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SESSÃO DE 26 DE ABRIL DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Approvada a acta, foram introduzidos na sala e prestaram juramento os srs. Miguel Antonio da Silveira e Manuel Maria de Brito Fernandes. - Lê-se um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 200 exemplares da collecção de documentos mandados publicar sobre a ultima negociação com a Santa Sé. - O sr. Ferreira de Almeida apresenta varios requerimentos dos escripturarios do arsenal de marinha, renova a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 31 de dezembro de 1884 e apresenta um projecto de lei determinando a separação de quadro dos officiaes da armada dos que não têem as habilitações das escolas do paiz. - São aggregados á commissão de marinha os srs. Pedro Guilherme dos Santos Diniz e João Eduardo Scarnichia. - O sr. Antonio Ennes manda para a mesa duas propostas, uma para que em todas as sessões se destine uma hora, contada da abertura da sessão, para tratar de assumptos ácerca dos quaes o regimento permitte pedir a palavra antes da ordem do dia; e outra para que antes da ordem do dia haja uma unica lista de inscripção, concedendo-se a palavra pela ordem do pedido. Sobre este assumpto fallaram os srs. presidente, João Arroyo, José de Azevedo Castello Branco, Francisco de Campos, Avellar Machado, Consiglieri Pedroso e Antonio Ennes, sendo a final approvadas as duas propostas que se haviam apresentado. - Justificaram faltas os srs. Thomás Bastos, Jorge O'Neill e Gabriel Ramires.

Na ordem do dia continúa a discussão do parecer sobre a eleição do circulo de Alijó, tomando assento á barra para defender a sua eleição o sr. Joaquim Teixeira de Sampaio, deputado eleito. - Usam da palavra os srs. José de Azevedo Castello Branco, que apresenta uma moção de ordem, conde de Villa Real, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, relator, e fica a discussão pendente. l

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 80 srs. deputados. São os seguintes: - Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Villaça, Antonio Ennes, Gomes Neto, Tavares Crespo, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Pimentel, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Francisco de Barros, Gomes Monteiro, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Henrique de Mendia, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Avellar Machado, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Barbosa de Magalhães, Pereira e Matos, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Ferreira Freire, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Estrella Braga, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Ribeiro Ferreira, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Mazziotti, Jalles, Santos Crespo, Victor dos Santos, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Francisco Beirão, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme do Abreu, Cardoso Valente, Scarnichia, Sousa Machado, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Alves de Moura, Barbosa Cellen, Dias Ferreira, Abreu Castello Branco, Oliveira Matos, Simões Dias, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro Diniz, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro, Visconde do Monsaraz e Visconde de Silves.

Não compareceram à sessão os srs.: - Antonio Centeno, Antonio da Fonseca, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Augusto Fuschini, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Elvino do Brito, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Freitas Branco, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilhermino de Barros, Vieira de Castro, Alves Matheus, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Marianno de Carvalho, Pedro Correia e Thomás Bastos.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 200 exemplares dos documentos mandados publicar este anno por este ministerio sobre a ultima negociação com a Santa Sé.

Á secretaria para mandar distribuir.

PARTICIPAÇÕES

1.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que está constituida a commissão de marinha, sendo presidente José Bento Ferreira de Almeida e secretario o sr. Augusto Victor dos Santos.

Requeiro que lhe sejam aggregados os srs. Pedro Guilherme dos Santos Diniz e João Eduardo Scarnichia. = Ferreira de Almeida.

Foi approvado.

2.º Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão do ultramar, tendo por presidente o sr. Antonio José Ennes e por secretario o sr. Alfredo Pereira.

Requeiro que lhe sejam aggregados todos os deputados pelo ultramar que tomaram assento na camara n'esta sessão com diploma da legislatura anterior. = Ferreira de Almeida.

Foi approvado.

3.ª Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de instrucção primaria e secundaria, tendo eu sido eleito secretario e o sr. José Simões Dias presidente. = Pedro Antonio Monteiro.

Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS.

1.ª Participo que o sr. deputado Thomás Frederico Pereira Bastos, por motivo de doença, tem faltado a algumas sessões e ainda faltará a mais algumas. = Francisco de Barros Coelho e Campos.

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2.ª Declaro que não pude assistir a algumas sessões por motivo justificado. = Jorge O'Neill, deputado pelo circulo n.° 63.

3.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões da camara por motivo justificado. = Gabriel José Ramires, deputado pelo circulo n.° 70.

Para a secretaria.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

Do terceiro official de fazenda da armada, João Anselmo Figueiredo Barros, pedindo que aos da sua classe seja concedida gratificação igual á dos officiaes combatentes.

Apresentado pelo sr. deputado Sousa Machado, e mandado enviar á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

O sr. Presidente: - Estão nos corredores da camara para prestar juramento os srs. deputados Miguel Antonio da Silveira e Manuel Maria de Brito Fernandes.

Convido os srs. deputados Francisco Machado e Galvão, para servirem de introductores.

Foram introduzidos na sala e prestaram juramento os srs. Miguel Antonio da Silveira e Manuel Maria de Brito Fernandes.

O sr. Ferreira de Almeida: - Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão do ultramar, tendo nomeado presidente o sr. Antonio Ennes e para secretario o sr. Alfredo Pereira; a commissão pede lhe sejam agregados todos os deputados do ultramar, que tomaram assento n'esta sessão com os diplomas da legislatura anterior.

Participo igualmente que se acha constituida a commissão de marinha, tendo-me honrado com a nomeação de presidente e elegendo o sr. Victor dos Santos para secretario. A commissão pede que lhe sejam agregados os srs. deputados pelo ultramar João Eduardo Scarnichia e Pedro Guilherme dos Santos Diniz, que ainda têem assento n'esta camara com os diplomas da legislatura passada, em conformidade com a lei, por terem feito parte d'esta commissão n'essa legislatura, e pela sua qualidade de officiaes de marinha.

Peço licença para mandar para a mesa dezesete requerimentos de escripturarios do arsenal, que pedem melhoria de vencimento, e que v. exa. se servirá mandar ás commissões competentes para os tomarem na consideração que merecem.

Mando mais um requerimento de um official de fazenda da armada, que pede a reorganisação do respectivo quadro e melhoria de vencimento.

A este respeito permittir-me-ha a camara que eu faça algumas considerações.
O quadro dos encarregados de fazenda da armada, é, na sua maior parte, preenchido por individuos a quem a lei não exige habilitações bastantes para o desempenho das funcções correspondentes, e que comprehendem uma desenvolvida escripturação, tanto do pessoal como do material, operações de cambios, transferencias de fundos, etc., e até as de notario publico a bordo. D'esta falta resultam prejuizos para a fazenda em muitos casos, mais filhos da ignorancia do que da má fé.

Para v. exa. e a camara fazerem plena justiça a estas apreciações, e idéa da situação anormal em que se acham as cousas da fazenda naval, bastará dizer que a lei de 1883 estabelece, que, os logares de encarregados do fazenda da armada possam ser preenchidos por sargentos do exercito. Já v. exa. e a camara vêem como este serviço será feito, attenta, a instrucção que possuem, e não poucas vezes os vícios conhecidos de caserna, com que viram civados, e os inconvenientes que d'ahi devem resultar para elles e para a fazenda.

A reforma d'este serviço recommenda-se pois, não só por interesse da respectiva classe de funccionarios, mas principalmente para salvaguardar os interesses da fazenda; o mal é antigo, e por isso mesmo reclama mais prompto remedio, porque ainda quando a reorganisação que se adopte, possa importar augmento de despeza, será esta forçosamente compensada pela melhor administração; confio que o governo tomará esta singela exposição e a do requerente na devida consideração.

Renovo a iniciativa do projecto de lei sobre a reforma par limite de idade, que apresentei á camara na sessão de 31 de dezembro de 1884.

Ainda para os que se preoccupam com o estado da fazenda publica, um tal principio impõe-se como uma necessidade instante, e como o melhor meio de regularisar o accesso, e tornar convidativo o serviço naval, cujos quadros se acham tão extraordinariamente depauperados.

No imperio da Allemanha, pela lei de 31 de março de 1882, tornou-se ostensiva a reforma por limite de idade a toda a especie do funccionarios, tanto militares como civis; por isso não pareça extraordinario que eu peça que, a titulo de ensaio, se principie por applicar á marinha o mesmo systema, com o projecto que tive a honra de apresentar, e de que renovo a iniciativa.

Vou apresentar á camara uma pequena resenha da situação em que actualmente se acham alguns quadros de funccionarios, no seu encargo orçamental na parte de reformados para o quadro activo, comparando-o depois com a situação correspondente do quadro combatente da armada, onde ainda não impera o limite da idade, e que justificaria a sua applicação.

É assim, sr. presidente, que no ministerio dos negocios estrangeiros, a despeza da secretaria, propriamente dita, sendo de 12:337$440 réis, e a de reformados 6:568$550 réis, representa um encargo orçamental correspondente e proporcional de 53,23 por cento.

Nas obras publicas, a despeza propriamente do funccionalismo da secretaria, não comprehendendo serviços especiaes, é de 37:240$000 réis, o os seus respectivos reformados fazem a despeza de 17:713$000 réis, o que equivale a 47,56 por cento.

No ministerio do reino, o pessoal da secretaria custa 32:874$000 réis, e os reformados correspondentes réis 6:256$860, ou 22 por cento.

No ministerio da justiça, a despeza propriamente da secretaria é de 25:353$000 réis, e os seus reformados custam 3:865$000 réis, ou 15,2 por cento.

No ministerio da marinha, o pessoal da secretaria, propriamente dito, custa 34:936$580 réis, e os reformados correspondentes 20:309$840 réis, ou 58 por cento.

Emfim, sr. presidente, para não me alongar, bastará dizer que na marinha os officiaes combatentes custam réis 156:000$000, e os seus reformados 21:000$000 réis, isto é 13,8 por cento!

Se as estatisticas servem para algum estudo, a conclusão forçada a tirar d'aqui, é que, se ha alguma cousa deleteria n'este mundo, é a atmosphera das secretarias do estado, e não a das provincias ultramarinas, (Riso.) por isso que esta estatistica mostra que nas secretarias se inutilisam muito mais os funccionarios, do que os officiaes da armada nos climas tropicaes! (Apoiados.)

Ora, sr. presidente, como similhante conclusão é absurda, a apreciação racional d'estes algarismos o que nos indica, é que a marinha nacional tem o seu pessoal menos favorecido nas aposentações, e portanto no accesso.

A applicação do limite da idade, traria, é certo, a immediata reforma de alguns officiaes, e d'ahi o natural acrescimo do encargo correspondente, que, sendo actualmente apenas de 13,8 por cento, em relação ao effectivo, poderia vir a igualar a proporção do ministerio da justiça, que é de 15,2 por cento, não podendo soffrer comparação a or-

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dem do serviço do pessoal combatente da armada com o que desempenham os funccionarios publicos civis.

Isto são apenas umas singelas apreciações, que eu carecia fazer para satisfação do meu fôro intimo, porque eu bem sei, que muitos julgam menos correcto, que um deputado da parcialidade governamental apresente projectos de lei, ou tome iniciativa em qualquer reforma, porque isso possa significar falta de confiança no governo, o que se não dá da minha parte; mando, portanto, para a mesa, um novo projecto de lei, accompanhado do respectivo relatorio e documentos, que não lerei á camara por ser muito extenso, e para não abusar da sua attenção.

O projecto tem por fim applicar á classe dos officiaes de marinha militar os principios da lei hoje em vigor nas armas especiaes do exercito, e que tiveram em vista expungir os quadros dos officiaes chamados praticos.

Na marinha ha um grupo de officiaes, que poderiamos chamar praticos, por isso que a lei assim os classifica, quando os auctorisou a «praticar nas esquadras estrangeiras», para serem promovidos a tenentes da marinha nacional.

Para que v. exa. e a camara tenham desde já uma noção geral do projecto, passo a ler uma nota illustrativa da situação especial d'esses officiaes que motivam a apresentação do projecto, para desaggravo dos que estudaram no paiz, e ao mesmo tempo dando reparação do direito que legitimamente aquelles tinham adquirido por uma lei, muito embora injusta.

O primeiro, tendo apenas exame de instrucção primaria, esteve em Inglaterra seis annos e vinte e tres mezes. O segundo, com exame de instrucção primaria, e frequencia do primeiro anno do lyceu de Aveiro, esteve embarcado nos navios inglezes um anno, sete mezes e vinte e tres dias!

O terceiro, com instrucção primaria, teve de embarque em Inglaterra tres annos e cento e trinta e dois dias.

O quarto, com portuguez, mathematica, francez, latim, desenho e geographia, teve de embarque na esquadra ingleza dois annos e dezesete dias.

O quinto, com instrucção primaria, teve de embarque nos navios inglezes dois annos e duzentos vinte e oito dias.

O sexto, com o curso de sota piloto sem limite, e os preparatorios quasi completos do lyceu, esteve quatro annos em Inglaterra; ignora-se o tempo de embarque e é o unico que apresenta o diploma de exame em artilheria; todos, menos o segundo, têem o certificado de segunda classe para tenente.

É certo que estes officiaes, com mais ou menos tirocinio, estão hoje ao abrigo da lei que os admittiu; mas não é menos certo que pesam sobre os quadros dos officiaes, que seguiram o curso no paiz, de uma maneira odiosa pela desigualdade.

Já o sr. Latino Coelho, talvez um dos melhores ministros da marinha que temos tido nos ultimos tempos, quiz emendar este mal, mas não o póde fazer completamente.

O projecto que tenho a honra de apresentar á camara tem por fim garantir a estes officiaes os direitos que conquistaram menos regularmente, mas legitimamente, como a lei lhe conferia, e alliviar os officiaes que seguiram o curso no paiz, do peso que lhe causam menos justamente.

Animei-me a apresentar este projecto e a renovar a iniciativa do projecto antigo, por ter lido num dos períodos do discurso da corôa, uma referencia á nossa marinha d guerra a que tenho a honra de pertencer, e em que se exaltam os seus brios; e como é tão raro olhar-se para o serviços d'esta corporação, tento eu ver se obtenho do parlamento alguma cousa melhor que boas palavras, á sombra d'aquella recommendação.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Antonio Ennes: - E costume no principio de cada sessão legislativa tomar uma resolução que se póde considerar supplementar ao regimento, cujos artigos nem sempre se coadunam com uns certos habitos tomados pela camara; resolução que tem por fim regular a distribuição do tempo, de maneira que os assumptos que se tratam na ordem do dia não sejam prejudicados pelas conversações que naturalmente se travam antes d'essa ordem.

