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SESSÃO DE 12 DE MAIO DE 1890 173

Presidencia do ex.mo sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios-os ex.mos srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Lê-se na mesa um officio do ministerio da marinha, remettendo exemplares do diversas publicações. - Teve segunda leitura, e não foi admittida á discussão,- a proposta do sr. Arriaga, apresentada na sessão anterior. - O sr. Sousa Machado apresenta um requerimento de interesse particular. - O sr. Beirão apresenta um projecto de lei, renova a iniciativa de outros dois projectos e faz algumas perguntas a diversos srs. ministros, respondendo-lhe o sr. ministro da fazenda. - E introduzido na sala e presta juramento o sr. Eduardo Abreu. - Responde a algumas perguntas do sr. Veiga Beirão o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Arriaga falla no sentido de se marcar hora certa para que, d'ella em diante, não possa haver sessão, e queixa-se do serviço tachygraphico. - O sr. Sousa e Albuquerque apresenta um projecto de lei, refere-se á estação telegrapho-postal de Vizeu e manda para a mesa um requerimento de interesse particular. - Respondo ao sr. Albuquerque o sr. ministro das obras publicas. - É approvada uma proposta do sr. presidente do conselho, para que varios srs. deputados possam accumular o exercício das funcções legislativas com o das suas commissões. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros apresenta uma proposta. - Q sr. Pimenta de Castro manda para a mesa um requerimento de interesse particular. - O sr. Palha faz diversas perguntas, ás quaes responde o sr. ministro da fazenda, sobre o ultimo emprestimo. - O sr. Dias Costa chama a attenção do governo para diversos assumptos e refere-se ao concurso para a historia política e organica do exercito, respondendo-lhe sobre este ponto o sr. presidente do conselho. - O sr. Costa Pinto manda para a mesa uma representação, pede que se installe o salva-vidas de Cascaes e associa-se ao voto de louvor dado pela camara ao sr. barão de S. Clemente. - O sr. Elvino de Brito discursa largamente sobre negocios coloniaes, e n'esse sentido dirige algumas perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, que responde em seguida. - O sr. Santos Viegas apresenta uma proposta de aggregaçâo. - O sr. Pinheiro Chagas apresenta o parecer sobre o bill. - O sr. Pereira Leite manda para a mesa requerimentos de interesse particular.
Na ordem do dia o sr. Arriaga apresenta uma moção, que largamente fundamenta. - O sr. Assumpção faz varias considerações em resposta ao discurso do sr. Arriaga.
Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 61 srs. deputados. São os seguintes: - Adriano Emílio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino do Abranches Freire de Figueiredo, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Cesario de Lacerda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Antonio de Almeida, José de Azevedo Castello Branco, José Christovão Patrocínio de S. Francisco Xavier Pinto, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Grcenfield de Mello, José Maria Pestana de Vasconcellos, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio. Antonio Luna de Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel do Oliveira Aralla e Costa, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Teixeira de Azevedo e Pedro Augusto de Carvalho.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, Antonio José Arroyo, Antonio Maria Jalles, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Carlos Lobo d'Avila, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Elvino de Brito, Emygdib Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jacinto Candido da Silva, João Alves Bebiano, Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Elias Garcia, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria Latino Coelho, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, Luciano Cordeiro, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Pinheiro Chagas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Pedro Victor da Costa Sequeira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Adolpho Ferreira Loureiro, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Cesar Brandão, Antonio José Ennes, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Frederico Ressano Garcia, João Pinto Moreira, Joaquim Teixeira Sampaio, Jorge Augusto de Mello (D.), José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira de Almeida, José Luiz Ferreira Freire, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Manuel Francisco Vargas, Manuel Vieira de Andrade, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau do Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha remettendo 160 exemplares de cada uma das seguintes publicações: Estatística commercial da província de Angola (appenso ao relatorio do governador geral da mesma província em 1887) e Docu-

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mentos relativos ao caminho de ferro de Lourenço Marques (contrato de 14 de dezembro de 1883).
Para a secretaria.

Segundas leituras

Proposta de renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei sobre a saída, dos objectos artísticos do paiz, que apresentei em 27 de junho de 1889.
Lisboa, 1O de maio de 1890. - Fuschini.
Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões de commercio e artes e de fazenda.
A renovação refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° A exportação dos objectos artísticos, historicos ou archcologicos fica sujeita aos seguintes direitos:

De origem nacional. 30 por cento ad valorem
De origem estrangeira 20 por cento ad valorem

§ 1.º São exceptuadas d'estes direitos as producções dos artistas nacionaes, emquanto vivos forem, e as dos estrangeiros residentes, no paiz, bem como as reproducções e imitações dos objectos, quer antigos quer modernos.
§ 2.° O valor dos objectos será determinado pelo preço obtido nos leilões, se os tiver havido, ou por um jury especial constituído pela fórma indicada no artigo seguinte.
Art. 2.º E creada uma commissão constituída por cinco vogaes, tres nomeados pela academia real de bellas artes de Lisboa, um pela academia das sciencias e o quinto pela associação dos architectos e archeologos portuguezes, cujas funcções são as seguintes:
1.° Fixar, o valor e a origem dos objectos para os effeitos do artigo antecedente;
2.° Dar parecer sobre quaesquer reclamações que se levantem sobre as excepções do § 2.° do artigo antecedente;
3.º Informar o governo sobre a conveniencia de concorrer a qualquer licitação publica de objectos de valor artístico, historico ou archeologico, indicando os que devem ser licitados e o preço maximo da licitação, bem como sobre a conveniencia de os comprar particularmente para os museus nacionaes.
Art.. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa, 27 de junho de 1889. = Consiglieri Pedroso - Augusto Fuschini.

Proposta

A camara, considerando que a nação portugueza conquistou para a civilisação do mundo, na Africa, Asia, America e Oceania em continente, e ilhas, vastos dominios, dos quaes uns já hoje são e outros hão de mais tarde converter-se, sob as leis evolutivas da vida, em theatros e emporios gloriosos, do genio e actividade, humana, e que lhe hão de perpetuar o nome para todo o sempre, embora sob outras bandeiras;
Considerando que d'entre, os seus numerosos, padrões de gloria, sobreleva a todos o haver fundado nas terras de, Santa Cruz com o seu valor, o seu sangue, a sua alma, a grande colonia que, atravessando, os explendores e as vicissitudes do imperio, brilha hoje sob o sol fecundante e triumphador da democracia americana, com o nome de republica federal do Brazil;
Considerando que, se um dia forem chegados para nós dias adversos, que nos obriguem a todos os sacrificios para mantermos intemeratas, e impolutas a integridade, e a honra da patria, em nenhuma outra nação encontraremos apoio mais espontaneo, natural e decidido do que n'aquelle que sempre mais do que qualquer outro nos tem honrado com as suas adhesões e sympathias, e que atravez de todas as vicissitudes nos ha de perpetuar o nome e a gloria, fallando a mesma língua, com que o genio de Camões immortalisára os nossos feitos nos Lusíadas;
Considerando que a transformação política operada no Brazil a favor da democracia pura, no dia l5 de novembro ultimo, sem explosão de odios e vinganças, e sem derramamento de sangue, por uma singular abnegação do todos pela patria, que é honra de vencidos e vencedores, constituo um facto culminante e singular na historia, que torna aquelle grande e sympathico povo credor da admiração e sympathias do mundo inteiro;
Considerando que, baseando-se o direito moderno na soberania dos povos, a estes compete a escolha da fórma do governo que melhor lhes convenha, e que d'essa escolha não pôde nem deve resultar a menor incompatibilidade com outros que adoptam e seguem differentes systemas de governo, porque acima de tudo e do todos impera a lei fatal da solidariedade humana, que vem approximando e harmonisando os povos n'uma só família sob o ideal da humanidade;
Considerando ainda, que a profunda operação política realisada no Brazil com a proclamação da republica federal estava tanto na alma da nação, que a mesma se tem conservado até agora em paz profunda e victoriosa, com a adhesão das províncias, que constituem hoje outros tantos estados da federação, o que mereceu tambem a calorosa adhesão da colonia portugueza;
Considerando, finalmente, que de todas es nações da Europa é a nossa a que mantem com a republica do Brazil mais estreitos vínculos de affinidade, de sympathia e de interesses estabelecidos e por estabelecer:
Tenho a honra de propor que, por estes considerandos ou outros que a sabedoria e a illustração do parlamento adopte mais consentaneos com o seu modo de pensar e sentir, seja recommendado ao governo o reconhecimento official da republica federal do Brazil, envidando a sua solicitude ,n'este sentido, para que sejamos a primeira nação da Europa que o faça. = O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.
Não foi admittida.

