilhena, Reis Torgal, Pinheiro Chagas, Santos Diniz e Tito de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Pereira Corto Real, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Avelino Calixto, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. A. Neves, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Bivar, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Pedro Correia, Barbosa Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 200 exemplares das secções I, IV, V e VI do Livro Branco, as quaes, juntamente com a secção II, enviada no anno findo, constituem o volume dos negocios tratados pela direcção dos consulados e dos negocios commerciaes d'este ministerio, que deveriam ter sido apresentados n'aquelle anno ao parlamento.
Mandaram-se distribuir.

2.° Do mesmo ministério, satisfazendo ao requerimento do sr. deputado Alves Matheus, feito em sessão de 12 de janeiro corrente, ácerca do real padroado portuguez no oriente.
Á secretaria.

3.° Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Sebastião Centeno, o ultimo relatorio do conselheiro presidente da relação de Loanda, relativo ao biennio de 1 do outubro de 1883 a 30 de setembro de 188õ, e participando que o ultimo relatorio do conselheiro presidente da relação de Nova Goa foi enviado á camara dos senhores deputados em 13 de março de 1885.
Á secretaria.

4.° Do digno par do reino, Vicente José de Seiça e Almeida, agradecendo o voto de sentimento pela morte de seu tio, o digno par Vicente Ferrer Netto de Paiva. Inteirada.

5.° Illmo. e exmo. sr.- Tenho a honra de me dirigir á camara dos senhores deputados, por intermedio de v. exa., para lhe requerer licença de renunciar ao mandato legislativo.
N'esta occasião declaro a v. exa. que não tenho comparecido por motivo de molestia.
Deus guarde a v. exa. Lisboa, 23 de janeiro de 1886. -

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Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados, conselheiro Ignacio Francisco Silveira da Mota. = O deputado da nação, Bernardino Luiz Machado Guimarães.

Foi enviado á commissão de verificação de poderes.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Villa Verde, contra o projecto do sr. Franco Castello Branco que tem por fim desannexar o concelho de Guimarães do districto de Braga, e ficar pertencendo ao do Porto para todos os effeitos administrativos e politicos.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas, enviada, á commissão de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Da commissão executiva da junta geral do districto de Braga, no mesmo sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Adolpho Pimentel, enviada á commissão de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da camara municipal e da classe académica de Braga, no mesmo sentido.
Apresentadas pelo sr. deputado José Borges, enviadas á commissão de administração publica, e mandadas publicar no Diario do governo.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que o sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto tem faltado e continuará a faltar às sessões por doença do pessoa de sua familia. = O deputado, Santos Viegas.

2.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. - Fuschini.

3.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado barão do Ramalho não tem comparecido às sessões por motivo justificado, e pela mesma rasão faltará a mais alguma.= Sousa e Silva.

4.ª Declaro que por motivo justificado tenho deixado de comparecer a algumas sessões. = Dantas Baracho.

5.ª Mando para a mesa a declaração de que, por motivo de moléstia, faltei às primeiras sessões desta camara.= Athaide Pavão.

6.ª Declaro que o sr. deputado Antonio de Castro Pereira Corte Real não tem comparecido às sessões, e deixa de comparecer a mais algumas por motivo justificado. = J. J. Alves, deputado por Liobuu.

7.ª Declaro que tenho faltado às sessões da camara por motivo justificado.= Conde da Praia da Victoria.

8.ª Declaro a v. exa. e á camara que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Adolpho Pimentel.

9.ª Declaro que tenho faltado até hoje ás sessões desta camara por incommodo de saude. = Francisco de Castro Matoso da Silva Côrte Real.

10.ª Declaro que o sr. deputado Sousa Machado não tem comparecido nem comparecerá a algumas sessões por incommodo de saude. = Matoso Côrte Real.

11.ª Declaro que por motivo justificado não compareci á sessão do dia 2 do corrente.= Figueiredo Mascarenhas.

Para a acta.

DECLARAÇÕES DE VOTO

1.ª Declaro que, se tivesse assistido á sessão do dia 20, teria votado a favor da moção do sr. deputado Franco Castello Branco, e contra a do sr. deputado Mariano de Carvalho. = Dantas Baracho.

2.ª Declaro que, se estivesse presente na sessão passada, teria approvado a moção do sr. Castello Branco e a proposta de inquérito do sr. Mariano de Carvalho. = Fuschini.

3.ª Declaro que, se estivesse presente na sessão do 20 de janeiro, teria approvado a moção do illustre deputado Franco Castello Branco, e rejeitado a proposta do sr. Mariano de Carvalho. = A. M. da Cunha Bellem.
Para a acta.

O sr. Cypriano Jardim: - Mando para a mesa um projecto de lei, estabelecendo que o actual porteiro do tribunal da Boa Hora, e todos os que lhe succederem, fiquem equiparados, para os effeitos do vencimento, da aposentação e da reforma, aos demais porteiros das secretarias distado.
Este projecto, que me parece de todo o ponto justo, vae assignado por mais tres collegas nossos. Peço a v. exa. que remetia às commissões competentes, e eu abstenho-me por agora do o justificar com algumas considerações, porque não desejo tomar tempo á camara, reservando-me para quando venha á téla da discussão o respectivo parecer.
Ficou para segunda leitura.

O sr. Fuschini: - Rogo a v. exa., como presidente da camara, que procure promover nas commissões respectivas os pareceres sobre dois projectos de lei que apresentei nas sessões passadas, um ácerca da construcção de casas salubres e economicas para as classes pobres, e outro regulando o trabalho dos menores na industria.
Sr. presidente, tem sido corapletamente inutil pedir a esta camara que se occupe dos projectos de lei apresentados pelos deputados. Parece que se quer estabelecer o principio invariavel do que não têem andamento os projectos de iniciativa individual dos deputados, e que simplesmente merecem consideração os de iniciativa ministerial. E esta doutrina contraria aos bons costumes parlamentares; não a posso, pois, admittir por forma alguma.
Reservo-me para em occasião opportuna, se necessario fôr, discutir estes dois projectos antes da ordem do dia, mostrando a necessidade de que elles se traduzam em lei do estado.
Como está presente o sr. ministro das obras publicas, a quem estão confiados os trabalhos desta ordem, eu jul-gar-me-ía muito honrado, e acharia até conveniente, se s. exa. dissesse se ácerca das graves questões sociaes tenciona apresentar ainda n'esta sessão algum projecto.
Como estou com a palavra, e não querendo de forma alguma continuar apresentando opiniões ou idéas, emquanto o sr. ministro das obras publicas não manifestar as suas, mando para a mesa uma declaração de que, se estivesse presente na sessão passada, approvaria a moção do sr. Franco Castello Branco e o inquerito proposto pelo sr. Mariano de Carvalho. Como uma declaração de voto não se póde motivar, mais tarde d'ella darei a rasão.
Mando tambem para a mesa uma justificação de faltas.
Vae publicada na secção competente.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro):- Ouvi as perguntas que me dirigiu o illustre deputado o sr. Fuschini e com muito gosto digo a s. exa. que

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me associo aos seus desejos. Tenho já preparadas, e dentro em poucos dias apresentarei á camara, algumas propostas de lei que tendem a melhorar as circumstancias das classes trabalhadoras pela forma por que s. exa. tem estudado este problema e com acrescentamento de algumas outras propostas de lei, aliás modestissimas.
Entre ellas vem a renovação de uma proposta de lei do sr. presidente do conselho, meu illustre antecessor na pasta das obras publicas, relativamente á construcção de casas baratas, com umas addições que, espero, tambem hão de agradar a s. exa., porque estudei com muito prazer o luminoso relatorio que precede o seu projecto de lei, sobre o mesmo assumpto.
Alem disso, trarei tambem á camara uma proposta relativa á protecção dos menores que trabalham nas fabricas.
Foi sobre estes dois pontos que o illustre deputado fez as suas perguntas e eu tenho muito prazer em me associar a a. exa. no interesse que toma por tão importantes assumptos.
(S. exa. não reviu os notas tachygraphicas.) O sr. Santos Viegas: - Pedi a palavra para mandar para a mesa, em nome do nosso illustre collega e meu amigo, o sr. Alfredo da Rocha Peixoto, uma representação da camara municipal de Villa Verde e ao mesmo tempo para declarar a v. exa. e á camara, que este sr. deputado tem faltado às sessões e continuará a faltar a mais algumas, por motivo justificado.
Se não houver inconveniente e v. exa. concordar, obtemperarei ainda a um desejo d'aquelle nosso illustre collega, pedindo a v. exa. que consulte a camara se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo. Assim se resolveu.
O sr. Baracho: - Mando para a mesa uma declaração de voto e uma justificação de faltas.
Vão publicadas no logar competente
O sr. Luciano de Castro: - Esperava que depois da pergunta que dirigi ao governo na ultima sessão, algum dos srs. ministros se apressasse na sessão de hoje, visto não o ter podido fazer na outra, a responder-me, dando explicações categóricas á camara, visto tratar-se de um assumpto de tanta gravidade, como são os que respeitam á ordem publica. Como, porém, nenhum dos srs. ministros ainda pediu a palavra para dar essas explicações, vejo-me obrigado a repetir a pergunta que fiz na ultima sessão. Em poucas palavras reproduzirei o que então disse. Começo por declarar, que não tenho a menor intenção de crear difficuldades ao governo, tratando-se de uma questão que qualifiquei de ordem publica. (Apoiados.) O que desejo é proporcionar ao governo occasião de fazer declarações explicitas e categoricas, que possam concorrer para aquietar a agitação que se vae desenvolvendo numa parte do reino, e sobretudo nas duas cidades de Guimarães e Braga.
Perguntei ao governo, e repito agora a pergunta, se depois dos ultimos acontecimentos de Braga, depois de ter vindo a esta capital uma commissão que apresentou aqui, por intermédio de v. exa., uma representação que esta camara mandou publicar; perguntei, digo, se depois de ser publico e notorio que a agitação na cidade de Braga resultava de ter sido apresentado pelo meu illustre amigo e collega, o sr. Franco Castello Branco, o seu projecto de desannexação de Guimarães do districto de Braga, o governo tencionava apoiar o pensamento desse projecto, ou só pelo contrario estava resolvido a desapproval-o e a manter a integridade d'aquelle districto.
É evidente que não tenho o proposito de collocar o governo em difficuldades, como já declarei; o que desejo é que o governo faça declarações por tal modo categoricas, que ellas possam dissipar equivocos e concorrer poderosamente para restabelecer a ordem publica.
Eu disse, que parecia que não fazia uma surpreza ao governo dirigindo-lhe esta pergunta, porque toda a gente sabe que a agitação na cidade de Guimarães começou logo depois do dia 28 de novembro, que o sr. Franco Castello Branco foi a Guimarães, e que sendo s. exa. um dos mais importantes amigos do governo, certamente não ia áquella cidade sem primeiro ouvir os srs. ministros e sem saber a opinião que s. exas. teriam sobre o assumpto a desannexação de Guimarães do districto de Braga.
O sr. Franco Castello Branco: - Peço a palavra.
O Orador: - Eu disse que tambem não era natural que o. sr. Franco Castello Branco tivesse vindo apresentar um projecto de tão alta gravidade, sem que o ministerio fosse ouvido a esse respeito, e conclui que era preciso saber se assim era effectivamento. Por consequência, eu não queria fazer nenhuma surpreza ao gabinete; queria apenas proporcionar-lhe occasião de declarar clara e publicamente qual era o seu pensamento, terminando assim todas as duvidas e equívocos, para uma e outra parte, no tocante ao seu proceder neste assumpto.
V. exa. sabe que uma circumstancia, de que não fallarei agora, impediu que a minha pergunta tivesse logo uma resposta por parte do governo. Por isso a repito hoje, esperando que algum dos srs. ministros não deixe de dar explicações, que satisfaçam a camara, e que possam concorrer, como já disso, para o restabelecimento da ordem na cidade de Braga, e na de Guimarães.
Quando se tratar, repito, de perturbação da ordem publica em qualquer parte do reino, não serei eu que venha aqui, seguindo precedentes que não adopto, nem louvo, (Apoiados.) unir a minha voz á dos sediciosos ou desordeiros. Em occasiões taes, o governo póde contar, não só com o meu apoio, mas com a cooperação sincera e leal de todos os meus amigos.
Aguardo as explicações do governo, e peço a v. exa. que me reserve a palavra para depois de as ouvir.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Esta questão não é, nem póde ser, uma questão politica. (Apoiados.) E, sim, uma questão essencialmente local, que se tem tornado questão de ordem publica. É uma questão importante, debaixo do todos os aspectos; mas não é, nem póde ser, uma questão politica. Não o é para o governo, não o póde ser para os seus amigos.
O governo tem amigos politicos e amigos pessoaes, tanto no concelho de Guimarães, como no de Braga e em todo o districto.
O governo póde perfeitamente governar, debaixo do ponto de vista administrativo, quer Guimarães esteja ligado a Braga, quer esteja ligado ao Porto. Não ha, portanto, nenhuma rasão politica, de qualquer ordem que seja, que possa actuar no seu espirito para que elle propenda para um ou para outro lado.
Esta questão, que uma circumstancia occasional trouxe a publico, fazendo-a tomar relevo, circumstancia que todos conhecem e que eu me escuso de rememorar á camara; esta questão assenta, desde longa data, numa certa rivalidade, que todos sabem que tem existido entre Guimarães o Braga. (Apoiados.)
Houve uma circumstancia que determinou a explosão, que levou os povos de Guimarães a pedirem a sua desannexação do districto de Braga, para se incorporarem no districto do Porto; e os de Braga, não tendo a principio protestado, apresentam-se agora intransigentes contra essa idéa de desannexação.
Eu digo - agora - accentuando perfeitamente esta palavra, porque durante muitos dias e algumas semanas depois do facto a que mo tenho referido, por parte da cidade de Braga não se manifestou desejo algum de que o concelho de Guimarães ficasse ligado ao districto, apresentando-se, bem pelo contrario, na imprensa a opinião, geralmente recebida n'aquella localidade, de que Guimarães