Este anno ainda nada se regulou sobre este assumpto, d'ahi já têem resultado inconvenientes. Por isso me atrevo a pedir a v. exa. que submetia á discussão da camara, dispensando-se o regimento, se for necessario, a seguinte proposta.

(Leu.)

Permitta-me fazer uma observação.

Se esta proposta merecer a honra de ser approvada torna pouco pratica uma disposição do regimento que v. exa., com muita rasão, recordou ha dias, e segundo a qual os deputados que pedem a palavra para dirigirem perguntas aos ministros, só a podem obter depois de esgotada a incripção ordinaria.

Desde que haja uma hora fixa para se passar á ordem do dia, a inscripção póde ser cortada no momento em que der essa hora, arriscando-se, por consequencia, a não poderem usar da palavra os deputados que a tiverem pedido para dirigir perguntas aos ministros.

N'estas condições, se v. exa. e a camara concordassem, propunha, como tem sido pratica fazer-se, que houvesse uma só lista de inscripção antes da ordem do dia, incluindo n'ella todos os deputados que quizessem usar da palavra pela ordem de prioridade.

Submetto estas considerações a v. exa. e á camara, pedindo que se provoque uma resolução a este respeito.

Mando para a mesa as propostas.

São as seguintes:

Propostas

1.ª Proponho que em todas as sessões se destine uma hora, contada da abertura da sessão, para tratar dos assumptos ácerca dos quaes o regimento permitte pedir a palavra antes da ordem do dia. = Antonio Ennes.

2.ª Proponho que antes da ordem do dia haja uma unica lista de inscripção, concedendo-se a palavra aos deputados pela ordem em que a tiverem pedido. = Antonio Ennes.

Foram admittidas, consideradas urgentes e ficaram em discussão.

O sr. Presidenta: - Antes de submetter as propostas á discussão, peço licença á camara para lhe dar uma explicação com referencia á segunda proposta do sr. Antonio Ennes.

N'uma das sessões passadas o sr. Marçal Pacheco pediu a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da guerra.

Observei a s. exa. que só lha podia conceder, depois de terem usado d'ella os srs. deputados que se tinham incripto para antes da ordem do dia.

Para justificar esta opinião, li o artigo 65.° do regimento, que enumera por ordem alphabetica os assumptos que se tratam antes da ordem do dia, e colloca em ultimo logar o pedido da palavra para quando estiver presente algum ministro, mandando abrir para este effeito uma inscrição especial.

Esta disposição tem, a meu ver, por fim, garantir aos srs. deputados a faculdade de poderem, antes da ordem do dia, occupar-se dos assumptos que interessam especialmente ás localidades que representam n'esta casa, e o uso d'esta faculdade ficaria muitas vezes prejudicado se não houvesse uma inscripção especial para os incidentes politicos, que quasi sempre tomam todo o tempo destinado para antes da ordem do dia.

Com esta interpretação do regimento nada perdiam os srs. deputados que desejassem pedir esclarecimentos ou dirigir perguntas ao governo, porque, se as perguntas versassem sobre assumptos urgentes, podiam fazel-as na mesma sessão, visto o regimento permittir que se interrompa a or-

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dem do dia para se tratar de negocios urgentes, e se não estavam n'estas condições, podiam ficar adiadas para outra sessão, ou serem apresentadas sob a fórma de interpellação.

Assim conciliavam-se os interesses dos srs. deputados que queriam advogar as pretensões dos seus círculos com os dos que desejavam pedir esclarecimentos ao governo.

O sr. Pinheiro Chagas observou-me que não tinha sido esta a praxe seguida na camara.

Respondi a s. exa. que, não podendo regular-me pelos arestos parlamentares, de que não tinha noticia, attendia sómente á disposição do regimento, dando-lhe a interpretação que me parecia reais racional.

Depois informei-me, e vim no conhecimento de que a pratica anterior ciente seguida, pratica não auctorisada por nenhuma resolução parlamentar, era abrir-se uma só inscripção geral antes da ordem do dia, comprehendendo-se n'ella os srs. deputados que pedissem a palavra para quando estivesse presente algum dos srs. ministros, e concedendo-se a todos a palavra pela antiguidade da inscripção.

Ainda hoje mantenho a minha opinião, que me parece a mais conforme á letra e espirito do regimento, mas a camara, que tem auctoridade para dispensar o regimento, pôde, querendo, restabelecer a pratica anteriormente seguida, se assim o julgar conveniente.

O sr. Arroyo: - Vou fazer brevissimas considerações, não a respeito da proposta do sr. Antonio Ennes, mas relativamente ao que v. exa. acaba de expor á camara.

O sr. Pinheiro Chagas disse uma verdade a v. exa. quando asseverou que a praxe seguida n'esta casa era unica e simplesmente fazer uma inscripção geral antes da ordem do dia, dentro da qual todos os srs. deputados que dentassem tomar a palavra podiam, não só tratar dos assumptos especiaes aos circulos que aqui representara, mas tambem dirigir quaesquer perguntas eu pedir esclarecimentos ao governo.

Por outro lado a proposta do sr. Antonio Ennes parecia-me uma inutillidade, pois não era senão uma repetição escusada da letra do regimento.

O regimento dispõe que as sessões durem cinco horas, das quaes tres destinadas á ordem do dia, e uma, pelo menos para a discussão antes da ordem do dia.

Não tenho duvida em declarar que julgo mais conveniente para a, boa ordem da discussão mais liberal no sentido de alargar o uso do direito parlamentar que assiste a todos os membros d'esta casa a idéa apresentada por v. exa. Julgo-a mais consentanea com os 3 interesses especiaes do cada localidade e mais consentanea tambem com os interesses geraes do paiz.

Pela minha parte cumpre-me, portanto, acceitar e receber do melhor grado a indicação de v. exa., feita com toda a auctoridade que lhe dá esse logar, (Apoiados.) e estou certo que a maioria parlamentar, que tão firmemente toma a peito defender sempre as decisões da mesa que ella elegeu e que representa a sua vontade, não terá certamente a menor duvida em aprovar.

Esta é a minha opinião pessoal, senão todavia verdade que a praxe estabelecia n'esta casa era aquella pela qual pugnou o sr. Pinheiro Chagas n'uma das sessões anteriores.

O sr. Antonio Ennes: - Parece-me que ha aqui um equivoco.

Das duas propostas que mandei para a mesa, a segunda tem precisamente por rim restabelecer a praxe usada n'esta camara.

Creio que o sr. Arrojo comprehendeu mal o alcance d'essa proposta.
Segundo o artigo regulamentar que s. exa. o sr. presidente julgou dever pôr em vigor, e com muita rasão, havia duas inscripções uma ordinaria e outra extraordinaria, para os deputados que queriam pedir a palavra para dirigir perguntas aos srs. ministros; duas inscripções, note bem a camara, e só depois de esgotada a primeira é que podia chegar a palavra aos inscriptos para a segunda.

Ora é justamente isso que me parece que não é pratica, por isso que, desde o momento em que haja, como propuz que houvesse e como era costume haver nesta casa, uma hora fixa, ou no relogio ou relativamente á, hora da abertura da sessão, desde que haja uma hora fixa, no momento em que se indica que se ha de passar á ordem do dia, corta-se a lista da inscripção ordinaria e por consequencia não chegam a ter a palavra os deputados da segunda lista para dirigir perguntas aos srs. ministros.

(Interrupção.)

Peço perdão ao illustre deputado, as minhas propostas são duas, uma para que se marque uma hora fixa, para antes da ordem do dia se usar da palavra sobre differentes assumptos, e outra para que se volto á praxe seguida, abrindo-se uma inscripção só, e n'essa inscripção tomam parte, tanto os deputados que queiram fallar sobre assumptos particulares como aquelles que queiram fazer quaesquer perguntas ao governo.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Se bem entendi as palavras do sr. Antonio Ennes, o que s. exa. deseja na sua proposta é estabelecer que antes da ordem do dia haja uma só inscripção ou praso em que todos possam inscrever-se para fallar sobre diversos assumptos, e que esse praso seja apenas de uma hora.
Isto é pouco mais ou menos o que está consignado no regimento.

O sr. Antonio Ennes: - Como o regimento diz que haverá tres horas para a ordem do dia, e para antes da ordem do dia pelo menos uma hora, e como quasi sempre não temos essas tres horas de ordem do dia, e para remediar isso que a minha proposta se destina.

O Orador: - Por outro lado eu não me opponho a que haja duas inscripções antes da ordem do dia, uma para todos os deputados que queiram fazer algumas declarações em nome dos interesses das suas localidades, e outra para os que quizessem dirigir perguntas aos ministros. Eu acceitava qualquer d'estas duas interpretações se desde o principio da sessão os ministros aqui estivessem.
(Apoiados.)

Estando prementes os ministros desde o principio da sessão e começando as sessões às duas horas e não ás tres e depois, como tem sucedido, não posso concordar com a proposta, do sr. Antonio Ennes por me parecer que é menos liberal do que a interpretação de v. exa. Não estando presentes os ministros desde o principio da sessão o que é que succederia na hypothese de se acceitar a proposta do sr. Antonio Ennes? É que uma parte da inscripção era inutil, porque não estando presente o ministro a quem qualquer deputado se quizesse dirigir na altura a que lhe chegasse a palavra, não podia usar d'ella porque não tinha a quem se dirigisse.

Por consequencia a minha opinião é que me parece mais liberal e justa a interpretação tal qual v. exa. a fez, e não posso acceitar como boa, liberal e conveniente aos interesses dos deputados a proposta do sr. Antonio Ennes, o que muito sinto pelo respeito que lhe consagro.

O que desejo, e a minoria tambem, para não poder ser taxada de indolente, e de não desejar trabalhar, é que as sessões comecei a quando o regimento manda, porque, se houvesse uma hora antes da ordem do dia e tres para ordem do dia, caminhavamos mais depressa do que caminhâmos a despeito da vontade do sr. Antonio Maria de Carvalho, que pelos modos vem para aqui com grande anciã de trabalhar, mas comparece poucas vezes. (Riso.)

O sr. Antonio Ennes: - Eu desejaria, como o sr. Arroyo, que a sessão começasse á hora regulamentar. Mas a opposição, quando era maioria, fazia o mesmo de que hoje se queixa.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Como estamos no tempo das liquidações, liquidemos tambem isto.

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O Orador: - Note v. exa. que a minha proposta não prejudica os direitos da opposição. A camara e o paiz ganhavam com o cumprimento pontual do regimento.

O sr. Arroyo: - Na ultima sessão legislativa, não me recordo precisamente da data, sendo presidente o sr. Bivar, tomou-se a deliberação de abrir a sessão ás duas horas.

O Orador: - Parece-me que não é necessario marcara hora, porque ella está marcada pelo regimento.

A minha proposta não prejudica em nada os direitos dos Srs. deputados. Se os ministros não estiverem presentes, s. exas. não podem dirigir-lhes perguntas; tambem, chegada a hora de se entrar na ordem do dia, ainda que os ministros estejam presentes, as perguntas que haja a fazer-lhes ficam para outro dia, e é isto o que sempre se tem feito.

Se um sr. deputado tem a tratar ao um assumpto de grande importancia, mesmo na ordem do dia chama para elle a attenção do governo.

O que posso dizer aos illustres deputados é que não me passou pelo meu espirito restringir a liberdade da discussão.

O sr. Arroyo: - Continuando na ordem das considerações que fiz da primeira vez que respondi ao sr. Antonio Ennes, digo que, na minha opinião, para a boa ordem dos trabalhos parlamentares, a primeira decisão a tomar deve ser quanto á hora da abertura do sessão.

Repito a observação que fiz ao sr. Antonio Ennes. Na sessão de 1885 tomou-se a deliberação de abrir ás duas horas; não digo o dia em que se tomou esta deliberação, porque me não lembra agora, mas entenderam os deputados de então que era necessario que a camara tomasse uma deliberação sobre este ponto.

Marcada assim a hora da abertura da sessão ficam assegurados os direitos de todos.

Ha ainda outra garantia para a minoria. V. exa. sabe que quando a sessão se abre tarde, nunca é por falta da minoria parlamentar; é por causa unica e simplesmente da maioria, porque é a maioria que fornece grande numero dos membros d'esta casa, e quando não compareçam á hora marcada é impossível abrir-se a sessão.

Portanto, considero como primeira medida a tomar para a regularisação dos debates o fixar a hora da abertura da sessão, e depois a hora em que os deputados podem tratar de diversos assumptos; assim fica resolvido o problema das nossas discussões antes da ordem do dia e depois da ordem do dia.

E sem querer intrometter a nota política numa questão de regularisação e de regimento, digo que um governo que a 26 de abril, ás quatro horas menos vinte e cinco minutos não está n'esta casa, não nos dá muitas garantias de se fixar uma hora para que a possamos aproveitar.

D'este modo, quando as interpellações partirem dos membros da opposição ha de acontecer que hão de passar dias e dias sem que se realisem, ao passo que se os debates se irritarem o trabalho parlamentar avança. (Apoiados.)

O sr. Francisco de Campos: - Pedi a palavra para dizer a v. exa., visto não ter feito parte do parlamento ha algum tempo, e a alguns srs. deputados, que tambem aqui não têem estado, o que se passou nas anteriores sessões legislativas com relação á hora da abertura da sessão, á hora do encerramento, e ao processo da concessão palavra.

O presidente que então occupava esse logar e tambem com muita dignidade, o meu amigo o sr. Bivar marcou por muitas vezes e com grande insistencia a hora da abertura da sessão, que, só não me engano, era ás duas horas. (Apoiados.)

Disse o sr. Arroyo que as opposições não faltam e é verdade.

Eu pertencia á opposição e ella estava aqui sempre; mas o que succedeu muitas vezes foi que o sr. Bivar não abria a sessão por falta de numero ás horas que se marcava (Apoiados.), isto é, ás duas horas.

Quanto á inscripção o systema que o sr. Bivar seguia era uma só inscripção para antes da ordem o dia, mencionando em seguida ao nome do deputado o fim para que elle pedia a palavra.

Nós estivemos aqui na sessão passada muitos dias sem que o governo estivesse presente. Todos os sovemos fazem isso, e podem dizer que as suas occupações os inhibem de comparecer na camara.

E hoje ha uma circumstancia, que concorre talvez para que o governo não esteja aqui, e é que discutindo-se na ordem do dia a eleição de Alijó, discussão em que o governo não tem de intervir, não admira que elle não esteja presente na camara.

Mas isso é com o governo, e só elle poderá responder.

Agora o que temos de definir é o marcar-se a hora da abertura da sessão, e o tempo que ha de haver antes da ordem do dia.