REPRESENTAÇÃO

De contínuos, correios e officiaes de diligencias da secretaria do governo civil de Lisboa, pedindo augmento de vencimento!
Apresentada pelo sr. deputado Costa Pinto e enviada á de administração publica, ouvida, a da fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro, pelo ministerio das obras publicas, sejam remettidos a esta camara, para serem examinados pelos srs. deputados que o desejem, o relatorio ou relatorios dos resultados do inquerito ás associações de soccorros mutuos do paiz, apurados por virtude do decreto de 2 de dezembro de 1886, que mandou abrir esse inquerito por aquelle ministerio. = O deputado pela Covilhã, Elvino de Brito.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Do major reformado da guarnição de Macau o Timor, Candido Antonio da Silva, e do general de brigada reformado do exercito da Africa occidental, Francisco José Roma, pedindo lhes sejam pagos os seus vencimentos pela fórma determinada na carta de lei de 25 de junho de 1889.
Apresentados pelo sr. deputado João de Sousa Machado e enviados á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

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Do general de brigada reformado do exercito da Africa Occidental, Francisco José Roma, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. deputado Pimenta de Castro e enviado á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

Do coronel reformado da guarnição de Moçambique, Augusto Marques, e do general de brigada reformado, Antonio Joaquim da Fonseca, no sentido do antecedente.
Apresentados pelo sr. deputado Pereira Leite e enviados á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

Do tenente coronel da arma de engenheria, Constantino José de Brito, pedindo que lhe seja contada, para os effeitos da reforma, a antiquidade de tenente de l5 de janeiro de 1873.
Apresentado pelo sr. deputado José Victorino Sousa e Albuquerque e enviado á commissão de guerra.

JUSTIFICADO DE FALTAS

Declaro que não compareci ás sessões d'esta camara até ao dia 9 do corrente, por justificado motivo. = Jacinto Candido.
Para a secretaria.

O sr. Sousa Machado: - Pedi a palavra para mandar para a mesa dois requerimentos de officiaes do exercito do ultramar, pedindo lhes sejam extensivas as tarifas da lei de 25 de junho de 1889.
Como sobre este assumpto já o sr. Ferreira do Amaral fez varias considerações, com as quaes concordo, limito-me a pedir a v. exa. se digne enviar estes requerimentos á commissão do ultramar, a fim de que sobre elles dê o seu parecer.
Os requerimentos são publicados a pag. 174, d'este Diario.
O sr. Francisco Beirão: - Mando para a mesa duas propostas de renovação de iniciativa.
(Leu.)
Parece-me que estes dois projectos, se recommendam pela sua importancia e por isso espero que as commissões se apressem a dar parecer sobre elles.
Mando tambem um projecto, cuja substancia vou em resumo dar á camara.
Quando se abriu a subscripção nacional em favor das victimas do incendio do theatro Baquet, foram mandados por algumas pessoas, que vivem nas províncias ultramarinas ou no estrangeiro; differentes objectos para o continente, a fim de se proceder a uma kermesse, e o seu producto ser applicado áquella subscripção.
Aconteceu por isso que, por parte das repartições respectivas, se levantaram duvidas sobre se esses objectos deviam ou não ser sujeitos a pagamento dos direitos aduaneiros, resolvendo-se que elles estavam sujeitos a esse pagamento, e a commissão foi avisada para retirar esses objectos, sob pena de se seguirem os termos legaes.
Para tirar todas as duvidas a este respeito, mando para a mesa o seguinte projecto de lei.
(Leu.)
Dispenso-me de ler os fundamentos do relatorio, porque me parece que a camara se quererá associar a este empenho dos nossos patrícios, que, apesar de se acharem longe do reino, quizeram concorrer, com o seu auxilio, para attenuar as desgraças a que áquella triste occorrencia deu logar.
Tambem desejava, sr. presidente, fazer algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas, para o que tinha pedido ao sr. Arrojo a fineza de avisar s. exa., dizendo-lhe qual era o objecto d'essas perguntas, a fim de que s. exa. se munisse dos documentos necessarios para a ellas poder responder.
S. exa. não pôde comparecer por alguns dias, e n'aquelle em que veiu á camara, depois d'este aviso, não me coube a palavra; mas o assumpto é de tal importancia que carece de uma explicação immediata do governo, pelo que não duvido, mesmo na ausencia do sr. ministro das obras publicas, de fazer essas perguntas a qualquer outro dos srs. ministros, que esteja presente, e que de certo se dignará responder-me.
Disseram os jornaes, e especialmente os jornaes do Porto, que por parte da camara d'aquella cidade se tinha apresentado ao ministerio das obras publicas uma representação ou um documento qualquer, e eu logo direi a rasão por que não o classifico, sobre a largura de entrada para o porto de Leixões.
Como v. exa. se a camara sabem, pelo projecto do distincto engenheiro inglez que delineou esta obra, áquella abertura tinha sido calculada em 180 metros, se não estou em erro.
O governo de então entendeu que este espaço não era sufficiente, e determinou que fosse alargada aquella abertura até 220 metros.
Segundo me consta appareceram ultimamente, no ministerio das obras publicas indicações para ser reduzida esta largura, não digo a 180 metros, que era á largura proposta pelo engenheiro Sir John Cood, mas a 200 metros, e esta noticia causou um certo sobresalto na população da cidade do Porto, e até creio, segundo vi; nos jornaes, que já houve uma representação apresentada pelo centro commercial d'aquella cidade, oppondo-se, em principio, a esta reducção, e pedindo especialmente ao governo que não tome resolução alguma a este respeito, sem ouvir as pessoas competentes, e sem consultar as estações que o podem habilitar a tomar uma deliberação, com perfeito conhecimento de causa.
O assumpto parece-me importante, e por isso chamo para elle a attenção do governo, pedindo a qualquer dos membros do gabinete que estão presentes, se acaso estiverem habilitados a elucidar a camara e a opinião publica a este respeito, os necessarios esclarecimentos sobre o assumpto.
Desejo fazer outra pergunta ao governo, e, como vejo presentes precisamente os tres ministros a quem ella diz respeito, espero que qualquer de s. ex.,ª a ella me responda.
Segundo vi n'um decreto publicado, creio que no dia 1.° de maio, no Diario do governo, decreto emanado do ministerio da fazenda, o governo resolveu annullar, em virtude da creação do ministerio da instrucção publica e bellas artes, a concessão provisoria do edificio do convento de Santo Alberto, ás Janellas Verdes, concessão que tinha sido feita ao ministerio do reino, a fim de se alargar o edifício do museu de bellas artes, que está estabelecido no palacio Pombal, janto áquelle convento.
Como v. exa. sabe, o producto dos conventos que são extinctos e secularisados tem uma applicação especial.
Esta applicação era até ao anno passado exclusivamente a dotação do culto e clero, é depois, em virtude da lei, tambem do anno passado, relativa aos alienados, parte d'aquelle producto devo ser applicado á construcção de edifícios destinados a esses infelizes, edifícios de que tanto se carece.
O governo, por consequencia, tem entendido que não pôde fazer senão concessões provisorias dos conventos que são secularisados; emquanto se não der ás leis que se referem á applicação do producto dos mesmos conventos completa execução.
Fez-se, portanto, a concessão provisoria do convento de Santo Alberto para o museu de bellas artes; mas vejo agora no decreto a que me referi, que foi annullada esta resolução.
No decreto apenas vejo, como motivo para esta annullação, a creação do ministerio de bellas artes, é este argu-

