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SESSÃO DE 24 DE JANEIRO DE 1888

Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os ex.mo srs.

Francisco José de Medeiros

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

O sr. presidente disse que tinha recebido uma representação da associação typographica lisbonense e artes correlativas, pedindo que sejam isentos do pagamento da contribuição industrial os artistas e operarios que provem exercer algum dos ramos das artes graphicas e seus accessorios, designados nos estatutos da mesma associação. - Leu-se um officio do ministerio da marinha, satisfazendo a um requerimento do sr. Avellar Machado. - Leu-se outro do ministerio dos negocios estrangeiros, enviando esclarecimentos pedidos pelo sr. Teixeira de Vasconcellos. - O sr. Eduardo José Coelho apresenta o parecer da commissão de legislação criminal, sobre o projecto de lei que tem por fim abolir o fôro academico.- Os srs. Ruivo Godinho o Vieira de Castro apresentam requerimentos de interesse particular, ambos com referencia a assumpto militar.- O sr. Vasconcellos Gusmão manda uma declaração de que, se estivesse presente, teria approvado a moção de confiança no governo, apresentada pelo sr. Eduardo José Coelho. - Justificam faltas, por não terem comparecido ás ultimas sessões, os srs. Ignacio Casal Ribeiro e Vasconcellos Gusmão. - O sr. Carlos Lobo d'Avila faz algumas reflexões sobre o serviço tachygraphico e a publicidade das sessões que, no seu entender, estava sendo illusoria.- O sr. José de Azevedo Castello Branco chama a attenção do sr. ministro do reino para os tumultos de Moncorvo, onde ficaram quatorze pessoas feridas, e para os que se deram em Oliveira do Bairro. O sr. ministro do reino responde-lhe, lendo-o ultimo telegramma que recebera do governador civil de Bragança, em que dava noticia dos tumultos, constando-lhe que tinha havido dois feridos.
Na ordem do dia continúa a discussão do projecto n.°6, modificando a lei da contribuição industrial, continuando a usar da palavra o sr. Ruivo Godinho, que apresenta uma proposta. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Falla tambem o sr. Moraes Carvalho, e fica-lhe a palavra reservada para a sessão seguinte.- O sr. ministro da fazenda apresenta uma proposta de lei, auctorisando o governo a facultar no districto do Funchal o pagamento de contribuições de repartição e de lançamento devidas em prestações trimestraes, semestraes e annuaes no praso de cinco annos, sem juro de mora.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 77 srs. deputados. São os seguintes : - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Alfredo Pereira, Sousa e Silva, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros Lucena e Faro, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Candido da Silva, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Silva Cordeiro Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Pereira dos Santos, Vasconcellos Gusmão José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Julio Graça, Julio de Vilhena Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Manuel José Vieira Marçal Pacheco, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira Miguel Dantas, Vicente Monteiro, Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram- durante a sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Bernardo Machado, Elvino de Brito, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Izidro dos Reis, Santiago Gouveia, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Torreira Galvão, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Alpoim, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Julio Pires, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Serpa Pinto, Campos Valdez, Antonio Ennes, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Francisco Beirão, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Scarnichia, Dias Gallas, Sousa Machado, Joaquim Maria Leite, Simões Ferreira, Guilherme Pacheco, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Manuel Espregueira, Pedro Victor, Dantas Baracho, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Avellar Machado, copia da correspondencia official relativa á morte do governador de Manica, o major Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões.
secretaria.

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Teixeira de Vasconcellos, dois volumes do Livro branco, aonde se acha publicada toda a correspondencia entre o governo portuguez e britannico sobre a importação do gado vaccum nas ilhas britannicas.
A secretaria.

REPRESENTAÇÃO

Da associação typographica lisbonense e artes correlativas, pedindo sejam isentos do pagamento de contribuição industrial os artistas e operarios que provem exercer alguma das artes graphicas e seus accessorios.
Apresentada pelo sr. presidenta da camara, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Joaquim de Oliveira, major reformado, pedindo que seja approvado por esta camara o projecto de lei apresen-
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tado na camara dos dignos pares pelo ex.mo sr. D. Luiz da Camara Leme, em sessão de 9 do corrente, tendente a melhorar o soldo dos officiaes reformados anteriormente á lei de 22 de agosto do anno findo.

presentado pelo sr. deputado Ruivo Godinho e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

De João Alberto Ramos, sub-director da administração, reformado com a graduação de coronel, pedindo que seja approvado por esta camara o projecto de lei apresentado na camara dos dignos pares pelo ex.mo sr. D. Luiz da Camara Leme, em sessão de 9 do corrente; addicionando-se, porém, ás classes do artigo 1.º as seguintes palavras: - e empregados civis com graduação militar.
Apresentado pelo sr. deputado Vieira de Castro e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente, teria approvado a moção de confiança no governo, apresentada pelo sr. deputado Eduardo José Coelho. = O deputado por Evora, José Joaquim de Vasconcellos Gusmão.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro a v. exa. e á camara que por motivo justiçado deixei de comparecer ás ultimas sessões da camara, desde o dia 16 do corrente. = O deputado por Evora, José Joaquim de Vasconcellos Gusmão.

Declaro a v. exa. que não tenho podido comparecer as ultimas sessões, por motivo justificado. = Ignacio Casal Ribeiro.