Pela minha parte acceito qualquer das propostas, mas parecia-me, que o mais simples era seguir-se o systema anterior, sem comtudo achar injusto o que v. exa. disse. (Apoiados.)

O que é facto é que nunca aqui houve antes da ordem do dia, senão uma inscripção, e todas as vezes que entrava um ministro, e se entendia que tinha dado a hora, passava á ordem do dia, e nem por isso os deputados, que tinham pedido a palavra para quando estivesse presente qualquer ministro se lhe dava, a não ser para um caso urgente, e por votação da camara.

Portanto, a proposta do sr. Ennes não envolve infracção do regimento, e se envolve já era caso julgado nas legislaturas anteriores.

Se se fixar uma hora para a abertura da sessão, eu voto; se se fixar uma hora para se entrar na ordem do dia, tambem voto.

Disse-o sr. Arroyo, que a maioria deve estar aqui.

Deve estar effectivamente, a ella pertence regular as discussões, e fazer com que o tempo seja aproveitado, e não póde aproveitar-se se todos os dias levantarem incidentes, que têem importancia é verdade, mas que podem prejudicar a discussão importante dos projectos, e medidas que o governo traz á camara para serem votadas.

Era esta a explicação que tinha a dar a v. exa. e aquelles cavalheiros, que não estavam presentes na camara na sessão passada. (Apoiados.)

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Serei muitissimo breve, mesmo porque o incidente está bastante esclarecido.

Eu concordo plenamente com as reflexões apresentadas pelo sr. Francisco de Campos.

É inteiramente exacto o que s. exa. referiu a respeito do que se passava na camara o anno passado; o que desejo que se não faça este anno.

É facto que se deixaram de abrir algumas sessões por falta de numero, e que se suspenderam outras por não estar presente o governo.

Mas eu declaro a s. exa. que qualquer das interpretações me serve; acho liberal que v. exa. propoz, e cheguei a comprehender igualmente que é liberal o que propõe o sr. Ennes.

O sr. Francisco de Campos, deseja que se faça o mesmo que se fazia no tempo do sr. Bivar; isto é, que quando um deputado pede a palavra se ponha no caderno o fim para que a pede, se é para quando estiver presente o sr. presidente do conselho, ou qualquer ministro; é claro que fazendo-se uma inscripção assim, corresponde a fazerem-se duas inscripções, porque não cabe a palavra senão quando estiver presente o ministro que eu desejo interpellar ou dirigir-lhe perguntas.

O que eu vejo é que todos estamos de accordo; o que é preciso é que os srs. ministros estejam presentes, que nos

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dêem a garantia de que hão de estar aqui antes da ordem do dia; porque fazendo-se duas inscripções e os srs. ministros não nos dando a garantia de que hão de estar presentes, não servem as duas inscripções para nada.

A minha opinião individual é que v. exa. e a camara é que regulam os debates parlamentares, e que qualquer das propostas é bastante liberal para ser acceite por nós todos.

Com relação do desejo que nós temos todos de que as sessões comecem mais cedo escusâmos de affirmar mais uma vez que ao que aspirámos é a que o regimento seja cumprido.

E que não sirva de pretexto para isso se não fazer a circumstancia de já em algum tempo se não ter feito.

Este é o anno das liquidações, como disse o sr. Marianno de Carvalho. Já que estamos no anno das liquidações, liquidamos mais este ponto, e vamos a uma vida nova.

O sr. Arroyo: - Pedi ainda a palavra unica e simplesmente para tocar um ponto.

Á face do regimento ha um limite mínimo de tempo para se conceder a palavra para antes da ordem do dia; não ha um limite fixo.

Diz o regimento que se destinará não menos de uma hora para se conceder a palavra antes da ordem do dia.

Isto é um limite minimo; não se póde destinar para este fim menos de uma hora, mas póde destinar-se mais tempo.

A face da proposta do sr. Antonio Ennes o espaço de uma hora para se conceder a palavra antes da ordem do dia é um limite fixo.

Não se póde conceder nem mais nem menos tempo.

Ahi é que está a differença entre a proposta do sr. Ennes e a letra do regimento; e é para este ponto que eu chamo a attenção de s. exa. e da camara.

A face do regimento, repito, o limite de uma hora é um limite mínimo; póde ser concedido mais tempo para antes da ordem do dia. Á face da proposta do sr. Antonio Ennes o limite de uma hora é um limite fixo; não póde ser concedido nem maior nem menor espaço de tempo para o mesmo fim.

A face d'esta proposta ha de conceder-se necessariamente uma hora para os assumptos antes da ordem do dia, nem mais nem menos. E n'isso me parece que são coarctados os direitos parlamentares.

Julgo mais liberal a regra do regimento, e queria chamar a attenção de v. exa. e da camara sobre este ponto.

Parecia-me melhor deixar o regimento tal qual está.

O sr. Presidente: - O regimento da camara estabelece o limite mínimo de uma hora para as discussões antes da ordem do dia, e o de tres horas para as discussões da ordem do dia.

Isto, porém, entendia-se quando as sessões duravam cinco horas.
Agora ha uma resolução da camara anterior, que manda abrir a sessão ás duas horas e fechar-se ás seis, e portanto é necessario marcar-se um limite fixo, o qual não póde ser mais nem menos do que uma hora para os assumptos que se tratam antes da ordem do dia, e tres horas para os da ordem do dia; porque, se se alargar algum daquelles prasos, fica, prejudicado o outro.

Sendo, pois, as circumstancias muito diversas, a observação do sr. Arroyo parece-me que não tem applicação para o caso presente. Essa observação só teria cabimento se a camara não tivesse alterado o regimento quanto á hora da abertura e encerramento da sessão.

O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa em substituição á proposta do sr. Antonio Ennes a proposta que passo a ler.

«A camara confia em que o sr. presidente continuará a dirigir os trabalhos em harmonia com o regimento, respeitando os legítimos direitos dos representantes do pais. - Avellar Machado.»

Parece-me que toda a camara não terá duvida alguma em dar esta prova cabal de confiança em v. exa., sr. presidente.

Por mais de uma vez se tem manifestado de todos os lados da camara um sentimento profundo de confiança era v. exa., e por isso parece-me que na minha proposta traduzo completamente a opinião de todos os meus collegas; portanto nada mais direi.

Não entrarei no incidente, porque o julgo bastante explicado de parte a parte.

O sr. Antonio Ennes: - O voto de confiança era v. exa., sr. presidente, que o sr. Avellar Machado acaba de propor, já a camara o deu ha poucos dias.

Para que ha de a camara estar a dar votos de confiança em v. exa. a todas as horas e a todos os momentos?

Eu creio que v. exa., sr. presidente, será o primeiro a desejar que se
estabeleçam normas fixas para o andamento dos trabalhos, de maneira que as suas deliberações não só não provoquem resentimentos mas ainda não se prestem a reclamações.

Nós, a maioria, votâmos com o maior prazer a proposta, como homenagem ao sr. presidente, mas julgo conveniente, sem de maneira alguma querer com isto melindrar v. exa., insistir por que seja posta á votação a minha proposta.

O sr. Presidente: - Peço licença para dizer ainda duas palavras.

Agradeço ao sr. Avellar Machado a prova de confiança que quiz dispensar-me, mas devo dizer a s. exa. que isto não é uma questão de confiança.

A minha posição é muito diversa da camara.

Eu, como presidente, devo acatar o regimento, dando-lhe a interpretação, que me parecer mais verdadeira; a camara, cuja vontade e superior ao regimento, póde alteral-o, e até revogal-o, se assim o julgar conveniente.

Estes actos, que correspondem a attribuições diversas, nunca podem ser motivo para conflicto ou desharmonia entre a camara e a presidencia, (Apoiados.) nem tambem a rejeição da proposta que o sr. Avellar Machado acaba de mandar para a mesa póde envolver a idéa de uma desconsideração para com ella. (Apoiados.)

O sr. Consiglieri Pedroso: - Observou que as differentes parcialidades políticas têem reconhecido a necessidade de se alterar o regimento.

Parecia-lhe que na commissão respectiva já estava muito adiantado um trabalho a este respeito, e por isso entendia que era conveniente remetter para lá as propostas que se discutem, para serem attendidas quando a reforma se realizasse.

Emquanto essa reforma se não fizesse, entendia que se devia deixar ao sr. presidente a faculdade de dirigir os trabalhos da camara, interpretando o actual regimento, porque estava convencido de que o havia de interpretar sempre do modo mais liberal e mais consentaneo com os direitos dos deputados.

Alem d'isso, o regimento era um todo complexo, e não lhe parecia conveniente alterar-se um artigo sem se attender aos que possam ter mais ou menos relação com elle.

(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)

O sr. Avellar Machado: - Parece-me que v. exa. não comprehendeu bem a minha proposta de substituição.

A minha proposta tem unicamente por fim que v. exa. continue a observar o regimento como até aqui, e quando tiver duvida sobre qualquer ponto d'elle appelle para a camara.

O sr. Presidente: - Não ha ha mais ninguem inscripto. Vão ler se as propostas para se votarem.

Foram approvadas as duas propostas do sr. Antonio Ennes, ficando prejudicada a do sr. Avellar Machado.

O sr. Carrilho: - Por parte da commissão de fazenda requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que seja publicado no Diario do governo e no Diario

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dos sessões o relatorio do tribunal de contas sobre os creditos extraordinarios e supplementares abertos durante o intervallo da sessão parlamentar, acompanhado de varios documentos.

Foi approvado o requerimento.

O sr. Pedro Monteiro: - Participo a v. exa. que se acha constituída a commissão de instrucção primaria e secundaria, tendo nomeado o sr. Simões Dias para presidente e a ruim para secretario.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do parecer sobre a eleição do circulo de Alijó

Foi introduzido na sala e tomou assento á barra o sr. deputado eleito Joaquim Teixeira de Sampaio.

O sr. José Castello Branco: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma proposta de emenda ao parecer da commissão, e que é do teor seguinte.

(Leu).

Vou ter a honra de defender esta proposta, e vou fazel-o com toda a serenidade, pondo ao serviço desta missão toda a tranquillidade de que seja capaz o meu espirito n'este momento.

Devo declarar a v. exa. que não o faço sem esforço, porque, se os factos apresentados aqui pelo sr. Teixeira de Sampaio conseguiram emocionar a camara contra os auctores, imagine v. exa. quanto me impressionaria a sua narrativa a mim que de alguns fui testemunha presencial, e que todos sinto pelo grande numero de amigos meus que n'elles andaram envolvidos e foram victimados.

Sei comtudo reconhecer o que devo a v. exa., á camara e a mim proprio e vou empregar todos os esforços para serena e tranquilamente discutir a eleição de Alijó.

Os factos aqui expostos pelo candidato eleito não foram combatidos pelo sr. relator da commissão, e não foram porque não podiam ser, nem, deviam ser combatidos. (Apoiados.)

Não podiam ser combatidos esses factos, porque traziam todos a chancella da mais stricta verdade; não podiam ser combatidos porque todos se firmavam em documentos da mais irrefragavel exactidão; não deviam ser combatidos porque nunca nos caracteres bem formados o dever de ser exacto é preterido pelo espirito de facção.

Mas porque não podiam ser desmentidos tentou-se o meio commodo de apoucar os seus effeitos juridicos, porque é juridicamente que hei de tratar a questão com o illustre relator.

Mas porque não foram combatidos estes factos, foram como que arredados como impertinentes e burlescos! É pasmoso! (Apoiados.)

Chamar a estes factos burlescos e impertinentes, se accusa uma grande abundancia, uma grande copia de conhecimentos juridicos, não dá idéa menos de um grande desconhecimento do valor das palavras. Aquelles factos não são impertinentes nem no sentido juridico, nem no sentido vulgar da palavra, e muito menos burlescos. (Apoiados.) Que não eram impertinentes hei de demonstral-o quando discutir em face da lei o parecer, e que não são burlescos, vou demonstral-o, ou antes pergunto á consciencia da camara se factos que tão em si mesmo um attentado flagrantissimo contra todas as liberdades individuaes, contra a liberdade de votar, contra a vida e segurança do cidadão; se a burla, a violencia, a pressão, e todos os meios emfim empregados para se illudír a derrota, fingindo-se vencer, se tudo isto são actos burlescos ou, se, pelo contrario são actos revoltantes que em todos os tempos levantaram e levantam ainda a indignação de gente honesta! (Apoiados.)

Burlescos! A proposito deste adjectivo e como está presente um amigo meu a quem a ouvi, vou contar uma pequena anecdota que vem um pouco para o caso e serve para amenisar a aridez de um debate d'esta ordem.

Pedia uma pobre rapariga á sua ama que lhe escrevesse uma carta para a mãe... é, como se vê, um caso burlesco para uso do illustre relator do parecer. (Riso.)

A rapariga não sabia escrever, mas em todo o caso sabia expor o que desejava e foi expondo o que pretendia que dissesse a carta, que a ama com muita benevolencia se promptificára a escrever.

Chegando ao fim da carta, a ama, para dar uma prova da amisade da parte da filha para com a mãe, escreveu: «abençoe a sua filha obediente e amiga».

A rapariga pelos modos achou pouco e disse para a ama: «A senhora ha de fazer-me o favor de acrescentar: filha obediente, amiga e rival».

O que? Perguntou a ama, pois tu es rival de tua mãe?

Responde a rapariga: «Olhe minha senhora, eu não sei o que isto quer dizer, mas ponha lá na carta que é bonito, e eu gosto muito. (Riso.)

E lá foi a carta com as palavras que ella quiz. (Riso.)

Que os factos não são impertinentes vou demonstral-o.
O sr. relator d'este parecer, com a auctoridade que lhe dá a sua reputação de distincto advogado, sustentou que neste tribunal se julga só juridicamente.

Não é assim! A camara, constituida em tribunal ou julga só juridicamente ou só pelas provas moraes, ou julga conjunctamente por uma e outra serie de provas.

É minha opinião que ha de julgar pelas provas juridicas e pelas provas moraes, porque não se compadece com os precedentes da camara, com o espirito da lei que a camara julgue serena e impassivelmente, só segundo as formas rigorosas do direito escripto.

Nós temos a discutir em breve o parecer sobre a eleição de Felgueiras.

N'esse parecer que vem assignado exactamente pelos mesmos membros da commissão de verificação de poderes que assignou-o parecer sobre a eleição de Alijó, espraiaram-se esses senhores em considerações todas de ordem moral para demonstrar um certo facto. Qual será, pois, o interesse que a commissão de verificação de poderes tem em preterir agora essas formulas que reputa essenciaes para bem julgar aquella eleição e evital-as aqui!

