SESSÃO DE 24 DE JANEIRO DE 1888 231
hoje de outra materia antes d'aquella. Todavia, sr. presidente, eu não tenho duvida em entrar na discussão do projecto, porque assim como hontem a maioria tomou uma resolução, póde hoje tomar outra; a responsabilidade é d'ella e os commentarios serão do paiz, que avaliará o fim que a maioria e o governo tiveram em vista, procedendo assim.
Parece-me uma retirada vergonhosa, mas o governo e a maioria lá se entendem.
Eu deixo aqui consignada a minha estranheza, e vou discutir o projecto para que não pareça que tambem bato em retirada.
Tinha eu dito hontem, sr. presidente, que o projecto que se discute não satisfaz o fim a que se propõe; tinha demonstrado que o seu fim é acabar com a agitação do paiz, e tinha-o demonstrado com as proprias palavras do relatorio do governo e com as palavras do relatorio da commissão.
Agora hei de demonstrar que o projecto não consegue o seu fim.
Pretende o projecto conseguir o seu fim, isto é, acabar com a agitação do paiz por tres meios: aliviando algumas industrias das respectivas contribuições a que estavam sujeitas; tornando as licenças facultativas; e acabando com a prisão por falta de pagamento de multas.
Se a agitação do paiz provier das industrias que foram aliviadas, se provier, da circumstancia das licenças serem obrigatorias e da prisão a que estavam sujeitos os que não pagassem as multas, é claro que o projecto satisfaz ao fim a que se propõe; mas se a agitação não provier d'estas causas ou de alguma d'ellas, ou não provier só d'ellas, é tambem claro que o projecto, attendendo simplesmente áquellas causas, não póde acabar com a agitação, e por isso não satisfaz ao seu fim.
Portanto, temos que ver se a agitação provém simplesmente d'aquellas causas; e não é preciso grande trabalho para mostrar que não.
Confessa-o o proprio governo, quando diz no relatorio, que precedo a sua proposta de lei, quando diz que a agitação não provém principalmente d'aquelles a quem eram ou podiam ser pedidas as licenças.
Portanto a agitação não só não tem por unico motivo as licenças, mas até nem as licenças são o principal motivo d'ella, como reconhece e confessa o governo.
O sr. presidente do conselho por mais de uma vez tem dito aqui e na outra casa do parlamento, que os povos se agitavam n'uns pontos por causa das contribuições municipaes, n'outros por causa das contribuições parochiaes, n'outros por causa do inquerito agricola, e o sr. Eduardo José Coelho, confirmando as asserções do sr. presidente do conselho de ministros, acrescentou, que só em Pombal é que as agitações foram por causa das licenças.
Portanto, sendo varias as causas da agitação do paiz, e não attendendo o projecto senão a uma d'essas causas, é claro e evidente, que não póde conseguir acabar a agitação, porque sem tirar as causas todas não pôde fazer cessar o effeito d'ellas. Isto é o que resulta e salta logo á primeira vista das proprias palavras e confissões do governo; vejamos agora se será possivel conseguir por outros meios o fim que o projecto teve em vista e que como vimos elle não póde conseguir. Para isso é necessario que examinemos mais precisamente quaes são as verdadeiras causas que têem agitado o paiz, e até se ellas actuam em todo o paiz, isto é, não só nos pontos onde já tem havido tumultos, mas mesmo n'aquelles, onde ainda os não tem havido, e onde poderão apparecer ámanhã se as mesmas causas ahi actuarem.
O governo insinua que as causas da agitação do paiz são manejos da opposição, quando diz que foram promulgados sem reluctancia nem queixumes a lei de 15 de julho de 1887 e respectivos regulamentos e que por um acaso feliz, quando se approximava a abertura do parlamento ou já estava realisada, em fins de dezembro e principios de janeiro, é que começou a levantar-se resistencia mais ou menos sincera.
Tal é a insinuação feita pelo governo! (Apoiados.) Mas nem o proprio governo que a faz está convencido da verdade ou procedencia d'ella. Se o estivesse limitar-se-ia a reprimir a resistencia, que não tinha uma causa justa, e não viria com esta proposta de lei, que em tal caso seria uma prova de fraqueza, que o governo não quereria nem deveria dar. (Apoiados.)
Não admira que não apparecessem reluctancias nem queixumes quando a lei e os regulamentos foram promulgados, e que apparecessem resistencias só quando começaram a executar-se; a promulgação das leis passa desapercebida para o povo; ordinariamente nem d'ellas tem conhecimento.
Quando as leis começam a executar-se, é que o povo começa a ter conhecimento d'ellas pelos seus effeitos; é n'essa occasião, que começa a doer-lhe, é n'essa occasião que reclama. (Apoiados.) Emquanto a lei não passa do papel não se faz sentir e por isso não provoca reclamações no povo a quem vae affectar.
E depois o povo tem sido ou costuma ser tão pouco feliz nas representações, que dirige aos poderes publicos contra medidas, que se discutem, que já não vale a pena recorrer a este meio, e quasi lhe não resta outro recurso senão aguardar a execução e reclamar então, como o tem feito agora. (Apoiados.) Sempre ou quasi sempre assim tem acontecido, por isso não repugna acreditar, que assim acontecesse agora, sem ser necessario recorrer aos manejos da opposição.
Não quero passar adiante sem levantar aqui uma interpretação celebre, que o sr. ministro da fazenda deu á phrase resistencia mais ou menos sincera, que se encontra n'este periodo do seu relatorio.
S. exa. explicando esta phrase n'uma das sessões passadas, disse, que isto queria dizer que todas as resistencias eram sinceras, umas eram mais sinceras, outras menos sinceras, mas todas sinceras. Se isto assim fosse ou se fosse isto, que o sr. ministro, quiz dizer quando escreveu a phrase, a consequencia seria, que todas as resistencias deviam ser mais ou menos attendidas, umas mais e outras menos, mas todas attendidas. Ora o sr. Marianno de Carvalho não fez isto. O que se segue d'aqui? Segue se que o argumento não foi senão um sophisma ou um trocadilho de palavras para fazer effeito na occasião, e que este periodo do seu relatorio envolve unica e simplesmente uma insinuação feita á opposição, que eu pela minha parte repillo. (Apoiados.)
Mas nem tal insinuação tem plausibilidade, porque se as resistencias fossem devidas a manejos da opposição deviam manifestar-se mais, onde o governo estivesse mais fraco, e a opposição mais forte, e no districto de Castello Branco, onde o governo não ganhou nenhuma commissão de recenseamento, e teve a minoria apenas em dois concelhos tudo está em socego ao passo que todos os dias apparecem tumultos em Anadia, paladio do sr. presidente do conselho; isto é significativo a não ser que o sr. ministro da fazenda queira dizer que o sr. presidente do conselho está comnosco; (Apoiados.) mas parece-me bem que não podemos suppor similhante intenção em s. exa.
Não se póde de maneira nenhuma avançar que os tumultos sejam devidos a manejos da opposição, quando não ha provas nenhumas, e para suppor o contrario ha indicios como o que eu acabei de apresentar que é significativo.
E a final talvez o governo esteja convencido de que a agitação do paiz é devida a manejos da opposição, porque talvez o partido progressista, no nosso caso, aproveitasse o ensejo, mas nós não fazemos assim: nós entendêmos que o governo procede mal em relação ao bem do paiz, e que por isso deve sair do poder ou mudar de caminho, mas antes queremos aguardar que elle se convença por si mesmo de
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