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não fazia falta a Braga, se porventura se separasse. (Muitos apoiados.)
Foi nestas circumstancias que veiu a Lisboa uma commissão de cavalheiros de Guimarães pedir ao governo que apresentasse ao parlamento uma proposta de lei para a separação administrativa d'aquelle concelho, declarando a mesma commissão que era essa a vontade unanime dos povos d'aquella localidade.
Antes de lhe responder quiz o governo ter a deferência de ouvir os seus amigos deputados por Braga, e ouviu-os. Não direi agora, nem isso é preciso, o que se passou particularmente entre nós; mas o certo e que foi só depois d'este acto de deferencia e consideração perfeitamente merecida por aquelles meus illustres amigos que o governo respondeu á commissão de Guimarães.
O que é tambem certo é que n'essa occasião, por parte de Braga, não se tinha manifestado ainda nenhuma difficuldade, nenhuma intransigencia pelo que diz respeito á separação do concelho de Guimarães do districto de Braga, (Muitos apoiados.) e que os povos de Guimarães se apresentavam dizendo que a vontade era ali unanime para a separação do seu concelho. (Muitos apoiados.)
O governo não se compromotteu a apresentar nenhuma proposta do lei n'esse sentido; e eu faltaria ao meu primeiro dever, se viesse dizer á camara que não tinha mostrado uma certa disposição favoravel á desannexaçao, que então ninguém impugnava.
Não obstante, como já disso, eu declarei á commissão de Guimarães que o governo não fazia proposta alguma, mas que estudaria os termos de qualquer projecto que porventura fosse apresentado para esse fim. (Apoiados.)
É evidente que se houvesse accordo entre os povos do districto de Braga, se nenhuma repugnância se manifestasse contra a desannexaçao de Guimarães, nenhuma voz se ouviria n'esta casa a insistir para que continuasse unido a Braga aquelle concelho. (Apoiados.)
Esta era a situação, quando me pronunciei por parte do governo perante a commissão de Guimarães que veiu a Lisboa. (Vozes: - Muito bem.)
Depois as circumstancias mudaram. Apresentou-se então por parte de Braga e do districto uma grande opposição á idéa separatista; e ultimamente ainda, como todos sabem, veiu e está n'esta capital uma commissão composta de cavalheiros respeitareis de Braga para solicitar do parlamento que rejeite o projecto do illustre deputado e meu amigo o sr. Franco Castello Branco. E de passagem direi que ainda não vi esse projecto.
E n'este estado de cousas que o illustre deputado vem perguntar-me qual é a opinião do governo. A opinião do governo é fazer luz sobre esta questão. (Apoiados.) A opinião do governo é examinar os interesses e os direitos do ambas as partes. A opinião do governo é não resolver sob o império das paixões; é esperar que a rasão plácida e fria succeda a essas paixões para que possa resolver com conhecimento de causa e com vantagem publica. (Apoiados.) A opinião é não precipitar os acontecimentos, é pedir a todos que esperem; é dizer a si proprio que estude pelos meios ao seu alcance; é pedir ao parlamento que examine maduramente a questão. (Apoiados.) Esta é a opinião do governo e não podia ser outra. (Muitos apoiados.)
O governo tem a seu cargo, primeiro que tudo, manter a ordem publica, e à ordem publica não se póde manter desde que pretendamos esmagar uns á vontade de outros. (Apoiados.) Uma questão de tal natureza não se póde collocar n'este terreno. O governo que assim fizesse prejudicava a primeira de todas as necessidades publicas, a manutenção da ordem, que é inseparavel da liberdade. (Apoiados. )
Portanto, o que precisamos fazer é examinar, estudar. O governo vae empregar todos os meios ao seu alcance no intuito de ver se consegue, primeiro que tudo, chegar a uma conciliação de vontades, a um accordo de interesses,
que possa, sem deshonra para ninguem e com vantagem para todos, resolver o conflicto.
Estou convencido de que o espirito de conciliação, fructo do exame maduro e reflectido de todos, ha de poder mais na resolução d'esta questão, do que os impetos apaixonados de momento. (Apoiados.)
Braga mostra-se escandalisada com o procedimento de Guimarães; Guimarães queixa-se de Braga. Afinal são todos cidadãos portuguezes; (Apoiados.) pertencem todos ao mesmo districto; são duas cidades importantíssimas e antiquíssimas da bella provincia do Minho.
Está claro que desde que passe o primeiro momento de agitação, a rasão fria e sensata ha de prevalecer sobre as paixões; e quando isto aconteça, o governo tem de ouvir e de promover a conciliação, empregando para isso todos os meios de que podo dispor, informando-se primeiro, e diligenciando depois que da parte de todos se chegue a um accordo sobre este importantíssimo negocio local, mas que assumiu proporções graves. (Apoiados.)
E será depois disso que a commissão desta camara, na minha humilde opinião que, julgo eu, me é licito expor, sem todavia querer intervir no andamento dos trabalhos desta assembléa, á qual não tenho a honra de pertencer; só então digo, é que, com proveito publico, a commissão póde examinar o projecto que está submettido ao seu exame, munida dos esclarecimentos que lhe tiverem trazido os seus membros e dos que poder obter por diversos meios, alem dos esclarecimentos que o governo lhe possa subministrar.
Só depois de tudo isto, repito, poderá a commissão, com inteiro conhecimento de causa, dar parecer e a camara resolver na sua sabedoria como julgar conveniente. (Apoiados.)
Perguntou-me tambem s. exa. se o illustre deputado, e meu amigo, o sr. Franco Castello Branco fora a Guimarães com auctorisação do governo, com missão ou com conhecimento d'elle.
Nem com auctorisação, nem com missão; mas com conhecimento do governo, é certo que s. exa. foi; não posso, nem preciso negal-o. Foi, porque quiz ir, como era natural que fosse, sendo aquelle o circulo de que é representante n'esta casa; nem para isso precisava de licença do governo, que em todo o caso não o auctorisou a responder de modo que ficássemos responsáveis pela palavra de s. exa.
Não devo irritar o debate, que por ora não o está, o espero, pela minha parte, que a illustração dos membros dos diversos partidos de que esta assembléa se compõe, não ha de contribuir de modo algum para que uma questão d'esta ordem, possa deixar de só resolver placida e pacificamente, como é do interesse d'aquelle importantissimo districto e do interesse do paiz.
Vozes : - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - O sr. deputado José Luciano pediu que lhe fosse concedida a palavra em seguida ao sr. presidente do conselho. Parece-me não haver duvida em que se lhe conceda, mas julgo tambem logico abrir-se uma inscripção especial sobro o assumpto, e para isso preciso consultar a camara.
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. Luciano de Castro: - Não serei eu que procure irritar o debate em assumpto tão grave como este.
Póde por esse lado estar tranquillo o sr. presidente do conselho.
Nós somos um partido de ordem, e não nos associaremos nunca, quaesquer que sejam os interesses que nos possam advir, aos perturbadores da ordem publica. (Apoiados.)
Pela minha parte não farei desta questão uma questão propriamente partidaria; mas não posso deixar de reivindicar o lado eminentemente politico que n'ella ha. (Apoiados.) Posso não querer, por considerações especiaes e por

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motivos de interesse publico, levantar esse debate n'este momento; mas o que não posso é deixar passar sem correctivo a affirmativa de que esta questão não é politica. (Apoiados.)
Pois não será politica uma questão em que ternos de apreciar as responsabilidades do governo no grave conflicto levantado entre duas cidades importantes do reino? (Apoiados.) Se quizermos examinar o procedimento do governo em todo esse conflicto, desde as primeiras causas até às suas derradeiras consequencias, não teremos o direito de o fazer? Pois não são politicas as questões em que temos de stygmatisar e reprehender os actos do governo?
Não digamos, portanto, que esta questão não é politica, e que não temos o direito de a collocar n'esse terreno. Podemos não usar agora desse direito; mas é-nos licito escolher o momento para levantar esse debate. É um direito que não podemos deixar de reivindicar, e que o sr. presidente do conselho pareceu contestar. (Muitos apoiados.)
Das explicações dadas por s. exa. ficou apenas apurado que o governo não tem opinião sobre o assumpto. (Muitos apoiados.)
Os acontecimentos que occasionaram as manifestações de Guimarães, datam de 28 de novembro do anno passado. O sr. Franco Castello Branco foi a Guimarães, - e eu não disse que s. exa. foi era missão do governo; referi-me apenas a esse facto sem fazer pergunta alguma a esse respeito ao sr. presidente do conselho - mas o sr. Franco Castello Branco, amigo politico da situação, e muito importante, foi áquella cidade no intuito, segundo penso, de conciliar os ânimos que estavam já nessa occasião irritados; empenhou para esse fim, estou certo disso, todos os seus esforços e não póde conseguir tranquillisar os espíritos. Naturalmente participou as suas diligencias e os resultados que obteve, ao sr. presidente do conselho. É tambem provavel que o sr. presidente do conselho tivesse tido conhecimento do projecto cio sr. Franco Castello Branco, para a desannexação do concelho de Guimarães do districto de Braga, annexando-o ao do Porto; e todavia o sr. presidente do conselho vem hoje aqui, quasi dois mezes depois, declarar que o governo ainda não tinha opinião sobre esta questão, (Muitos apoiados.) e que agora é que vão empregar todos os seus esforços para conciliar as duas cidades irritadas ! (Muitos apelados.)
Oh, sr. presidente! Pois isto é serio? (Muitos apoiados.) Póde-se governar assim? (Apoiados.) Pois o governo, numa questão desta natureza, cruza os braços, vendo ateado um incêndio, que póde levar a agitação e a guerra civil a uma parte do reino? (Muitos apoiados.)
Deixa medrar esta deplorável desavença entre duas cidades importantes do paiz; não se lembra de empregar a menor diligencia para a acalmar, e ao cabo de dois mezes, quando os ânimos estão extremamente exaltados, é que o sr. presidente do conselho vem declarar que o governo não tem ainda opinião sobre o assumpto?! (Muitos apoiados.)
Isto não é serio. (Muitos apoiados.) N'uma questão distas, numa conjunctura tão grave, quando duas populosas cidades estão quasi a insurgir-se contra os poderes publicos, porque inconvenientemente se deixaram medrar estas divergencias, não é licito ao sr. presidente do conselho vir aqui dizer que o governo vae agora empregar os meios de conciliação; que o governo ainda não tem pensamento sobre o assumpto. (Muitos apoiados.)
Não desejo azedar o debate. Quero, pelo contrario, ajudar o governo a resolver esta questão da maneira mais conveniente.
Ninguém lucra em que duas cidades do paiz se lancem num conflicto que póde ter consequências gravíssimas, e incommodar seriamente o actual governo, ou porventura aquelle que lhe succeder; mas não posso deixar de responder, como é meu direito e minha obrigação, às palavras do sr. presidente do conselho, e estranhar a indecisão o falta de firmeza de opiniões que n'ellas se revelam, porque no tempo em que estamos, não é permittido governar por esta maneira, com taes incertezas, com perplexidades constantes, com expedientes dilatorios. (Muitos apoiados.)
Não está ao nivel das qualidades intellectuaes do sr. presidente do conselho deixar nascer e desenvolver-se uma profunda divergencia entre duas cidades do reino, que poda ter consequencias funestas, quando as circurmstancias instam por que se tome uma resolução definitiva e prompta.
O sr. ministro diz: "o meu pensamento é este: procurar a conciliação e não resolver sob o imperio das paixões.
Mas isto não póde ser. (Apoiados.) E se ámanhã o conflicto desfechar em consequencias lamentaveis para todos? E se ámanhã o sangue correr, se a ordem publica for perturbada, o que dirá o governo? O sr. presidente do conselho é quem responde por esses funestissimos acontecimentos?
Todavia, nós não podemos deixar de pedir contas ao governo, porque somos os representantes do paiz. Quando vemos conflictos como este de que se trata, temos o direito e o dever de reclamar providencias promptas para atalhar o incendio que começa a lavrar, e que ameaça alastrar-se.
Eu leio nas suas palavras calculadas e na sua transparente diplomacia, que o sr. presidente do conselho não póde deixar do confessar que tinha, promettido á commissão de Guimarães dar apoio á sua pretensão. O sr. presidente do conselho tem esse compromisso. Assim o declarou. Póde mudar de opinião, póde modifical-a, mas a verdade é que se disse compromettido a apoiar o pensamento do projecto do sr. Franco Castello Branco.
Que fez s. exa? Porque Braga estava quieta, porque nenhum vento revolucionario encrespava as suas aguas, porque ninguem se agitava, s. exa. entendeu que se conformava com a separação do concelho de Guimarães e que por isso podia comprometer-se a apoiar os desejos d'aquella cidade; mas foi dizendo aos seus representantes que de modo nenhum se obrigava a apresentar uma proposta n'esse sentido; apenas apoiaria o projecto que para esse fim fosse apresentado por algum deputado da maioria.
Estes são os factos. Estas são as confissões do sr. presidente do conselho. Vem depois Braga, Braga a tranquilla, a serena, a socegada, Braga, que não se movia, e quando vê apresentar na camara o projecto do sr. Franco Castello Branco, quando conclue por uma deducção natural que esse projecto, tendo sido proposto por uma pessoa tão qualificada como s. exa., não deixaria de ter por si o apoio do governo, agita-se, reune-se, quasi que se convulsiona, e envia a Lisboa uma commissão para vir representar aos poderes publicos em favor da sua causa. Então parece ter-se modificado a opinião do sr. presidente do concelho. Já Guimrães e Braga estão niveladas perante o seu superior criterio! (Apoiados.)
Tinham-se feito a Guimarães promessas lisonjeiras no sentido das suas aspirações, porque se agitava, o porque Braga estava quieta e socegada. Mas Braga segue o exemplo do Guimarães, e desde que se convenceu, pela apresentação do projecto, de que o caso era mais serio do que só lhe afigurava, reune-se na praça publica, faz muitings e manda uma commissão a Lisboa. Então o governo tem modo, e o sr. presidente do conselho hesita! (Muitos apoiados.)
E n'estas circumstancias que s. exa. resolve, depois de muito pensar e conversar com a sua consciencia e com os seus collegas, não fazer nada, adiar indefinidamente, sobretudo, por amor á ordem publica, não decidir nada sob o imperio das paixões locaes. É esta a suprema sabedoria dos governos na nossa terra! (Apoiados.)
É quando as paixões estão agitadas, quando os animos estão inquietos, quando o povo se reune na praça publica, e peticiona pacificamente ao governo, que este não póde dar-lhe satisfação precisamente porque o povo representa nos termos da lei. (Apoiados.)
Eu comprehendia que o governo não quizesse resolver sob a intimação das turbas sobresaltadas, agitadas e insur-