O sr. Presidente: - Recebi uma representação da associação typographica lisbonense e artes correlativas, pedindo que sejam isentos do pagamento da contribuição industrial, os artistas e operarios que provem exercer alguns dos ramos das artes graphicas.
Tambem a associação pediu que a representação fosse publicada no Diario do governo.
Creio que a camara consentirá n'esta publicação, e vou
consultal-a.
Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.
O sr. Eduardo José Coelho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação criminal, sobre a proposta de lei que tem por fim abolir o fôro academico.
Peço a v. exa. que lhe mande dar o devido destino.
O sr. Vieira de Castro: - Mando para a mesa um requerimento de João Alberto Ramos, sub-director da administração militar, pedindo melhoria de reforma.
Peço a v. exa. que se digne mandal-o á respectiva commissão, a fim de ser tomado na consideração devida quando for discutido o projecto de lei apresentado pelo digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme na sessão de 9 do corrente mez.
O sr. Gusmão: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. que por motivo de doença não tenho podido comparecer ás sessões desde o dia 16 do corrente.
Approveito a occasião de estar com a palavra para declarar que, se estivesse presente quando foi votada a moção de confiança apresentada pelo sr. Eduardo José Coelho, tel-a-ía approvado.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Sr. presidente, não é a v. exa. que tenho que me dirigir, mas sim ao governo, especialmente ao sr. ministro do reino com quem tenho que conversar.
Pedia, portanto, a v. exa. a fineza de me reservar a palavra para quando s. exa. chegar.
O sr. Jacinto Candido: - Tinha pedido a palavra para pedir ao governo explicações com respeito a melhoramentos publicos nos Açores; mas, como não vejo presente nenhum dos membros do governo, pedia a v. exa. que me reservasse a palavra para quando estiver presente algum dos srs. ministros.
O sr. Miguel Dantas: - Pedia a v. exa. que me informasse se os documentos que tenho pedido, relativos ao processo do escrivão Moreira de Mello, de Vouzella, já vieram. Ha tres sessões que requeiro a remessa d'estes esclarecimentos.
Não sei o motivo por que ainda não vieram, mas parece-me que não ha meio da camara tomar conhecimento d'elles.
O sr. Ruivo Godinho: - Pedi a palavra para sabei-se já tinha resultado o requerimento que fiz pedindo o auto do corpo delicto do processo Hersent, e para saber se já tinham vindo os esclarecimentos relativos ás empreitadas das estradas.
Mando para a mesa um requerimento do major reformado Joaquim de Oliveira, pedindo que lhe seja applicada a ultima lei relativa aos reformados.
Pedia a v. exa. a fineza de mandar dar seguimento aos requerimento que fiz em 11 do corrente.
Espero que estes esclarecimentos não terão a mesma demora que têem tido os do illustre deputado o sr. Miguel Dantas, e que tiveram tambem os que pedi na sessão passada.
O sr. Lobo d'Avila:-( O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Sr. presidente, eu pedi a palavra na supposição do que estivesse o sr. ministro do reino, para pedir a s. exa. informações sobre factos graves, que são como que a continuação do estado permanente de anarchia em que se encontra o paiz, e ouvir naturalmente mais uma vez da boca de s. exa. que não está informado pelas suas auctoridades.
Sr. presidente, depois dos tumultos de Pombal, os da Madeira, depois dos da Madeira, os de Cantanhede, e depois dos de Cantanhede, os do concelho da Anadia, e ultimamente as noticias recebidas accusam que em Moncorvo se deram factos gravissimos que eu passo a relatar.
Por uma carta datada de 22, que se recebeu hoje, é que se póde ter conhecimento d'esses factos, porque o governo, por uma abusiva interpretação da lei, deu ordem aos seus agentes para que não deixassem passar os telegrammas noticiando factos d'esta ordem.
Tenho aqui copia de alguns telegrammas, que foram retidos, que são verdadeiramente anodynos.
Mas convem illudir o parlamento dizendo-lhe que o paiz está tranquillo, não se permitte a expedição de qualquer noticia que o desminta.
Não se lembra o governo de que, passados um ou dois dias, as noticias são transmittidas por cartas particulares, visto que ainda não ousou deter a correspondencia do correio, mas estou certo de que ainda chegaremos a isso.
Diz a carta de Moncorvo:
(Leu.)
Sr. presidente, ao mesmo tempo que eu recebia esta carta, ha n'um jornal insuspeito para todos os partidos, o Diario de noticias, que tinha havido graves tumultos em Oliveira do Bairro, para onde caminhara a marcha forçada um destacamento de caçadores 7, e que dizia constar ainda haver em Arouca iguaes tumultos.
Por estes factos se vê que o estado de anarchia é manifesto em todo o paiz. (Apoiados.)
Interroga-se o governo sobre as causas que determinam a actual marcha das cousas publicas e a resposta é nenhuma.
Póde o sr. ministro do reino esfalfar-se a repetir que nós é que provocâmos a desordem; o facto é que nós não aggravámos os addicionaes nem os impostos com vexatorios regulamentos como os introduzidos pelo sr. Marianno de

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Carvalho, e contra os quaes se levantam os povos. Nós não fomos os que mandámos fazer o inquerito agricola, que, porventura devido á menos comprehensão dos povos, tem dado tão funestos resultados. Não é isso da nossa responsabilidade; mas o que se vê é que a marcha do governo não é compativel actualmente com a vontade popular. (Apoiados.)
Sobre tudo o que se desejo é que o gabinete entre, se lhe é possivel entrar, n'uma via de administração publica conforme com a lei, n'um caminho de rectidão e economia. (Apoiados.)
O que é que tem feito o governo?
O governo, sem querer por agora discutir os seus actos, está por tal fórma desacreditado no espirito publico, (Apoiados.) que a mais pequena medida d'elle encontra immediatamente resistencia á qual poderia talvez obstar ou pela moderação ou reconsiderando no seu affan tributario. Mas não! Accode á mais insignificante resistencia, recuando, recuando com uma tão notavel cobardia, a ponto de levar aos povos a comprehensão de que não tem força moral nem prestigio para manter as suas leis; e desde esse momento, póde ter a certeza de que não logrará mais impor-se á obediencia dos povos.
Eu aguardo, sr. presidente, as explicações que sobre este assumpto certamente me vae dar o sr. presidente do conselho, e peço a v. exa. que me permitta usar da palavra depois de ouvir s. exa. Ao mesmo tempo desejava que s. exa. de uma vez para sempre firmasse qual é a doutrina do governo cora relação ao direito de interceptar a correspondencia particular.
Se é preciso, para tranquillidade do governo, que não recebamos cartas, a nossa consideração pelo governo vae até ao ponto de fazermos esse sacrifício; mas, se por um abuso, se por violação da lei nos cerceiam a mais preciosa das liberdades que fruimos, realmente é triste. (Apoiados.)
Este telegramma de Barcellos, que foi retido contra as disposições regulamentares do decreto de 29 de julho de 1386, é um telegramma sem importancia, e não vinha por fórma alguma agitar a opinião publica em Lisboa.
Se os empregados do governo entenderam que deviam retel-o por livre alvedrio seu, é preciso que o governo accentue na camara a sua maneira de entender a lei, para que os nossos amigos não gastem dinheiro em telegrammas, e possamos saber com o que se ha de contar. (Apoiados.)
Eu vou ler á camara o telegramma.
(Leu.)
O que acabo de ler, comprehende v. exa. que não vinha agitar a opinião em Lisboa, onde são conhecidos, que farte, os abusos do governo.
(Leu.)
O que ha de mais importante n'este telegramma são as phrases: abaixo o governo e vivas a El-Rei.
Talvez fosse isto que incommodasse o governo. (Apoiados.)
Este telegramma, aliás inoffensivo, e que eu offereço ao sr. presidente do conselho para elle o ver, traz á margem a nota do empregado do telegrapho, que diz assim: " Foi suspensa a transmissão d'este telegramma, segundo as disposições do § 3.º do artigo 4.° do decreto de 29 de julho de 1886".
Ora o § 3.° do artigo 4.° do decreto de 29 de julho de 1886, diz o seguinte:
(Leu.)
Eu comprehendo que os vivas a El-Rei incommodem o governo, mas se a não transmissão d'este telegramma não constitue um attentado contra esta disposição, peço ao governo que accentue a sua maneira de pensar sobre o assumpto.
Concluindo, peço a v. exa. a fineza de me reservar a palavra para depois de fallar o sr. presidente do conselho.
O sr. Presidente: - Devo informar o sr. deputado Miguel Dantas, que os documentos que s. exa. pediu em 1887 ainda não chegaram. Vae instar-se pela sua remessa.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Com respeito aos acontecimentos de Moncorvo, a que se referiu o illustre deputado que me precedeu, só posso declarar á camara a participação que tive por um telegramma que hontem recebi do governador civil de Bragança. Diz:
"Bragança, em 23, ás 12 h; 3 da tarde.- Urgente - Ex.mo ministro do reino, Lisboa.- Hontem muitos populares da freguezia de Urros entraram em arruaça em Moncorvo, aos gritos de viva a republica, abaixo o ministerio; aconselhados para que se portassem com prudencia, arremeçaram pedradas sobre a força, que em seguida os fez dispersar á coronhada. Consta que ficaram feridos dois populares. Presumia-se que á noite se renovaria a arruaça; até agora, porém, não tenho mais informações.
"Consta que houve aliciamento para a desordem. Ao administrador do concelho ordenei levantamento do auto investigação e procedimento energico contra as desordens. = O governador civil, Visconde dos Arcos".
Esta noticia, em que se diz terem ficado apenas duas pessoas feridas por causa da força ter de usar das coronhas para dispersar os amotinados, é tambem confirmada por um telegramma particular que foi dirigido a um cavalheiro d'esta camara e que me fez a honra de m'o mostrar. Creio, portanto, ter havido exageração na noticia que deram ao illustre deputado. É o que posso dizer a s. exa.
Quanto ás considerações politicas e financeiras feitas por s. exa. a respeito da marcha do actual governo, parece-me que não é esta a melhor occasião para responder a s. exa. (Apoiados.) Na resposta ao discurso da corôa s. exa. terá então occasião de formular a proposito das suas representações conta a marcha politica, financeira e administrativa do governo.
Quanto ao telegramma a que s. exa. se referiu, desejando saber qual é a opinião do governo, devo dizer a s. exa. que a minha opinião é que a lei deve ser cumprida tal qual está. (Apoiados.)
Esse serviço não corre pelo meu ministerio, não posso, por conseguinte, dizer a s. exa. quaes são as ordens que se têem dado a esse respeito. O que posso dizer é que a minha opinião, primeiramente é que a lei se execute no sentido que vou dizer, salvo o caso excepcional de gravidade em que póde perigar a ordem publica devem ser sempre transmittidos os telegraramas pela mesma rasão dada pelo illustre deputado, porque me parece que não se lucra nada em sonegar por alguns dias á publicidade factos e noticias que, a serem verdadeiros vem logo pelo correio e são publicadas nos jornaes.
Não sei quaes as ordens que se têem dado pelo ministerio das obras publicas, porque este negocio, repito, não corre pelo meu ministerio; ao sr. ministro das obras publicas póde s. exa. pedir as explicações a este respeito.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para dar a s. exa. e á camara uma explicação a respeito de umas palavras que outro dia proferi n'esta camara por occasião de me referir á publicação de um facto occorrido entre mim e o sr. governador civil de Lisboa e que tinha apparecido inserida n'um jornal da opposição.
Quando me referi a esse facto estranhei que tivesse apparecido publicado n'um jornal da opposição, mas nunca foi minha intenção referir-me ao digno empregado que preside á administração no districto de Lisboa, .o sr. marquez do Pomares, que me merece todo o credito, que é um cavalheiro de toda a probidade, em cuja circumspecção e lealdade tenho a mais completa confiança. (Apoiados.)
A minha idéa, estranhando aquella publicação, era referir-me a qualquer indiscripção ou inconveniente, ou menos exacta apreciação dos seus deveres, feita por qualquer funccionario subalterno, empregado da policia, que pela sua