É que se os meios divergem, a finalidade é a mesma: annullar duas eleições de candidatos da opposição! (Apoiados.)

Mas suppondo ainda que esta camara ha de julgar simplesmente pela prova juridica, permitta-me o illustre relator que dê tambem uma arcada na rebeca do seu officio, demonstrando que não são aquelles factos apontados impertinentes, no sentido juridico da palavra; são factos demonstrativos da justiça da sua causa.

Tenho aqui á mão um codigo civil, que no livro II e titulo I, trata das provas.

Tenho de lançar mão dos artigos citados nesta secção do codigo civil, porque com toda a auctoridade de advogado e advogado muito illustre, affirma o sr. relator d'este parecer, nos seus considerandos, uma cousa que é inexata em si, inexacta contra o direito escripto, estabelecido no codigo civil.

Constitue prova juridica, diz s. exa., aquillo que não admittir mera possibilidade em contrario. Isto não está em harmonia com a letra do codigo civil, no artigo 2:404.°, quando define o que são provas e estabelece a serie de meios juridicos de averiguação para se chegar a um resultado final; todos os elementos de prova são por sua vez prova juridica, e tambem o mesmo codigo, que deve ser insuspeito ao sr. relator, no artigo 2:407°., estabelecendo a maneira de provar juridicamente, diz o seguinte:

(Leu.)

Ora as presumpções são elementos de prova juridica e s. exa. sabe tambem qual o valor que em direito consigna o codigo ás presumpções. Porventura aquelles factos estabelecidos aqui para demonstrar a justiça d'esta causa, não

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constituem por si mais que uma presumpção, não são por si elementos valiosissimos para provar juridicamente que a eleição foi extorquida? (Apoiados.)

Ora, se aquelles factos são por sua vez documentos, alguns casos julgados, outros depoimentos de testemunhas, outros presumpções, são todos conseguintemente elementos de que tem de se tomar em consideração n'uma camara constituida em tribunal de justiça.

Quem póde, pois, duvidar que a defeza d'esta eleição foi aqui juridicamente bem estabelecida, por uma serie de factos antecedentes e consequentes, que não devem deixar duvida ao espirito de quem julgar? (Apoiados.)

Como já disse á camara, o sr. relator não combateu os factos, pol-os do parte inteiramente. Entretanto levantou sobre a insinuação aqui feita, a sua palavra, toda fremente de indignação, o não teve duvida do lançar sobre essa informação o titulo de infamante.

(Interrupção do sr. Baptista de Sousa.)

O meu pasmo é de que s. exa. se espantasse com isso! (Apoiados.)

Pois foi exactamente para infamar que eu o disse aqui. Mas o que é infamante não é o que eu disse, é o que se fez. (Apoiados.) isso é que é da mais alta immoralidade...

O sr. Baptista de Sousa: - Se se fez...

O Orador: - Se se fez, é claro. É eu, como membro do exercito, tinha o dever especial de solicitar do sr. ministro da guerra que, para o bom nome de uma corporação por tantos titulos illustre, (Apoiados.) trate de verificar por todos os meios se são exactos ou não os factos aqui allegados. (Apoiados.)

Mas ha duas ordens de factos. Ha uns, que estão aqui archivados n'este documento, sobre os quaes não póde haver duvida; ha outros que, como disse e repito, são asseverações que o tempo e as averiguações a que o sr. ministro da guerra deve mandar proceder, demonstrarão opportunamente se são ou não exactos.

Do que se não póde duvidar é da intervenção illegal da força armada na eleição do sr. Teixeira de Sampaio, (Apoiados.) e é esse um facto contra o qual eu me insurjo. Mas não é só na eleição do sr. Teixeira de Sampaio: é na politica e na administração do districto de Villa Real que essa intervenção do exercito se tem dado nos ultimos tempos, e eu tenciono apresentar aqui uma interpellação sobre a maneira irregularissima como tem sido feito o serviço da junta revisora do districto de Villa Real. (Apoiados.)

Tenciono levantar aqui essa questão quando porventura tenham adormecido as sentinellas postas ao sr. ministro do reino para que o não deixem vir a esta casa do parlamento. Então mostrarei que conjunctamente com este tacto ha outros gravissimos resultantes da intervenção do exercito, como elemento da politica preponderante no meu districto. Entretanto, permitia a camara que eu faça um acto de justiça para com a auctoridade superior do districto.

Alguns dos meus collegas imaginaram que era minha intenção formal, incriminar a responsabilidade do chefe do districto, que era a esse tempo o sr. conde de Villa Real. Não vim para esse fim, vim defender a eleição do sr. dr. Teixeira de Sampaio.

Eu não suspeito nem supponho que s. exa. mandasse ou consentisse, com alegria, os actos que se praticaram. Não lhe faço essa injustiça; mas por isso que não lh'a faço, devo censural-o injustiça; mas por isso que não lh'a faço, devo censurai-o de que, pela sua fraqueza, pela sua longanimidade os tivesse tolerado, que não tivesse força para honrar os seus bons desejos e não tivesse cumprido as ordens terminantes que recebeu para manter a legalidade no acto eleitoral.

O sr. Presidente: - Pedia ao sr. deputado que se abstivesse de fazer accusações directas a qualquer membro desta camara.

O Orador: - V. exa. bem vê que esse trop de zele da sua parte é mais offensiva para mim do que para o cavalheiro a quem me dirijo. Eu sei bem o que digo e digo só o que quero.

Não pertendo offender a respeitabilidade de v. exa., nem da camara, nem do cavalheiro a quem me estou dirigindo.

Para a camara não me apodar de leviano, vou contar-lhe um incidente que tem relação com esta eleição.

Eu tinha uma grande probabilidade ou uma grande presumpção de que a segunda eleição de Alijó ia ser igualmente roubada, é o termo. Dirigi-me ao sr. ministro do reino e pedi lhe, em nome de todos as garantias liberaes, que empregasse todos os esforços para que fosse garantida a liberdade da uma a todos os eleitores. Devo dar testemunho que recebi da parte de s. exa. o melhor acolhimento e as mais formaes promessas de que seria mantida a liberdade da urna. Combinando commigo a maneira mais facil e mais pratica de conseguir isto suggeriu-me s. exa. a idéa de mandar presidir ao acto eleitoral de Alijó o sr. secretario geral do districto de Villa Real. Este cavalheiro ou por doença, ou por outra qualquer circumstancia, eximiu-se a isso.

Mas como eram frementes as instancias do sr. Luciano de Castro para que se mantivesse a estricta legalidade da urna, o chefe do districto foi em pessoa assistir ao acto eleitoral de Alijó.

Isto deveria conter os seus partidarios, mas não foi assim; e ali, depois das vivas instancias do sr. Luciano de Castro, depois da presença da auctoridade superior do districto, esses homens tiveram o impudor de violentamente impedir que os eleitores do uma assembléa do norte do concelho fossem votar, ficando assim prejudicada contra a opposição e em favor do governo a segunda eleição.

(Interrupção do sr. conde de Villa Real que não se ouviu.)

Faço a justiça de suppor que este facto indignou profundamente a v. exa.

O sr. Teixeira de Sampaio - Foi mais do que isso. Alem de virem ter á entrada da povoação com os eleitores, a auctoridade administrativa que ali estava e o commandante da força seguiram depois para a igreja, dando vivas ao governo, o commandante atirando com o bonnet ao ar, cercaram a igreja com a força armada e não deixaram entrar a opposição.

O Orador: - Isso, creio eu, deve ter repugnado ao chefe do districto. O que eu faria em seu logar seria manter a maior imparcialidade até ao fim, visto que, sem respeito por cousa alguma, os meus partidarios violaram a urna, obrigando-me a ficar desprestigiado com as suas violencias, empregaria todos os esforços para que, segundo os termos da lei, a segunda eleição fosse annullada, se em minha consciencia entendesse que assim os tribunaes julgavam correctamente essa eleição. (Apoiados.) Foi isto que se não fez. É isto o que censuro ao chefe do districto.

(Interrupção do sr. conde de Villa Real.)

Se s. exa. quer que eu formule a accusação...

(Interrupção do sr. conde de Villa Real.)

O que fez s. exa. é que não se coaduna com esse espirito de imparcialidade de que s. exa. quer agora dar testemunho, porque se o tribunal administrativo de Villa Real tivesse conhecimento da reclamação apresentada em tempo legal contra a segunda eleição, de certo ella não poderia ter sido validada.

Isto é que é grave, e d'isto é que s. exa. se não absolve. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Lembro ao sr. deputado que do que se trata é da eleição de Alijó.

O Orador: - Eu vou tratar propriamente da eleição para tranquillisar o espirito de v. exa.

O illustre relator, para defender o seu parecer, espraia-se aqui, em uma serie de considerandos tendentes a demonstrar como ha justiça e provas juridicas contra o sr. Teixeira de Sampaio, e não ha prova alguma a favor deste mesmo cavalheiro.

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O facto capital que impressionou o espirito da maioria ou que pelo menos parece ter impressionado e tel-a convencido de que se deve annullar esta eleição, é o ter-se violado a urna, introduzindo-se-lhe 24 listas a mais do numero das descargas! Pois eu vou justamente procurar conseguir demonstrar que essas 24 listas tinham todas o nome do candidato adversario do sr. Sampaio, o sr. Sebastião Maria da Nobrega, e que foram lançadas na urna justamente no intuito de annular a eleição, o que conjunctamente com factos anteriores constituo uma prova juridica de alto valor contra o parecer.

Isto consta da acta, e como estou sempre tratando juridicamente deste assumpto, devo dizer que o sr. relator sustentou aqui uma doutrina erronea, quando afirmou que a acta não faz fé! Faz fé sim senhor, emquanto uma sentença não demonstrar o contrario. (Apoiados.)

Ora ha, de ser pelas actas, pelo que ellas dizem, que heide demonstrar ao illustre relator, que as 24 listas pertenciam e não podiam deixar de pertencer ao sr. Sebastião Maria da Nobrega.

Toda a camara sabe como o facto se passou. Um membro da mesa que pertencia ao partido progressista lançou no acto da contagem, um masso de listas dentro da urna.

N'um acto instinctivo de quem defende o seu direito, como o reconhece o proprio representante da auctoridade, o sr. Teixeira Sampaio metteu a mão dentro da uma e tirou parte das listas ali mettidas.

Estas listas lidas tinham todas o nome do sr. Pinto Pizarro.

Primeira prova.

Terminado o apuramento separaram-se 24 listas, essas 24 listas foram mandadas, nos termos da lei de 1852, e veja v. exa. como eu fallo sempre em nome da lei, foram mandadas para a assembléa de apuramento e d'ahi para o ministerio do reino.

A maioria da mesa decidiu não contar essas 24 listas, mas a minoria protestou contra este facto. E porque protestou? Não foi porque essas 24 listas tivessem todas o nome do sr. Pinto Pizarro, e fizessem falta a esse cavalheiro para vencer, foi porque não tinham signal algum exterior, não eram feitas em papel de cor nem em papel transparente. Mas o que ninguem põe-em duvida é que aquellas 24 listas pertenciam ao sr. Sebastião Maria da Nobrega. (Apoiados.) E no emtanto parece arbitraria aquella maneira de separar as listas enviadas. Parece que foi ao acaso. Não. Aquillo não fui acaso; é porque houve algum meio de verificação. Houve, dil-o a acta, é que eram mais pequenas do que as outras; e sobre isto não ha protesto algum.

Segunda presumpção, e por consequencia segunda prova juridica.

Houve depois muitos protestos e houve duas assembléas de apuramento, uma das quaes, composta de cinco membros com o administrador do concelho, que tem o dom da ubiguidade porque está n'um e n'outro logar. Estes proclamam deputado o sr. Sebastião Maria de Nobrega a quem passam um diploma.

Não sei se o diploma foi mandado para cá; mas o que pergunto é se não calará no espirito da camara que aquelle cavalheiro esteja tão pouco conscio do seu direito que não venha aqui á barra defender a sua eleição? (Apoiados.) Pois elle tem um diploma que reputa legal e não vem aqui defender os seus direitos o consente que venha o seu adversario defender-se? (Apoiadas.)

Por consequencia isto não constitue tambem um elemento de prova juridica? (Apoiados.)

Isto é muito serio e muito grave. Aquelle cavalheiro não veiu por uma rasão: porque sabia perfeitamente que tinha sido um apaniguado seu que tinha violado a uma no unico intuito de cumprir as ordens dadas na carta aqui apresentada, carta que não é sómente um documento, é uma synthese, é uma ordem. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco.)

O Orador: - Diz aqui o meu amigo o sr. Marçal Pacheco que é um documento juridico e moral.

Tem rasão. Como documento juridico, mostra o intuito manifesto de annullar a eleição. Como documento moral prova como as eleições no regimen progressista por lá se fazem. (Apoiados.)

Mas aquelle cavalheiro não veiu defender a eleição porque estava conscio de que não lhe assistia nem o direito de fingir que o quizeram prejudicar. (Apoiados.)

Mas este parecer é muito notavel n'uma cousa: é que com relação ao castigo dos factos criminosos que se deram no districto de Villa Real, mormente em Alijó, limita-se a emittir o voto platonico... de que devem ser castigados os culpados. Castigados! como? se o governo é cumplice com elles?! (Apoiados.)
Mas ha mais.

(Leu)

Effectivamente, é verdade que ha uma lacuna, mas permitia-me o illustre relator que lhe diga que seria muito mais evidente para o illustre relator e para a commissão, se por ventura têem mandado as listas; mas é necessario reparar que as 24 listas que entraram a mais, eram de padrão igual ás que foram retiradas, como consta da acta, que é um documento juridico, emquanto o illustre relator não me demonstrar o contrario.

Ha outro argumento por parte da commissão, que é quanto á differença entre o numero de listas entradas na uma da assembléa de Villa Chã e o de votos apurados, não constando da acta a rasão por que não foram contadas as 6 listas que faltam. Não sei a rasão, mas eu offereço-as ao sr. relator e peço-lhe que as desconte nas 23 que restam, ganhando ainda a sua eleição o sr. Teixeira de Sampaio por 17 votos. Isto deve tranquillisar a consciencia do illustre deputado.

Eu não acho conveniencia em espraiar-me em mais considerações desde que o direito de defeza que a lei concede ao sr. Teixeira de Sampaio, para defender a sua eleição, foi classificado pelo sr. relator com um desabafo. Não me espraio em mais considerações para mostrar que nesta eleição se dão as mãos a burla com a violencia e o assissinato, para espoliar o sr. Teixeira de Sampaio de um direito que conquistou. Não me cançarei mais em justificar aquillo que reputo estar na consciencia de todos.