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gidas. (Apoiados.) Eu comprehendia que diante da desordem, da ameaça e da violencia o governo dissesse: "Não dou satisfação às queixas populares emquanto não forem acatadas as leis. Não obedeço aos desordeiros, desprezo as intimações da praça publica".
Mas não é isto o que tem succedido.
Por ora, Braga e Guimarães têem representado nos strictos limites da legalidade. (Apoiados.)
Qual é, pois a rasão por que o governo não dá satisfação a uns e outros, dizendo franca, clara e nitidamente a sua opinião? (Apoiados.)
Não se lhe pede que faça milagres, que dê uma opinião pouco estudada, que improvise uma solução; o que lhe pedimos é que depois de ter tomado, como tomou, conhecimento dos casos que motivaram este conflicto, e para isso tem tido quasi dois mezes, diga franca e claramente qual é a sua opinião. (Apoiados.)
Se a disser, se as explicações do governo forem categoricas, estou convencido de que em resultado d'ellas, a paz se restabelecerá e que os ânimos, agora agitados e inquietos, se hão de acalmar.
O melhor modo de resolver esta questão não é a hesitação, a fraqueza, a timidez; é dizer clara, sincera e singelamente a sua opinião, quaesquer que sejam os resultados. (Apoiados.)
Não me cumpre, nem eu quero dizer como se deve sair das difficuldades presentes.
A consciencia dos srs. ministros lhes dirá qual é a melhor de todas as soluções, porque s. exas., sabem bem, e eu não quero discutir agora este ponto, que o procedimento do governo é o principal motor dos acontecimentos que lamentamos. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu não quero de maneira alguma levantar no parlamento uma questão que possa servir de pretexto ao governo para elle se julgar perturbado na solução deste grave assumpto; não quero de maneira alguma embaraçal-o no difficil trabalho a que vae proceder para ver, segundo declarou o sr. presidente do conselho, se resolve o problema pacificamente.
Deixo-o socegado, tranquillo, perfeitamente desassombrado de quaesquer perguntas que possam reputar-se indiscretas ou incommodas; mas digo ao sr. presidente do conselho que lhe cabem todas as responsabilidadea das incertezas, das hesitações, dos equivocos, das promessas, em summa, deste insustentavel systema de expedientes dilatórios a que s. exa. tom recorrido. (Apoiados.)
Termino, declarando ao governo que desde que esta questão assumir o caracter de uma questão de ordem publica, se elle, em quaesquer circumstancias, se achar empenhado na salvação da ordem por qualquer maneira ameaçada, ha de encontrar-me a seu lado, porque não quero imitar os exemplos dos homens publicos e dos partidos que, em epochas não muito distantes, não duvidaram associar-se aos desordeiros que nas praças publicas manifestavam de uma maneira pouco correcta o seu respeito às leis e às auctoridades estabelecidas. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Começarei por me referir às ultimas palavras que acaba do pronunciar o illustre deputado que me precedeu, quando s. exa. nos disse que não queria imitar os exemplos de outros tempos.
É preciso que s. exa. diga claramente quaes são esses exemplos, para eu lhe poder responder. (Apoiados.)
Não estou resolvido a responder a nenhuma insinuação encoberta.
Estou prompto a responder por todos os meus actos, como homem publico; e neste terreno hei de mostrar ao illustre deputado quem é que se engana no assumpto que se discute.
Também eu, pela minha parte, nunca me associei aos desordeiros, nem conspirei contra nenhum governo.
Tenho-me manifestado sempre contra os governos cuja marcha me tem desagradado, mas sempre dentro dos limites da legalidade; sempre tenho usado de manifestações legaes, mas só n'essas, contra as medidas e contra os governos, com quem não tenho estado de accordo.
Se o illustre deputado se queria referir a uma celebre moção, que tanto tem dado que fallar, apesar de ter sido por mim retirada, não chegando por isso a ser votada, (Apoiados) devo dizer que nessa moção julgava eu ainda fazer um serviço ao próprio governo e ao paiz, dizendo que elle não estava nas circumstancias de poder continuar a governar ; que elle não era então útil, nem ao seu partido nem á patria. (Apoiados.)
Eu não estava associado, nem nunca estive a nenhuns desordeiros. (Apoiados.)
O governo de então tinha força material de sobejo para reprimir qualquer manifestação de desordem; o que não tinha era força moral bastante para empregar os meios de repressão, (Apoiados) e para continuar no poder. (Apoiados.) Esse governo caiu, porque a opinião publica lhe era adversa; porque teve contra si uma votação parlamentar e a questão não foi derimida na praça publica, mas sim na camara dos pares, numa camara conservadora, apesar das duas fornadas successivas que o governo lhe introduziu. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, quando se quer fazer historia retrospectiva, é preciso fallar claramente e eu não vejo interesse algum em se chamar a questão para esse terreno.
Mas o illustre deputado, que fallou tão sereno e tranquillo em nome da paz e da ordem, em nome dessa mesma paz e espirito de conciliação não se contentou em fallar da situação presente e veiu lançar-se na política retrospectiva!
Que espirito de conciliação é este, que de similhante modo tenho visto manifestar por varias vezes?
Permitta-me dizer lhe, com o respeito e consideração que tenho pelo illustre deputado, como por todos os membros do parlamento, que não entendi bem o discurso de s. exa. á força de me parecer contradictorio.
O illustre deputado fazendo notar que o sr. presidente do conselho dissera: "que era puramente local esta questão, e que podia ser convertida em uma questão de ordem publica? affirmava que o governo se enganou porque a questão é essencialmente política. Dizia isto o illustre deputado, e ao mesmo tempo acrescentava que a não queria tratar por este lado!
Se a questão é política, não podia s. exa. deixar de a tratar politicamente. (Apoiados.)
Entendâmo-nos bem. Se o illustre deputado chama questões politicas áquellas em que de algum modo póde estar envolvida a responsabilidade do governo, então ha de chamar políticas a todas as questões.
Sempre, felizmente, ha de haver governo nesta terra, seja elle qual for; e sob o consulado desse governo, as questões hão de ser resolvidas e n'ellas ha de estar sempre mais ou menos directamente envolvida a responsabilidade do governo. N'este sentido as questões são sempre politicas.
O governo não se nega a discutir as suas responsabilidades. É para isso que aqui estamos. E se o illustre deputado entende, que o governo concorreu para se levantar a dessidencia entre as duas cidades, Guimarães e Braga, diga-o então francamente. (Apoiados.)
Mas aqui ha duas questões completamente diversas: uma cousa é a responsabilidade do governo, se responsabilidade existe, e outra cousa é o modo de resolver a questão. Comprehendo que se chame questão politica, á responsabilidade do governo, qualquer que ella seja: póde ficar Guimarães com Braga, ou Guimarães póde ir para o Porto; póde ficar resolvida de qualquer forma a questão local,

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em todo o caso fica de pé a responsabilidade do governo. (Apoiados.)
Quando o sr. presidente do conselho disse que a questão era local, referia-se á questão suscitada entre Guimarães e Braga, que de certo não é uma questão politica; questão politica é a responsabilidade que caiba ao governo, e nós estamos promptos a responder por ella.
Para o illustre deputado, era certo que o governo se tinha compromettido com os de Guimarães, mas ao mesmo tempo explicava que a rasão por que o governo nem se quer apresentára a proposta de desannexação era porque não se queria comprometter! (Riso.)
É realmente uma situação que não comprehendo! Se estava compromettido, como é que não queria comprometter-se? Não se entende.
Mas vejamos a questão friamente, como ella deve ser vista. Peço licença para dizer á camara que esta questão tem duas partes; a primeira antes da manifestação de Braga, e a segunda, depois d'essa manifestação. Tem duas partes perfeitamente distinctas e que nenhum de nós póde eliminar. Vamos a vêl-a debaixo d'esses dois pontos de vista.
O que aconteceu?
Guimarães, justa ou injustamente, porque eu sigo a opinião contraria á do illustre deputado quando s. exa. affirma que a melhor maneira de manter a paz publica é tratar logo de dar rasão a uma ou a outra parte; Guimarães, digo, pediu a sua separação, levantando-se energicamente contra os aggravos que dizia ter recebido de Braga, e apresentando aqui uma representação de 3:000 a 4:000 assignaturas, pouco mais ou menus, em que allegava que Braga, por meio da sua imprensa, sem distincção de cores, referindo-se a esta questão, com mais ou menos motejos, dizia: «se querem ir para o Porto, vão, que não fazem cá falta nenhuma»».
N'esta situação, sr. presidente, qual era a posição do governo?
O governo via Guimarães excitada, dizendo que toda a sua vontade e todo o seu interesse era ir para o Porto, e Braga dizia-lhe que fosse, porque não fazia falta nenhuma.
Parece, pois, que, em vista da vontade dos de Guimarães ser conforme, pelo menos na apparencia, com a vontade dos de Braga, e não se manifestando tambem contraria a opposicão, que não dizia uma palavra, o governo devia tomar uma resolução n'este sentido.
E aqui vem agora a proposito referir o seguinte. Muitos dos illustres deputados da opposição têem por vezes cencurado o governo por não ler jornaes; pois d'esta vez eu li-os, mas fui enganado por elles. (Riso.)
Sr. presidente, estes são os factos. O governo, como acabou de declarar o illustre presidente do conselho, não se comprometteu a apresentar projecto algum; disse apenas á commissão de Guimarães, que, se era verdade que os povos de Guimarães queriam pertencer ao districto do Porto, não haveria duvida em lhes satisfazer o desejo, tanto mais quanto Braga se não oppunha.
O governo não viu n'isso inconveniente.
O governo teve a cautela de dizer aos de Guimarães: O que nós precisâmos saber é quaes são aquelles que realmente querem ser desannexados do districto de Braga para irem para o districto do Porto.
Já n'outra occasião se disse que algumas freguezias do concelho de Guimarães queriam ir para o Porto e outras queriam ficar em Braga. Por isso o governo declarou que antes de tudo era preciso ouvir a opinião dos de Guimarães e a opinião dos de Braga, para saber quaes são aquelles que realmente têem vontade de se desannexar e aquelles que a não tem.
Estas foram as circumstancias; foi assim que o governo procedeu, e eu não comprehendo como o illustre deputado que acaba de sentar-se, possa censurar este procedimento tendo elle sido perfeitamente harmonico com o da opposição. E a prova é, que se o governo, durante este periodo que decorreu antes das agitações em Braga, não disse uma unica palavra, não me consta que a opposição, nem na imprensa, nem no parlamento, levantasse tambem esta questão. (Apoiados.) E porque seria?
Seria porque a opposição estivesse esperando saber qual era a opinião do governo, para tomar opinião contraria? Seria porque a opposição precisava saber qual era o mais forte para se encostar para esse lado?
Esses motivos não posso eu acreditar que existissem da parte da opposição, porque seria fazer-lhe uma offensa. Mas se não eram esses os motivos, qual seria a verdadeira causa, em virtude da qual a opposição entendeu, como todos, que não havia nada a fazer no periodo a que me refiro? Manifestava-se a vontade de Guimarães, e a essa não se oppunha Braga; o que havia, portanto, a fazer por parte do governo, foi o que elle fez. (Apoiados.)
Isto pelo que respeita ao primeiro periodo. Vamos ao segundo periodo, que é o da agitação.
Desejo também, como os illustres deputados, que todas as responsabilidades sejam liquidadas, e desejo confrontar n'este caso o procedimento do governo com o da opposição; mas isto claramente, porque estamos aqui para serem discutidos todos os nossos actos, e eu não tenho medo algum d'essa discussão.
Emquanto ao primeiro periodo parece-me que íamos todos de accordo, e esse accordo derivo eu do proprio silencio da opposição, na imprensa e no parlamento; depois é que começaram as dissidencias entre a opposição e o governo; a opposição, pronunciando-se abertamente em favor de Braga, e o governo não se pronunciando nem por Braga nem por Guimarães.
O governo, desde que duas cidades se manifestam assim, tão hostilmente, uma querendo desannexar-se do districto, a outra querendo que ella seja ali conservada, entende que a sua primeira obrigação é promover a harmonia d'essas duas cidades (Apoiados.) e procurar fazer com que ellas fiquem como até aqui, pertencendo ao mesmo districto, vivendo em boa harmonia e em boas relações.
Esse é o principal e o primeiro desejo do governo; e não comprehendo bem, que desde que se levanta uma dissidencia d'esta ordem, entre duas cidades igualmente importantes, o principal desejo da opposição seja aggravar essa dissidencia, pronunciando-se abertamente por uma contra a outra. (Apoiados.)
Sei que é possivel que a dissidencia não acabe, que a desintelligencia continue e seja preciso fazer alguma cousa, seja preciso tomar uma resolução; mas então, é necessario não ser precipitado, e o governo, mais do que ninguem, tem obrigação de o não ser.
É preciso que se prove evidentemente que estão extinctos todos os meios de conciliação entre aquellas duas cidades; e quando não se possa realisar essa conciliação em absoluta conformidade de opiniões e de interesses, é então preciso, porque não póde subsistir o estado actual, procurar o meio de resolver a questão, tendo em vista os interesses de ambas as cidades. Antes de tempo, é que me parece inconveniente exigir-se qualquer resolução. (Apoiados.)
Apresentou-se aqui o projecto de lei do sr. Franco Castello Branco: nem a commissão se reuniu ainda, para dar parecer sobre elle, nem a camara póde ainda por isso pronunciar-se sobre o assumpto, porque o parecer não existe. Se se perguntar a qualquer sr. deputado a sua opinião sobre o projecto, responderá de certo, e com toda a rasão, que o deixe estudar primeiro, para resolver depois.
Porque não ha de fazer o mesmo o governo? Será elle a unica entidade que não tem o direito de estudar? O governo ha de ter por força uma opinião decisiva sobre o projecto apresentado pelo sr. Franco Castello Branco; não ha de ouvir ninguem, nem estudar o assumpto, ha de resolver ás cegas, ou por um lado ou pelo outro?!
Ora, isto é que me parece que não é serio. (Apoiados.)
A primeira obrigação do governo é examinar as circum-