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leviandade ou pela pouca correcção do seu procedimento tivesse dado occasião a que o facto viesse a publico n'esse jornal.
Evidentemente não me podia referir ao sr. governador civil, a quem eu muito respeito, e antes do fallar n'esta camara tinha pedido que se mandasse proceder a um inquerito para averiguar d'onde tinha partido a indiscrição, quem é que tinha sido o empregado, se algum empregado houve que tivesse communicado ao jornal o facto a que me referi
Já se vê que, tendo eu encarregado o sr. governador civil que mandasse proceder a um inquerito a este respeito, não era intenção minha de me referir áquelle funccionario, que, repito, continúa a merecer toda a minha confiança, Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Referiu-se o illustre deputado tambem a acontecimentos em Arouca.
Não sei nada a respeito de Arouca. O que posso dizer, não em virtude de telegrammas, mas por informações particulares que tenho, é que houve em Oliveira do Bairro um pequeno tumulto a proposito dos boletins do inquerito agricola. Alguns populares vieram a Oliveira do Bairro pedir ao parocho os boletins do inquerito agricola; deram-lh'os, queimaram-nos, e, graças á intervenção do administrador do conselho, não houve ferimentos a lamentar.
As informações que tive hontem e já hoje são que ha completo socego n'aquelle concelho. O governador civil ainda hoje me informou de que tinha elle proprio ido ao concelho de Oliveira do Bairro para averiguar o que havia a tal respeito, e tinha achado o concelho em perfeito socego, tendo-se apenas prendido cinco individuos, que iam ser remettidos ao poder judicial.
Portanto, o que posso assegurar é que ha ali perfeito socego.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Azevedo Castello Branco: - O sr. presidente do conselho, com relação aos factos de Moncorvo, leu os telegrammas do seu representante, que contradizem e contrariam em parte as informações que tenho.
Já avançámos alguma cousa. Eu sempre esperei que o sr. presidente do conselho visse hoje aqui dizer que não havia nada; mas desde que s. exa. se mostra informado pelas indicações fornecidas pelo seu agente de auctoridade, eu não tenho senão a fazer um voto, e é que se confirme o optimismo das suas informações e que sejam sem realidade as informações minhas, que, infelizmente para os quatorze feridos, tenho como exactas. (Apoiados.)
Folgo muito que Oliveira do Bairro esteja mais tranquilla, mas que não seja d'aquella tranquillidade que tinha o concelho de Anadia, quando na sessão de 16 aqui nos dizia o sr. José Luciano que tudo estava tranquillo no paiz; (Apoiados.) porque n'esse dia em Anadia, no seu concelho, no seu reducto politico, havia graves tumultos, havia desordens n'uma povoação onde se protestava, não só contra a marcha do governo, mas sobretudo contra a impossibilidade manifesta, que o povo portuguez vae reconhecendo, de pagar mais para esta bambochata governamental. (Apoiados.)
Se os factos se incumbirem de justificar as informações do sr. presidente do conselho, muito folgarei com isso.
Até lá vou registando a declaração, na esperança tantas vezes infundada de que a verdade corresponda ao que s. exa. diz. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Passa se á ordem do dia.

ontinúa a discussão do projecto n.° 6 e tem a palavra o sr. Ruivo Godinho.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Oh! sr. presidente, v. exa. sabe que ficou hontem um incidente por liquidar, e tinha ficado com a palavra o sr. Laranjo; portanto parece-me, salvo o devido respeito por v. exa., que...
O sr. Presidente: - Na sessão de hontem e a requerimento do sr. Azevedo Castello Branco, a camara resolveu que se suspendesse a sessão em qualquer altura em que ella estivesse, quando chegasse o sr. presidente do conselho, porque s. exa. lhe queria fazer algumas perguntas.
A camara resolveu assim, e eu, cumprindo essa resolução, dei a palavra ao sr. deputado que a pedira, logo que chegou o sr. presidente do conselho o dei-a depois aos outros srs. deputados que se haviam inscripto durante o incidente.
Como durante a discussão do mesmo incidente não foi mandada para a mesa nenhuma proposta ou moção de ordem que tenha de ser submettida á votação da camara, entendi eu que a ordem do dia de hoje era a mesma que estava dada para hontem, e tanto é assim que foi essa a declaração que fiz antes de encerrar a sessão.
S. v. exa. não se conforma com este modo de ver da presidencia, eu consulto a camara e ella resolverá como julgar mais conveniente.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Eu comprehendo que v. exa. queira cobrir a retirada do governo; é esse o seu dever; mas v. exa. deve estar recordado de que hontem ficou com a palavra reservada o sr. deputado Laranjo. Alem d'isso, v. exa. sabe que, por uma amabilidade do sr. presidente do conselho, s. exa. está aqui hoje, e eu tenho que liquidar uma questão importante com s. exa., que, como sabe, ficou para liquidar quando terminasse este incidente.
Como quer v. exa. que essa liquidação se realise se se passa á ordem do dia e não ao incidente?
Se v. exa., para cobrir esta desairosissima retirada do governo, entende dever consultar a camara, a camara decidirá em harmonia com o desejo do governo.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara.
O sr. Arroyo (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se ella consente que sobre a proposta ou requerimento que vão ser submettido á sua apreciação, recaia votação nominal.
O sr. Presidente: - O sr. deputado, Arroyo requer que sobre o requerimento feito pelo sr. Azevedo Castello Branco, para que a camara resolva se deve continuar ou não antes da ordem do dia o incidente começado na sessão de hontem, haja votação nominal. Vou pôr este requerimento á votação.
Foi rejeitada a votação nominal.
O sr. Presidente: - Vou pôr á votação o requerimento do sr. deputado Azevedo Castello Branco.
Foi rejeitado.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Continúa em discussão o parecer n.° 6, e com a palavra, que lhe ficou reservada da sessão antecedente, o sr. deputado Ruivo Godinho.
O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, eu não esperava que succedesse o que acaba de succeder! (Apoiados.)
A camara hontem tinha resolvido que assim que entrasse na sala o sr. ministro do reino se interrompesse a discussão da ordem do dia, para se tratar do incidente de Braga. Começou hontem a executar-se a resolução da camara, não se acabou de tratar o assumpto a que ella dizia respeito, porque ainda ficou com a palavra reservada um deputado da maioria; logo, não se acabou de executar a resolução da camara; portanto, parece-me que estamos fóra da ordem do dia, visto que ella foi alterada ou substituida por outra por decisão da camara.
A ordem do dia de hontem alterou se para se tratar do incidente, e como elle não terminou não se pôde, sem se derogar a resolução tomada hontem pela camara, tratar