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mento parece-me contra producente, porque é exactamente em virtude d'essa creação que esse ramo de administração publica deve ter maior desenvolvimento, do que se deprehende que a referida creação não foi certamente o que determinou o governo a annullar a concessão já feita.
Por consequencia, julgo de toda a conveniencia saber se o governo está na intenção de dar novamente ao ministerio de bellas artes, ultimamente creado, o edificio do convento de Santo Alberto, para alargamento do museu.
Vejo que entrou o sr. ministro das obras publicas, e por isso espero que s. exa., informado pelo seus collegas; das considerações que acabo de fazer, se digne dar-me alguns esclarecimentos sobre o assumpto.
(S. exa. não reviu.)
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Ministro da Fazenda (ranco Castello Branco): - Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para responder áquella das perguntas do sr. deputado Veiga Beirão, que se refere a actos emanados do meu ministerio. Effectivamente, publicou-se pelo ministerio da fazenda, e até sem conhecimento meu, um decreto, datado de agosto do anno passado, e referendado pelo sr. Barros Gomes, fazendo a concessão do convento das Albertas ao ministerio do reino, com o fundamento de ser esse convento destinado ao alargamento do museu de bellas artes.
Como se creou o ministerio da instrucção e bellas artes, e aquelles serviços já não corriam, portanto, pelo ministerio do reino, entendi dever annullar esse decreto, deixando ao ministro respectivo a liberdade de regular, como entendesse mais conveniente, o alargamento do referido museu.
Como o illustre deputado sabe, esse museu está installado em um edificio que é ainda hoje do dominio particular, e o estado tem o direito de o comprar dentro do praso estipulado no respectivo contrato. Ora a realisação do alargamento do museu de bellas artes e a compra do edificio, que deve naturalmente succeder n'uma epocha mais ou menos proxima, são dois fatos conjunctos e um deve necessariamente acompanhar a realisação do outro.
Com relação ao assumpto que s. exa. tratou e que se refere ao porto de Leixões, o sr. ministro das obras publicas está presente a responderá a s. ex.ª.
O sr. Presidente: - Consta-me estar nos corredores da camara o sr. deputado Eduardo Abreu. Convido os Srs. vice secretarios a introduzirem na sala s. exa., a fim de prestar juramento.
Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Eduardo Abreu.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Em resposta ás perguntas do sr. deputado Veiga Beirão, tenho a dizer muito pouco.
O director das obras do porto de Leixões propoz effectivamente que se estreitasse a bôca do porto, reduzindo a abertura de 220 a 200 metros, se não me engano.
Este assumpto, juntamente com outros que com elle têem relações, foi presente á junta consultiva de obras publicas e minas, e essa corporação entendeu que não estava habilitada a apreciar o assumpto e a dar sobre elle o seu parecer.
N'estas condições pareceu-me conveniente nomear uma commissão de engenheiros, que já esteve no Porto estudando a questão, e sobre elle deu já parecer que foi presente áquella junta.
Espero, portanto, o parecer da junta, hoje reunida, para que o governo possa com segurança, tomar uma resolução sobre o assumpto, o que communicarei ao illustre deputado logo que isso tenha logar.
O sr. Manuel da Arriaga: - Sr. presidente, pedi a palavra para n'esta sessão renovar um pedido que fiz, quando tive a honra de vir pela primeira vez ao parlamento.
É o seguinte:
Está determinado que a abertura da sessão n'esta camara se faça ás duas horas da tarde; mas é certo que está mais que demonstrado que os illustres deputado não se reúnem em numero sufficiente ás duas horas, e se chegam a reunir-se ás tres é caso para se darem os parabéns e para nós ficarmos espantados da sua boa vontade.
Ora, sr. presidente, uma hora de espera é uma hora de anciedade para quem tem outras occupações; mas se n'essa hora não apparecem deputados e estamos na expectativa de nos irmos embora por não haver numero, essa hora é um verdadeiro martyrio.
Era preciso, sr. presidente, que os deputados da opposição tivessem a certeza de duas cousas; primeiro de que a sessão não se abriria antes de uma determinada hora, porque, se se póde abrir a sessão ás duas horas da tarde, e nós estamos habituados a que ella se abra ás tres horas, póde um dia succeder que ao entrarmos aqui a essa hora, saibamos que, no espaço de uma hora foram resolvidos diversos assumptos, em cuja discussão não podémos entrar, e eu já fui uma vez victima de uma d'estas habilidades.
Á hora fixada é as duas? Pois então tome-se uma deliberação em virtude da qual, não havendo numero ás duas horas e um quarto, não haja sessão.
Creio que um quarto de hora de tolerancia, mesmo dados os nossos habitos, já é bastante, e não vejo rasão para que se nos faça perder uma hora na expectativa de ficarmos ou de sairmos.
Tomando-se essa deliberação, cada um de nós póde trabalhar no seu escriptorio até ás duas horas, na certeza de que chegando aqui entra logo em trabalho.
V. exa., sr. presidente, com o seu alto criterio, e com a auctoridade que exerce sobre todos nós, podia muito bem alcançar essa modificação nos nossos habitos, modificação com a qual todos lucrariamos.
Este é o meu primeiro pedido. O segundo pedido dirige-se, indirectamente, a quem não póde responder-me, mas diretamente vae a v. exa., a fim de ver se v. exa. póde tomar uma providencia qualquer que me salve da crise angustiosa em que me encontro cada vez que recebo em minha casa as notas tachygraphicas do discurso que tenho aqui proferido. Eu ainda admitto que se possa ouvir de rosto prazenteiro os ataques mais ou menos violentos com que, no valor da lucta, somos aqui aggredidos pelos nossos adversarios; mas para o que não há paciencia que chegue é para a impressão que em mim produz o aspecto de folhas de papel em branco para sobre ellas ter de fazer um novo discurso. É possivel que, se eu viesse para aqui como para uma escola, dar o meu recado, palavra aqui, palavra acolá, ás pinguinhas, podesse praticamente apparecer a reproducção fiel dos meus discursos; porque, sr. presidente, é preciso que v. exa. saiba que há aqui uma verdadeira escola de fazer discursos, todos com a mesma physionomia, em que todos os oradores são magnificos, porque na tachygraphia, ou onde quer que é, há mestres insignes de palavra escripta, só com a circumstancia de que os discursos são os mesmos para todos. Quer dizer, rebaixa-se assim a physionomia da palavra parlamentar, o discurso de um orador é igual ao de todos os oradores. E sempre que um deputado sáe um pouco fóra d'esta monotonia, para pelo desgosto de receber, em vez de notas tachygraphicas, folhas de papel quasi em branco, com a nota: preenche o orador.
Por fim, a ultima observação que desejo aqui fazer, para evitar equivocos, e sem animo de censura, é que, tendo hoje chegado o momento em que o governo, discutindo com a opposição parlamentar, não vae de certo ouvir palavras amaveis na discussão da resposta do discurso da corôa, e tendo eu quasi a certeza de que este lado da camara, entrando em guerra disciplinada e audaz, há de necessariamente levantar a sua palavra auctorisada contra as medidas promulgadas pelo governo, medidas que todos os Srs. deputados da esquerda são os primeiros a verberar, estou convencido de que d'esta bancada, repito, não haverá uma