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stancias e proceder em harmonia com ellas, procurando estabelecer a conciliação entre as duas cidades; e quando se convencer que essa conciliação é impossivel, procurar então, e só então, uma solução, que, tanto quanto seja possivel, satisfaça as duas partes.
E isto é tão verdade quanto n'estas questões é preciso estudar todos os interesses, e até não esquecer as rivalidades dos povos.
Já o decreto de 15 de abril de 1869, que tem as assignaturas do sr. marquez de Sá, do sr. Pequito de Seixas e de outros cavalheiros, que são insuspeitos para o illustre deputado e para o seu partido, estabeleceu o principio de que duas terças partes dos eleitores do uma freguezia podem requerer a desannexação d'essa freguezia para outro concelho.
Refere-se, é verdade, a freguezias, mas o principio que se accentua n'esse decreto é o de se dever attender á vontade dos povos. E todavia vem agora o illustre deputado, pretendendo que se decida rapidamente, sem exame, contra a vontade dos povos de Guimarães, que querem ser desannexados, e a favor dos povos de Braga, que querem que aquella cidade continue unida ao districto!
O governo segue melhor caminho; não é por Guimarães nem por Braga; o governo é por uma decisão madura e reflectidamente estudada do assumpto, quando porventura se levantar uma intransigencia absoluta. (Apoiados.)
Mas ha mais alguma cousa.
No relatorio, que precede aquelle decreto, dizia-se que em materia de divisão territorial, e chamo a attenção da camara para isto, era preciso attender a diversissimos interesses, e até a preconceitos não raras vezes injustificaveis. São as palavras d'esse relatorio; e entretanto o illustre deputado não quer que nós tenhamos em attenção cousa nenhuma, quer que decidamos prompta o rapidamente.
Estes é que são os principios do governo, comparados com o procedimento da opposição, antes e depois. A principio guardou ella silencio, parecendo que ia de accordo com o governo; depois, apresentou-se querendo que o governo decida de repente, e imaginando o illustre deputado que para manter a paz publica é preciso que o governo comece por declarar quaes são os vencidos, como se esses vencidos se resignem á voz do illustre deputado!
Realmente, para evitar o derramamento de sangue que o illustre deputado tanto receia, não me parece que seja o melhor meio resolver a questão sem mais exame, antes de esgotados todos os meios de conciliação.
Pois estas divergencias que se levantam entre duas povoações não podem porventura desapparecer, transigindo amanhã aquelles que hoje parecem absolutamente intransigentes?
Será aquella a maneira de o conseguir? Será a maneira do illustre deputado, mas não é a maneira do governo; o governo não procede nem deve proceder assim.
S. exa. disse ainda que esta questão podia ser grave para o governo que succedesse a esta.
Vi apparecer n'estas palavras uma esperança; mas essa esperança morreu de repente, porque logo calculei que se outro governo, a não ser este, tivesse de resolver esta questão, ella de certo não seria collocada em um terreno de tanta intolerancia e tão pouco habil, como, no meu modo de ver, foi collocada pela opposição. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. Exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. José Borges de Faria: - Começo por ler e mandar para a mesa a minha moção de ordem, que é a seguinte:
«A camara, reconhecendo a necessidade da manutenção da integridade do districto de Braga, passa á ordem do dia.»
Como v. exa. vê, esta moção não tem significação alguma politica, nem eu podia vir fazer de uma questão local importante uma questão de politica geral. Estou separado do governo, estou em opposição ao governo, mas não estou ligado a nenhum grupo politico da opposição. Em tempo opportuno darei as rasões por que me encontro n'este lado da camara, e confio que serão cabaes e completas e justificarão o meu procedimento.
N'este momento são outros os meus intuitos, e farei por me conservar dentro d'elles. Não faltará occasião azada para ajuste e liquidação de contas. Eu a procurarei brevemente.
Sr. presidente, eu tenho a honra de ser deputado por Braga e presidente da camara municipal d'aquella cidade, e por consequencia não posso deixar de defender esta questão, tendo obrigação rigorosa de não a collocar no terreno politico, (Apoiados) porque devo sacrificar tudo ao bem estar e á defeza dos interesses da terra que aqui represento e de que sou filho. (Muitos apoiados.)
Só me custa ter de entrar n'esta questão pela situação especial em que me encontro agora actualmente n'esta casa, e por isso desejo tornar bem claro que não me quero apresentar n'esta occasião, difficil para o governo, para liquidar contas com elle, ou para dizer quaes as rasões por que estou collocado na opposição.
Não quero, portanto, desviar a questão do seu caminho.
Pedi a palavra porque desejava fazer ligeiras, mas claras considerações, ácerca de uma questão que vae de certo agitar a camara, como já tem agitado e continua a agitar duas cidades vizinhas e importantes.
Sr. presidente, a cidade de Braga não insultou Guimarães. (Apoiados.) Foram, é infelizmente verdade, insultados por bastantes pessoas, tres cavalheiros de Guimarães, procuradores por esta cidade á junta geral.
O seu faccioso procedimento, contrariando acintemente os desejos de Braga e os desejos de todos os outros concelhos de districto, poderia attenuar esta manifestação reprehensivel e impropria de uma cidade civilisada.
Os insultos foram immediatamente reparados. A camara municipal, a que tenho a honra de presidir, deu immediatamente, por proposta minha, plena e completa satisfação aos cavalheiros offendidos e á cidade de Guimarães; e digo plena e completa satisfação, porque ella foi por unanimidade. (Muitos apoiados.)
No mesmo dia a junta geral do districto de Braga procedeu do mesmo modo, e tambem por unanimidade votou uma moção em que dava plena e completa satisfação a Guimarães e aos seus procuradores.
Portanto, Guimarães devia estar plenamente satisfeita, a não ser que esta illustre cidade se queira manifestar mais intransigente, mais pundonorosa e mais susceptivel do que a fidalga Hespanha ou a poderosa Allemanha.
Todos sabem que por occasião da questão das Carolinas a Allemanha foi insultada pela Hespanha, insultos que podiam abrir um abysmo entre as duas nações; deram-se as satisfações pelas instancias convenientes e a Allemanha ficou satisfeita e o insulto esquecido.
A Hespanha viu Affonso XII assobiado e apupado pela gentalha de Paris, e quando o governo francez acudiu pressuroso dando categoricas e publicas manifestações de pezar por um facto que não podia nem devia ser attribuido á grande cidade, a Hespanha estendia-lhe a mão amiga, e os profundos aggravos ficaram de todo apagados.
Pois Guimarães, guardadas as devidas proporções, está nas mesmas circumstancias; a camara municipal de Braga e a junta geral do districto, que então estava funccionando, escreveram nas actas das suas sessões o seu pezar, e Guimarães parece não ter dado apreço ao procedimento correcto e cordeal d'aquellas corporações, que representam o municipio e o districto.
Sr. presidente, nunca houve antigos odios nem antagonismos tradicionaes entre Braga e Guimarães como o prova o facto de terem sido quasi sempre de Guimarães os governadores civis de Braga.

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Pois então existem odios velhos e rivalidades profundas, e Braga recebe sem protesto, nem manifestações de desagrado, e pelo contrario com benevolencia e respeito, quantos cavalheiros de todas as cores politicas aquella cidade lhe têem mandado como magistrados superiores do districto?
Quem ignora que ha entre as duas cidades intimos e antigos laços de amisade, de relações e de parentesco?
Não têem entrado n'esta camara filhos de Braga eleitos pelos filhos de Guimarães, quando as paixões politicas mais se debatiam?
Poder-me-ía alongar n'este campo e deixar a toda a luz provada a falsa idéa das rivalidades e odios que nunca existiram, e que hoje se invocam como argumento em favor da caprichosa pretensão da desannexação, mas não é esta occasião propria para d'isto se tratar.
Disse o sr. presidente do conselho que Braga esteve pacifica e socegada durante o periodo em que Guimarães esteve agitada.
O illustre presidente do conselho disse a verdade.
Braga procedeu d'esse modo a que alguem chama indifferente porque nunca se convencera que tumultuaria e caprichosamente se fizesse uma nova circumscripção districtal.
Pois um concelho que em grande parte das suas freguezias está a meia hora de distancia ou a uma hora da cabeça do districto a que pertence havia de passar para o districto do Porto, cuja distancia é incomparavelmente maior, só porque os desejos de alguns cavalheiros, por mais importantes e qualificados que sejam, assim o resolveram rapidamente, instantaneamente? (Apoiados.)
Podia Braga agitar-se quando sabia que uma grande parte dos povos de Guimarães estão 4, 6, 8 a 10 kilometros afastados da cabeça do districto, e só pretendia leval-os para o Porto, que fica distante d'esses povos 40, 50 a 6O kilometros? É claro que não. (Apoiados.)
Alem d'isso a maxima parte das relações de Guimarães são com Braga, e não com o Porto.
A cidade de Braga não se convenceu de que realmente podesse haver rasões que actuassem no espirito do governo, e o levassem a apadrinhar a tentativa de uma desannexação a que se oppunham as condições topographicas, as relações antiquissimas e a intimidade em que viviam aquelles dois povos. (Apoiados.)
Braga confiava no alto criterio do governo.
Por isso só se agitou e levantou de um modo verdadeiramente imponente, como o governo sabe, quando o meu antigo amigo e illustre deputado o sr. Franco Castello Branco apresentou aqui um projecto de lei, que frouxamente se justifica no seu relatorio, apesar do brilhante e invejavel talento de s. exa., projecto que se me afigura a continuação ou antes o termo da caprichosa vontade dos cavalheiros vimaranenses arvorados em commissão de vigilancia e resistencia.
Digo e não quero, deixar de repetir aqui que o incidente de Guimarães teve uma unica causa, e que essa causa foi a nomeação e conservação do governador civil de Braga. (Apoiados.) Se em seguida a esse conflicto, que Braga sentiu e contra o qual protestou, o governo tivesse demittido aquelle funccionario, estava tudo acabado, e nem o governo se veria nos apuros em que hoje se vê, nem duas cidades se encontrariam agitadas como estilo. Elle, porém, havia escripto, affirmado e declarado publica e officialmente que só sairia quando quizesse e lá saiu só quando quiz. É verdade, sr. presidente do conselho? (Riso.)
Também este ponto ficará para liquidar mais tarde. Ao sr. marquez de Vallada deve o governo os grandes embaraços de hoje, e ao desleixo do governo devem duas grandes povoações o estado de excitação em que se acham, principalmente Braga, cuja população é muito maior.
Disse o sr. presidente do conselho que foram ouvidos os deputados de Braga d'aquelle districto sobre a pretensão da cidade de Guimarães. Não o nego, mas pela minha parte declaro que não fui ouvido; e faço esta declaração minha para minha defeza; porque se tivesse sido ouvido sobre o projecto e n'elle por qualquer fórma concordasse, não estaria n'este momento a combatel-o, porque seria isso improprio do meu caracter. Sei que mais alguns collegas meus, deputados pelo districto de Braga, tambem não foram ouvidos.
Declaro que sinto bastante ter sido forçado a abandonar os meus amigos e chefes politicos, a quem sempre servi lealmente, e sob cujas bandeiras me alistei logo que entrei na politica, mas os factos são o que são, e foram os factos que a isso me obrigaram; foram esses antigos amigos politicos que me empurraram para este lado onde estou, e estou muito bem.
Disse ha pouco o sr. presidente do conselho que ha de manter a ordem publica. Mas quando o administrador do concelho devolvia ao governador civil officios uns apoz outros, com a declaração do correio de Guimarães de que eram devolvidos porque o destinatario os não queria receber; quando a camara municipal procedia do mesmo modo inqualificavel e attentatorio da lei, não deveria o governo ter procedido com energia? Pois não havia desordem franca e desembuçada dentro da administração do concelho, dentro da camara municipal de Guimarães? Só as arruaças é que são perturbadoras da ordem publica? Que fez o governo? Absolutamente nada.
Alargou mais o conflicto, e vem agora embaraçado e titubiante pedir que o ajudem a salvar a situação que elle proprio creou! (Apoiados.)
Não quero alongar-me em mais considerações, porque não tenho a pretensão de esclarecer a camara; mas não posso terminar sem pedir, para tranquillidade da cidade de Braga, que fique bem consignada a promessa do governo, de que ha de empregar todos os meios de conciliação para conservar as cousas no estado em que estão, isto é, para conservar a integridade do districto, como é justo e necessario.
Ninguem mais ardentemente deseja isto.
Terão o meu voto os que estiverem do lado de Braga. Tudo esquecerei para defender a minha terra o os seus direitos, e eu, que sou o menos republicano possivel, estaria a par do sr. Elias Garcia e dos seus amigos se me dessem o vencimento n'esta questão de justiça. (Riso.)
Não me parece infelizmente que sejam faceis de alcançar esses meios conciliatorios e platonicos, mas se se descobrirem eu serei mais ministerial n'esta questão do que o proprio sr. presidente do conselho, porque o que eu quero é que se resolva a questão de Braga, conservando-se inteiro, como hoje está, o seu districto.(Muitos apoiados.)
Seria uma felicidade; mas eu, sr. presidente, receio que se malogrem todas as tentativas, porque a questão é clara e está posta a não deixar duvidas em espirito algum: de um lado está Braga, que tem justiça, de outro lado está Guimarães, que a não tem.
Braga, segura e forte no seu direito, pede respeitosamente justiça; mantem-se energica mas dentro da lei, e não procede anarchicamente; não corta as relações officiaes; não desconsidera as estações e tribunaes superiores, não se poz fóra da lei, porque um illustre deputado apresenta um projecto para desannexar
Guimarães do seu districto e annexal-o ao districto do Porto.(Apoiados.)
O mais completo e correcto procedimento do governo, devia derimir prompta e abertamente a questão: dar justiça a quem a tem, e Braga é que tem justiça. (Apoiados.)
Eu não quero prolongar esta discussão: não tive pretensões de fazer um discurso; quiz só consignar bem a minha opinião n'esta questão, que se agita aqui e mais se está agitando n'um dos districtos mais ricos e mais importantes do reino.
E agora, se v. exa. me dá licença, mando para a mesa duas representações que enviam a esta camara a camara municipal de Braga e uma commissão de um comicio de