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hoje de outra materia antes d'aquella. Todavia, sr. presidente, eu não tenho duvida em entrar na discussão do projecto, porque assim como hontem a maioria tomou uma resolução, póde hoje tomar outra; a responsabilidade é d'ella e os commentarios serão do paiz, que avaliará o fim que a maioria e o governo tiveram em vista, procedendo assim.
Parece-me uma retirada vergonhosa, mas o governo e a maioria lá se entendem.
Eu deixo aqui consignada a minha estranheza, e vou discutir o projecto para que não pareça que tambem bato em retirada.
Tinha eu dito hontem, sr. presidente, que o projecto que se discute não satisfaz o fim a que se propõe; tinha demonstrado que o seu fim é acabar com a agitação do paiz, e tinha-o demonstrado com as proprias palavras do relatorio do governo e com as palavras do relatorio da commissão.
Agora hei de demonstrar que o projecto não consegue o seu fim.
Pretende o projecto conseguir o seu fim, isto é, acabar com a agitação do paiz por tres meios: aliviando algumas industrias das respectivas contribuições a que estavam sujeitas; tornando as licenças facultativas; e acabando com a prisão por falta de pagamento de multas.
Se a agitação do paiz provier das industrias que foram aliviadas, se provier, da circumstancia das licenças serem obrigatorias e da prisão a que estavam sujeitos os que não pagassem as multas, é claro que o projecto satisfaz ao fim a que se propõe; mas se a agitação não provier d'estas causas ou de alguma d'ellas, ou não provier só d'ellas, é tambem claro que o projecto, attendendo simplesmente áquellas causas, não póde acabar com a agitação, e por isso não satisfaz ao seu fim.
Portanto, temos que ver se a agitação provém simplesmente d'aquellas causas; e não é preciso grande trabalho para mostrar que não.
Confessa-o o proprio governo, quando diz no relatorio, que precedo a sua proposta de lei, quando diz que a agitação não provém principalmente d'aquelles a quem eram ou podiam ser pedidas as licenças.
Portanto a agitação não só não tem por unico motivo as licenças, mas até nem as licenças são o principal motivo d'ella, como reconhece e confessa o governo.
O sr. presidente do conselho por mais de uma vez tem dito aqui e na outra casa do parlamento, que os povos se agitavam n'uns pontos por causa das contribuições municipaes, n'outros por causa das contribuições parochiaes, n'outros por causa do inquerito agricola, e o sr. Eduardo José Coelho, confirmando as asserções do sr. presidente do conselho de ministros, acrescentou, que só em Pombal é que as agitações foram por causa das licenças.
Portanto, sendo varias as causas da agitação do paiz, e não attendendo o projecto senão a uma d'essas causas, é claro e evidente, que não póde conseguir acabar a agitação, porque sem tirar as causas todas não pôde fazer cessar o effeito d'ellas. Isto é o que resulta e salta logo á primeira vista das proprias palavras e confissões do governo; vejamos agora se será possivel conseguir por outros meios o fim que o projecto teve em vista e que como vimos elle não póde conseguir. Para isso é necessario que examinemos mais precisamente quaes são as verdadeiras causas que têem agitado o paiz, e até se ellas actuam em todo o paiz, isto é, não só nos pontos onde já tem havido tumultos, mas mesmo n'aquelles, onde ainda os não tem havido, e onde poderão apparecer ámanhã se as mesmas causas ahi actuarem.
O governo insinua que as causas da agitação do paiz são manejos da opposição, quando diz que foram promulgados sem reluctancia nem queixumes a lei de 15 de julho de 1887 e respectivos regulamentos e que por um acaso feliz, quando se approximava a abertura do parlamento ou já estava realisada, em fins de dezembro e principios de janeiro, é que começou a levantar-se resistencia mais ou menos sincera.
Tal é a insinuação feita pelo governo! (Apoiados.) Mas nem o proprio governo que a faz está convencido da verdade ou procedencia d'ella. Se o estivesse limitar-se-ia a reprimir a resistencia, que não tinha uma causa justa, e não viria com esta proposta de lei, que em tal caso seria uma prova de fraqueza, que o governo não quereria nem deveria dar. (Apoiados.)
Não admira que não apparecessem reluctancias nem queixumes quando a lei e os regulamentos foram promulgados, e que apparecessem resistencias só quando começaram a executar-se; a promulgação das leis passa desapercebida para o povo; ordinariamente nem d'ellas tem conhecimento.
Quando as leis começam a executar-se, é que o povo começa a ter conhecimento d'ellas pelos seus effeitos; é n'essa occasião, que começa a doer-lhe, é n'essa occasião que reclama. (Apoiados.) Emquanto a lei não passa do papel não se faz sentir e por isso não provoca reclamações no povo a quem vae affectar.
E depois o povo tem sido ou costuma ser tão pouco feliz nas representações, que dirige aos poderes publicos contra medidas, que se discutem, que já não vale a pena recorrer a este meio, e quasi lhe não resta outro recurso senão aguardar a execução e reclamar então, como o tem feito agora. (Apoiados.) Sempre ou quasi sempre assim tem acontecido, por isso não repugna acreditar, que assim acontecesse agora, sem ser necessario recorrer aos manejos da opposição.
Não quero passar adiante sem levantar aqui uma interpretação celebre, que o sr. ministro da fazenda deu á phrase resistencia mais ou menos sincera, que se encontra n'este periodo do seu relatorio.
S. exa. explicando esta phrase n'uma das sessões passadas, disse, que isto queria dizer que todas as resistencias eram sinceras, umas eram mais sinceras, outras menos sinceras, mas todas sinceras. Se isto assim fosse ou se fosse isto, que o sr. ministro, quiz dizer quando escreveu a phrase, a consequencia seria, que todas as resistencias deviam ser mais ou menos attendidas, umas mais e outras menos, mas todas attendidas. Ora o sr. Marianno de Carvalho não fez isto. O que se segue d'aqui? Segue se que o argumento não foi senão um sophisma ou um trocadilho de palavras para fazer effeito na occasião, e que este periodo do seu relatorio envolve unica e simplesmente uma insinuação feita á opposição, que eu pela minha parte repillo. (Apoiados.)
Mas nem tal insinuação tem plausibilidade, porque se as resistencias fossem devidas a manejos da opposição deviam manifestar-se mais, onde o governo estivesse mais fraco, e a opposição mais forte, e no districto de Castello Branco, onde o governo não ganhou nenhuma commissão de recenseamento, e teve a minoria apenas em dois concelhos tudo está em socego ao passo que todos os dias apparecem tumultos em Anadia, paladio do sr. presidente do conselho; isto é significativo a não ser que o sr. ministro da fazenda queira dizer que o sr. presidente do conselho está comnosco; (Apoiados.) mas parece-me bem que não podemos suppor similhante intenção em s. exa.
Não se póde de maneira nenhuma avançar que os tumultos sejam devidos a manejos da opposição, quando não ha provas nenhumas, e para suppor o contrario ha indicios como o que eu acabei de apresentar que é significativo.
E a final talvez o governo esteja convencido de que a agitação do paiz é devida a manejos da opposição, porque talvez o partido progressista, no nosso caso, aproveitasse o ensejo, mas nós não fazemos assim: nós entendêmos que o governo procede mal em relação ao bem do paiz, e que por isso deve sair do poder ou mudar de caminho, mas antes queremos aguardar que elle se convença por si mesmo de