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unica voz que não se levante, pedindo a palavra para combater com vigor contra as violações da lei, contra as tyrannias governamentaes.
0 sr. Manuel d'Assumpção: - Apoiado.
O Orador: - E até um illustre deputado da maioria é o primeiro que já dá apoiados, quando chamo tyrannias e violações de lei aos actos do governo.
O sr. Manuel d'Assumpção: - Não foi isso que eu apoiei, apoiei a sua esperança de ver que nobres intelligencias viriam entrar n'um combate franco, aberto e leal.
0 Orador: - E oxalá que essa esperança se realise. Mas, emfim, proseguindo nas minhas observações, e contando com esse debate, por occasião do qual me reservo fallar sobre os pontos de que necessariamente tenho de occupar-me, direi que desejo, sem animo de offensa, levantar uma inexactidão, que, correndo n'esta casa, teve echo lá fóra, e que, por ser grave, carece de rectificação.
Quando n'outra sessão fallei do reconhecimento por parte do governo portuguez da republica federal do Brazil, eu não me dirigi ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a pedir-lhe cousa alguma, dirigi-me ao parlamento e do parlamento é que esperava uma resposta.
O poder executivo era convidado pelo parlamento, e o parlamento não tinha ainda formulado o seu convite.
Quando eu me dirigi á camara e se levantou um membro do poder executivo, qual outro padre mestre da auctoridade suprema, e apontando aos seus meninos lhes disse: «façam isto», não me pareceu procedimento digno de um parlamento.
Deixasse o sr. ministro que a minha proposta fosse bem ou mal recebida, ouvisse a opinião d'esta camara, e depois viesse dizer qual a sua opinão, porque, repito, dirigia-me ao parlamento e não ao governo.
Mas s. exa., na resposta rapida que deu, na antecipação da sua opinião á da maioria, precipitou-se um pouco por falta do tempo para reflectir.
Quando fiz a minha proposta alarguei devidamente a esphera da minha reclamação, para que ao governo e ao parlamento ficasse toda a liberdade do procedimento. Dirigi-me ao parlamento para que elle envidasse os seus esforços para com o governo, no sentido de sermos a primeira nação da Europa que reconhecesse o governo da republica do Brazil.
É o parlamento que se deve dirigir ao poder executivo para que seja solicito em effeituar aquelle reconhecimento.
Entendo que desde já podíamos reconhecer aquelle governo, procedendo como as outras nações da America, sem esperarmos a sancção das respectivas constituintes.
Nenhuma nação da Europa está nas condições da nossa, em relação ao povo brazileiro, pelo que o orgulho de nenhuma nação estrangeira se considera offendido, se nós, como nação amiga e parente da nação brazileira, fossemos os primeiros a reconhecer o seu governo.
Em breve terei ensejo de voltar a este assumpto.
(S. exa. não reviu.}
O sr. Victorino de Albuquerque: - Apresento um requerimento do tenente coronel da arma do engenheria, Constantino José de Brito, pedindo que lhe seja contada para o effeito da reforma, a antiguidade de tenente de 15 de janeiro de 1873. A justiça do pedido está perfeitamente demonstrada nos documentos que vão juntos e que eu me abstenho de ler á camara para lhe não roubar tempo.
Visto que estou com a palavra e vejo presente o sr. ministro das obras publicas, desejava fazer chegar ao conhecimento de s. exa. as reclamações importantes que está fazendo a imprensa e o publico de Vizeu, não fatiando especialmente nos interessados, contra as pessimas condições hygienicas da casa aonde está o pessoal da delegação telegrapho-postal de Vizeu.
Sr. presidente, esta repartição está accommodada n'uma casa que o ministerio passado fez comprar, sendo ministro das obras publicas o sr. Emygdio Navarro. Foi uma magnifica acquisição, que o governo de então fez para o estado; mas creando-se n'essa occasião a escola agrícola, destinou-se quasi todo o predio para este instituto, deixando-se uma parte pequeníssima, e essa mesma fria, humida e infecta, para lá ser installada a delegação telegrapho-postal.
Para v. exa. e a camara avaliarem as condições em que ella está situada, basta dizer que se deram já quatro casos gravíssimos de molestia, um dos quaes terminou pela morte do doente, a dois abeirou-os da sepultura, e o quarto está quasi paralytico, com uma affecção rheumatica, provavelmente incuravel, que tem o doente quasi paralytico, a ponto de não poder fazer serviço e ter de mendigar uma esmola se o estado não attender que a molestia fui adquirida no serviço e por motivo do mesmo. Foi a humidade e o frio da casa que, se não fizeram a molestia, provocaram o seu apparecimento que se achava latente.
Parece-me que não será difficil dar prompto remedio a este mal, sem mesmo d'ahi resultar encargo algum para o thesouro, basta que apenas sejam dadas duas salas, para installação das repartições que são de serviço permanente, das que a escola agrícola reserva para exposição de productos agrícolas que ainda não tem, nem tão breve virá a ter. Seja embora provisorio este expediente, mas ponha-se em pratica emquanto não houver outro melhor e mais prompto. Reclama-o o serviço, e mais do que o serviço, os proprios sentimentos da humanidade.
Ainda no uso da palavra, e por ter ouvido na ultima sessão, por parte do illustre ministro da instrucção publica e bellas artes, as palavras de esperança que me deu de que o nosso paiz acompanharia a idéa manifestada pela camara e propalada pelo paiz, ácerca da conservação dos monumentos historicos, quer elles sejam dignos d'essa conservação pelo merito artístico, quer pela antiguidade, lembrei-me de apresentar o seguinte projecto de lei.
(Leu.}
Mando para a mesa o projecto e peço com urgencia providencias ao sr. ministro das obras publicas a respeito da reclamação que fiz quanto ao pessoal de delegação telegrapho-postal.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Sobre o ponto em que o illustre deputado chamou a minha attenção, vou tomar as informações necessarias para se darem as providencias que evitem a repetição dos acontecimentos a que s. exa. alludiu.
O sr. Ministro da Guerra (Serpa Pimentel): - Mando para a mesa uma proposta, para que alguns srs. deputados possam accumular querendo, as funcções legislativas com as que exercem no ministerio a meu cargo.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos senhores deputados da nação permissão para que os seus membros, abaixo indicados, accumulem querendo, o exercício das funcções legislativas com o das suas commissões:
Alexandre Emílio de Sousa Cavalheiro, cirurgião-mór do regimento n.º 5 de caçadores de El-Rei.
Francisco Felisberto Dias Costa, capitão de engenheria, lente da escola do exercito.
Frederico Ressano Garcia, lente da escola do exercito.
José Alves Pimenta de Avellar Machado, tenente coronel do engenheria, chefe da quarta repartição da direcção geral da secretaria da guerra.
José Elias Garcia, coronel de engenheria, lente da escola do exercito
José Estevão de Moraes Sarmento, tenente coronel de infanteria, defensor officioso no tribunal superior de guerra e marinha.

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José Maria Greenfield de Mello, capitão de artilheria, professor do real collegio militar.
Luiz de Mello Bandeira Coelho, major de artilheria, membro da commissão superior de guerra.

uiz Augusto Pimentel Pinto, tenente coronel de cavalaria, promotor de justiça no segundo conselho de guerra permanente da primeira divisão militar.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 10 de maio de 1890. = Antonio de Serpa Pimentel.

Foi approvada.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa uma proposta de lei, approvando, para ser ratificada pelo poder executivo, a declaração commercial assignada entre Portugal e a Turquia em janeiro de 1890.
É a seguinte:

Proposta de lei n.° 108-D .

Senhores. - Em 11 de janeiro do corrente anno foi assignada pelo meu antecessor na gerencia dos negocios estrangeiros e o representante da Turquia, Caratheodory Efendi, que viera a esta côrte em missão extraordinaria ao tempo da acclamação de El-Rei, a declaração, que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.
Tem ella por fim, como, vereis, fazer cessar os effeitos dos tratados de commercio que ligam Portugal com aquelle imperio e assegurar ao commercio e á navegação de cada um dos dois paizes a respeito do outro, emquanto se não concluir um novo tratado, e na previsão da sua celebração, o tratamento da nação mais favorecida, com as reservas que se encontram no nosso regimen convencional com referencia ao Brazil e ao commercio de fronteiras.
O praso, porém, que n'essa declaração se fixára em 23 de fevereiro d'este anno, foi prorogado até 25 do corrente, em virtude de subsequente accordo entre os dois governos, determinado pelo interregno parlamentar.

A vantagem principal, que a Turquia pretende auferir com similhante declaração, e que determinou a sua proposta, é a de libertar-se da restricção, a que o tratado de 1868 a sujeitava até 1896, de não poder estabelecer direitos de importação superiores a 8 por cento do valor das mercadorias.
Para nós a vantagem consiste em que na epocha (1892) em que finda o nosso tratado: de commercio com a França nos acharemos igualmente livres de compromissos, que por alguma das suas clausulas poderiam embaraçar a negociação do ajuste que porventura haja de celebrar-se com aquella republica ou com outros paizes.
Pelo que fica exposto confio não duvidareis conceder a vossa approvação á seguinte, proposta de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a declaração commercial assignada entre Portugal é a Turquia, pelos, seus representantes em Lisboa, a 11 de janeiro, de 1890 a qual começará a vigorar em 25 de maio do mesmo anno.
Art. 2.° Fica revogada, a legislação em contrario
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 5 de maio de 1890 . = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Traducção

Os abaixo assignados:
S. exa. o sr. Henrique de Barros Gomes, ministro dos negocios estrangeiros de Sua Magestade o Rei de Portugal, conselheiro d'estado, gran cruz das ordens do Medjidie da Turquia, da Legião de Honra de França, e de Christo de Portugal, em nome do governo portuguez de uma parte e
S. exa. o sr. Caratheodory Efendi, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de Sua Magestade o Imperador dos ottomanos junto de Sua Magestade o Rei dos belgas, em missão extraordinaria junto de Sua Magestade Fidelíssima, gran-cruz da ordem imperial do Medjidie e gran-cruz de Christo, em nome do governo imperial ottomano, da outra parte:
Reunidos hoje, no ministerio dos negocios, estrangeiros em Lisboa, e devidamente auctorisados, estabeleceram de commum accordo, o seguinte:
Artigo l.º Os tratados de commercio concluídos entre a Sublime Porta e Portugal de 20 de março de 1843 e 23 de fevereiro de 1868, são declarados rescindidos, de commum. Accordo entre as partes contratantes, e substituídos pelas estipulações seguintes
Art. 2.° Até á conclusão do novo tratado de commercio entre o imperio ottomano e Portugal, e o commercio e o interesses ottomanos, no reino de Portugal, o o commercio e os interesses portuguezes no imperio ottomano continuarão a ser tratados sobre o mesmo pé que os das outras potencias
Os subditos e os productos do solo e da industria, assim como os navios de uma das altas partes contratantes, terão, de direito, no territorio da outra, o exercício e o goso de todas as vantagens; privilegios e immunidades que são ou de futuro sejam concedidos ou cujo goso o governo do paiz em questão possa permittir aos subditos, aos productos do solo c da industria e aos navios de qualquer outra nação mais favorecida.
Art. 3.° O governo de Sua Magestade o Rei de Portugal dá o seu consentimento á renuncia do tratado de 23 de fevereiro de 1868 e do de 20 de março de 1843 estipulada no artigo 1.°, sob as duas reservas que seguem, e que são acceitas pelo governo imperial ottomano:
1.° Reserva-se, em proveito de Portugal, o direito de conceder ao Brazil sómente vantagens particulares que não poderão ser reclamadas pela Turquia como consequencia do seu direito ao tratamento da nação mais favorecida.
2.° Do mesmo modo, o tratamento da nação mais favorecida não poderá ser invocado pela Turquia pelo que respeita as concessões especiaes que Portugal possa conceder a estados limitrophes no sentido de facilitar o seu commercio de fronteira?
Art. 4.° O governo de Sua Magestade o Rei de Portugal reserva-se sujeitar á approvação das côrtes a presente declaração, cujas estipulações deverão ser igualmente ratificadas pelo; governo imperial ottomano, e entrarão em vigor a 23 de fevereiro de 1890 em substituição das contidas no tratado de commercio de 23 de fevereiro de 1868 e no de 20 de março de 1843.
Em testemunho do que, os abaixo assignados fizeram e assignaram, em duplicado, a presente declaração, hoje, 11 de janeiro de 1890, em Lisboa. = Henrique de Barras Gomes = E, Caratheodory.
Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negocios commerciaes em 5 de maio de 1890. = O sub director, Augusto Frederico Rodrigues Lima.
Foi enviada á commissão respectiva.
O sr. Pimenta de Castro: - Mando para a mesa um requerimento do general de brigada reformado, do exercito de Africa occidental, Francisco José Roma, pedindo que lhe sejam pagos os seus vencimentos pela fórma determinada na carta de lei de 25 de junho de 1889.
O requerimento vae publicado a pag. 174 d'este «Diario».
O sr. Fernando Palha: - Pedi a palavra para dirigir uma pergunta ao sr. ministro da fazenda e peço a v. exa. que m'a reserve para depois usar d'ella, mais ou menos largamente, conforme for preciso.
A minha pergunta é simples. Desejava que o sr. ministro da fazenda me dissesse se as operações do emprestimo ultimamente, contratado na praça de Paris e que dizem respeito ao governo portuguez, estão terminadas; isto é, se o governo já tem a certeza de receber nos prasos contratados, ou n'outros que se tenham contratado, as quantias