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164 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

estudantes da mesma cidade, a favor da integridade do districto de Braga.
Devo decorar que não entreguei estas representações no primeiro dia em que vim á camara, porque não tive a felicidade de ser ouvido pelo sr. presidente, que teve a amabilidade de me explicar que me não tinha ouvido pedir a palavra.
Se n'essa ocasião tivesse feito uso da palavra, seria o primeiro a desejar saber a opinião do governo sobre este assumpto.
Não quero cansar mais a camara com a leitura das representações, e concluo pedindo que ellas sejam publicadas no Diario do governo.
Assim se resolveu.
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo a necessidade da manutenção da integridade do districto de Braga, passa á ordem do dia. = José Borges de Faria.
Foi admittida.
O sr. Adolpho Pimentel (sobre a ordem): - Começo por ler a minha moção, que é a seguinte:
«A camara, confiando em que o governo saberá manter a ordem publica, e, respeitando a integridade do districto de Braga, não patrocinará qualquer projecto tendente a offender essa integridade, passa á ordem do dia.»
Não venho agora discutir o projecto, que n'uma das primeiras sessões d'este anno o illustre deputado e meu amigo o sr. Franco Castello Branco mandou para a mesa. Quando esse projecto entrar em discussão, combatel-o-hei quanto em minhas forças poder; agora, não, porque julgo que a sua discussão é inopportuna. (Apoiados.)
Não quero, principalmente quando lavra uma agitação grande em duas cidades importantes da provincia do Minho, concorrer para se azedar o debate. Não podia, porém, ficar silencioso, pois desde que este assumpto foi aqui trazido, desde que as cousas estão no estado em que se acham, desde que parece haver uma ameaça imminente sobre a cidade de Braga e sobre todo o districto, onde tenho passado a maior parte da minha vida, e de que tenho a honra de ser um dos representantes n'esta casa do parlamento, cumpria me o dever de usar da palavra para definir bem claramente a minha posição.
Não só a cidade e concelho de Braga, como muitos outros do districto me têem por vezes dispensado irrefragaveis provas de muita, embora immerecida, consideração, bastando para o evidenciar, dizer que já tive a honra de representar na junta geral do districto os concelhos de Braga, Villa Verde, Amares e Barcellos, e que os collegios eleitoraes dos circulos de Barcellos, Villa Nova de Famalicão e Espozende me deram honroso ingresso n'esta camara. Tratando-se, pois, de uma questão, que tão importantemente interessa, não só a Braga, como a todo o districto, a rainha posição devia ser, como é, bem definida a favor da integridade do mesmo districto, desde que este tem pelo seu lado a rasão e a justiça.
Na gravidade das circumstancias actuaes, quando a ordem publica está ameaçada, quando entendo que o governo precisa empregar todos os esforços no sentido de vencer de prompto todas as dificuldades que existem d'aquelle districto, quando o proprio chefe da opposição progressista, o sr. Luciano de Castro, dizia não querer com as suas palavras concorrer para que essas difficuldades augmentassem, na presente conjunctura não devo, nem quero de modo algum difficultar a acção do governo, que é composto de amigos meus, nem deixaria de proceder de igual modo embora elle fosse composto de adversarios.
Não posso deixar de confessar que tenho confiança politica no governo, que é formado por vultos importantes do meu partido, de que todos me honram com a sua estima e alguns me distinguem com a sua amisade particular. Tambem confesso que, embora a lealdade partidarias leve a collocar-me ao lado do governo, se elle patrocinar a causa dos que querem offender a integridade do districto, francamente o digo - me collocarei ao lado dos que defenderem essa integridade.
Apesar de não ser velho, sou, todavia, antigo soldado do partido regenerador; muita gente sabe, amigos e adversarios, que tenho servido com a maior dedicação esse partido. Isso, porém, não obsta a que n'uma questão em que se trata de zelar os legitimos interesses do districto, que tenho a honra de representar n'esta casa, me ponha ao lado do mesmo districto, ainda que contra o governo.
Quando, pois, vier á tela da discussão o projecto apresentado pelo meu amigo, o illustre deputado por Guimarães, tendente a desannexar este concelho do districto de Braga, para o annexar ao do Porto, empregarei todos os esforços dignos para o contrariar, combatendo-o franca, aberta e energicamente.
Este assumpto, como disse, não diz respeito só á cidade de Braga, mas interessa a todo o districto, sendo prova d'isso uma representação da commissão executiva da junta geral, que vou mandar para a mesa acompanhada da copia da acta da sessão da mesma junta geral, em que esta, associando-se á representação da sua commissão executiva e delegada, a honra pela iniciativa por ella tomada de representar contra a desannexação do concelho de Guimarães d'aquelle districto.
Antes de terminar levantarei uma phrase do sr. presidente do conselho de ministros, que poderia não ter grande importancia, mas a que não posso deixar de referir-me depois das considerações que sobre ella fez o sr. deputado que me antecedeu no uso da palavra.
Não fui ouvido pelo governo sobre o assumpto em questão, como deputado pelo districto de Braga, posto que o podesse ter sido, e vir depois combater o projecto aqui, quando elle se apresentasse á tela da discussão, sem com isso proceder menos digna ou menos nobremente. Se eu tivesse sido ouvido pelo governo, ter-lhe-ía dito francamente a minha opinião sobre o assumpto. O governo poderia acceitar, ou não, o meu conselho, aliás insignificante, como insignificantes são os meus recursos intellectuaes. Se o governo acceitasse o meu conselho e procedesse de harmonia com elle, eu defenderia esse seu procedimento. No caso contrario, porém, eu, coherente com a minha opinião, e obedecendo aos dictames da minha rasão e da minha consciencia, combataria lealmente o procedimento do governo, o que na verdade me não seria agradavel, por ser esse composto de homens a que estou ligado politicamente. Combatendo o governo n'estas circumstancias, procederia, creio eu, como os meus collegas por aquelle districto, que foram ouvidos pelo governo.
Não fui, repito, ouvido pelo governo, porque não estava em Lisboa, mas, se o fosse, aconselhal o-ía no sentido de conservar a integridade do districto de Braga. Em todo o caso, ouvido previamente ou não ouvido, sempre que só discutir este assumpto, pôr-me-hei franca e abertamente ao lado dos interesses do districto de Braga. (Apoiados.)
Não querendo agora, nem em tempo algum, fazer avultar rivalidades, se as ha, nem concorrer de um modo directo ou indirecto para o augmento da agitação que ali existe, e confiando em que o governo manterá a integridade do districto, tomando todas providencias e, se tanto for preciso, as mais energicas, para a manutenção da ordem, termino, mancando para a mesa a minha moção, e a representação da commissão executiva da junta geral do districto de Braga, sobre cuja publicação no Diario do governo peço a v. exa. consulte a camara.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma justificação de faltas.
Vae publicada no secção competente.
Resolveu-se que a representação fosse publicada no Diario do governo.