Mas permitta-me a camara que receie um pouco pelo resultado da votação por uma errada interpretação do que seja a lealdade partidaria. (Apoiados.) A eleição que se discute não é do governo, não pertence a nenhum sr. ministro. Nós estamos aqui para julgar da justiça de uma causa. Porventura podem reputar-se offendidos os principios, as doutrinas e a disciplina partidaria pelo facto de se invalidar um parecer de uma commissão da camara? Não pôde, e se a camara ainda ha pouco reinvidicou para si o direito de eleger livremente as commissões, reivindique para si tambem agora o direito de julgar com toda a imparcilidade este parecer. (Apoiados.) É falsa e errada a interpretação da lealdade partidaria suppor que questões d'esta ordem interessam o organismo ministerial. Não! o que o enfraquece é facciosismo partidario que sanccionar com o seu voto irregularidades e violencias.

Se aqui estivesse o sr. ministro do reino perguntar-lhe ia se s. exa. daria a sua sancção á serie de crimes perpetrados ali, e certamente s. exa. me responderia que não. Perguntar-lhe-ia tambem que garantia póde esperar aquelle cavalheiro de que ha de ser respeitada-a uma em Villa Chã, porque eu tremo de que hajam as mesmas, e as mesmas são insignificantes e nullas. (Apoiados.)

Sr. presidente, votar este parecer é sanccionar a traficancia, não é outra cousa (Apoiados.)

Os adversasios daquelle cavalheiro hão de rir-se porque praticaram estes actos com a tranquillidade que dá a certeza da absolvição, e v. exas., sanccionando com o seu voto

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este parecer, são como que a continuação no parlamento das ordens emanadas de Villa Real para que se annullasse a eleição. (Apoiados.)

Porque aquella ordem, como eu disse ha pouco, é um symptoma, é a expressão do desrespeito pelos direitos individuaes, e foi para que se fizesse a vontade de quem a escreveu, que um homem com grave risco da. vida lançou listas na urna, que a assembléa de apuramento apresentou um protesto, que esta camara elegeu uma commissão de verificação de poderes que annullou esta eleição.

Foi para que se cumprissem aquellas ordens que nós estamos aqui ha quatro dias a julgar. (Apoiados.) É para cumprir e não para deliberar. (Apoiados.)

Termino aqui, lamentando naturalmente que ainda uma vez se verifique n'esta assembléa política aquillo que de si dizia um grande orador francez:

Quelque fois un discours a fait changer mon opinion, jamais mon vote.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta de emenda

Considerando que as irregularidades praticadas na assembléa eleitoral de Villa Chã, comquanto affectem as formalidades legaes do processo eleitoral, todavia não são de natureza a deixar duvidas sobre o resultado final do apuramento;

Considerando que a prova jurídica, ainda no fôro judicial, não dispensa a prova moral como meio de bem julgar, antes conjunctamente com ella são elementos precisos para verificar da existencia de facto;

Considerando que á camara, constituída em tribunal de verificação de poderes, compete julgar pelo que é verídico e justo e não pelo formalismo rigoroso das provas strictamente jurídicas;

Considerando que as 24 listas entradas a mais na uma eleitoral de Villa Chã traziam todas escriptas o nome do candidato Sebastião Maria de Nobrega e que ahi tinham sido lançadas no unico intento de viciar o acto eleitoral;

Considerando que não deve o são juízo dos julgadores ser connivente com as demasias das paixões politicas e sanccionar com o seu voto actos que a propria lei reputa criminosos:

Por isso é a vossa commissão de poderes de opinião que se annullem as 24 listas do candidato Sebastião Maria de Nobrega e seja validado o diploma do deputado eleito Joaquim Teixeira Sampaio. = José Azevedo Castello Branco, deputado pela Guarda.

Foi admittida.

O sr. Conde de Villa Real: - Folguei ouvindo dizer ao sr. deputado que me precedeu que tencionava interpellar o governo sobre os acontecimentos de Alijó, porque quando se discutir essa interpellação será o momento mais opportuno para a liquidação de todas e quaesquer responsabilidades e para ser inteiramente restabelecida a verdade dos factos arguidos pelo sr. Teixeira de Sampaio e pelo sr. deputado José de Azevedo Castello Branco.

omo não sou relator do parecer que se discute, nem tenho a honra do fazer parte da commissão de verificação de poderes eu não teria pedido a palavra, se não tivessem sido aqui formuladas accusações que respeitam a alguns actos talvez da minha exclusiva responsabilidade.

O sr. dr. Sampaio no uso de um direito, veiu aqui deffender a sua eleição, e entendendo que assim convinha para a defeza da sua causa, fez uma longa narração de factos passados no concelho de Alijó durante o período bastante extenso que vae de novembro até ao ultimo acto eleitoral, factos que s. exa. alcunhou de illegaes e criminosos, e a camara usou para com s. exa. da maxima benevolencia, embora reconhecendo que nem todos esses factos tinham relação com o assumpto que se discute.

Pelo sr. deputado eleito Teixeira de Sampaio foi dito aqui, e foi esta porventura a unica accusação grave formulada contra o governador civil do districto de Villa Real, que um documento importante e que tinha intima relação com um dos actos eleitoraes verificados no concelho de Alijó, tinha sido entregue no tribunal administrativo depois do julgamento da eleição. Essa accusação, que me é dirigida, porquanto eu tinha a honra de ser governador civil d'aquelle districto, é inexacta e não devo deixar de a destruir.

Eu podia demonstrar a v. exa. e á camara que não tive intervenção alguma em tudo quanto a esse respeito se passou, não o farei, porque não quero que por esse motivo e outros seja imputada qualquer responsabilidade.

O documento a que me refiro é uma reclamação contra a eleição verificada no concelho de Alijó em 16 de janeiro, foi apresentado no governo civil depois do apuramento, mas dentro do praso legal. Por um erro de expediente da secretaria...

O sr. Teixeira de Sampaio: - Foi fatal.

O Orador: - Eu peço ao sr. deputado eleito que me ouça como eu ouvi s. exa. Por um erro da secretaria, a reclamação contra a eleição municipal foi enviada para o tribunal administrativo logo depois de recebida, quando, nos termos do artigo 335.° do codigo administrativo, devia ser remettida ao administrador do respectivo concelho.

Reconhecendo-se passados dois dias o erro commettido, foi esse documento enviado ao administrador do concelho de Alijó, que o devolveu no praso legal, como eu tive occasião de verificar, sendo certo, porém, que no governo civil deu novamente entrada tão sómente em 10 de fevereiro, dia designado para o julgamento da eleição.

N'esse mesmo dia pela manhã, e antes de ser julgado o processo eleitoral, eu posso garantir ao sr. Teixeira de Sampaio a verdade do que vou dizer; n'esse mesmo dia pela manhã, e antes de ser julgado o processo eleitoral, foi esse documento enviado para o tribunal, que d'esse facto teve conhecimento antes de proferir qualquer sentença.

Já vê, por consequencia, o sr. Teixeira de Sampaio que não houve empalmação do documento, que não houve intenção de o não mandar para o tribunal, e que esse documento entrou no tribunal antes de ser julgada a eleição.

O sr. Teixeira de Sampaio: - O illustre deputado dá-me licença?

O Orador: - Sim, senhor.

sr. Teixeira de Sampaio: - A reclamação foi apresentada a 29 de janeiro.

Este era o ultimo dia em que ella podia ser apresentada.

Os dois dias a correr deitavam até 31 de janeiro.

Ainda que houvesse essa confusão dos dois dias, o praso a que podia alcançar era a 2 de fevereiro.

Em dois dias havia de ser remettida ao administrador do concelho e tres dias havia de estar em poder d'este, para ouvir a mesa da assembléa eleitoral e depois devolvel-a para o governo civil.

Eu apresentei o documento no dia 29 de janeiro; e, tendo saído da administração para Villa Real no dia 8 de fevereiro (ainda hoje por acaso vi o officio de remessa da administração do concelho para o governo civil, no dia 8 mesmo ou no dia 9 entrou no governo civil.

O Orador: - No dia 10.

O sr. Teixeira de Sampaio: - É extraordinario que, estando Alijó a tres leguas de Villa Real, um documento saído de Alijó a 8 só chegue a Villa Real a 10.

Mas como explica v. exa. que houvesse tanta pressa em se julgar o processo sem essa reclamação e que a mesma reclamação estivesse sem julgamento até 7 de março, quer dizer, um dia depois da eleição?

Isso não se explica.

Quando essa reclamação esteve vinte e cinco ou trinta

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dias sem julgamento, julga-se logo no dia immediato ao da eleição?

E ainda outra cousa. Julgaram-na em separado do processo!

Os factos são como eu os exponho. A camara os apreciará como julgar melhor.
O Orador: - Sim, senhor: a camara ha de apreciar. Eu ainda não conclui.

Com o documento a que se referiu o sr. Teixeira de Sampaio deram-se os factos que eu acabo de narrar á camara.

Não sei se elle esteve em poder do tribunal antes de ter informação do administrador e antes de ser ouvida a mesa um, dois, tres ou quatro dias.

Isso é indifferente para o caso, como eu vou demonstrar á camara.

O que é facto é que esse documento foi erradamente remettido para o tribunal administrativo.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Foi um facto deploravel.

O Orador: - Concordo que foi deploravel.

Esse documento deu entrada no governo civil depois de ser ouvida a mesa, no dia 10 de fevereiro.

N'esse mesmo dia de manhã, foi enviado ao tribunal antes do julgamento da eleição;

O sr. Teixeira de Sampaio: - Tres dias de Alijó a Villa Real, acho muito, quando devia levar só quatro horas!

O Orador: - Fica por conseguinte completamente demonstrado que, se houvesse um, equivoco, e n'este ponto estamos todos de accordo, nem por isso a reclamação deixou de ser presente no tribunal administrativo antes do julgamento do processo eleitoral.

Preciso dizer á camara, que, tanto no tribunal administrativo como no governo civil, havia sido verificado antes da remessa da reclamação ao administrador do concelho, que aquelle documento nenhum valor tinha, e que por conseguinte não influiria no resultado da eleição.

Por esse motivo o tribunal não adiou o julgamento, mas, como tinha de proferir uma sentença sobre a reclamação, para esse fim marcou um dia dentro do praso legal.

Vou provar o que acabo de afirmar. Bastar-me-ha ler o accordão proferido pelo tribunal administrativo.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Não é preciso, sei-o de cór.

O Orador: - Concluo dizendo que não tomava conhecimento da reclamação, porque o apresentante não justificava a sua qualidade de eleitor.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Lá estavam os cadernos que diziam quem eram os eleitores.

O Orador: - Eu apenas pedi a palavra para não deixar passar em julgado uma accusação tão grave, e não me faço cargo de discutir a eleição, nem os actos eleitoraes em Alijó antes da eleição de deputados, porque, quando se verificar a interpellação, será occasião de liquidar todas as responsabilidades.

Disse o sr. Teixeira de Sampaio, que, tendo sido informado de haver o administrador do concelho resolvido nomear um certo individuo para seu delegado na assembléa de Sanfins, s. exa. lhe observára que essa nomeação era menos conveniente, e disse mais que o administrador do concelho lhes respondêra que não nomearia esse individuo para delegado seu na assembléa de Sanfins, nem para qualquer das outras assembléas.

É menos exacta esta asserção. O administrador do concelho annuiu ao pedido do sr. Teixeira de Sampaio, mas não se comprometteu a não fazer a nomeação para outra assembléa eleitoral.

Foi isto o que aquelle funccionario me declarou na presença do sr. Teixeira de Sampaio, e não posso deixar de lamentar que s. exa., tendo ouvido a declaração do administrador, viesse aqui repetir uma tão injusta accusação.

Foram levantadas muitas accusações contra os actos praticados pelas auctoridades de Villa Real, mas esses não são da minha inteira responsabilidade, e não é ao governador civil, embora tenha assento n'esta camara, que compete responder por elles, mas sim ao governo.

Nada mais diria sobre este assumpto, se porventura o sr. Teixeira de Sampaio não tivesse apresentado um documento que realmente é digno de ser discutido.

S. exa. apresentou uma carta dirigida ao administrador do concelho de Alijó pelo irmão do candidato progressista por aquelle circulo, segundo s. exa. affirmou.

Essa carta diz qualquer cousa a respeito da eleição, e parece insinuar que ella deve ser annullada.

(Interrupção.)

Não ouvi bem o que a carta diz, e, francamente, pouco interessa conhecer o seu conteudo.

(Interrupção.)

O que é grave é que em poder do sr. Teixeira de Sampaio se encontra uma carta que foi roubada; o que interessa é saber-se como e por quem foi essa carta interceptada.

Folgo de ver representado-o governo, porque sobre estes factos tenho de chamar a sua attenção.

É verdadeiramente estranhavel que o sr. Sampaio fizesse uso de um documento d'aquella ordem, porque desde que s. exa. o apresentou se tornava indispensavel averiguar quem é que roubou a carta, a fim d'esse crime não ficar impune; a carta presta-se a muitas interpretações, como s. exa. sabe muito bem.

Até facilmente se podia demonstrar que tinha relação com a acta que se estava lavrando na occasião em que foi interceptada e não com o acto eleitoral já n'esse momento concluído.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Quantas horas depois devia começar a fazer-se á acta?

O Orador: - O sr. Teixeira de Sampaio esqueceu-se de dizer como a carta lhe tinha chegado às mãos; não se lembra; pois sobre isso vou dar algumas informações.

(Interrupção.)

V. exa. não julga esse facto importante, mas julgo-o eu, porque d'elle resulta uma responsabilidade muito grave que é necessario apurar.

Tive conhecimento da existencia d'essa carta depois de ter tomado assento na camara; antes d'isso não o sabia. Tinha-se guardado bem o segredo.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Não havia nenhum eleitor da assembléa de Villa Chã que não soubesse que existia essa carta. Posso garantir a s. exa. que antes d'ella me vir á mão já muitos o sabiam.

O Orador: - Não tive conhecimento d'isso. Tinham todos concordado em que na igreja de Villa Chã não entrasse, alem da mesa, senão o sr. dr. Teixeira de Sampaio, as auctoridades e o representante do candidato progressista, para maior cautela tinham collocado á porta a força armada.

O portador d'essa carta, não podendo entrar na igreja, dirigiu-se ao commandante da força e pediu-lhe para se encarregar de a fazer chegar ás mãos do destinatario. Esse official tomou couta da carta e comprometteu-se a satisfazer o pedido. Mas deu-se o caso de que junto a esse official estava outro talvez interessado n'esta questão do Alijó.