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estipuladas e que os contratadores e negociadores d'esse emprestimo são obrigados a entregar.
Espero que o sr. ministro responda a esta pergunta, e conforme for a resposta de s. exa. assim eu continuarei a usar ou não da palavra.
O sr. Ministro da Fazenda. (Franco Castello Branco): - Respondendo precisamente á pergunta que me fez o illustre deputado, tenho a dizer que as prestações que estão vencidas até hoje foram integralmente pagas ao governo portuguez.
O Orador: - Eu não perguntei se as prestações tinham entrado, perguntei se o governo tinha a certeza de que as prestações a vencer entravam, ou não, nos prasos contratados ou em quaesquer outros.
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Para satisfazer ao illustre deputado, torno a dizer que as prestações vencidas estão pagas, o contrato foi firme e a respeitabilidade da casa com que o governo contratou não me parece que offereça duvida. Tenho a certeza, que se pôde ter, que estão pagas.
O sr. Fernando Palha: - Eu pedi a v. exa. que me reservasse a palavra para depois de fallar o sr. ministro.
O sr. Presidente: - Não lhe posso dar a palavra sem consultar a camara sobre se quer. que v. exa. use d'ella, alterando-se a ordem da inscripção.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Fernando Palha: - Agradeço á camara o favor que acaba de me conceder.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - E é.
O Orador: - É a primeira vez que vejo um deputado fazer perguntas ao governo o essas ficarem sem resposta.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Não admira; v. exa. está aqui ha pouco tempo.
O Orador: - Eu deixo ao sr. ministro da fazenda a inteira responsabilidade das considerações que vou fazer agora sobre o emprestimo.
Se s. exa. quizesse responder franca e lealmente, se sim ou não estavam terminadas as operações do emprestimo, no caso negativo, não seria eu quem prejudicasse o credito portuguez, que s. exa. estão empenhados em manter; mas desde o momento em que s. exa. não respondeu assim, e diz que tem absoluta confiança nas casas contratadoras; desde que s. exa. não se incommoda com o facto de se trazer esta questão ao parlamento...
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - V. exa. tambem me perguntou isso?
O Orador: - Eu pergunto se v. exa. quizer responder.
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Fallo v. exa., que eu responderei depois.
O Orador: - Eu desejo formular as minhas perguntas, dando a rasão por que as faço e nada mais.
S. exa. não póde ignorar, que existe um profundo receio em toda a gente que se occupa das finanças e da política portugueza. S. exa., como deputado, era quem, o anno passado, protestava contra os intimos do ministro da fazenda de então, e o seu primeiro acto na administração das finanças do paiz foi, em vez de os mandar para o diabo que os carregasse, phrase de que então usou, quem se encarregou de os levar. E de tudo o mais extraordinario é que foi buscar d'esses íntimos aquelle que, na minha opinião, devia ser o ultimo pracurado para similhante effeito.
E eu fallo assim por ser publico e notorio que o contratador do emprestimo é a casa Ephrussi. É a ella que me refiro.
Realmente espantou-me, torno a repetir, que s. exa. fosse buscar, para tão importante negociação, aquelle que, na minha opinião, devia por isso ser o ultimo. E se s. exa. quizer que lhe diga as rasões, tambem lh'as digo.
O espanto foi geral; e não foi só espanto, foram receios, que infelizmente se çonfirmaram.
Na historia das finanças publicas não ha emprestimo mais triste do que este, não ha memoria de outro igual. Um emprestimo que dois dias depois de ser contratado baixou sete pontos!
Quaes foram as causas d'isso? Isto são factos.
Eu estou a desempenhar um papel desagradavel; mas a culpa é de s. exa. Eu estou a fazer o papel de quem atira ao lobo, que está sobre uma pessoa querida, com medo de matar essa pessoa.
Mas passada esta primeira impressão, veiu ainda outra, e mais grave: disse-se que os contratadores do emprestimo se recusavam a cumprir o seu contrato.
Era natural que assim succedesse, porque são homens de negocio, que, como taes, não olham senão para os seus interesses, e o interesse d'elles era que o emprestimo não fosse por diante. De repente correram boatos de que tudo se tinha serenado, de que os interesses portuguezes estavam salvaguardados, e que as prestações do emprestimo estavam garantidas.
N'estas circumstancias, pergunto se é ou não verdade que os contratadores se recusaram a garantir as prestações, e se houve negociação a esse respeito.
Desejo tambem saber se houve alguma alteração no contrato primitivo, quer no preço primitivamente estipulado, quer nas condições de garantia offerecidas. Houve qualquer compromisso por parte do governo como compensação em opções offerecidas em outros negocios ou em promessas feitas em relação aos títulos do emprestimo denominado de D. Miguel?
Fazendo estas perguntas, fallo em nome da anciedade de todo o paiz, e dou ensejo ao sr. ministro da fazenda para desmentir esses boatos, prestando pela minha parte um relevante serviço ao credito do paiz e do governo.
Se as respostas do sr. ministro forem tão francas que possam desvanecer os receios a que alludo, dar-lhe-hei os parabens como portuguez e como amigo.
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - O sr. Fernando Palha começou por fazer uma objurgatoria contra mim, por eu haver contratado, como elle suppõe, com os que se chamam os intimos do sr. ministro da fazenda do ministerio transacto, e terminou por dirigir-me algumas perguntas.
Se s. exa. tivesse aguardado a apresentação do meu relatorio de fazenda, e a copia do contrato feito entre o governo e a casa contratadora, nada teria perdido com a demora, poderia ter dirigido as suas perguntas de uma fórma mais conveniente, quer para si, quer para o credito publico. (Apoiados.)
Agora vou responder precisamente ás perguntas que s. exa. me fez.
Perguntou o sr. Fernando Palha se é ou não exacto que o contratador do emprestimo se recusasse a entrar com qualquer prestação.
Respondo que não houve recusa alguma.
Perguntou mais s. exa. se houve alteração no contrato primitivo, e se houve compensação em opções offerecidas em outros negocios ou em promessas feitas em relação aos titulos do emprestimo de D. Miguel.
Respondo que não houve alteração, não houve compensação nem promessas á esse respeito.
Está s. exa. satisfeito?
Diz o illstre deputado que eu contratei com os íntimos do ministro da fazenda da administração transacta.
Eu posso contratar com os intimos de toda a gente, e até com os do sr. Fernando Palha, (Apoiados.) e não esquecerei que a casa com a qual o illustre deputado tem relações e que tem por director um homem que eu julgo ser intimo de s. exa., foi a primeira pessoa que se me offereceu para me apresentar ao sr. Ephrussi quando este cavalheiro esteve em Lisboa e o sr. Fernando Palha o brindou com explendidas festas, como s. exa. costuma dar,
(Interrupção do cr. Fernando Palha.)