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quando o deve fazer, do que tomar o expediente de alimentar e animar agitações e desordens no paiz.
Oxalá que o governo se não convença já tarde de que deve sair ou mudar de rumo! No principio dos tumultos não se levantava voz senão contra os impostos: agora já se começa a ouvir - abaixo o governo e viva a republica!
Não abuse, pois, o governo da persuasão que tem de que a opposição é quem faz os tumultos, porque a verdade é que o paiz está realmente agitado, e por tal fórma, que se a opposição quizesse explorar o estado do paiz, em vez de tumultos, talvez tivessemos a revolução na rua. (Apoiados.)
Parece-me que de maneira nenhuma se devem attribuir os tumultos a manejos da opposição, e que póde ser mais util á segurança e tranquillidade publica não os attribuir simplesmente, nem principalmente, a similhante causa: d'aqui não vinha perigo nenhum, o se com effeito, contra o que eu sinceramente julgo, a opposição, ou alguns amigos da opposição, têem concorrido para as agitações populares, parecia-me de boa politica tirar-lhes os motivos ou pretextos, com que convencem o povo.
Eu estou convencido que o povo está naturalmente sobresaltado e agitado, e tem causas poderosas para isso.
Essas causas, julgo eu, são a pobreza do povo, o grande augmento que os impostos têem tido na administração d'este governo e o esbanjamento dos dinheiros publicos. (Apoiados.)
Estas é que são, no meu entender, as causas verdadeiras da agitação, que lavra em todo o paiz; emquanto se não attenuarem ou modificarem não se modifica o estado do paiz, que não póde realmente com tantos sacrificios, como se lhe estão exigindo.
Por mais que o sr. ministro da fazenda diga que o paiz está prospero, a verdade é que o povo está pobre e muito pobre. Se alguém está rico não é de certo o povo! E as rasões, d'onde o sr. ministro concluiu a prosperidade do paiz, não procedem absolutamente, e não convencem da riqueza do povo: que o paiz está prospero, diz s. exa., mostra-o o augmento das receitas tributarias e a sabida dos fundos publicos.
Estas rasões, por si só não convencem da verdade da asserção, que o sr. ministro da fazenda avançou.
O augmento das receitas tributarias póde provir mais do rigor do fisco, do que da prosperidade do contribuinte, por isso não basta dizer que as receitas tributarias augmentaram, é preciso acrescentar e provar, que o contribuinte as pagou desafrontadamente e sem sacrificios, ou ao menos sem grandes sacrificios, mas isso é que o sr. Marianno de Carvalho não provou e nem ao menos disse; e fez bem, porque se o dissesse atraiçoava completamente a verdade; é que o povo, se paga as variadas contribuições que lhe exigem, é com grande sacrificio das suas proprias necessidades.
A subida dos fundos tambem póde não provar, que o paiz e especialmente o povo está prospero, porque a subida dos fundos póde dar-se independentemente da prosperidade do paiz e até com prejuízo d'elle.
Os fundos sobem porque o thesouro está rico, e o thesouro póde estar rico, exactamente porque o povo está pobre.
Quantos mais tributos se pagarem, mais prospero ficará o thesouro, mais habilitado a pagar os seus encargos, e por isso os fundos publicos sobem, mas, quantos mais impostos se pagarem, mas pobre fica o contribuinte que os paga.
E aqui está como a subida dos fundos póde não indicar prosperidade do povo, e póde dar-se exactamente á custa e com sacrificio d'essa mesma prosperidade.
Alem d'isto, e com effeito, a subida dos nossos fundos, actualmente tem uma explicação ou da-se uma explicação, que não mostra precisamente a prosperidade do paiz. Diz-se geralmente, que a subida é artificial; que um certo grupo de banqueiros e capitalistas, interessados em que o governo se conserve no poder, tem feito subir os nossos fundos, comprando muitos, e não offerecendo nada ou quasi nada á venda.
O sr. Marianno de Carvalho tem conhecimento d'esta versão, e, como quem se sangra em saude, disse que se a subida dos fundos é devida a um syndicato, porque era que os seus adversarios não tinham tambem feito um syndicato para o mesmo fim.
Fizessem-n'o tambem! dizia s. exa. O illustre parlamentar o sr. Fuschini fazendo justiça ao sr. Marianno de Carvalho já outro dia aqui disse, que era muito grande o talento de s. exa., mas que elle não sabia qual admirar mais se o seu talento extraordinario, se a sua grandissima habilidade. Se assim é, o que aliás não nego, digo eu, que se os adversarios do sr. Marianno de Carvalho não fizeram syndicatos para fazerem subir os fundos é porque não têem tanta habilidade como s. exa.
Mas melhor fôra, que em vez de empregar o seu talento o a sua habilidade em fazer subir antecipadamente os nossos fundos, os empregasse em beneficio real do seu paiz e em melhorar as condições do contribuinte, que são tristes.
Póde o sr. Marianno ter muito talento e muitissima habilidade, mas se não mudar de systema nunca ha de chegar a ser um homem grande, porque nunca póde ser grande aquelle, que tendo muito talento e muita habilidade, em vez de empregar tão felizes dous a bem do seu paiz, se limita a gastal-os em beneficio dos seus amigos e do seu partido.
Muito melhor serviço faria o sr. Marianno, se em vez de fazer subir simplesmente os fundos, fizesse diminuir as despezas o descer os tributos.
Assim bem mereceria do seu paiz, que por ora não tem aproveitado com o talento e habilidade de s. exa.
Parece-me, pois, pelo que tenho dito, que as rasões que o sr. ministro da fazenda deu, não provam por si sós que o paiz esteja prospero, por isso póde uma das causas da agitação do paiz estar, como eu disse, na pobreza do povo, que é infelizmente real e evidente.
Outra causa que no meu entender tem concorrido muito para a agitação do paiz e o excessivo augmento de tributos, com que este governo nos tem beneficiado.
Esta causa não produziria tanto effeito se não existisse a primeira, mas é tão evidente e tão real como esta, e consiste na excessiva exageração da contribuição industrial, na da renda de casas e sumptuaria e na da decima de juros; e está tambem nos grandes encargos districtaes, municipaes e parochiaes, que o governo creou e conservou.
Não é preciso cansar a attenção da camara para demonstrar este facto, que nós todos presenciâmos e de que todos estamos convencidos; não ha duvida nenhuma de que todos os impostos têem augmentado muito, e tanto, que é com grande sacrificio que o povo os paga, por isso não admira e é até plausivel acreditar, que aqui esteja nova causa importante da agitação do paiz.
Alem do augmento directo, que tiveram propriamente os impostos geraes do estado, acontece que o governo, usando do auctorisação, que o parlamento lh'e deu, teve de auctorisar os districtos a lançarem uma percentagem até 15 por cento; as camaras municipaes até 50 por cento e as juntas de parochias até 35 por cento, isto, é, ao todo 100 por cento; de sorte que os impostos geraes para o estado, que já são excessivos, são dobrados, ou mais do que isso, porque alem de tudo isto ainda o estado pede mais para os encargos districtaes que tomou sobre si o addicional de 8,7 por cento; de modo que as contribuições estão actualmente em mais do dobro d'aquillo, em que têem estado, e a sim não admira que o povo se inquiete e se agite, o contrario é que seria para admirar.
E não se diga que uma cousa é a auctorisação dada ás corporações administrativas e outra cousa é o uso que ellas