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Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, confiando em que o governo saberá manter a ordem publica e, respeitando a integridade do districto de Braga, não patrocinará qualquer projecto tendente a offender essa integridade, passa á ordem do dia. = 0 deputado, Adolpho Pimentel.
Foi admittida.
O sr. Alves Matheus: - Em harmonia com as disposições do regimento começo por ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
Ouvi com a devida attenção as declarações, ha pouco, feitas tanto pelo sr. presidente do conselho, como pelo nobre ministro do reino.
Confesso sinceramente, que esperando de s. exas. uma resposta explicita, categorica e bem definida sobre o grave assumpto, que se discute, não ouvi senão ambiguidades, evasivas e subterfugios, que não satisfazem nem a Braga nem a Guimarães,(Apoiados.) porque conservam os animos em suspensão e em sobresalto e não são azadas, nem proprias e de molde a extinguir, applacar ou ao menos atte-nuar a agitação, que lavra actualmente n'aquellas duas cidades do norte do paiz. (Apoiados.)
Eu reconheço, que a posição do governo é difficil e embaraçosa, mas foi elle, que pelas suas condescendencias, pelas suas hesitações, pelas suas fraquezas e pelos seus erros, a creou, (Apoiados.) e a occasião não e para evasivas mais ou menos habeis e engenhosas; (Apoiados.) a occasião é grave e obriga a declarações francas e positivas, (Apoiados.) a resoluções promptas e decisivas. (Apoiados.)
Era melhor, era preferivel, que o governo declarasse explicitamente se era favoravel ou desfavoravel ao projecto de desannexação do concelho de Guimarães, apresentado pelo sr. Franco Castello Branco, porque em qualquer dos casos localisava e circunscrevia a agitação a um só dos dois pontos, e com as suas respostas ambiguas faz com que ella permaneça e se alastre e recrudesça talvez nas duas cidades. (Apoiados.)
Ouvi o nobre presidente do conselho referir-se ás antigas rivalidades entre a cidade do Braga e a cidade de Guimarães.
Devo declarar, sr. presidente, que taes rivalidades não têem existido com o caracter de antagonismos irritados; e que se, porventura, as ha, não são um facto novo, e não bastam a justificar o pedido de desannexação.
Em muitos pontos do paiz têem havido e ha rivalidades entre concelhos do mesmo districto e entre freguezias do mesmo concelho, sem que por esta circumstancia os povos se lembrassem jamais de pedir a sua desannexação do concelho ou do districto a que pertencem. (Apoiados.)
Se algumas rivalidades ha entre as duas cidades, não são por parte de Braga, mas sim por parte de Guimarães, porque Braga não tem motivo nem fundamento para ellas.(Apoiados.)
Braga é a capital do districto, e a sede da diocese, e tem no lyceu o primeiro estabelecimento litterario e scientifico d'aquella circumscripção administrativa; por consequencia nada tem que ambicionar a Guimarães.(Apoiados.)
Braga não deprime os monumentos, não menoscaba as glorias nem amesquinha as tradições illustres de Guimarães, porque ellas estão identificadas com a historia do paiz.
Braga contenta-se com os largos e brilhantissimos capitulos de glorias, que tem na sua historia.
Basta-lhe, para sua gloria, ao alvorecer d'este século, aquelle radioso e sympathico vulto de Caetano Brandão, que illustrou o seu governo pelos actos e pelas virtudes mais largas, mais humanitarias e mais christãs.
Basta a Braga a glória de ter dado á Europa e ao mundo o primeiro exemplo das exposições agricolas e industriaes.
Braga não tem que invejar a Guimarães, nem glorias, nem monumentos, nem tradições.
E toda a gente sensata, illustrada e seria da população bracharense faz justiça a Guimarães, ás suas florescentes industrias, ao seu espirito trabalhador, á sua actividade commercial e ao seu amor pela instrucção.
Eu, que vivo ha muitos annos na provincia do Minho, tenho visto os cavalheiros mais distinctos de Guimarães fraternisarem intimamente na vida social com os cavalheiros mais illustres de Braga.
Tenho visto individuos de Guimarães procurarem para esposas virtuosas e distinctissimas senhoras de Braga.
Tenho visto Braga receber e consumir annualmente na importancia de dezenas de contos de réis os productos industriaes de Guimarães e os povos dos dois concelhos manterem contínuas, e quasi quotidianas relações commerciaes sem rivalidades suspeitosas, sem atritos e sem perturbações algumas.
Portanto que significam essas antigas e entranhadas rivalidades? apenas um pretexto para Guimarães insistir na sua annexação ao districto do Porto.
O sr. ministro do reino disse, que Braga, logo que Guimarães se agitou, representando em favor da sua pretensão, se mostrou indifferente e desinteressada e que a sua imprensa declarou, que não lhe importava, que Guimarães fosse para o Porto, e ao passo que isto succedia, a cidade de Guimarães mostrou-se concorde e unanime em pedir a sua desannexação do districto de Braga.
Logo, concluiu s. exa., havendo de um lado estas unanimes manifestações e do outro uma completa indifferença, o governo não podia nem devia oppor-se aos desejos de Guimarães. Não obstante, a fórma engenhosa que s. exa. deu e sabe dar sempre á sua argumentação, não tem esta valor algum.
Braga conservou-se indifferente porque nunca se persuadia, que pretensão tão desarrasoada encontrasse protecção e favor por parte dos poderes publicos.
Era possivel, que a cidade de Braga se convencesse de que o governo haveria de sanccionar um absurdo geographico, e de que estando o concelho de Guimarães, na sua maxima parte, encravado em territorio do districto de Braga, se consummasse com o seu apoio uma tal desannexação? Em Braga tambem se não pensava que o governo se prestasse a consagrar um precedente, que havia de abrir a porta a um desmembramento de toda a actual organisação administrativa, e lançar em toda a parte uma sementeira de lutas e conflictos entre os povos.
Eis bem patente e bem clara a rasão porque Braga esteve tantos dias n'esse estado de indifferença; eis o motivo, e bem sensato é elle, porque acreditou sempre na integridade do districto.
Não suppunha, nem podia conjecturar, que a tentativa da desannexação de Guimarães podesse ser patrocinada pelo governo.
O sr. Barjona de Freitas lembrou o decreto do ministerio Sá-Vizeu, que, em homenagem ao principio liberal da vontade dos povos, permitte que, havendo dois terços dos habitantes de uma freguezia que queiram annexar-se a outro concelho, se possa realisar essa annexação. Mas esqueceu-se s. exa. de dizer, que esta faculdade de desannexação é por aquelle decreto permittida apenas ás freguezias, e não aos concelhos, (Apoiados.) e não considerou tambem o illustre ministro que o partido regenerador, logo depois da publicação d'este decreto, lhe fez uma opposição energica e constante, e depois d'isto serve-lhe esse decreto de argumento!!!(Muitos apoiados.)
Sr. presidente, o governo diz que vae estudar a questão! Mas, as assuadas succederam no dia 28 de novembro, Guimarães tem estado desde então em agitação continua, não faltaram aos srs. ministros informações para ajuisarem

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da desannexação e apreciarem o conflicto, e este ingénuo governo diz agora que vae estudar a questão! (Muitos apoiados.) Vae estudar um facto de que tem, ha muito, cabal conhecimento; um facto que devia solicitar logo a sua attenção e o seu exame,(Apoiados.) um facto em que se filia a apresentação de um projecto de alta importancia, e de cuja responsabilidade não póde o governo resgatar-se, porque é difficil acreditar-se que um deputado tão intelligente e tão avisado, como o sr. Franco Castello Branco, e ao mesmo tempo partidario dedicado do governo, apresentasse um projecto d'esta ordem e d'esta gravidade, sem se entender com o governo,(Apoiados.) e sem ter a certeza de que elle lhe daria o seu appoio.(Apoiados.)
Alem d'isso, ha outra circumstancia mais ponderosa e de mais valor ainda, e é a de o governo se haver compromettido positivamente em favor da pretensão desannexionista.
Sr. presidente, não é hoje patente, no publico, incontroverso em Guimarães, que a commissão vimaranense de regresso áquella cidade, declarou, que o governo se havia compromettido a apoiar a sua pretensão? Posso ou devo eu duvidar da palavra honrada d'estes cavalheiros? É-me licito acreditar, que n'uma questão d'esta gravidade fossem enganar e ludibriar os seus conterraneos?
Alem d'isso sr. presidente, ha outro facto mais grave ainda. Passado o dia 28 de novembro de 1885, a camara municipal de Guimarães rompeu as suas relações officiaes com o governo civil de Braga, e portanto com o poder central; e o governo que fez perante este facto de rebellião e anarchia? Ficou completamente indifferente e não tomou providencia alguma!
E a camara ao passo que teimava, persistia e porfiava n'esta situação anarchica, declarava que emquanto não se convencesse de que o projecto de desannexação seria aprovado, não restabelecia as suas relações com o governo civil de Braga.
Essas relações estabeleceram-se ha poucos dias e eu tenho rasões para acreditar, que a promessa formal feita pelo governo, de favorecer a approvação do projecto da desannexação, foi a condição e o preço da submissão da camara de Guimarães, (Apoiados.)
O governo em vez de levantar bem alto o principio da auctoridade, em vez de fazer acatar pelos meios e pelas providencias, que tinha de sua parte, a legalidade offendida, em vez de pôr cobro desde o seu principio a um acto de rebellião, o que fez? Fez d'esta rebellião um objecto de trafico, (muitos apoiados) e de mercancia politica, exautorou o poder (muitos apoiados), acceitou como bom um facto que é um precedente perigoso e de funestas consequencias, porque qualquer camara, qualquer povoação, póde ámanhã adoptar os mesmos processos para arrancar ao governo qualquer concessão, por mais injusta que ella seja.
O governo em vez de ser, n'esta grave contenda, arbitro imparcial e pacificador sereno, declarou-se desde o seu principio, parcial e partidario de um dos contendores. (Muitos apoiado.)
E é agora que vae estudar a questão.(Apoiados.)
Agora o governo reconsidera, vacila e recua, renega os compromissos contrahidos com a commissão de Guimarães e prepara-se tambem para a desamparar e lhe voltar as costas.
Porque é isto? Porque têem medo de Braga, que é mais forte.
É uso, systema e pratica d'este governo atropelar e esmagar as fraquezas, que não podem luctar, e fraquejar e recuar em presença dos fortes. (Muitos apoiados.) que sabem impor-se e resistir.
É preciso, que se liquidem e apurem bem as responsabilidades do governo n'este negocio; não pense o governo que se furta a ellas, demittindo agora e tão tardiamente o seu predilecto e estremecido governador civil. (Muitos apoiados.)
Eu lamento mais do que ninguem as assuadas e tumultos occorridos em Braga na tarde de 28 de novembro ultimo e só estivesse na minha mão concorrer efficazmente para que se realisasse uma conciliação decorosa e digna para todos, teria isso como um da factos mais jubilosos da minha vida. Resido em Braga ha vinte e dois annos, e a esta nobre o hospitaleira terra devo em grande parte a modestissima posição que pela primeira vez occupei n'esta casa em 1869, devolhe taes e tão generosos testemunhos de affecto, de benevolencia e estima, que comparando-os com os meus apoucados merecimentos, só posso pagar-lhe, confessando que tenho muita honra em declarar-me seu filho adoptivo e sempre disposto e determinado a advogar o defender com decisão os seus legitimos interesses.
Eu, sr. presidente, não sou inimigo de Guimarães, não tenho contra esta nobre e laboriosa terra nem sombra de resentimento; prezo-me e honro-me da amisade, com que me favorecem os mais distinctos e qualificados cavalheiros d'aquella cidade e para não ser nunca hostil a Guimarães basta-me a recordação muito grata da esclarecida e fidalguissima casa de Villa Pouca, onde tantas vezes recebi do seu ultimo e honrado representante, com a mais bizarra hospitalidade, provas da mais franca, da mais cordeal e affectuosa amisade.
Mas acima das considerações, que tenho pela cidade de Guimarães, está a consideração que devo á verdade e esta hei de dizel-a lisa, inteira como m'a dictam e m'a inspiram a minha rasão e a minha consciencia.(Apoiados.)
A cidade de Braga não tem responsabilidade alguma nos deploraveis acontecimentos de 28 de novembro. E sabe v. exa. a rasão principal porque Braga se move, se agita, e se levanta em grandiosas, imponentes e respeitaveis manifestações?
Não é tanto para acudir pela legitima defeza dos seus interesses, e principalmente porque a aflige, a magoa, a offende a idéa traduzida no projecto do sr. Franco Castello Branco, de que foi ella que se tornou incompativel com Guimarães.
Braga reputa uma injustiça atroz, flagrante, pungentissima, lançarem-lhe e attribuirem-lhe responsabilidades que ella logo, nobre e promptamente, repelliu de si.(Apoiados.)
Vou ler a esta camara dois documentos, que sobejamente provam esta minha asserção.
D'esses documentos, o primeiro e a acta da junta geral do districto lavrada em 30 de novembro de 1885.
É a seguinte:
(Leu.)
É preciso notar á camara, que esta acta está assignada por quatro procuradores de Braga.
Ha um outro documento igualmente significativo e importante; é a moção em que a camara municipal de Braga, reunida em sessão extraordinaria, reprova e lastima as factos tumultuarios de 28 de novembro.
A moção consignada na acta é a seguinte:
(Leu.)
São dois documentos procedentes das duas primeiras corporações do districto de Braga, um da junta geral do districto e outro da camara municipal; se n'estes documentos, se n'estas manifestações, não está a expressão e o traslado do sentimento e das opiniões de uma cidade, não sei que outros mothodos, que outros processos, ou fórmas mais categoricas e mais expressivas possa haver, para ella se isentar de quaesquer responsabilidades, que queiram attribuir-lhe. (Apoiados.)
É um facto sabido por nós todos, que nas mais civilisadas cidades da Europa, têem havido motins, assuadas e tumultos, com caracter mais ou menos sedicioso e aggressivo e nunca ninguém se lembrou de as deslustrar com a responsabilidade de taes factos.
Braga acudiu immediatamente pelos seus brios e pela sua dignidade, deu as satisfações mais cabaes e mais cavalheirosas e, no emtanto, o que fazia o governo?!