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Não admira absolutamente nada que eu fosse contratar com um intimo do sr. ministro da fazenda da situação passada, quando eu sou hoje combatido por um dos meus mais intimos amigos, como é o sr. Fernando Palha.
Mas nada d'isto vem para o caso.
Quando eu apresentar o meu relatorio de fazenda e o sr. Fernando Palha e toda, a camara, tiverem conhecimento do contrato, será essa a occasião opportuna de discutidas condições e as rasões por que me dirigi a uma certa e determinada casa antes de me ter dirigido a qualquer outra.
Antes d'isso s. exa. comprehende que esta é uma discussão antecipada e inopportuna.
S. exa. não pôde formar um juízo sobre o contrato que ou fiz sem o ler e estudar, aliás eu disporia mesmo de uma grande vantagem sobre s. exa. em relação ás perguntas que me fizesse e que lhe seria difficil formular, emquanto que eu sabia perfeitamente o que havia de responder.
Respondendo; pois, ás perguntas de s. exa., termino repetindo que não é exacto que os contratadores do emprestimo se tenham recusado a entrar com quaesquer prestações e que não houve alteração, compensação nem promessa com respeito aos títulos do emprestimo de D. Miguel.
O sr. Fernando Palha; - V. exa. dá licença que eu responda em duas palavras.
O sr. Presidente: - Se o sr. deputado requer para usar novamente da palavra, alterando-se a ordem da inscripção, consulto a camara.
O sr. Fernando Palha: - Então peço a v. exa. o favor de me inscrever.
O sr. Dias posta: - Começo por agradecer ao sr. presidente do conselho a fineza que me fez de comparecer n'esta casa antes da ordem do dia, dignando se assim satisfazer ao pedido que eu tive a honra de dirigir a s. exa., por intermedio de um dos seus collegas, na ultima sessão d'esta camara.
Os assumptos para que eu pretendo chamar a attenção do sr. presidente do conselho, e pedir-lhe as providencias immediatas que elles requerem parecem-me. muito sympathicos, porque importam fazer-se justiça a individuos menos protegidos da fortuna, e que, embora tenham a seu favor as leis, nem sempre merecem attenção benevola da parte dos agentes encarregados de as cumprirem.
No decreto de 22 de fevereiro d'este anno, polo qual Sua Magestade El-Rei se dignou conceder uma amnistia muito ampla a varios indivíduos sujeitos á sancção penal, determinou-se que se concedesse essa amnistia tambem aos desertores do exercito e armada em certas condições, quando se apresentassem, em determinados prasos, no continente do reino, nas ilhas adjacentes ou no ultramar.
Parece que as auctoridades administrativas e as auctoridades militares nem sempre comprehenderam a intenção do decreto de amnistia na parte que se refere aos desertores.
Com certeza que foi a intenção de Sua Magestade El-Rei, e a do governo, que lhe aconselhou esta amnistia, praticar um acto magnanimo e de grande extensão.
Mas, desde que com relação aos desertores se estabeleceu o praso de dois mezes para se apresentarem no continente; quer isto dizer que se suspendeu o effeito penal em relação aos indivíduos n'estas circumstancias.
Ora acontece que alguns desertores, que, na intenção de aproveitarem a amnistia se dirigiam aos seus regimentos, foram apprehendidos por indivíduos delegados da auctoridade administrativa, menos por-excesso de zêlo do que pela avidez estimulada por uma disposição que o sr. ministro da guerra podia muito bem riscar da nossa legislação militar, porque é bem pouco sympathica.
Refiro-me a uma portaria dos princípios d'este seculo (26 de setembro de 1810), abonando-o premio de 4$800 réis para qualquer individuo, militar ou civil, que prenda um desertor.
Esta disposição já foi suspensa, pelo que diz respeito á armada, por uma portaria de 22 de junho do 1870, com o fundamento, entre outros, de «que, se nenhumas rasões do serviço aconselham o abono de que se trata, todas de ordem moral são evidentemente contrarias a esta praticas».
É claro que os preceitos da moral são tão necessarios para o serviço da armada, como para o serviço do exercito, e não se pôde admittir que se dê um premio a um militar que, por dinheiro, vá prender o seu camarada, porque, embora pratique assim um acto regular perante as leis, é certo que pratica, também uma acção menos digna da nobreza de sentimentos, que deve ser a norma do proceder de quem tem a honra de servir nas fileiras do exercito. (Apoiados.}
Ora, em virtude do estimulo pecuniario a que me referi, succedeu que alguns desertores, e de um d'elles tenho eu conhecimento, foram presos na occasião em que se dirigiam para o seu regimento, e as auctoridades militares, por aquelle zêlo que naturalmente as inspira na manutenção rigorosa de disciplina, procederam em conformidade com o codigo de justiça militar, mandando levantar autos de corpo de delicto, e, seguindo os processos para os commandantes das divisões, estes entenderam que deviam mandar responder os desertores a conselho de guerra. Finalmente, correndo os processos os tramites legaes, aconteceu que as decisões do conselho foram suspensas até que os indivíduos n'estas circumstancias provassem que tinham intenção de se apresentarem nos seus regimentos.
Não sei como se possa provar que um indivíduo tencionasse dirigir-se para uma localidade.
Vê-se, portanto, que a execução do decreto de amnistia, pelo que diz respeito aos desertores, não corresponde ás generosas intenções, de El-Rei e do governo.
Peço, pois, ao sr. presidente do conselho que providenceie como entender de justiça; parecia-me que a maneira mais simples de obviar a estes inconvenientes seria communicar aos commandantes das divisões qual era o espirito do decreto.
Outro assumpto para que eu desejava chamar a attenção do sr. ministro da guerra e pedir-lhe providencias, era para o que se está dando com relação aos individuos que são compellidos ao serviço militar.
A lei do recrutamento determina que, quando um mancebo visivelmente apto para o serviço militar for encontrado fóra do concelho do seu domicilio sem a competente cedula ou resalva, possa ser compellido a sentar praça.
Mais determina essa lei que aos individuos n'estas circumstancias se conceda liberdade, sob fiança, pelo praso de trinta dias, para provarem, se o requererem, que cumpriram, ou estão cumprindo a lei do recrutamento.
Infelizmente, os indivíduos que são apprehendidos, em geral não sabem ler, nem escrever, nem conhecem a lei. Bem sei que isto não serve de desculpa jurídica, porque todos os cidadãos são obrigados ao conhecimento das leis; mas os factos são estes.
A instrucção primaria não está, desgraçadamente, tão desenvolvida no nosso paiz como seria para desejar e tambem por desgraça as auctoridades administrativas não supprem, com os seus bons officios, a consequencia d'esta situação pouco feliz. É assim que as auctoridades administrativas, apprehendendo os individuos nas circumstancias que indiquei, não lhes ensinam o caminho a seguir e mettem-n'os nas cadeias civis, e elles, que geralmente não sabem: ler nem escrever, e não conhecem os seus direitos para requererem os documentos que lhes são necessarios, e nem sempre encontram quem lhes sirva de fiador para obterem a liberdade, depois de estarem trinta dias presos nas cadeias civis, são mandados apresentar nos regimentos para assentarem praça.
Ora, acontece tambem que nem todos os commandantes de regimento se lembram, o que aliás não é seu dever, de officiar aos administradores dos concelhos das localidades