Presumindo que o conhecimento do conteúdo da carta poderia ser de conveniencia para o candidato regenerador, pediu ao official a quem havia sido entregue, leu-a e guardou-a, negando se a restituil-a aquelle que por uma pouco desculpavel leviandade havia obtemperado aos seus desejos.

E assim é que a carta se acha hoje em poder do sr. Teixeira de Sampaio.

Chamo a attenção do governo para este facto, a fim de que mande já proceder ás
necessarias averiguações e tome depois as providencias que julgar convenientes.

Tenho dito.

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O sr. Antonio de Azevedo Castello Branco: - Acima de todos os argumentos, de todas as rasões e subtilezas, que possam servir para sustentar as conclusões do parecer da commissão, que se pronunciou pela annullação da eleição n'uma assembléa eleitoral do circulo de Alijó, está a narrativa singela, simples e sobretudo eloquente, na sua propria simplicidade, feita pelo meu amigo o sr. dr. Teixeira de Sampaio. (Apoiados.} Tomo a palavra n'esta discussão, não porque me chamem a campo as relações de amisade e estima, que me ligam ao illustre candidato eleito pelo circulo de Alijó; ou os sentimentos inspirados pela confraternidade politica que tenho com elle, mas porque entendo que, pondo a minha humilde palavra ao serviço da sua causa, estou unicamente do lado da justiça, estou unicamente do lado da rasão, e combato pela manutenção e integridade dos principios liberaes. (Apoiados).

Em quanto eu vá dizer e que se relacione com a historia dos extraordinarios acontecimentos que precederam os attentados praticados na assembléa de Villa Chã, não queira a commissão, não queira ninguem ver, traduzidos nas minhas palavras, sentimentos de animosidade particular ou politica, mas unicamente o cumprimento de um dever sagrado.

A paixão partidaria nunca imperou no meu animo e nunca obumbrou o meu espirito. Tendo de me referir aos antecedentes da eleição de Alijó, que se discute, não faço mais do que acompanhar n'isto o illustre deputado que me precedeu, e cujas palavras attentamente escutei; porque, tendo s. exa. gerido a administração superior do districto durante o nefasto periodo eleitoral, grande parte tomou nos lamentaveis successos que se deram principalmente no concelho de Alijó, e, portanto, grande deve ser tambem a sua responsabilidade. (Apoiados.)

Não quero agora fazer a accusação do delegado do governo, nem analysar minuciosamente os seus actos; porque não desejo por modo algum que se supponha que as minhas palavras traduzem resentimentos politicos, e sómente desejo tratar com toda a serenidade do assumpto que se discute, embora, uma ou outra vez, me veja forçado a alludir a factos que estreitamento se vinculam á responsabilidade do illustre deputado, como governador civil.

Todavia hei de referir-me a esses factos unicamente como elementos de apreciação critica do ultimo acto eleitoral de Alijó.

A politica progressista no districto de Villa Real, desde que subiu ao poder o actual governo, teve duas feições altamente distinctas.

Em parte do districto, a acção politica e administrativa do poder central fez-se sentir de uma maneira muito energica e oppressiva d'aquelles que não prestam o seu apoio ao governo e aos agentes do poder central.

Em outra parte do districto, tanto nos actos puramente politicos como nos administrativos, predominou uma certa cordura e tolerancia, sendo quasi nulla a acção do poder central.

Parecia que o sr. ministro do reino, assim como tinha consignado no seu codigo administrativo preceitos relativos á auctoridade de certos concelhos; tambem quizera para alguns uma especie de autonomia politica e escolhêra o districto de Villa Real para fazer ali essa experiencia. Portanto nota-se que a acção do delegado do poder central, se nalguns concelhos foi tibia ou quasi nulla, para outros porém, convergiu com todos os elementos de pressão, para fazer com que os actos eleitoraes representassem unicamente o triumpho das opiniões oppostas ás d'aquelles que milhavam na opposição. Onde, felizmente, á testa da administração e da politica se encontraram pessoas prudentes e sensatas, e onde as violencias não eram precisas, como, por exemplo, em Montalegre, Boticas, Chaves, Valle Passos e Mesão Frio, o delegado do governo não teve de intervir com a sua funesta ingerencia politica nos actos eleitoraes.

No concelho de Alijó, porém, as cousas mudaram completamente.

Ali, onde havia contra o candidato sr. Teixeira de Sampaio odios politicos inveterados, aquelle odio antigo, que não cansa; ali onde a superior auctoridade administrativa, devia coarctar os desmandos da paixão partidaria e dar provas evidentes de força sufficiente para ir de encontro ás opiniões e á vontade dos inimigos do sr. Teixeira de Sampaio; ali onde lhe cumpria pôr em pratica as indicações mais consentaneas com os principios de justiça, os processos mais adequados aos principios liberaes, honrando o cargo e o proprio partido, que tanto se tem vangloriado com o seu platonico respeito pela liberdade eleitoral e genuina expressão do suffragio, as infracções da lei e as maiores torpezas eleitoraes foram postas em acção pelos adversarios do sr. Sampaio para obstarem ao triumpho da sua candidatura! (Apoiados.) Ou por inhabilidade administrativa do governador civil do districto, ou por felicidade do adversario do sr. Teixeira de Sampaio, as cousas correram por fórma, que era manifesto o empenho, era evidentissimo o plano previamente estabelecido de o expoliar da victoria.

Eram muitos os elementos que tinha para o seu triumpho o sr. Teixeira de Sampaio; e a prova é que o illustre deputado eleito luctou, não só na eleição de deputados, mas em eleições municipaes anteriores, dando provas indubitaveis de uma singular tenacidade, da sua influencia, do seu amor pela justiça, pela liberdade e pelos principios do regimen representativo, amor que não é muito vulgar nos tempos que vão correndo. (Apoiados.)

Bastava isto para o tornar respeitavel perante a camara.

N'este tempo em que tanta facilidade ha de condescender com subserviencias politicas, embora com menosprezo dos principios, uma energia d'esta ordem é na realidade um facto excepcional digno do nosso respeito e da nossa consideração. (Apoiados.)

Vejamos como se conspirou contra o sr. Sampaio.

Logo depois de tomar posse o governador civil do districto, progressista, quem foi nomeado administrador do concelho de Alijó?

O futuro candidato, Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro!

Foi logo nomeado para ser vigilante das operações eleitoraes.

Ia trabalhar pro domu sua. Desempenhada aquella temporaria commissão, retirou-se, e foi substituido.

D'ahi por diante começa a epopeia de attentados eleitoraes todos convergentes ao proposito de cansar a opposição em luctas successivas, de apavorar os eleitores e obstar por todos os meios a prevista e timida victoria eleitoral do sr. Sampaio. As nomeações de administradores succedem-se, uns definitivos, outros inventados ad hoc, magistrados de occasião, transitorios.

De uma pharmacia de Sabrosa sáe um que vae com uma guarda pretoriana sanccionar as inauditas violencias e fraudes que o recebedor Barbosa, delegado do administrador do concelho, praticara na eleição municipal de Santa Eugenia, factos que eu não repito, porque os narrou o sr. Teixeira de Sampaio.
Para a segunda eleição municipal, n'aquella em que o proprio governador civil vae com sua presença assegurar a liberdade do suffragio e a ordem publica, é importado de Villa Pouca de Aguiar um novo administrador do concelho, figuradamente estranho á politica de Alijó, e em cuja imparcialidade, segundo o ingenuo pensar de quem o nomeára, nada devia influir o proximo parentesco que tem com o adversario do sr. Sampaio, o candidato progressista.

É que não se tratava da eleição de deputados. (Riso.)

Nem a presença do governador civil, nem o administrador imparcial evitaram os novos crimes em Santa Eugenia,

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onde tanto se assignalou o tenente Teixeira, de infanteria n.° 13, com as suas violencias contra o exercicio da liberdade eleitoral e com as suas dithirambicas manifestações de enthusiasmo pelo governo e pela dictadura, a quem dava vivas conjunctamente com os soldados, atirando o bonet ao ar em arrobes de progressismo.

A eleição da commissão revisora de recenseamento em 7 de janeiro é tambem um facto estupendo. Um outro administrador dá ahi as suas provas, impedindo com força militar o accesso á casa do municipio e tribunal, como a camara ouviu contar ao sr. Sampaio. Este episodio foi tão estranho, brutal e extraordinario, que o administrador do concelho, envergonhado porventura com a propria façanha, pediu a exoneração. Note a camara, não foi demittido por ter perpetrado actos irregularissimos, não foi expulso do exercicio do cargo que deslustrara; exonerou-se espontaneamente.

É depois d'isso que no palco apparece um novo administrador de concelho, um sr. Lousa, que em Villa Chã ganhou as suas esporas de oiro nos torneios da traficancia eleitoral.

Que pretendia o administrador do concelho com os attentados de 7 do janeiro na eleição da commissão de recenseamento? O triumpho para a lista exclusiva do seu partido, no intuito de na eleição de deputado, ter a presidencia das mesas eleitoraes, e mais facil, portanto, alguma fraude de suffragio, se fosse preciso. (Apoiados.)

Este expediente de nomear administradores especiaes e ephemeros para a pratica determinada de certas torpezas eleitoraes é uma innovação, que honra o magistrado que a poz em pratica, e é o meio mais idoneo de collocar em posição commoda de irresponsabilidade os administradores effectivos.

É preciso um desacato eleitoral, uma fraude, uma violencia, importa-se um administrador ad hoc qualquer pharmaceutico serve. (Apoiados.)

As eleições de 1886 e 1887 no concelho de Alijó ficarão memorandas, nos annaes eleitoraes do partido progressista pelos feitos dos administradores dos concelhos e pela interferencia da força militar, que n'estas pugnas arrasta pela lama o prestigio do exercito.

Em Santa Eugenia ha os feitos gloriosos do heroico tenente Teixeira; em Villa Chã, o capitão commandante da força destinada a manter a liberdade eleitoral e a segurança publica, para salvar a virgindade da urna, teve-a em seu poder durante muitas horas, emquanto se machinavam todos os expedientes necessarios para annullar a eleição. (Apoiados.)

Tudo isto é uma collaboração, uma cooperação de elementos que me pareceu providencial, e chamo-lhe providencial, porque não posso explical-a, a não ser que quizesse fazer a accusação mais vehemente, mais vigorosa e mais ardente contra quem administrou superiormente o districto, que, ou por nimia fraqueza, ou por facciosismo extraordinario, não soube ou não póde encaminhar as cousas de modo que a liberdade eleitoral fosse respeitada e viesse unicamente á camara com o seu diploma aquelle a que competia, que era o sr. Teixeira de Sampaio. (Apoiados.)

Eu não sei, ainda não pude ver, nem me é licito advinhar, qual a maneira como a camara aprecia a narrativa feita pelo sr. Teixeira de Sampaio, nem qual o modo como aprecia os argumentos adduzidos pelo sr. relator, o meu amigo o sr. Baptista de Sousa.

Não sei se a camara quer constituir-se em tribunal juridico, ou se quer tomar uma deliberação fundada unicamente nas rasões moraes, n'aquellas que derivam da narrativa feita pelo sr. Teixeira de Sampaio, e do conhecimento de todos os acontecimentos anteriores á sua eleição, que não são mais do que um acervo de attentados praticados muito de proposito para frustrar a sua eleição. (Apoiados.)

Era sabido que o sr. Teixeira de Sampaio tinha uma maioria de eleitores muito dedicados no concelho de Alijó. Os serviços praticados por elle naquelle concelho durante longos annos, as tradições de homem honestissimo (Apoiados.) e de juiz integerrimo, davam-lhe direito a vir ao parlamento com o suffragio dos seus amigos e dos seus concidadãos, (Apoiados.) mas para anniquilar a sua popularidade procuravam-se todos os elementos que podiam congregar-se para o effeito de que não podesse a sua eleição triumphar; e era indispensavel por consequencia que todas as eleições que precedessem a eleição de deputados tivessem uma derrota, um mau exito, porque isso influia necessariamente no animo de todos os eleitores.

Não ha ninguem medianamente conhecido nos processos eleitoraes que não saiba, que quando um partido perde uma eleição qualquer que precede outra, é difficil alcançar victoria n'esta.

Portanto combatia-se, tratava-se de annullar a primeira eleição, tratava-se de a macular, no intuito de fazer com que a opposição a perdesse e ficasse sem força moral para tentar combate na eleição de deputados, ponto culminante d'esta pyramide de successos extraordinarios e incriveis.

Vejo que da parte do illustre deputado, que governava o districto, houve nas suas explicações apenas referencia ao facto de que no governo civil do districto de Villa Real tinha havido uma falta, qual era a de não mandar para o tribunal uns documentos que eram indispensaveis para o julgamento do processo eleitoral da segunda eleição camararia.

Felizmente ha sempre esses anonymos em todas as repartições que ingloriamente se sacrificam para salvar os chefes.

O sr. Conde de Villa Real: - Peço perdão, eu disse que o documento tinha entrado no tribunal antes do julgamento da eleição, e que isso nada tinha influido no resultado da eleição.

O Orador: - No dia do julgamento da eleição, no proprio dia. Coincidencia singular! O documento andou aos caprichos da ventania politica, e só parou, quando não era preciso, nem se podia fazer uso delle com prejuizo das artimanhas eleitoraes de Alijó. (Apoiados.)

Não entro na discussão das rasões juridicas do parecer; unicamente vou dizer á camara que todos os precedentes historicos d'esta eleição levam á conclusão de que n'este paiz nunca, ou pelo menos muito raras vezes, se praticaram tamanhas prepotencias unicamente para vencer um candidato. (Apoiados.)

Uma tão longa lucta e na qual se praticassem tantos e tão violentos attentados, creio que nunca appareceu, nem nunca houve tantos funccionarios militares e civis que se desviassem dos preceitos e dos deveres para se porem ao serviço de paixões politicas tão ignobeis e escandalosas. (Apoiados.)

E não posso tambem deixar de me referir, ainda que ligeiramente, á carta que foi aqui citada. N'essa carta faz-se referencia a um cavalheiro que tem no districto uma grande proeminencia politica e é tido como accessor do governador civil do mesmo districto. O conselho, pois, dado por esse cavalheiro, e que devia ser cumprido pelo administrador Lousa, não podia ser menosprezado. Annulla, dizia o signatario da carta, irmão do candidato progressista, e um da mesa cumpriu a funesta indicação. N'essa carta está feita a critica dos factos de Villa Chã, e onde appareceu um delegado especial do governador civil, não para estabelecer o imperio da lei, mas para assistir com fria impassibilidade á perpetração de um crime que até hoje está impune.