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O governo ficava espectador indifferente, inerte, silencioso e impassivel d'estes acontecimentos, deixou que a agitação medrasse, crescesse e se agigantasse em Guimarães a proporções extraordinarias; deixou alastrar,
accentuar-se, desenvolver e progredir a propaganda de desannexação; deixou arder e chammejar os combustiveis d'este incendio, sem nada fazer; procedeu como o homem que, em presença de um incendio e tendo á mão agua sufficiente para o extinguir, se quedasse indifferente a ver as labaredas romperem cada vez mais intensas e só n'este ponto cuidasse de o apagar.
O governo fez mais ainda; tolerou que acampasse em Guimarães, durante muitos dias, a anarchia official, mais perigosa e infesta do que as arruaças da multidão anonyma, que tumultua e vocifera temulentamente pelas ruas e praças publicas.
O governo podia ter apagado logo este incendio, podia resolver o conflicto em sua nascença com um simples acto, com dois traços de penna, com a demissão do seu delegado de confiança; (Apoiados.) com essa demissão Guimarães dava-se por satisfeita. Mas a triste verdade é que o sr. marquez de Vallada tornou-se uma potencia enorme, um verdadeiro potentado perante o sr. Fontes e perante os seus collegas.
Este governo, forte e impavido, este esforçado e excelso governo, que não tem medo dos pobres guardas fiscaes, que por serem fracos e desvalidos mais merecem a contemplação dos poderes publicos, que não tem medo da derrocada financeira que nos ameaça, e cujos primeiros estremecimentos começam de sentir-se, teve medo do sr. marquez do Vallada!
Não contente com a sua nomeação, em que os mais severos, mas não eu, viram a photographia d'elle governo, insistiu, teimou, e porfiou em o conservar á frente d'aquelle districto e nem se resolveu a demittil-o depois d'aquella celebre carta de galhofeira memoria, de que lerei um trecho.
Vozes: - Leia, leia.
O Orador: - O periodo é o seguinte.
(Leu.)
Veja a camara esta linguagem altiva e arrogante! «Hei de ser governador civil de Braga em quanto eu quizer!» Em vez de ser o governador civil, que tem a confiança do governo, é, por uma singular deslocação de situações, o governador civil quem dispõe d'essa confiança e manda imperativamente no governo.
O governo conserva-o, sabendo, que elle era em Braga um elemento dissolvente no seio do seu proprio partido; conservou-o a despeito de um memoravel telegramma, que por occasião da eleição de pares mandaram ao sr. Fontes ou ao sr. Barjona de Freitas os deputados do districto, felicitando-o pelo resultado da eleição, e declarando, que lamentavam, que o governo o conservasse ainda n'aquelle logar; conservou-o apesar da hostilidade de todos os partidos e da insurreição geral dos proprios partidarios do governo; conservou-o apesar de tudo e contra todos. (Muitos apoiados.)
Que laços fortes, intimos e mysteriosos são estes que prendem o governo áquelle funccionario?(Apoiados repetidos.)
Eu poderia no meu interesse politico folgar por ver o sr. presidente do conselho tão estreitamente unido ao sr. marquez de Vallada; mas sinto uma profunda e desconsoladora tristeza vendo o governo do meu paiz preso e encadeado n'esta solidariedade tenebrosa, porque é incomprehensivel.(Muitos apoiados.)
Que laços e que vinculos são esses?
Terá força, auctoridade e prestigio um governo, que tudo subordina e sacrifica e até os interesses da ordem publica á conservação do sr. marquez de Vallada?
Que responda o criterio da camara e a consciencia do paiz.(Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muito srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, lamentando que o governo não tomasse as providencias necessarias para resolver o coflicto levantado entre as cidades de Guimarães e Braga, passa á ordem do dia. - O deputado, Alves Matheus.
Fui admittida.
O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, hoje menos do que nunca me levanto n'esta casa com a pretensão de fazer um discurso, e ainda pela mesma rasão não acompanharei o illustre orador que me precedeu, nas muitas divagações da sua fertil imaginação. É que daqui a pouco o telegrapho e o correio transmittirão ás duas cidades do Minho as vehementes apostrephes e as apaixonadas declamações dos oradores, e eu julgo, que n'este momento, na situação melindrosa a que as cousas chegaram, importa a todos aconselhar e proceder com serenidade e frieza, não aggravando um conflicto que é por ora de duas cidades, mas que amanha poderá ser do paiz inteiro. (Apoiados.)
Bem estimaria não ter de usar da palavra, visto que o meu projecto de lei não está em discussão. Mas as repetidas allusões pessoaes que no decorrer d'este debate me têem sido dirigidas, o facto de haver partido da minha iniciativa o projecto para a desannexação e a necessidade pundonorosa de rectificar e corrigir mais de um facto ou de uma consideração, apresentadas pelos illustres deputados Borges de Faria e Alves Matheus, não me permittiram a satisfação de similhante desejo.
Não tendo, pois, a pretensão de fazer um discurso, direi apenas unicamente aquillo a que a minha posição especial n'este debate me obriga, tão serena e tranquillamente quanto me for possivel, e desejando bem que o exemplo seja de proveito para todos os oradores que se seguirem.
A camara sabe já, pois que o acaba de ouvir, tanto ao sr. presidente do conselho como ao sr. ministro do reino, qual a missão que o governo se impoz perante o conflicto das duas cidades minhotas. Vae primeiro que tudo desempenhar o papel de pacificador. E, socegados os espiritos, varridas as paixões, espera encontrar um meio conciliatorio para os interesses e pedidos antagonicos das duas partes contendedoras.
(Com amargura.)
Oxalá que seja muito feliz! Oxalá que o governo,, incutindo se d'este papel de Paris na contenda tambem de duas formosas, seja mais afortunado que o heroe mythologico, e que de não tomar hoje e desde já a posição que deve, não lhe resultem maiores dissabores e mais intrincadas difficuldades.
Quanto a mim não tenho interesse proprio, não tenho interesse individual na resolução de similhante pleito; não pertenço a uma nem a outra cidade, não sou de Braga, nem nasci em Guimarães.
Veria pois, com agrado, que os meus eleitores, perante os quaes mo comprometti solemnemente, procedessem de maneira a livrar-me de tão rude encargo. Emquanto porém o não fizerem, o cumprimento do dever sagrado impende sobre mim.
A camara conhece bem a minha dedicação politica pelo gabinete.(Muitos apoiados.) E sabe como não me tenho poupado em quasi todas as discussões, acompanhando os membros do governo nas suas responsabilidades, e repellindo com elles energicamente as arremettidas da opposição.(Muitos apoiados.)
Espero continuar n'esta mesma posição, que é tão grata aos meus sentimentos, quanto conforme aos meus principios.
Mas n'esta questão especial, todos comprehendem de certo, que a minha dignidade, a lealdade para com os meus eleitores, e responsabilidade que sempre tomo de todos os meus

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actos, me obrigam a defender o a propugnar pela approvação do projecto que apresentei, seja qual for o resultado da missão do que o governo só incumbiu e quer desempenhar.
Mas a minha dedicação ao bem publico é tanta, a minha boa vontade é tão grande, que eu estou prompto, e desde já, a acceitar o meio de conciliação insinuado pelo sr. Alves Matheus, illustre campeão da causa de Braga, cuja palavra sonora e eloquente a camara acaba de ouvir.
E acceito-a desde já e francamente, porque o unico sacrificado ao bem estar das duas cidades serei eu, e a, mim apraz-me muito um tal sacrificio!
Pois não disse s. exa. que Braga se affligia, não das perdas e prejuizos provenientes da desannexação, que, pequenos ou grandes, a sua altivez e nobreza desdenham, mas sim do meu relatorio a apontar como sendo a culpada e a criminosa?
Pois bem, farei amende honorable perante a camara e perante o paiz, confessarei contricto os meus erros, rasguemos o relatorio sacrilego, mas, em troca, Braga consentirá na desannexação.(Riso.)
Deixem-me ir Guimarães para onde o seu coração o chama, e vinguem-se no relatorio e no projecto, que eu perdoo desde já as injurias.
Só uma cousa me podiam ainda fazer; era lêl-o detida e cuidadosamente, antes de o condemnarem ás penas eternas.
Pois não viram os illustres deputados, como eu passo de leve sobre os acontecimentos do dia 28 de novembro, n'esse relatorio tão detestado? E se o viram, porque me não imitam profundando o menos possivel occorrencias lamentaveis, indignas do qualquer defeza, que eu não quero por fórma alguma descrever agora irritantemente, nem o farei nunca sem provocação dos meus adversarios, tanto mais que, apesar de toda a sua gravidade odiosa, só constituem a causa proxima do conflicto?
A causa remota e principal é outra, torno hoje a affirmal o.
E os factos que dia a dia a produziram acham-se esboçados nos traços breves e geraes do relatorio do projecto, como é proprio de um documento, em cuja discussão se podem e devem desenvolver as rasões apenas enunciadas com o simples intuito de pôr em evidencia um mal estar antigo, uma doença constitucional ás duas cidades, que o mais ligeiro incidente basta para levar a um periodo agudo de animadversões e rancores.
Mas se os acontecimentos do dia 28 são tão pouco da responsabilidade dos habitantes de Braga, para que se affirmou o contrario na sua imprensa?
Merece esta menos credito, ou têem tão pouco valor os seus orgãos na localidade?
Pois a imprensa, tantas vezes aqui saudada como um sacerdocio augusto pelos deputados opposicionistas, quando ella é contraria ao governo, que pretendem fulminar, só é mesquinha e insignificante n'esta occasião?
Pois não sabem todos aquelles que mais ou menos têem acompanhado esta questão, que os jornaes de Braga diziam, que mais de duas mil pessoas, de todas as classes e condições, tomaram parte na arruaça aos procuradores por Guimarães?
Eu queria antes acreditar o que o illustre deputado me affirma, mas os jornaes disseram outra cousa, e foi a sua linguagem que maior impressão de desgosto e de irritação produziu nos offendidos.
Quando se discutir o meu projecto, será então a occasião propria de ler acamara alguns jornaes de Braga, onde os acontecimentos foram relatados, para que ninguem ouse duvidar das minhas palavras.
Tomem-se hoje muito embora estreitas contas ao governo das suas responsabilidades na questão, se é que algumas tem.
Mas não discutâmos um projecto de lei que nem parecer tem da respectiva commissão, nem prejudiquemos com discussões irritantes a harmonia que todos pretendemos estabelecer entre duas cidades do reino.(Apoiados.)
O que, porém, não posso deixar de repellir com a indignação merecida, é a insinuação de que apresentando o meu projecto, obedeci apenas ao desejo de satisfazer caprichos de algumas pessoas de Guimarães.
Os que me conhecem far-me-hão de certo a justiça de acreditar, que tenho uma mais alta comprehensão dos meus deveres como deputado da nação e bastante respeito por mim proprio para subordinar os meus actos a um criterio bem mais superior. (Apoiados.)
Fui a Guimarães, com conhecimento do governo, mas sem missão nem commissão de qualquer ordem.
Fui para satisfazer a um pedido instante dos meus eleitores, que me queriam contar os seus aggravos, e dar-me a consideração de os ouvir.
Parti com sinceros intuitos de paz e conciliação. Esse seria o interesse do paiz, e o meu proprio interesse. Nem eu ignorava que esposando as pretensões de Guimarães, ganharia anthipathias em Braga, o que de certo não é do invejar, nem que me iria comprometter n'uma lucta, em que as minhas commodidades e o socego de espirito, tão apreciado por quem trabalha, seriam fatalmente sacrificados.
N'esse sentido me pronunciei com as pessoas mais estimadas e consideradas em Guimarães. Resisti ainda, quando fallei pela primeira vez n'um numeroso comicio, convocado expressamente para eu conhecer a opinião dominante em todo o concelho.
Longe de irritar acalmei, fazendo ver que, estranho inteiramente á localidade, eu não podia ser juiz dos seus interesses como das suas commodidades: não era nem seria contribuinte em Braga ou no Porto, não haveria de tratar os negocios de administração districtal, quer n'uma parte quer na outra.
Como representante, porém, do circulo em côrtes, não me podia esquivar, nem mo esquivaria, de certo, a representar no parlamento os seus interesses, e a sustentar os seus direitos.
Se a desannexação collide com os interesses geraes do paiz; se a remodelação administrativa por ella operada nos districtos do norte é justa e racional; se a existencia do districto de Braga é compromettida por tal facto, circumstancias são essas, que só por occasião de se discutir o projecto analysarei, mas que então, como hoje, me pareceram de facil explanação.
Agora só direi, que nunca assisti a manifestação de vontades mais unanime, mais enthusiastica, mais persuasiva, do que aquella com que no comicio foi acolhida a promessa da apresentação do projecto.
Os vivas, os bravos, as vozes de vamos para o Porto rebentaram calorosos e ardentes. Pela mesma fórma eu fôra, já acolhido na chegada, em todas as das da cidade, por mais de 8:000 ou 9:000 pessoas.
Póde ser que eu obedecesse a caprichos, mas o que eu posso affirmar sem o menor receio de contestação, é que elles não foram de alguns habitantes de Guimarães, mas os de todas as classes, e até do todos os partidos politicos d'aquella terra.
E não se julgue que só a paixão, o vivo sentimento despertado pelo aggravo do dia 28, determinou tão energica e firme resolução.
Bastará saber-se que o concelho de Guimarães não tem um palmo de estrada construido á custa do districto, e que de um grande emprestimo districtal contrahido, nem 5 réis se gastaram com os melhoramentos e engrandecimentos d'aquelle concelho.
Engana-se pois quem pensar que se podem conservar as cousas no estado actoal.
O sr. Alves Matheus não póde avaliar a agitação que

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Lavra em Guimarães, porque a não viu. E vae muito do vivo ao pintado. Eu imagino do que se passa em Braga, pelo que vi na outra cidade: sem isso eu dar-lhe-ía bom pouca importancia.
Comprehendo portanto que seja perigoso para a ordem publica o pronunciar-se n'este momento o governo, categorica e irrediavelmente pelas pretensões de uma ou de outra cidade. Em ambas lavra o mesmo fermento de agitação, e a que fosse preterida não supportaria impassivel as consequencias de um tal facto.
Ninguem acreditaria na justiça do julgamento, e a paixão veria apenas n'elle um imperdoavel aggravo.
Devo admittir o expediente como prudente e avisado.
E quem me acabou de demover n'esse sentido foi o sr. Luciano de Castro.
S. exa. quer que o governo se decida prompta e abertamente por nós ou contra nós, a fim de que o sangue não corra ámanhã nas ruas de uma das duas cidades.
Ora eu tenho pela intelligencia, saber e tino politico do illustre chefe do partido progressista o maior respeito e a mais subida consideração; desejaria, pois, que elle completasse a sua opinião, indicando qual o meio immediato e seguro para o governo conseguir isso, decidindo-se desde já por um ou outro lado categoricamente! Francamente não o vejo e creio que s. exa. não o conhece tambem (Apoiados.)
Não posso ficar contente e satisfeito com a resposta do governo, mas comprehendo que nem os homens que ali estão sentados, nem outros quaesquer em seu logar quizessem por agora decidir-se de outra fórma.
Não trato agora de rectificar nem de ratificar o que referiu o sr. ministro do reino, quanto aos factos passados entre a commissão vimaranense e o governo. S. exa. é um cavalheiro, e tem de certo um extremo cuidado em conservar intacto os seus creditos de homem probo e sisudo. Qualquer divergencia pois entre o que s. exa. disse, e o que a minha memoria conservou a respeito de tal acontecimento, se existe, é de certo o equivoco sem intenção, e que tanto póde ser de s. exa. como de mim proprio. Os membros que compunham a commissão hão de ter conhecimento das declarações do sr. ministro, e opportunamente se dará qualquer explicação, se d'ella houver necessidade.
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - Não admitto que a opposição queira tirar das minhas palavras outra intenção do que aquella que eu lhe quero dar.
Repito, e com a precisa firmeza, não gosto de fazer insinuações, não as costumo fazer, e em questão tão séria e grave como esta, seria improprio dirigil-as por maneira a evitar a devida responsabilidade.(Apoiados.)