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dos compellidos para saber se effectivamente estes cumpriram ou não as prescripções do recrutamento.
Em alguns regimentos os commandantes, logo que recebem indivíduos n'estas circumstancias, officiam aos respectivos administradores dos concelhos, pedindo informações, que se confirmam as rasões allegadas pelos compellidos, servem para depois o ministerio da guerra providenciar conforme a lei.
Bom seria que todas as auctoridades administrativas e commandantes de corpos procedessem com igual escrupulo, seguindo um caminho que hoje é meramente officioso.
Assim acontece haver cidadãos vexados nos seus direitos, por ignorancia da lei e por sua má applicação.
Se se cumprissem religiosamente as prescripções do regulamento da lei do recrutamento, que determina que os indivíduos nas circumstancias que eu acabo de apontar, sejam mandados immediatamente assentar praça, e, se em vez de se applicar este principio, não só tivesse mais em vista outra disposição, que manda que efectivamente esses indivíduos possam estar presos durante trinta dias, já estes factos não se dariam.
Bastavam umas simples instrucções dadas pelo nobre presidente do conselho aos governadores civis para remediar um estado de cousas que muito prejudica a justiça que se deve a todos, principalmente aos indivíduos mais desprotegidos da fortuna.
Eram estes os pedidos que eu desejava fazer a s. exa.
Já que estou com a palavra aproveito a occasião para fazer mais outro pedido, que me foi suggerido pela leitura da ultima ordem do exercito, publicada no sabbado.
N'essa ordem do exercito manda-se abrir concurso entre os officiaes das diversas armas o do corpo do estado maior, para o desempenho da commissão de escrever a historia politica e organica do exercito portuguez.
Com o maior prazer me congratulo com o sr. ministro da guerra por essa providencia, porque entendo que em questões militares não se deve fazer politica. (Apoiados.)
A paixão partidaria deve ser posta de parte em assumptos que tanto interessam ao paiz.
Applaudo com enthusiasmo essa providencia, porque, tendo o sr. ministro da guerra plenissima liberdade de contratar com qualquer indivíduo que entendesse possuíra com potencia necessaria para escrever a historia do nosso exercito entendeu preferível abrir concurso, acabando assim com o systema arbitrario de ha muito seguido de escolha de officiaes para o desempenho de commissões.
Não me refiro em relação áquelles que têem de ser encarregados de commissões de confiança, porque para estas, a escolha só deve obedecer ao criterio do ministro; mas para o desempenho da maior parte das commissões que demandam aptidões e conhecimentos especiaes, é de toda a conveniencia escolher os indivíduos que mais capacidade tenham para ellas e que não prevaleça o favoritismo ao merito.
S. exa., abrindo esse concurso, prestou relevantes serviços áquelles que são estudiosos e não têem protecção, e iniciou tambem o unico systema que deveria sempre presidir á nomeação de officiaes para commissões que não sejam de confiança.
Creio, porém, que as instrucções appensas á portaria de 9 de maio não correspondem bem ás boas intenções do sr. ministro da guerra.
Effectivamente na propria portaria, se reconhece a difficuldade do trabalho, que se pretende pôr em concurso; mas fixa-se ao mesmo tempo o praso de trinta dias para os concorrentes se apresentarem.
Ora, quando se trata de um assumpto tão difficil, como parece á primeira vista, e effectivamente é, o escrever a historia politica e organica do exercito portuguez, é claro que em trinta dias só poderá apresentar um plano de uma obra d'esta natureza quem já estiver preparado para a escrever, porque do outra maneira não é em trinta dias que se pôde apresentar o plano geral de uma obra que exige muitas pesquizas e muitos conhecimentos.
Eu bem sei que quem consultar as Memorias da academia real das sciencias ha do encontrar n'uma Memoria escripta por Gouveia Pinto muitas indicações sobre este assumpto; o quem tiver lido com attenção a Historia de Portugal do sr. Pinheiro Chagas ha de tambem ter noticia de muitos factos da nossa historia militar, que s. exa. apurou com muito trabalho e muito criterio nas chronicas portuguezas; mas a obra posta a concurso tem de obedecer a um plano racional e o praso para o formular é muito curto; por consequencia parece-me que esse praso deve ser augmentado, e tambem porque pude algum official residente nas ilhas adjacentes desejar concorrer e nem sequer disporá do tempo necessario para que o seu requerimento chegue á estação competente no praso estabelecido.
A portaria de 9 de maio só admitte ao concurso os officiaes que hajam publicado alguns escriptos.
Effectivamente; para se confiar a redacção de obra tão importante a um official, é necessario que elle offereça uma certa garantia pelos seus meritos litterarios; mas tambem é certo, que no exercito ha muitos officiaes de grande merito, que nunca escreveram cousa alguma nos jornaes, nem publicaram livro algum.
E a rasão é simples.
V. exa. sabe que infelizmente a língua portugueza não é conhecida n'um grande numero de nações onde se cultivam as sciencias militares, e por consequencia não é para admirar que era Portugal não haja sempre quem queira ser editor de livros militares, excepto quando esses livros tenham um caracter escandaloso, por dirigirem accusações injustas contra o paiz e contra o exercito. Mas para os livros de sciencias militares é muito difficil encontrar um editor que recompense dignamente os seus auctores.
Em relação á maneira dos officiaes pagarem publicações por sua conta, ha uma grande difficuldade, porque o ministerio da guerra não póde despender mais de 50$000 réis por cada obra, excepto quando for original, de relevante merito e de incontestavel utilidade para as bibliothecas publicas, condições estas que raras vezes se poderão realisar, e o nosso mercado litterario não se presta a publicações militares que não sejam subsidiadas pelo estado.
N'estas circumstancias o official que possa produzir alguma cousa tem de se retrahir, porque não dispõe de meios para publicar as suas obras.
Prescreve a portaria em questão que os requerimentos para o concurso serão acompanhados de uma memoria ou exposição do plano geral da obra.
Eu creio que ficará a academia real das sciencias perfeitamente habilitada a julgar os concorrentes, se, em logar de um simples plano geral da obra, se exigir que esse plano seja acompanhado de uma memoria justificativa, e, só tanto for preciso, da historia de uma epocha ou reinado, á escolha dos candidatos.
Fazer o plano de um livro militar não é uma cousa muito difficil, mas fazer um plano e justifical-o conscienciosamente é tarefa que exige perfeito, conhecimento do assumpto e ura são criterio, que só pôde encontrar-se em quem tenha grande merito e saber.
Por consequencia parece-me que o sr. presidente do conselho e ministro da guerra faria um bom serviço ao exercito, e em particular aos officiaes estudiosos, se se dignasse: 1.°, augmentar o praso do concurso de que trata a portaria de 9 do corrente; 2.°, permittir que os officiaes do exercito sejam, admittidos ao concurso sem dependencia de haverem já publicado quaesquer escriptos; e 3.°, finalmente, estabelecer que os candidatos apresentem uma memoria justificativa do plano geral da obra, podendo mesmo exigir-se a historia de um reinado ou de uma epocha notavel nos fastos militares de Portugal,

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São estes os pedidos que tenho a dirigir ao sr. presidente do conselho, e espero que s. exa. os attenderá.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros. (Antonio de Serpa): - São tres os assumptos a que se referiu o illustre deputado, e que dizem respeito á pasta da guerra.
O primeiro refere-se á applicação que tem tido o decreto da amnistia com relação aos desertores do exercito e da armada. Disse o illustre deputado que os desertores que se dirigiam aos seus regimentos, pedindo que se lhes tornasse extensivo o beneficio do decreto da amnistia, eram presos e n'essa situação ficavam por largo tempo! Não tenho reclamações a este respeito; mas tomo nota, para ver se é possível remover quaesquer obstaculos.
O segundo ponto é com respeito ás instrucções que o governo deve dar ás auctoridades administrativas, de fórma que não sejam prejudicados os direitos dos indivíduos que são recrutados.
Darei as instrucções necessarias para que se verifique o que s. exa. deseja, e me parece conveniente.
O terceiro facto é sobre um concurso aberto no ministerio da guerra para a publicação de uma obra literaria. Parece-me que o illustre deputado não tem rasão nas suas considerações.
S. exa. acha pequeno o praso de trinta dias para a apresentação da historia militar. Ora parece-me que quem nunca escreveu um livro, não é provavel que queira começar por um livro tão importante.
A minha idéa era de que viessem a esse concurso os escriptores já conhecidos, que tivessem pratica da publicação de trabalhos litterarios, e ao mesmo tempo os homens que já se tivessem occupado em estudar a historia do nosso exercito.
Foi essa a rasão por que entendi que o praso de trinta dias era sufficiente.
O sr. Costa Pinto: - Participo a v. exa. que faltei a algumas sessões por motivo de serviço publico, e portanto não assisti á sessão de sexta-feira, em que foi apresentado o volume VII dos Apontamentos para a historia das côrtes geraes da nação portuguesa. Por essa occasião v. exa. propoz um voto de louvor ao infatigavel trabalhador e distinctissimo funccionario publico, o sr. barão de S. Clemente. Eu quero, declarar a v. exa. e á camara que, se tivesse assistido a essa sessão, teria votado com muito gosto ajusta proposta de v. exa.
Pedi tambem a palavra para mandar para a mesa uma representação dos contínuos e correios da secretaria do governo civil de Lisboa.
Eu podia dizer algumas palavras em favor d'estes empregados, que ainda hoje são pagos pela tabella de 1838 e que ganham apenas 430 réis diarios; mas o direito que lhes assiste é tão frisante, que dispensa quaesquer considerações, pois é de justiça que estes funccionarios sejam equiparados em vencimentos aos seus collegas das secretarias d'estado.
Estou certo que a representação d'aquelles zelosos empregados há de ser apreciada e resolvida favoravelmente pelas commissões de fazenda e de administração a que creio deve ser submettida.
Renovo tambem a iniciativa de um projecto de lei apresentado em 1889, para a expropriação por utilidade publica de uns terrenos para colher água para o serviço publico em Almada.
Como estou com a palavra, e aproveitando a presença do sr. ministro da marinha, pedia a s. exa. que não descurasse um serviço publico, que na verdade até hoje não tem sido tratado de maneira a prestar os serviços que a salvação publica exige; refiro-me á collocação do salva-vidas em Cascaes.
Este salva-vidas está guardado em um barracão em local improprio e acontece, quando ha qualquer naufragio chegar sempre muito tarde ao loca} do sinistro, pela difficuldade de o pôr a nado.
Eu sei que s. exa. já está tratando d'este assumpto, que lhe merece a maxima attenção, e eu só peço a urgencia na sua realisação, para que o salva-vidas possa prestar serviço, quando se dê qualquer desastre, o que acontece frequentes vezes em Cascaes.
O sr. Elvino de Brito: - Desejava fazer ao governo uma singellissima pergunta, que, embora sobre um assumpto intimamente relacionado com a pendencia luso-britannica, não obrigaria o gabinete a entrar em detalhes, que podessem comprometter o bom exito das negociações pendentes, ás quaes elle, pela sua parte, não desejaria crear o minimo embaraço. A pergunta refere-se á navegação do Zambeze e do Chire; mas antes de a formular aproveitaria o ensejo para dizer á camara, que não o surprehendêra ha dias a referencia que o sr. ministro dos estrangeiros fizera a este assumpto, quando affirmára, accidentalmente e não sabe se intencionalmente; que o sr. Barros Gomes offerecêra a livre navegação do Zambeze e seus affluentes como elemento ou base para a resolução da pendencia com a Inglaterra.
Não queria precipitar, o debate e, por isso, não diria n'este momento quaes as rasões que obrigaram o sr. Barros Gomes a trazer para o campo das negociações a livre navegação do Zambeze, e como fóra forçado a isso diante da insistencia e persistencia da Inglaterra. E não era a primeira vez que tal acontecia. Sempre lembraria á camara, que já no tratado negociado com a Inglaterra em 30 de maio de 1879 pelo partido regenerador apparecêra a clausula de que «a navegação do Zambeze e seus affluentes seria livre, e não sujeita a monopolio ou exclusivo algum»». E depois d'isso, no tratado negociado com aquella nação pelos srs. conselheiros Serpa Pimentel e Barbosa du Bocage, em 26 de fevereiro de 1884, tratado que não poderá ser tambem, como o primeiro, ratificado pelo parlamento, figurava igualmente a clausula de que «as altas partes contratantes reconheciam a inteira liberdade no que respeita ao commercio e navegação dos rios Zambeze e Congo e seus affluentes para os subditos e bandeiras de todas as nações».
Tudo isto, porém, se havia de discutir e liquidar em occasião opportuna, e por isso; se limitaria por agora, a perguntar ao governo se mandara suspender a execução do regulamento da capitania dos portos de Moçambique, approvado pelo decreto de 17 de fevereiro de 1887, com especialidade o seu artigo 136.°, em que se estatue que «qualquer indivíduo portuguez, ou naturalisado como tal, pôde ser proprietario de embarcações para navegarem dentro dos portos e rios, uma vez que se sujeitem ás condições do mesmo regulamento».
Sabe, e de certo aquelles que têem estudado a questão luso-britanica n'estes dois ultimos annos o não ignoram, que o ministerio transacto, a instancias do governo inglez, apenas permittira que os dois barcos inglezes Lady Nyassa e Stevenson, que já navegavam, por tolerancia do governo da província, sem as formalidades impostas pelo novo regulamento, continuassem provisoriamente, e por um praso determinado, nas condições anteriores.
Desejava que o governo declarasse se houvera alteração nas ordens anteriores, ou se o regulamento fóra suspenso ou modificado.
Tambem desejava saber se o governo tivera noticia da ultima expedição ingleza, que ha bem pouco tempo partira da Walfisch Bay para ás bandas do Cunene. Desejava ser informado; da data exacta em que ella partira para o interior, e qual o fim que ella tivera em vista partindo para aquelle ponto.
Aguardava-as explicações do governo; para em occasião opportuna se occupar d'este assumpto conjunctamente com a questão do conflicto inglez.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as respectivas notas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Desde que o illustre deputado se reservou,