Terminando as minhas considerações, direi sómente á camara que attenda bem na imparcialidade com que deve proceder e que veja bem quaes são as consequencias que podem resultar da approvação do parecer da commissão de poderes. Qual será no futuro o candidato por mais afagado

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que seja do suffragio, que se possa considerar a salvo dos attentados eleitoraes que n'esta eleição se deram? Qual será a eleição que poderá considerar-se resguardada de quaesquer ataques, desde que haja um homem ousado que lance dentro da uma um masso de listas? (Apoiados.)

E ha de a camara porventura sanccionar desacatos d'esta ordem? (Apoiados.) Pois esta camara, que é filha da lei de 1884, que, apesar de ser promulgada, estando á frente do destino do paiz o partido regenerador, é invocada com gloria do partido progressista, que conseguíra a sua promulgação para garantia das minorias; ha de porventura pronunciar-se contra os principios da mesma lei, annullando a eleição do sr. Teixeira de Sampaio!?

Não acredito. Não posso acreditar. Desde o momento em que se sanccionem todos os attentados praticados em Alijó, a camara glorificará o administrador Lousa, mas n'essa lousa poderá tambem gravar o epitaphio dos princípios liberaes. Se approvar o parecer, crie a camara o premio de Monthyon para a virtude do capitão que resguardára com tão feliz exito a virgindade da urna, e uma condecoração especial para premiar as proezas praticadas pelo tenente Teixeira e por aquelles que lhe sigam de futuro o heroico exemplo. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Baptista de Sousa: - Sr presidente, v. exa. e a camara viram, que o parecer ficou mais justificado ainda depois da impugnação feita pelos illustres deputados os srs. José de Azevedo Castello Branco e Antonio de Azevedo Castello Branco.

O primeiro, annunciando uma interpellação ácerca dos acontecimentos de caracter politico do concelho de Alijó, occorridos anteriormente á eleição de deputados, eleição que se discute, (Apoiados.) e o segundo, querendo impugnar o parecer com os precedentes historicos do mesmo concelho, mostraram evidentemente que não se póde aqui tratar de todos esses factos, de todas essas occorrencias, porque, é claro, que se ellas fizessem a bem da causa, que o sr. José de Azevedo defendeu, s. exa. era incapaz de faltar aos deveres que se impoz, impugnando o parecer, deixando de chamar ao debate esses factos, e de os discutir, em vez de annunciar uma nota de interpellação.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Escusa v. exa. de gastar a sua rhetorica, porque o que eu disse, foi que sobre a intervenção do exercito na politica, e na administração do districto, tenciono apresentar em tempo conveniente uma nota de interpellação.

O Orador: - Se s. exa. não annunciou de um modo tão extenso a sua nota de interpellação, restringindo-a áquelles factos, os quaes tinham sido motivo do arguições por parte do sr. Teixeira de Sampaio, reconhece que, visto serem os outros da mesma natureza e anterioridade, são para aqui verdadeiramente impertinentes.

Pois podia haver obrigação da parte do relator da commissão e da camara, em
responder sobre factos, para que não estão prevenidos, para responder sobre occorrencias, que não constam do processo eleitoral? (Apoiados.)
Querem s. exas. que se responda a todos esses factos, que s. exas. desejaram trazer para aqui, sem duvida muito bem informados, mas apenas com o seu testemunho? S. exa. o sr. Sampaio, não apresentou documentos relativos ao acto eleitoral do circulo de Alijó; apresentou documentos que são relativos a actos todos acontecidos durante a primeira é segunda eleição municipal e durante a primeira e segunda eleição da commissão de recenseamento.

E póde v. exa. dizer, que isto tem intima ligação juridica e moral com o acto d'esta eleição. (Apoiados.)

Uma voz: - E a carta?

O Orador: - A carta a que o sr. Sampaio se referiu, que eu não vi, nem precisava ver, é uma carta que diz «annulle».

Annulle? O que?

Não só refere á eleição. Eu não sei a occasião em que ella foi entregue, nem sei a que se refere.

O sr. Pinheiro Chagas: - Essa e de advogado!

O sr. Marçal Pacheco: - Mas a carta é um documento que diz respeito á eleição; isso prova que não é exacto o que s. exa. diz, quando affirma que não se apresentaram documentos relativos á eleição.

O Orador: - S. exa. está no seu direito em lhe dar essa classificação; o que é absolutamente impossível é proval-o.

(Interrupção.)

Essa carta não exprime pensamento de modo tal, que nós possamos acreditar que o que ella dizia era para annullar a eleição. (Apoiados.)

Uma voz: - É um documento relativo á eleição.

O Orador: - O que se discutiria primeiro é isso mesmo, ou se é ou não documento relativo á eleição do deputado.

O que eu estranho é que se falle a respeito de occorrencias que tiveram logar anteriormente a essa eleição, e que não podiam influir no resultado d'ella por não haver medo de se conhecer se determinaram coacção da vontade de eleitores ou vieram a viciar a eleição, que bastante tempo depois se realisou.

(Interrupção.)

Póde influir na vontade dos eleitores, de accordo, mas isso é que é aqui absolutamente insusceptível de discussão, porque o segredo do voto, que não foi revelado, deve respeitar-se, e desde que as listas entradas na uma manifestaram aquella vontade, só para se descobrir qualquer crime eleitoral até áquelle momento praticado, é que é licita a intervenção de estranhos, que n'essa conformidade tenham algum dever a cumprir.

Tratando, pois, da eleição de Alijó, eu tenho de desprezar tudo que lhe não respeita, como são os factos anteriores que a outro proposito podem e devem apurar-se.

E direi de passagem, que o sr. José de Azevedo Castello Branco não reproduziu completamente as minhas palavras, para ter a facil satisfação de brincar em volta do uma, que eu empreguei, chamando burlescas a algumas occorrencias.

Eu disse que as occorrencias, narradas pelo sr. Teixeira de Sampaio, eram umas tetricas e outras burlescas, e s. exa., o sr. José de Azevedo Castello Branco, deu-se a plena liberdade de me attribuir só a segunda palavra como se eu comprehendesse n'ella os factos graves de mortes, ferimentos e outros.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Quaes eram as circumstancias burlescas?

O Orador: - S. exa. de certo me desculpa, se eu me referir á circumstancia que narrou, de se dar ao incommodo de se levantar muito cedo para, se me parece, andar sempre a vigiar, e a outras d'esta natureza.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Essa circumstancia é burlesca?!

Não sabia.

O Orador: - S. exa. desculpa-me de certo, se eu me referir então á circumstancia de lhe ter parecido, que na uma foram espalhadas listas como quem semeia linhaça, segundo as palavras textuaes de s. exa.

Era a estas circumstancias, que eu chamava burlescas; e, como eu disse que havia outros factos muito graves e muito serios, não havia direito de scindir o meu pensamento e a minha expressão para se me attribuir aquillo que não era meu intento affirmar, e que positivamente não affirmei.

O sr. José de Azevedo Castello Branco disse que o parecer nem sequer a conclusões jurídicas obedecia.

S. exa. deu-se ao incommodo, elle, que é um distincto cirurgião militar, de ir ver o codigo civil, para mostrar, como este define prova, e quantas especies de prova admitte.

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N'este ponto lembrarei apenas a s. exa., que o considerando do parecer, que lhe mereceu estes reparos, e que o illustre deputado disse, depois de o ler, que não se percebia bem, é a copia textual de um artigo ou de parte de um artigo do codigo commercial.

É isto que s. exa. começa por dizer que não se percebia bem!

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Tambem o codigo commercial n'essa parte se não percebe bem.

O Orador: - Também o codigo commercial não se comprehende bem, me observa s. exa., que tendo sido deputado nunca propoz a sua alteração. Ainda quando não se comprehenda bem o que elle diz, temos obrigação de respeitar o texto da lei que até hoje não foi revogado.

Mas saiba s. exa., que aquelle artigo, que é, se me recordo bem, o 940.°, e o seguinte, têem sido por auctoridades, a que se subjugaria, considerados um primor de redacção e de ensinamento.

Ora o que foi textualmente escripto num codigo de leis e para o jury pelo eminente jurisconsulto Ferreira Borges é que eu tive a fortuna de inserir, no parecer, sem adivinhar, que me haviam de accusar de não considerar a camara um jury, quando eu já reproduzia, sem insídia, uma regra, que para jury fóra escripta.

Depois da lei de 21 de maio de 1884 será porventura sustentavel, que a camara funcciona em julgamento de eleições como um tribunal que decido, não por provas absolutamente moraes e falliveis, mas pela applicação rigorosa de todos os principies de direito, obedecendo, aliás, ao § 4.° do artigo 14.° da mesma lei.

Digo isto, sem que o meu modo de pensar a tal respeito se coadune com o alcance, que assim se attribua nesta parte a essa lei de 21 de maio de 1884, pois que tão extrema consequencia é contraria aos meus desejos e ás minhas idéas.

Mas, tendo a camara e o tribunal especial creado pela referida lei igual competencia para julgar eleições, não deve profligar a jurisprudencia de duas entidades, que são iguaes na jurisdicção, e que exercem funcções de judicatura sobre os mesmos assumptos. (Interrupção).

O tribunal especial não póde applicar senão o direito escripto...

(Interrupções).

Eu digo que esse tribunal tem de julgar conforme os princípios de direito escripto, e de indicar até as leis em que fundamentar as suas decisões; e, dada a diversidade ou opposição entre a sua jurisprudencia e a parlamentar, acontecerá que esta camara póde vir a ter deputados de duas proveniencias: uns que aqui entrem com o seu diploma auctorisadissimo por uma decisão do tribunal, que haja approvado sem duvida alguma as suas eleições; outros que tenham assento nesta sala por simples complacencia ou favor, pois que o exame das provas não justificaria a sua proclamação.

(Interrupção.}

Porque é que o illustre deputado, que me interrompe, e os seus correligionarios n'esta casa, que são em numero superior a quinze, não usaram do seu direito, pedindo que esta eleição fosse julgada pelo tribunal especial de verificação de poderes?

(Interrupção ao sr. Marçal Pacheco que não se percebeu.)

Os illustres oradores, que me precederam, foram um pouco arrastados pela amisade para com o sr. deputado eleito, ao qual eu não estimo menos, a acompanhal-o em parte das suas considerações.

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco que não sã percebeu.)

Mas continuando, porque não posso estar nesta palestra, que me é de certo muito agradavel, pois que até parte da camara conhece a amisade particular que me liga ao sr. Marçal Pacheco desde o tempo da universidade, devo fazer notar á camara que o sr. José Castello Branco disse que eu affirmára erroneamente, que as actas das assembléas primarias não tinham fé publica.

Eu disse, e continuo affirmando, que as actas têem fé publica emquanto aos factos que ellas são destinadas a verificar, mas não a têem em tudo quanto é alheio ás funcções das mesas eleitoraes, como não a têem, quando affirmam factos contrarios a outros, que constam das mesmas actas ou de outros papeis da eleição.

E assim, quando uma das actas diz que o numero de votos foi igual ao numero de listas, e depois ella mesma accusa que a somma de votos, que cada cidadão obteve, não coincide com o numero de listas, sem dar explicação alguma da differença, essa acta não expressa a verdade.

Como eu já disse, se as mesas das assembléas eleitoraes, apreciando occorrencias das eleições, decidirem á vista de provas escriptas, que não acompanhem o processo, serão subtraídas á apreciação da camara ou do tribunal de verificação de poderes as eleições de deputados, porque já das assembléas primarias viria tudo feito e a ultima palavra proferida sobre o assumpto.

Pelo que disse o sr. José Azevedo Castello Branco a respeito das 24 listas, que foram contadas em separado, parece que a commissão contou os 24 votos, que estas listas representavam, a favor do candidato progressista.

oda a argumentação de s. exa. convergia para este fim e todavia o parecer concluo pela annullação da eleição da assembléa eleitoral de Villa Chã, e não por que se contem esses 24 votos. Acrescentou s. exa., que 6 votos de differença entre os contados e os apurados não podiam influir no resultado da eleição. Eu digo a s. exa. que não está absolutamente demonstrado se podiam ou não influir, e assim tornando-se este ponto muito duvidoso ficará o julgador collocado na difficuldade de saber qual foi o resultado.

Entraram na uma listas que tinham sido indevida e criminosamente introduzidas, as quaes foram retiradas immediatamente pelo sr. Teixeira de Sampaio, S. exa., entendendo que na mesma uma tinham ficado algumas listas das criminosamente introduzidas, e, pretendendo tiral-as, metteu segunda vez a mão na uma e tirou outras listas, que, sendo-lhe tiradas a elle pelo administrador do concelho, foram lançadas por este outra vez na urna.

A final apuraram-se 24 listas a mais. Separam-se essas 24, e vê-se que entre o numero de votos apurados e todas as outras listas, que foram contadas, ha uma differença de 6.

Pergunto, se podia ou não ser que as listas, que ainda ficaram indevidamente na urna, fossem sómente aquellas 6 da differença?

(Interrupção.)

A final separaram-se 24 listas que tinham todas o nome do candidato
progressista, o deixaram de se apurar 6.

(Interrupção do sr. Sampaio.)

Foi engano! Então está perfeitamente demonstrado o valor que tem a acta. A acta diz que ha mais 6 listas contadas do que votos apurados, e s. exa. explica isto depois dizendo que foi engano. Onde os enganos são taes, como podemos nós apreciar a verdade? (Apoiados.)

S. exa. não encontra na acta nem em documento algum do processo uma explicação qualquer que venha destruir a hypothese de terem ficado na uma precisamente essas 6 listas apenas, ou ainda menos da ultima parte do masso lançado na mesma urna.

O parecer da commissão, se houvesse, não digo já o facciosismo de que aqui se fallou, mas o proposito de prejudicar alguem, poderia facilmente ser redigido em termos em que a eleição se validasse em favor do deputado progressista; e, todavia, o parecer conclue pela annullação da eleição, simplesmente n'uma assembléa eleitoral e não no circulo todo, onde aliás ha irregularidades em todas as assembléas.

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Ora ahi está o facciosismo com que se procedeu, ahi está como a commissão corresponde a essa suspeita, que tem sido lançada, de proceder contra a sua consciencia; por melindre extraordinario da sua consciencia é que a conclusão do parecer não é pela annullação da eleição em todo o circulo, mas só n'uma assembléa eleitoral. De outro modo era muito mais penoso para o candidato da opposição repetir a lucta.

(Interrupção de um sr. deputado.)

Se v. exa. entende que é vantajoso para o partido progressista, que a eleição se repita sómente numa assembléa eleitoral, e que pelo contrario é util para o partido regenerador, que a eleição se repita em todo o circulo, v. exa. faria bem em mandar para a mesa uma substituição ao parecer n'esta parte. (Riso)

(Interrupção do sr. Teixeira de Sampaio.)

