SESSÃO DE 24 DE JANEIRO DE 1888 229
Carvalho, e contra os quaes se levantam os povos. Nós não fomos os que mandámos fazer o inquerito agricola, que, porventura devido á menos comprehensão dos povos, tem dado tão funestos resultados. Não é isso da nossa responsabilidade; mas o que se vê é que a marcha do governo não é compativel actualmente com a vontade popular. (Apoiados.)
Sobre tudo o que se desejo é que o gabinete entre, se lhe é possivel entrar, n'uma via de administração publica conforme com a lei, n'um caminho de rectidão e economia. (Apoiados.)
O que é que tem feito o governo?
O governo, sem querer por agora discutir os seus actos, está por tal fórma desacreditado no espirito publico, (Apoiados.) que a mais pequena medida d'elle encontra immediatamente resistencia á qual poderia talvez obstar ou pela moderação ou reconsiderando no seu affan tributario. Mas não! Accode á mais insignificante resistencia, recuando, recuando com uma tão notavel cobardia, a ponto de levar aos povos a comprehensão de que não tem força moral nem prestigio para manter as suas leis; e desde esse momento, póde ter a certeza de que não logrará mais impor-se á obediencia dos povos.
Eu aguardo, sr. presidente, as explicações que sobre este assumpto certamente me vae dar o sr. presidente do conselho, e peço a v. exa. que me permitta usar da palavra depois de ouvir s. exa. Ao mesmo tempo desejava que s. exa. de uma vez para sempre firmasse qual é a doutrina do governo cora relação ao direito de interceptar a correspondencia particular.
Se é preciso, para tranquillidade do governo, que não recebamos cartas, a nossa consideração pelo governo vae até ao ponto de fazermos esse sacrifício; mas, se por um abuso, se por violação da lei nos cerceiam a mais preciosa das liberdades que fruimos, realmente é triste. (Apoiados.)
Este telegramma de Barcellos, que foi retido contra as disposições regulamentares do decreto de 29 de julho de 1386, é um telegramma sem importancia, e não vinha por fórma alguma agitar a opinião publica em Lisboa.
Se os empregados do governo entenderam que deviam retel-o por livre alvedrio seu, é preciso que o governo accentue na camara a sua maneira de entender a lei, para que os nossos amigos não gastem dinheiro em telegrammas, e possamos saber com o que se ha de contar. (Apoiados.)
Eu vou ler á camara o telegramma.
(Leu.)
O que acabo de ler, comprehende v. exa. que não vinha agitar a opinião em Lisboa, onde são conhecidos, que farte, os abusos do governo.
(Leu.)
O que ha de mais importante n'este telegramma são as phrases: abaixo o governo e vivas a El-Rei.
Talvez fosse isto que incommodasse o governo. (Apoiados.)
Este telegramma, aliás inoffensivo, e que eu offereço ao sr. presidente do conselho para elle o ver, traz á margem a nota do empregado do telegrapho, que diz assim: " Foi suspensa a transmissão d'este telegramma, segundo as disposições do § 3.º do artigo 4.° do decreto de 29 de julho de 1886".
Ora o § 3.° do artigo 4.° do decreto de 29 de julho de 1886, diz o seguinte:
(Leu.)
Eu comprehendo que os vivas a El-Rei incommodem o governo, mas se a não transmissão d'este telegramma não constitue um attentado contra esta disposição, peço ao governo que accentue a sua maneira de pensar sobre o assumpto.
Concluindo, peço a v. exa. a fineza de me reservar a palavra para depois de fallar o sr. presidente do conselho.
O sr. Presidente: - Devo informar o sr. deputado Miguel Dantas, que os documentos que s. exa. pediu em 1887 ainda não chegaram. Vae instar-se pela sua remessa.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Com respeito aos acontecimentos de Moncorvo, a que se referiu o illustre deputado que me precedeu, só posso declarar á camara a participação que tive por um telegramma que hontem recebi do governador civil de Bragança. Diz:
"Bragança, em 23, ás 12 h; 3 da tarde.- Urgente - Ex.mo ministro do reino, Lisboa.- Hontem muitos populares da freguezia de Urros entraram em arruaça em Moncorvo, aos gritos de viva a republica, abaixo o ministerio; aconselhados para que se portassem com prudencia, arremeçaram pedradas sobre a força, que em seguida os fez dispersar á coronhada. Consta que ficaram feridos dois populares. Presumia-se que á noite se renovaria a arruaça; até agora, porém, não tenho mais informações.
"Consta que houve aliciamento para a desordem. Ao administrador do concelho ordenei levantamento do auto investigação e procedimento energico contra as desordens. = O governador civil, Visconde dos Arcos".
Esta noticia, em que se diz terem ficado apenas duas pessoas feridas por causa da força ter de usar das coronhas para dispersar os amotinados, é tambem confirmada por um telegramma particular que foi dirigido a um cavalheiro d'esta camara e que me fez a honra de m'o mostrar. Creio, portanto, ter havido exageração na noticia que deram ao illustre deputado. É o que posso dizer a s. exa.
Quanto ás considerações politicas e financeiras feitas por s. exa. a respeito da marcha do actual governo, parece-me que não é esta a melhor occasião para responder a s. exa. (Apoiados.) Na resposta ao discurso da corôa s. exa. terá então occasião de formular a proposito das suas representações conta a marcha politica, financeira e administrativa do governo.
Quanto ao telegramma a que s. exa. se referiu, desejando saber qual é a opinião do governo, devo dizer a s. exa. que a minha opinião é que a lei deve ser cumprida tal qual está. (Apoiados.)
Esse serviço não corre pelo meu ministerio, não posso, por conseguinte, dizer a s. exa. quaes são as ordens que se têem dado a esse respeito. O que posso dizer é que a minha opinião, primeiramente é que a lei se execute no sentido que vou dizer, salvo o caso excepcional de gravidade em que póde perigar a ordem publica devem ser sempre transmittidos os telegraramas pela mesma rasão dada pelo illustre deputado, porque me parece que não se lucra nada em sonegar por alguns dias á publicidade factos e noticias que, a serem verdadeiros vem logo pelo correio e são publicadas nos jornaes.
Não sei quaes as ordens que se têem dado pelo ministerio das obras publicas, porque este negocio, repito, não corre pelo meu ministerio; ao sr. ministro das obras publicas póde s. exa. pedir as explicações a este respeito.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para dar a s. exa. e á camara uma explicação a respeito de umas palavras que outro dia proferi n'esta camara por occasião de me referir á publicação de um facto occorrido entre mim e o sr. governador civil de Lisboa e que tinha apparecido inserida n'um jornal da opposição.
Quando me referi a esse facto estranhei que tivesse apparecido publicado n'um jornal da opposição, mas nunca foi minha intenção referir-me ao digno empregado que preside á administração no districto de Lisboa, .o sr. marquez do Pomares, que me merece todo o credito, que é um cavalheiro de toda a probidade, em cuja circumspecção e lealdade tenho a mais completa confiança. (Apoiados.)
A minha idéa, estranhando aquella publicação, era referir-me a qualquer indiscripção ou inconveniente, ou menos exacta apreciação dos seus deveres, feita por qualquer funccionario subalterno, empregado da policia, que pela sua