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façam de tal auctorisação; porque a maior parte d'ellas ao menos, se não todas, hão de aproveitar toda a auctorisação e ainda as camaras hão de recorrer a muitos impostos indirectos, porque os encargos são muitos e têem muita tendencia para seguir o exemplo que o governo lhes da de empregar amigos. Nem as juntas de parochia escapam á influencia d'este mau exemplo.
Dos districtos sei eu que apesar de parecer que diminuiram as suas despezas com a suppressão das obras publicas districtaes, continuam a lançar a mesma percentagem que anteriormente e a maior parte d'elles esgotam toda a auctorisação; e se o governo não reconhecesse, que eram necessarias tão elevadas percentagens de certo as não auctorisaria.
Portanto é mais que provavel que o povo tem abra que pagar de contribuições mais do que o dobro do que pagava, e isso, repito, não admira, que o inquiete e agite.
Disse eu tambem que outra causa da agitação do paiz está no esbanjamento e desperdicio que o governo tem feito dos dinheiros publicos.
Esta asserção tambem é facil de demonstrar.
Os esbanjamentos e desperdicios tem-se dado e mostrado nas continuadas reformas, feitas quasi sempre unicamente ou principalmente com o fim de augmentar os quadros dos empregados para ahi anichar amigos.
As reformas das alfandegas, e a das obras publicas são uma prova d'esta verdade.
Os esbanjamentos e desperdicios dão-se tambem no grande numero de addidos e de aposentados que o governo tem feito, e continuam nas grossas gratificações, que se estão a dar aos empregados publicos effectivos; o povo vê as repartições publicas cheias de empregados, outros tantos a passeiar, e sabe que são ainda outros tantos ou mais os pretendentes, e que dos effectivos ha alguns ou muitos, que ainda é peior, que, alem do seu ordenado, chegam a receber por anno 3:000$000 a 4:000$000 réis de gratificação.
Isto dá se, e isto sabe-o o povo, que de mais a mais vê pelo modo por que se fazem as despezas ou são applicadas, que não foi o pensamento do bem publico, que as dictou, mas simplesmente o proposito de beneficiar amigos.
Haja vista ao que succede na revisão das matrizes, por exemplo, apesar da importancia e melindre do serviço.
O que vê o povo? Vê que para desempenhar este serviço importante e difficil, não são escolhidas as pessoas mais competentes, mas unicamente aquellas que se querem beneficiar. E assim se procede na cousa mais insignificante; até a pesquisa da phylloxera é explorada pela politica; o anno passado escolheram-se em Castello Branco para este serviço muitos individuos que não tinham competencia para elle, e que nem ao menos sabiam pegar em uma enxada, nem estavam acostumados a isso, porque eram barbeiros ou tinham officio analogo; d'aqui resultava que entravam nas vinhas, e, em vez de fazerem elles o serviço, para que se lhes pagava, sentavam-se, e diziam aos donos que cavassem elles, se quizessem.
Aqui tem v. exa., sr. presidente, a rasão por que o povo não póde deixar de estar sobresaltado e desconfiado: e tão sobresaltado e desconfiado que já não acredita em qualquer beneficio que lhe prometiam da parte dos poderes publicos.
É o que está acontecendo com o inquerito agricola. Por mais que o governo diga que o inquerito agricola é para beneficiar a agricultura; que é para bem do povo, este, em vez de acreditar, vae queimando os papeis que a tal respeitam, e não acredita no bem que lhe promettem.
E a fallar a verdade, sr. presidente, e uma vez que vejo presente o sr. conselheiro Elvino de Brito, que parece é o director supremo do inquerito, direi francamente a v. exa. que me parece que o povo tem rasão em desconfiar das boas intenções do governo a este respeito; é de suppor, que o tal inquérito tambem não tem por fim senão beneficiar aquelles que ahi andam empregados.
Não é preciso ser-se muito versado em agricultura para se saber que esta industria podia ser promptamente beneficiada sem se fazerem as grandes despezas que ha de custar o inquerito agricola, bastava alliviarem-na das grandes contribuições que a vexam, e facilitar-lhe a acquisição de capitães baratos. Isto podia fazer-se sem inqueritos, e já era muito, e talvez; fosse bastante, mas o governo em vez d'isso, faz exactamente o contrario, augmenta as contribuições e difficulta a acquisição de capitães, aggravando as disposições da lei de decima de juros, que cáe em cheio sobre o agricultor, que e quem mais precisa de pedir emprestado, e que sobre os juros, que a lisura lhe exigir, ha de ter de pagar a decima de juros, que o credor ha de pedir adiantadamente, a não ser que o sr. ministro da fazenda nos prove que os credores são tão boas pessoas e tão generosos, que se não pervalecem da occasião, era que se vê quem pede dinheiro e pagam promptamente a decima de juros simplesmente porque a lei determina que elles é que a devem pagar.
Credores assim só apparecem no papel, na realidade da vida não os ha.
Aqui estão, sr. presidente, as cousas que, no meu entender devem ser combatidas para se acabar com a agitação real e verdadeira que se apoderou do animo de todos, e a que o animo de v. exa. mesmo e de todos os que me escutam não seria extranho.
Póde o governo suffocar os tumultos e a agitação por meio da força de que dispõe e vir dizer aqui á camara, que a ordem está restabelecida; mas isso tudo é apparente e não e se não paliar o mal de que o paiz soffre. Emquanto o governo, este ou outro, a par da força com que reprimir os excessos populares não adoptar medidas que, dirigindo-se ás causas, curem o mal de vez, ha de erradamente convencer-se de que dominou a agitação do paiz.
O governo reconhece que este é que é o caminho que ha a seguir se, porque no passo que reprime os tumultos com a força nas ruas, vem ao parlamento com este projecto, mas com tal fim não só póde lograr com o projecto, como se vê pelas considerações que tive a honra de apresentar a s. ex.ª; pareço me que se póde conseguir pelos meios que eu indico na minha moção.
O projecto que se discute não é, parece-me, senão uma apparencia ou fingimento de que se condescende com a opinião publica, e digo isto por que mesmo no acanhado fim que se propõe e uma illusão; é o mesmo que lançar poeira nos olhos dos ingenuos, como vou ter a honra de mostrar a v. exa. e á camara, analysando os dois primeiros e principaes artigos d'elle; e digo principaes, porque os outros referem se ou são consequencias das disposições sobre contribuição industrial, que ficam em vigor.
Diz-se que o projecto se propõe isentar algumas industrias, da contribuição a que até aqui estavam sujeitas, e vamos ao artigo 1.° e vemos que a isenção que dá ás tres unicas industrias ou classes, que finge querer beneficiar, depende de uma condição que raro ou nunca se dá.
Por este artigo ficam isentos de contribuição os mercadores de legumes por miudo, quando para o seu commercio não usem, de calvagadura ou qualquer vehiculo; os vendedores ambulantes de leite nas mesmas condições, que não tenham animaes que o produzam, e os vendedores de carne, azeite e combustiveis, tambem no caso de não terem cavalgadura ou vehiculo para o seu commercio, porque se o tiverem, não lhes aproveita o beneficio d'este artigo e têem de pagar a respectiva contribuição.
Ora, estes objectos são de tão diminuto valor ou preço, principalmente fóra de Lisboa e Porto, que se póde dizer que não ha mercador nenhum de taes objectos fóra d'aquellas cidades que não precise de ter cavalgadura ou vehiculo, e por isso não ha nenhuma que possa aproveitar o beneficio d'este artigo. E não se diga que aproveita ás duas ci-