Não nego, e repito mil vezes que esse acto é digno das maiores censuras e merece castigo.

A camara não lhe dá premio nem castigo, mas reprova-o, (Apoiados.) e pratica um acto de justiça.

Mas o sr. José de Azevedo Castello Branco, referindo-se a estas palavras do parecer, disse que eram apenas um voto platonico! Mas que outro voto póde exprimir com relação a um poder igualmente independente, como é o poder legislativo?

A camara ha de dar alguma ordem ao poder judicial? (Apoiados.)

Exprime apenas que reprova o acto, conforme póde fazer. Portanto não é voto platonico...

(Interrupção do sr. Peixeira de Sampaio.)

Não posso discutir documentos que não vejo...

Tivesse v. exa. o cuidado de os apresentar para exame, a que se referisse o parecer, que, aliás, os desattendaria por se referirem a factos alheios á eleição, de que se trata.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Aqui estão todos.

O Orador: - Com o processo não vieram nem foram presentes á commissão; supponha, porém, s. exa. que a esse attentado commettido pelo escrutinador da mesa se seguiram até muitos outros. Pergunto, depois d'esses attentados, ficaria valida a eleição que estava nulla?

Está dando a hora, mas para não ficar com a palavra para ámanhã, porque já não vale a pena, direi apenas do bastante que se me offerecia ainda, que o sr. José Castello Branco foi injusto para commigo, de certo sem querer, quando me attribuiu palavras que eu era incapaz de proferir, como foram as que eu dissera ao sr. Teixeira de Sampaio, quando me referi ao seu desabafo.

Eu não disse que o direito de defeza do sr. Teixeira de Sampaio era um desabafo; mas disse pouco mais ou menos que s. exa., em toda a narração dos acontecimentos anteriores a esta eleição estivera constantemente a desabafar, e n'esta parte fui rigorosamente verdadeiro; e, não me arrependendo de o ser, continuo a prestar toda a minha desvaliosa amisade particular a s. exa., em quem reconheço a convicção profunda de que a eleição lhe pertenceria se não fosse anullada.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada e mais o parecer sobre a eleição de Felgueiras.

Está levantada a sessão.

Eram seu horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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Em virtude de resolução da camara dos senhores deputados se publica o seguinte:

E. N.° 12

Illmo. e exmo. sr. - Determinando o artigo 29.° da lei da contabilidade publica de 25 de junho de 1881, que pelo tribunal de contas seja, enviada á camara dos senhores deputados, dentro dos primeiros quinze dias depois da sua constituição, uma relação de todos os creditos extraordinarios e supplementares que tiver registado na ausencia do parlamento, e bem assim o relatorio em que emitta o seu juizo ácerca da regularidade do processo com que foram abertos os mesmos creditos; tenho a honra de pastar ás mãos de v. exa. a relação, e a apreciação d'este tribunal, com respeito ao credito supplementar e ao credito extraordinario, abertos por decretos de 20 de junho ultimo, o primeiro para occorrer a despezas das alfandegas, e o ultimo para satisfazer encargos das provincias ultramarinas.

Deus guarde a v. exa. Tribunal de contas, 31 de março de 1887. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = A. de Serpa Pimentel.

Senhores. - Cumprindo o que determina o artigo 29.° da lei da contabilidade publica de 20 de junho de 1881, o tribunal de contas tem a honra de submetter á apreciação da camara dos senhores deputados o resultado dos exames a que procedeu, com relação ao credito supplementar, decretado em 25 de junho do corrente anno, para occorrer a despezas das alfandegas, e ao credito extraordinario, decretado na mesma data, para satisfazer encargos das provincias ultramarinas.

O processo adoptado pelo tribunal consistiu na comparação das formalidades seguidas pelo poder executivo com as disposições legislativas que lhes são applicaveis.

Disposições communs a ambos os creditos

«Para que sejam abertos creditos supplementares ou extraordinarios (artigo 25.° da lei citada) deve ser ouvido o conselho d'estado, e na conferencia ser presente um relatorio do ministro competente, em que se descrevam as despezas a que são destinados, e a importancia das que houverem sido já effectuadas pela verba ordinaria respectiva; lavrando-se da conferencia uma acta para ser presente a Sua Magestade, com o decreto que mandar abrir o credito.»

O conselho d'estado foi ouvido; os relatorios dos ministros dos negocios da fazenda e dos negocios da marinha e ultramar foram presentes á conferencia, e nesses relatorios deu-se conhecimento das verbas já despendidas por conta das sommas auctorisadas, e das que tinham ainda de ser satisfeitas até ao fim do exercicio; logo, foram cumpridas as disposições d'este artigo da lei da contabilidade.

A verba auctorisada para a despeza fiscal era de réis 684:183$340, e a importancia ordenada, conforme o relatorio do ministro, tinha sido de 590:939$851 réis, ou, segundo a escripturação das ordens submettidas ao visto do tribunal, escripturação de que foi extrahido o mappa junto, de 589:331$090 réis, a somma calculada para todo o exercicio era de 781:931$652 réis, logo o credito supplementar a abrir seria de 97:748$312 réis.

Com relação ao credito extraordinario de 201:527$962 réis, auctorisado pela lei de 22 de março de 1886, para as despezas das provincias ultramarinas, o tribunal deve notar que não tem elementos seus por que possa conhecer quanto se havia já despendido pelo credito auctorisado pela lei de 22 de março de 1886, porque sendo considerada esta operação como de thesouraria ou de conta corrente com aquellas provincias as respectivas ordens, se as houve, não foram submettidas á sancção do seu visto. Era um caso que reputa omisso no regulamento geral da
contabilidade publica, que não trata d'esta especie. N'estas circumstancias dirigiu ao governo uma consulta, que vae junta por copia a este relatorio, solicitando a sua iniciativa no sentido de habilitar o tribunal a poder, em casos analogos, ter conhecimento exacto das despezas effectuadas pelas verbas ordinarias respectivas, na epocha em que se abrir o credito extraordinario destinado a reforçal-as, e a authenticar a legalidade de todas as operações de contabilidade publica do estado, como prescreve o artigo 307.° do regulamento geral da contabilidade publica. A portaria de s. exa. o ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda vae igualmente junta ao presente relatorio, em resposta áquella consulta.

Os creditos supplementares e os extraordinarios (artigo 26.° da mesma lei) sómente podem ser decretados estando encerradas as cortes, e quando a urgencia da despeza seja tal que não possa esperar pela proxima reunião parlamentar; e em nenhum caso podem ser abertos para legalisar despezas effectuadas.

Quando foram decretados estes créditos, estavam fechadas as côrtes.

A despeza que elles auctorisaram não podia deixar de ser feita antes de terminar o exercicio, isto é, antes de 31 de dezembro, e portanto antes da abertura do parlamento.

As verbas votadas, quer para o serviço fiscal, quer para as provincias ultramarinas, não estavam ainda esgotadas, a julgar pelos relatorios dos ministros; logo, tambem foram observados os preceitos d'este artigo da lei de 20 de julho de 1881.

Os decretos abrindo creditos supplementares e extraordinarios devem ser immediatamente publicados na folha official (artigo 27.°) e bem assim os relatorios justificativos, para serem registados n'este tribunal.

Os decretos que mandaram abrir os creditos de que se trata, e os relatorios que os justificam foram publicados na folha official n.° 143, de 28 de junho ultimo.
Sendo o relatorio do credito supplementar de 14, o do credito extraordinario de 18, e ambos os decretos de 20 de junho, a publicação póde dizer-se immediata.

Disposições especiaes da creditos supplementares

«O governo póde abrir creditos supplementares (artigo 24.° tambem da lei da contabilidade) quando se dê insufficiencia provada das sommas destinadas no orçamento, com applicação a despezas variaveis.»

A reforma das alfandegas, de 17 de setembro de 1885, tornou insufficiente a verba votada para as despezas do serviço fiscal; logo, essa insufficiencia justificou a abertura do credito supplementar de que se trata.

«Os creditos supplementares não podem ser decretados em caso algum (§ 1.° do dito artigo) no decurso dos primeiros seis mezes do exercicio.»

O credito foi aberto em junho de 1886; logo, no decimo segundo mez do exercicio de 1885-1886.

«Estes creditos só podem ser applicados (§ 2.° do mesmo artigo), a despezas restrictamente fixadas pela lei annual da despeza.»

A lei de 22 de março de 1886, que rectificou a despeza de 1885-1886, diz que (§ 3.° artigo 2.°) «para occorrer ás despezas dos serviços aduaneiros de qualquer ordem, poderá o governo abrir os creditos supplementares necessarios para integral pagamento das mesmas despezas».

Logo, o credito foi aberto para occorrer a uma despeza, a respeito da qual a lei orçamental do exercicio permittia a abertura d'estes creditos.

Disposições especiaes dos creditos extraordinarios

«É permittido ao governo abrir creditos extraordinarios (artigo 23.° da lei da contabilidade) para occorrer a ser-

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viços indispensaveis e urgentes, não previstos na lei annual da despeza, ou em leis especiaes, quando esses serviços provenham do caso de força maior, como inundação, incendio, epidemia, guerra interna ou externa e outras similhantes.»

Vê-se do relatorio do ministro dos negocios da marinha e ultramar, que as despezas a que occorreu o credito extraordinario de 25 de junho ultimo eram indispensaveis e urgentes; que algumas foram determinadas pelas exigencias da guerra em Angola e na Guiné; que outras, comquanto não estejam comprehendidas em nenhum dos casos especificados n'aquelle artigo, não podem deixar de ser attribuidas a circumstancias extraordinarias, como foram a occupação dos territorios do Zaire, o estabelecimento do protectorado portuguez na costa de Dahomey, e a grande affluencia de colonos á província de Angola. Já anteriormente fôra necessario prover á insufficiencia das verbas votadas para as despezas das provincias ultramarinas, como se vê das disposições invocadas pelo mesmo decreto de 25 de junho, que mandou abrir este credito extraordinario; sendo, todavia, certo que os creditos auctorisados por essas disposições não foram, nem podiam ser considerados extraordinarios, porque eram abertos pela lei; e os creditos extraordinarios, nos termos do artigo 53.° do regulamento da contabilidade publica, só podem ser decretados quando as côrtes estão encerradas.

N'estes termos, pois, o tribunal é de parecer que no processo seguido para a abertura do credito supplementar, decretado em 20 de junho d'este anno, na importancia de 97:748$312 réis para integral pagamento das despezas do artigo 31.° da tabella rectificada do ministerio da fazenda, do exercicio de 1885-1886, e no do credito extraordinario, decretado na mesma data, na importancia de réis 201:527$962, para occorrer ás despezas das provincias ultramarinas, no dito exercicio, se cumpriram as formalidades determinadas pela lei da contabilidade de 25 de junho de 1881.

Approvado e votado pelo tribunal de contas, em sessão plena de 31 de março de 1887. = A. de Serpa Pimentel = A. C. Barjona de Freitas = Visconde de Bivar = Henrique da Gama Barros = João José de Mendonça Cortez = Visconde de Villa Mendo = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira = Francisco Augusto Correia Barata = João Silverio de Amorim da Guerra Quaresma = Candido Maria Cau da Costa = Gualdino Alfredo Lobo da Gama Valladares. - Fui presente, Pedro Augusto de Carvalho.

Relação dos creditos abertos pelo poder executivo depois do encerramento da sessão parlamentar de 1886, que foram registados por este tribunal (artigo 29.° da lei de contabilidade publica de 25 de junho de 1881 e artigo 56.° do regulamento de 31 de agosto do mesmo anno)

[Ver tabela na imagem]

Direcção geral do tribunal de contas, 1.ª repartição, 31 de março de 1887. = O conselheiro director geral, J. J. Ferreira Lobo.

Mappa demonstrativo das ordens de pagamento, relativas ao artigo 31.° da tabella rectificada do ministerio da fazenda, do exercicio de 1885-1886 (corpo da guarda fiscal - serviço terrestre), que foram submettidas ao visto do tribunal até 31 de março de 1886

[Ver mapa na imagem]

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SESSÃO DE 26 DE ABRIL DE 1887 231

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

Direcção geral do tribunal de contas, 31 de março de 1887. = O conselheiro secretario director geral, J. Ferreira Lobo.

Tribunal de contas - Secretaria - Copia - Ministerio da fazenda - Direcção geral - Contabilidade publica - 1.ª Repartição. - Foi presente a Sua Magestade El-Rei a consulta do tribunal de contas de 21 de dezembro proximo passado, sobre a necessidade de que as disposições legaes, que mandam abrir os creditos em conta corrente com as provincias ultramarinas, sejam realisadas em harmonia com o espirito da lei e do regulamento de contabilidade publica, que determina que esse tribunal tenha todos os elementos indispenseveis para o desempenho das funcções, que lhe incumbe, de fiscal da administração da fazenda publica; allegando o mesmo tribunal que não lhe foram submettidas nenhumas ordens de pagamento feito pelo ministerio da marinha e ultramar, em virtude dos referidos creditos em conta corrente, abertos, em favor do dito ministerio, no da fazenda;

Considerando que o regulamento geral do contabilidade publica, estabelecendo a fórma como devem ser satisfeitas as despezas do estado, as classifica em ordinaria e extraordinaria; determinando outrosim que para supprir a deficiencia das auctorisações para umas e outras, se possam fazer transferencias de verbas de artigo para artigo dentro dos mesmos capitulos das tabellas, e abrir creditos supplementares e extraordinarios pela fórma e nos termos no mesmo regulamento prescriptos, ainda prescreve uma outra limitação ás faculdades do poder executivo, fixando o quantum da representação das receitas publicas, para por este meio satisfazer com regularidade ás despezas auctorisadas, e cujas ordens de pagamento tenham sido visadas pelo tribunal de contas;

Considerando que essa limitação da divida fluctuante, estatuida no artigo 155.° do regulamento de contabilidade publica, é um verdadeiro credito concedido ao thesouro, mas diverso dos creditos extraordinarios e supplementares, auctorisados para satisfação definitiva de despezas publicas, porque o credito relativo á divida fluctuante é provisorio, ao passo que os extraordinarios e supplementares são definitivos;

Considerando que o credito auctorisado pelo artigo 4.º da carta de lei de 22 de março de 1886, renovando as disposições da lei de 22 de junho de 1886 sobre creditos em conta corrente ás provincias ultramarinas, não é outra cousa mais que a applicação rigorosa dos preceitos nos artigos 154.° e 155.° do regulamento de contabilidade publi-

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