as, sr. presidente, o que eu acho sobremaneira divertido e interessante, é querer-nos fazer acreditar o illustre deputado e eloquente orador, o sr. Alves Matheus, que a cidade de Braga se conservou tranquilla e indifferente perante a agitação de Guimarães, porque nunca imaginou que as pretensões de Guimarães podessem encontrar favor nos poderes do estado.
Confiada na sua força, que lhe importava o direito dos outros?
Eu desejo conservar a maior tranquillidade, a maior isenção, em tudo o que possa referir-se ás duas cidades rivaes. Não hei de ser eu quem aggrave mais o conflicto com quaesquer considerações imprudentes.
No emtanto, visto que nos aggridem, forçoso é defendermo-nos.
Braga não se conservou simplesmente tranquila e indiferente; foi tambem desdenhosa e motejadora. É que mais uma vez ella acreditava piamente que a pretensão do Guimarães, a ultima e a mais cara, seria ainda esmagada, como o fôra sempre, nas questões da directriz do caminho de ferro do Minho, na do prolongamento do caminho de ferro da Povoa, nas resoluções da junta geral do districto.
Não lhe deu, portanto, cuidado a affronta soffrida, e na linguagem dos seus jornaes, descomedida e insultante, traduzia o seu intimo pensar. (Apoiados.)
E por esta fórma que o offensor faz esquecer o aggravo? O governo, disse o illustre deputado, é o culpado de tudo, por não haver tentado opportunamente a conciliação, hoje tardia.
Eu respondo-lho que a imprensa de Braga concorreu mais do que ninguem para agravar uma affronta já de si gravissima. (Apoiados.)
A camara municipal e a junta geral lamentaram as occorrencias do dia 28 de novembro. É verdade. Mas fizeram-n'o por fórma que muita gente acreditou, e em Guimarães foram todos, que a satisfação fôra apenas um pretexto para verberar e censurar uma auctoridade geralmente detestada no districto inteiro.
Havia um meio mais proprio, houve uma occasião mais opportuna de dar a Guimarães uma satisfação proficua e condigna da affronta immerecida.
No dia 29 de novembro, que foi o dia seguinte áquelle em que os aggravos se realisaram, houve um mecting popular na cidade de Braga.
Ali se discutiu e tratou o que era do interesse proprio da cidade, aquillo que então constituia a sua questão capital, e fôra, ainda que indirectamente, o pretexto para a arruaça, a creação das cadeiras para o lyceu.
Pois não era natural, não teria sido um procedimento generoso e leal, que n'esse meeting alguém tivesse proposto que se désse uma satisfação a Guimarães, renegando-se a responsabilidade dos factos commettidos na vespera, e encarregando-se uma commissão de ir áquella cidade participar similhante resolução? (Apoiados.)
Por esta fórma estou convencido de que os justos ressentimentos de Guimarães se teriam acalmado.
Assim o procedimento teria sido nobre e alevantado.
Quando o povo offende, é o povo que deve tambem dar a satisfação.(Apoiados.)
É essa a satisfação que chega ao coração d'aquelles que experimentaram a offensa e o aggravo.(Apoiados.)
Por de mais temos nós discutido um projecto de lei que não está ainda em discussão.(Apoiados.)
Eu mesmo tenho tomado mais larga parte e maior calor no debate do que fazia tenção, mas, visto que a causa de Guimarães não tem por ora n'esta casa outra voz que a defenda, era preciso que ao menos se restabelecesse a verdade dos factos.
Concluindo tenho a declarar, que aguardarei os resultados dos esforços do governo para se chegar a uma transacção honrosa, e a uma justa conciliação de interesses entre as duas cidades em lucta.
Mas se, pelo decorrer do tempo, eu me persuadir que em logar de meios dignamente conciliatorios, se empregam apenas expedientes dilatorios, com o mesmo esforço e a mesma energia com que costumo defender o governo, hei de obrigal-o a uma resposta categorica, franca e decisiva, como é do dever do governo, e indispensavel para todos nós.(Muitos apoiados.)
Concluo mandando a minha moção de ordem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, ouvidas as explicações do governo, passa á ordem do dia. = O deputado, Franco Castello Branco.
Foi admittida.

O sr. Antonio Candido (sobre a ordem): - Instou com o governo para que declarasse se estava resolvido a proteger as pretensões de Guimarães, ou se queria dar rasão

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170 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

aos de Braga. N'este sentido apresentou uma moção sustentando-a com largas considerações.
(O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem.

A camara, no interesse da ordem, convida o governo a declarar a sua opinião sobre o projecto do sr. Franco Castello Branco e passa á ordem do dia. = O deputado, Antonio Candido.
Foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, o governo sabe cumprir o seu dever e não precisa que o illustre deputado lh'o ensine.(Apoiados.)
O governo não está aqui apresentando evasivas e hesitações.
O governo tem a sua opinião formada e já a apresentou á camara. Se não é a opinião do illustre deputado e de seus amigos, não temos culpa d'isso.
Já disse e repito, que a opinião do governo é que não devemos resolver sob o impeto das paixões.(Muitos apoiados.)
Trata-se de achar uma formula pela qual as duas cidades de que nos occupâmos, possam entender-se e conciliar-se, sem prejuizo dos interesses de nenhuma d'ellas.(Muitos apoiados.)
Esta é a opinião do governo; não é a opinião do illustre deputado, bem sei, mas eu não sou obrigado a seguir opiniões alheias.(Muitos apoiados.)
Quereis vós porventura que esmaguemos Guimarães para salvar os interesses de Braga? Não, porque entendemos que seria isto um pessimo serviço feito ao paiz. (Muitos apoiados.)
Quereis que vamos esmagar Braga para satisfazer a Guimarães? Não, porque tambem entendemos que é igualmente um pessimo serviço feito ao paiz. (Muitos apoiados.)
A nossa opinião é que devemos recorrer aos meios suasorios, a todos os meios de conciliação. O que nós entendemos é que esta questão não deve ser resolvida por meio da força, por um acto de á ultima hora, quando apenas faltam cinco minutos para o encerramento da sessão. Sem se ter examinado o projecto do sr. Franco Castello Branco, sem o parecer da commissão, quer o illustre deputado que o governo apresente immediatamente a sua opinião? Não posso, nem devo.(Muitos apoiados.)
Entendamos-nos bem. O governo é o responsavel por todos os actos praticados até agora? O governo é o responsavel por esta situação? É n'este terreno que o illustre deputado põe a questão? Muito bem. E onde tem estado a opposição até agora?(Muitos apoiados.) Desde que se abriu a camara, porque é que a opposição não apresentou as suas opiniões? porque não fulminou o governo? porque esperou que Braga a precedesse? (Muitos apoiados.)
E é n'este momento, ao fechar da sessão, que o illustre deputado quer que declaremos a nossa opinião? (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Isto é que não é serio. (Muitos apoiados.)
Pois o illustre deputado, cuja voz eloquente eu ouço sempre com grande satisfação, que nunca recebeu de mim senão louvores, mas que me tem constantemente affrontado, quanto póde, na tribuna parlamentar; o illustre deputado, que declara ainda ha pouco que esta questão é irreductivel, como é que quer que ella se resolva agora, em cinco minutos?! (Muitos apoiados. - Vozes: -Muito bem.)
O governo não podia intrometter-se na lucta lançando o peso de sua auctoridade na balança, quando se tratava de servir interesses tão importantes. (Muitos apoiados.)
O governo não occulta ter manifestado á commissão de Guimarães que a sua tendencia era a favor da separação.
Tenho a hombridade bastante para o declarar ao parlamento; (Muitos apoiados.) mas o que é certo é que n'essa occasião Braga não tinha fallado.
Querem os illustres deputados que eu lhes leia n'um jornal que é seu partidario, O primeiro de janeiro, os trechos dos jornaes de Braga que todos os dias insultavam Guimarães, e lhe diziam que podia separar-se quando quizesse porque não fazia falta? (Apoiados.)
Era esta a situação quando o governo declarou que não teria duvida em attender á pretensão de Guimarães.
Pois os de Braga não tinham ou não manifestavam duvidas algumas e antes mostravam ser-lhes indifferente a desannexação de Guimarães e o governo é que havia de tel-as? (Muitos apoiados.)
Sob o ponto de vista politico ou administrativo, o que importava ao governo que Guimarães pertencesse ao districto de Braga ou ao do Porto?
Como disse o meu collega do reino, s. exas. não querem ver que ha aqui duas situações differentes, o antes e o depois. (Apoiados.) Não querem comprehender que o governo fallando n'aquelle sentido, que não occulta, note bem a camara, á commissão de Guimarães, fallava em harmonia com os factos como elles se tinham realisado até áquelle momento. (Apoiados.)
Depois as circumstancias mudaram.
Porque não ha de então mudar a attitude do governo? (Apoiados.) Quereis que nos vamos agora declarar por Guimarães, como antehontem se declarou alguem por Braga? Não, senhores, (Apoiados.) não procederemos assim.
Mas é notável! Declarou o illustre deputado que me precedeu que não quer tratar esta questão no terreno politico; e todavia não fez s. exa. outra cousa, quando prestou homenagem ao seu chefe, que, dizendo não ser politica a questão, pouco antes havia declarado que era ella essencialmente politica!
Ora, quando isto acontece n'uma discussão de tão pouco tempo, em que dois caracteres tão illustres se manifestam em contradicção n'um ponto tão capital, porque hei de eu acceitar a questão no terreno politico? (Apoiados.) Eu recuso-me a acceital-a, s. exa. não! (Riso.)
Mas pelo que respeita á harmonia ou desharmonia entre os povos de Braga e de Guimarães, a questão não pode, nem deve ser politica. Quem a trouxer para esse terreno faz um pessimo serviço. (Apoiados.)
Eu, que não leio os jornaes (dirigindo-se á opposição) senão quando quero, e s. exas. naturalmente não gostam que eu os leia quando os argumentos contra os illustres deputados partem dos proprios jornaes da opposição, (Riso.) li hoje n'um jornal do Porto, A provincia, que não é suspeito a s. exas., e que tão pouco o é, de certo, o artigo a que me refiro, porque ataca rudemente o governo, li, digo, que é um erro fazer d'este assumpto uma questão politica e que o partido progressista não o póde nem devo fazer, porque tem amigos em toda a parte e até não sei se diz que o paiz é todo d'esse partido! (Riso.)
Será preciso uma prova mais evidente do desconcerto que vão nos arraiaes da opposição, onde cada um manifesta opinião diversa sobre o mesmo assumpto? (Apoiados.) Ainda lá fóra, na imprensa, vá; mas aqui no parlamento e no curto periodo de uma ou duas horas?!
Pergunto agora: depois de tudo o que tenho dito, não estará a camara completamente ao facto da opinião do governo? (Apoiados.)
Dirá ainda o sr. Antonio Candido que estou com evasivas, quando declaro abertamente a minha opinião?
O sr. Antonio Candido: - Digo que não tem opinião.
O Orador: - Tenho, e já a declarei; mas não é a sua. (Apoiados.)
O illustre deputado queria que o governo viesse á camara esmagar uma das partes contendentes, para a oppo-

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sição se collocar do outro lado? (Apoiados.) Essa habilidade é que é já velha. (Apoiados.)
Tenho dado a minha opinião, e o relógio não consente que eu me alongue mais.
Vozes: - Fale, falle.
O Orador: - Bom sei que posso continuar a fallar; tenho esse direito; mas não quero usar agora d'elle; nem eu estou aqui ás ordens da opposição. (Apoiados.)
Eu sou o chefe do poder executivo, em nome do qual estou fallando em presença dos representantes do paiz, que respeito; mas é necessario que tambem respeitem o logar que occupo n'esta casa. (Apoiados.)
V. exas. que me accusam de não ter opinião, accusam-me ao mesmo tempo de a ter, dizendo que approvei o projecto do sr. Franco Castello Branco. Isto é peregrino, é extraordinario! (Muitos apoiados.)
Já disse o que tinha a dizer; já dei a minha opinião e declarei e declaro que hei de empregar e o governo a que presido, todos os esforços para achar a formula pela qual, com honra para todos, se possa resolver a questão. E não serei eu que venha ao parlamento do meu paiz, com uma declaração precipitada, e intempestiva prejudicar a resolução de um negocio de tanto alcance e de tanta gravidade.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação d'este incidente, alem da que estava já dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Rectificações

Na sessão de 12 do corrente, a pag. 37, no alto da 2.ª columna, leia-se:
O sr. Alfredo Barjona: - O requerimento era para se verificar, etc.
No discurso do sr. ministro da fazenda, em sessão de 19 do corrente, pag. 122, col. 2.ª, linhas 55 e 56, onde se diz: «são estas as provas. Um folheto e a contrariedade de um réu accusado em juizo?!» deve lêr-se d'este modo: «São estas as provas - um folheto anonymo e a contrariedade de um réu accusado em juizo!»
Na mesma sessão, a pag. 116, col. 2.ª, lin. 7, onde se diz «simplesmente ao espaço comprehendido na ordem do dia»

Redactor = Rego.

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