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dades a que me referi, e que isso já é bastante ou é muito, porque o paiz não se limita a estas cidades, e o motivo do beneficio é a presumpção do pouco rendimento que produzem estas industrias, e, se fóra de Lisboa ou Porto, o vendedor por miudo dos objectos mencionados no artigo, ainda que tenham cavalgadura ou vehiculo, não ganha mais do que o do Porto ou Lisboa, sem cavalgadura ou vehiculo, como não póde deixar de se reconhecer, não ha rasão nenhuma para não ser tambem beneficiado; onde se dá a mesma rasão, deve dar-se a mesma disposição.
A isto acresce que este projecto tem por fim satisfazer ás reclamações justas que se levantaram contra a lei, que elle tende a modificar, e em Lisboa, onde o beneficio pôde aproveitar não appareceram reclamações, e fóra de Lisboa não foi só no Porto que ellas apparaceram ; e não ha rasão nenhuma para se attenderem as reclamações do Porto e não se attenderem as dos outros pontos do paiz.
Até aqui se comprehende uma classe de individuos que nas provincias são bem desgraçados apesar de empregarem cavalgaduras no exercicio da sua industria: são os carvoeiros e vendedores de lenha, a quem é indispensavel um ou dois jumentos e que no fim do anno não têem nada sobre que possa cair a execução do fisco a não serem os proprios instrumentos do trabalho, que estão isentos de penhora.
A industriaes d'esta ordem, alem de ser uma iniquidade lançar qualquer contribuição, é um prejuizo para o proprio fisco; destroe uma industria sem utilidade nenhuma, e difficulta outras, que se ajudavam com ella, e que animadas podiam augmentar a materia collectavel.
Portanto, as disposições d'este artigo são completamente inuteis fóra de Lisboa e Porto, e são insuficientes, porque deixam fóra do beneficio muitas industrias, que pelo seu pequenissimo producto bem o mereciam.
O sr. Alves da Fonseca, quando tratou este ponto, disse que a commissão tinha entendido que os individuos comprehendidos na disposição do artigo 1.° do projecto não estavam em circumstancias de pagar contribuição alguma, mas que os individuos, que tinham cavalgadura ou vehiculo para exercerem as industrias, de que aqui só trata, já podiam pagar contribuição.
Eu não quero que sejam excluidos do beneficio do projecto os individuos ahi contemplados, e n'este ponto estou perfeitamente de accordo com o sr. Alves da Fonseca e com a commissão; o que queria era que a commissão não procedesse arbitrariamente e como que por palpite, e que ampliasse o beneficio a todos que estão nas mesmas condições de interesso em que se acham aquelles que a commissão contemplou.
Eu queria que pagasse a contribuição quem está em circumstancias de a pagar, e que ficassem isentos d'ella todos os infelizes que a não podem pagar.
E assim seria, se este projecto obedecesse a um desejo sincero de fazer justiça, mas elle não mira, tal qual está, senão a illudir os ingenuos.
Este intento não sei se conseguirá realisal-o; cousa justa não dá elle, como já demonstrei.
No artigo 2.° isenta o projecto da contribuição industrial os individuos que ahi menciona quando não tiverem de lucro 600 réis nas terras de primeira o segunda ordem, 500 réis nas de terceira e quarta e 400 réis nas de quinta e sexta.
A injustiça d'esta disposição resalta logo á primeira vista; se a commissão entendeu que certos individuos não podem pagar contribuição sem terem um certo lucro ou salario, porque é que não entendeu o mesmo a respeito de todos os industriaes?
Porque é que o fabricante de colheres de pau está isento de pagar contribuição se não tiver 600 réis de lucro, nas terras de primeira e segunda ordem, por exemplo, e a ha de pagar o fabricante do, colheres de estanho ou de lata,
ainda que o seu lucro seja muito menor? Isto é simplesmente injusto! (Apoiados.)
O sr. dr. Alves da Fonseca, respondendo a uma consideração que lhe tinham feito sobre a difficuldade de averiguar os lucros ou salarios de cada um dos individuos comprehendidos na disposição d'este artigo, disse que isto não offerece difficuldade nenhuma, porque os artistas e industriaes portuguezes têem bastante honradez para declararem a verdade e dizerem lealmente o que ganham.
V. exa. não disse isto? Parece-me que disse.
(Interrupção ao sr. Alves da Fonseca.)
Mas em todo o caso disse que contava com a probidade dos artitas portuguezes.
O sr. Alves da Fonseca: - Não tenho direito a duvidar d'ella.
O Orador: - Tambem eu não duvido d'ella, e não tenho rasão para notar que s. exa. fizesse justiça aos artistas portuguezes, mas tenho rasão para notar que s. exa. a não fizesse igualmente a todos os cidadãos portuguezes. (Apoiados.)
Se os artistas são capazes de dizerem aquillo que ganham para pagarem aquillo que deverem, tambem os outros industriaes o são.
O sr. Alves da Fonseca: - Foi aquillo que eu disse.
O Orador: - Desde que o sr. relator fez esta confissão e justiça, não devia a commissão, se está convencida d'isto, parar diante de quaesquer difficuldades praticas, em que a commissão não acredita, e ampliar o principio a todos os industriaes, porque todos têem direito a que se lhes faça justiça e a serem tratados cem igualdade.
Mas esta disposição do artigo 2.° não é só injusta; é tambem illusoria como a do artigo 1.°
Isenta da contribuição os officiaes de quaesquer officios ou artes, que não tenham o salario de 600 réis em Lisboa e Porto, e de 500 ou 400 réis nas outras terras do reino, mas a respeito de Lisboa diz o governo no relatorio que não ha official medianamente habil que não encontre jornal de 700 ou 500 réis ; e nas provincias acabou com a classe de officiaes desde que a lei de 15 de julho de 1887 não considera official aquelle que trabalha em officina propria, como se vê no artigo 3.° da citada lei.
Portanto ao menos para os officiaes é completamente illusoria esta disposição, porque em Lisboa não ha salarios inferiores aos contemplados e nas provindas quasi não ha officiaes que não trabalhem em officina propria. Todos ficam sendo mestres depois da lei de 15 de julho.
Parece-me que depois de demonstrar que o projecto não satisfaz ao fim geral que se propoz, demonstrei tambem que nas suas disposições especiaes é puramente illusorio.
Podia aqui terminar as minhas considerações, mas não o faço sem levantar umas contradicções em que caiu o sr. ministro da fazenda.
S. exa. esteve aqui a elogiar o systema de cobrança de imposto por meio de licenças, e vem propor a sua extincção, que o mesmo é que tornal-as facultativas. (Apoiados.) S. exa. esteve a defender a pena de prisão por pagamento de multa, e acaba tambem com similhante pena. (Apoiados.) Pois d'esta não póde s. exa. dizer que espera que os contribuintes se convençam da sua vantagem, como diz das licenças?
Tambem quero restabelecer a verdade de um principio que eu tinha por certo, e que o sr. ministro da fazenda contestou n'uma das sessões passadas.
Quando n'um aparte eu disse, que o principal defeito do systema das licenças está em pagar o imposto adiantado, replicou-me s. exa. que eu estava em erro, que uma cousa era tirar a licença, e outra, muito differente, o pagamento do imposto.
Não tinha então a palavra, por isso não pude replicar immediatamente; faço-o agora, pedindo ao sr. ministro da fazenda a fineza de me dizer; quando é que no systema

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das licenças se paga o imposto se elle se não paga adiantadamente na occasião em que se tira a licença.
Eu estou persuadido disto, e julgava que o governo e a commissão de fazenda tambem eram d'esta opinião, porque até inclue no projecto um artigo, o 5.°, que manda restituir o imposto pago pela fórma das licenças ás pessoas que preferirem outra fórma de pagamento.
Os escrivães de fazenda e mais empregados fiscaes tambem pensam assim, e obrigam o contribuinte a pagar logo o imposto, quando tira a licença, por isso é preciso que o sr. ministro da fazenda lhes faça ver que estão em erro, como me disse a mim que estava, para que elles não continuem a exigir o imposto adiatadamente. (Apoiados.)
Mas a doutrina, que o sr. ministro sustentou ou apresentou em resposta á minha observação é só para aqui; para fazer effeito na occasião da discussão; para os exactores da fazenda a opinião é outra, e se o systema das licenças ficasse obrigatorio, o contribuinte continuaria a pagar adiantadamente o imposto, como o ha de pagar agora o que preferir tal systema, com a compensação de juro de 2 por cento, que o projecto estabelece.
O sr. ministro da fazenda diz que o paiz está prospero e póde pagar as contribuições, e acrescenta ás penas regulamentares a de prisão, e agora vem propor a isenção da contribuição para algumas industrias e para alguns industriaes.
E está prospero o paiz!
Que significam estas contradicções constantes do governo ?
Que o diga a maioria, que eu não quero cansar mais a attenção da camara, e termino aqui as minhas considerações.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Considerando e confessando o governo e commissão de fazenda, que o projecto, que só discute, tem por fim acabar com as resistencias, protestos e reclamações que têem aparecido no paiz;
Considerando e notando o governo, que taes resistencias e protestos não provêem principalmente d'aquelles a quem eram pedidas as licenças, o que mostra que não são só nem principalmente as licenças que provocam os protestos e resistencias.
Considerando que com effeito as resistencias e protestos, que têem apparecido, não provêem das licenças, mas do augmento que os impostos tem tido ultimamente, e do receio de terem de augmentar ainda mais pelas excessivas despezas, que se estão fazendo;
Considerando que, querendo-se modificar qualquer medida com o fim de acabar com as resistencias, que ella provoca, não é logico modifical-a só em beneficio d'aquelles que não são os que principalmente resistem, e não a modificar em relação aos que resistem principalmente; e Considerando que o projecto, propondo se ostensivamente beneficiar algumas industrias, não favorece realmente quasi nenhuma:
Proponho que o projecto volte á, commissão para ser modificado de modo que attenda todos os reclamantes e produza beneficios reaes para o contribuinte, e que para serem modificadas no mesmo sentido sejam revistas as leis da contribuição de renda de casas, da contribuição sumptuaria e da decima de juros, ultimamente votadas; e que se eleja uma commissão para elaborar um projecto de lei, que reduza os quadros dos empregados publicos a proporções restrictamente indispensaveis, que regule a admissão de empregados addidos, que obste ao abuso que se tem feito das aposentações, e restrinja a casos raros e bem precisos a faculdade dos ministros darem gratificações á custa do thesouro. = Ruivo Godinho.
Foi admittida.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - ( O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Moraes Carvalho: - (O discurso sera publicado quando s. exa. o restituir).
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho: - Mando para a mesa a seguinte proposta de lei, auctorisando o governo a facultar no districto do Funchal o pagamento de contribuições de repartição e de lançamento devidas em prestações trimestraes, semestraes e annuaes no praso de cinco annos sem juro de mora.
É a, seguinte:

Proposta de lei n.º 9-0

Senhores. - As circumstancias excepcionaes em que se encontram os povos da ilha da Madeira, motivadas pela crise economica e agricola que atravessam, e que especialmente provem da destruição das culturas da vinha e canna de assucar, justificam plenamente as providencias contidas na proposta de lei, que tenho a honra de apresentar á vossa illustrada apreciação.
Artigo 1.° É o governo auctorisado a facultar no districto do Funchal o pagamento das contribuições de repartição e lançamento em divida, em prestações trimestraes, semestraes ou annuaes, no praso de cinco annos sem juros de móra.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio da fazenda, em 24 de janeiro de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Não quero cansar a attenção da camara, é apenas para fazer uma pergunta. V. exa. sabe que, devido á benevolencia do sr. presidente do conselho querer responder-me sobre uma pergunta que eu desejava fazer sobre assumpto relativo ao districto da Guarda, nós temos o prazer de ver aqui s. exa. ha dois dias; mas por infelicidade minha e ventura da camara não pude collocar o meu pequeno incidente; pedia a v. exa. e ao sr. presidente do conselho que marcasse, com a precisão que fosse compativel com o serviço publico, o dia em que s. exa. póde vir á camara para eu poder interpellar s. exa. sobre este incidente, que, se não tem uma importancia extraordinaria, especial, tem entretanto para os interessados no assumpto uma importancia que devo respeitar como seu representante.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Declaro a v. exa. que da melhor vontade viria ámanhã a esta camara, mas está dado para ordem do dia na outra casa o projecto de resposta ao discurso da corôa, e portanto é me impossivel estar aqui ámanhã. Todavia não tenho duvida nenhuma em combinar com o sr. presidente o dia em que poderei vir a esta casa e prevenir o illustre deputado de que estou á sua disposição. Não sei quando terminará a discussão do projecto de resposta na outra casa do parlamento, mas logo que o esteja, salvo qualquer exigencia do serviço publico que me obrigue a não vir a esta camara, estou prompto a comparecer para dar as explicações que s. exa. deseja.

arecia-me mais regular que s. exa. formulasse uma, nota de interpellação, mas como s. exa. já disse que o assumpto não era da ordem d'aquelles que merecesse uma interpellação, estou prompto a vir aqui, como viria se s. exa. tivesse formulado a nota de interpellação, logo que me seja possivel.
Estou aqui ha dois dias expressamente para annuir á indicação do illustre deputado, a fim de responder-lhe a uma pergunta com respeito á nomeação provisoria de professores no districto da Guarda, e parece-me que n'isto tenho dado uma prova de deferencia pelo illustre deputado.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Agradeço a s. exa. as provas de deferencia que me tem dado, mas s. exa. sabe de sobra que não é devido a mim, nem

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á minha vontade, se essas perguntas se não têem ainda realisado. Não quero dizer por fórma nenhuma que o governo tivesse promovido a providencial circumstancia de ámanhã ter de assistir á resposta ao discurso da corôa na outra casa do parlamento, para fugir a mais uma discussão; em todo o caso aguardo com, paciencia que o serviço publico permitia ao chefe do gabinete vir dar aqui satisfação pelos actos dos seus delegados; e se isso se não realisar muito cedo, nós podemos perder a esperanças de liquidar nenhum dos incidentes que estão de pé.
Não dou a este assumpto caracter de interpellação, porque estou convencido que se liquidará com uma simples resposta do sr. presidente do conselho.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Pedi novamente a palavra para dizer ao illustre deputado que, se s. exa. quizer, hoje mesmo estou prompto a dar quaesquer explicações. O que asseguro, porém, ao illustre deputado é que, terminada que seja a discussão da resposta ao discurso da corôa na camara dos dignos pares, salvo qualquer motivo de serviço publico que não m'o permitta, venho immediatamente a esta camara dar as explicações que o illustre deputado desejar.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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