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no interesse das negociações pendentes, para mais tarde liquidar as responsabilidades do governo, a camara comprehende bem que, mesmo em face das declarações que s. exa. fez, não posso eu ir discutir o assumpto.
Vou pois responder concretamente ás perguntas feitas por s. exa.
Perguntou s. exa. se o governo tinha mandado suspender o regulamento relativo á navegação de embarcações estrangeiras no Zambeze. O governo não fez alteração alguma ao estado de cousas em vigor no ministerio transacto, com relação á navegação do Zambeze.
Creio ter respondido ao illustre deputado.
O sr. Elvino de Brito: V. exa. dá-me licença? Eu perguntei se, alem dos dois. barcos que citei, navegava no Zambeze outro qualquer barco, com bandeira estrangeira.
O Orador: - Já disse a s. exa. que nem determinações nem preceitos, nem instrucções, nem providencia alguma foi tomada per parte do governo, que signifique alteração ao estado de cousas em vigor no tempo do ministerio transacto, com respeito á navegação do Zambeze.
Mais nada tenho a dizer a s. exa.
O sr. Santos Viegas: - Por parte da commissão de negocios ecclesiasticos, participo a v. exa. que esta commissão está constituída, tendo sido eu nomeado seu secretario e o sr. Guilherme de Abreu, presidente.
Mando para a mesa uma proposta para ser aggregado á mesma commissão o sr. Jacinto Candido.
Peço a urgencia.
Approvada a urgencia leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que á commissão de negocios ecclesiasticos seja aggregado o sr. deputado Jacinto Candido. = O deputado, Santos Viegas.
Foi approvada.
O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Mando para a mesa a declaração de que, por parte do governo, renovo á iniciativa da proposta de lei n.° 7-H, de 10 de maio de 1889, sobre a aposentação dos parochos, apresentada á camara pelo meu illustre antecessor.
Devo declarar que esta renovação de iniciativa significa unicamente que, por parte do governo, estou de accordo com o pensamento geral d'aquella proposta, sem embargo das modificações, alterações ou additamentos que, de harmonia com a commissão respectiva, eu esteja de accordo que só façam na proposta respectiva, para satisfazer quanto possível a parte attendivel das reclamações dos parochos interessados no assumpto.
Mando para a mesa a declaração.
A proposta de renovação de iniciativa é a seguinte:

Proposta de lei n.° 109-A

Renovo a iniciativa da, proposta de lei n.° 7-H, de 10 de maio de 1889, sobre aposentação dos parochos.
Secretaria d'estado dos negócios ecclesiasticos e de justiça, 12 de maio de 1890. = O ministro da justiça, Lopo Vaz de (Sampaio e Mello.-

Proposta de lei n.º 7-H

Senhores. - Venho submetter á vossa apreciação uma providencia, que é aconselhada pelos princípios de justiça, porque tem por fim conceder a uma respeitavel classe de funccionarios, que prestam importantes serviços á Igreja e á sociedade, o mesmo beneficio de que gosam outros servidores do estado.
Refiro-me ao clero parochial.
Tendo sido devidamente contemplado nas differentes reformas dos ultimos tempos o pessoal de outros ramos de administração publica, não é menos justo que os parochos canonicamente, instituídos encontrem tambem nas leis alguma disposição que lhes garanta uma recompensa, quando pelos annos ou por enfermidades se impossibilitam do desempenho das funcções do seu ministerio.
Pelas circumstancias do thesouro publico, e talvez pela necessidade de attender-se em differentes epochas a outros serviços igualmente importantes, não póde ainda ser votada uma medida legislativa que proveja á melhor sustentação dos ministros do altar, e ao maior esplendor do culto externo da nossa religião; e pelas mesmas considerações não posso ainda n'esta sessão, mau grado meu, submetter no vosso exame e approvação uma proposta de lei completa sobre a dotação do culto e clero.
Comtudo, por não poderem ser presentemente superadas as difficuldades praticas, que se oppõem á realisação do meu desejo, não devo deixar de propor-vos desde já que se torne extensiva ao clero parochial a concessão do direito de aposentação, com, o qual muito se melhora a sorte de uma classe que exerce inquestionavelmente a mais salutar influencia na ordem social.
As disposições que de certo prenderão mais a vossa attenção são as que se acham consignadas nos artigos 2.°, 3.° e 13.°
Pelo decreto do 19 de setembro de 1836 e pelas cartas de lei de 20 de julho de 1839 e 8 de novembro de 1841 foi o governo auctorisado a conceder soccorros provisorios, nunca inferiores á terça parte da congrua, aos parochos que pela sua idade ou molestias não podessem desempenhar as funcções do seu ministerio.
Não poderá talvez affirmar-se que ficasse assim legalmente constituído o direito dos parochos á sua aposentação; mas é certo que foi por aquelle modo reconhecida a sua necessidade, assim como a obrigação que têem os poderes publicos de fornecer os meios necessarios para a decente sustentação dos que se impossibilitarem de continuar a prestar os seus serviços á sociedade, tanto na ordem religiosa como na civil.
Alem d'isto, a conveniencia do serviço publico e os princípios por que deve ser regulada uma boa administração parochial exigem que sejam substituidos, por quem possa satisfazer aos importantes deveres de cura do almas, os parochos que na extrema velhice ou por enfermidade grave e incuravel não possam exercer as funcções respectivas; sendo de justiça que em taes circumstancias se lhes conceda uma pensão igual á sua congrua, para que no ultimo quartel da vida não soffram privações o possam conservar a sua dignidade.
Por estas considerações parece-me que se acha justificada a disposição do artigo 2.° da proposta, comquanto seja o fim principal d'esta tornar extensivas, ao clero parochial as prescripções do decreto com força de lei, n.° 1 de 17 de julho de 1886.
Pareceu-me tambem igualmente justo que os parochos, que são modestissimamente retribuídos, fiquem dispensados de contribuir para a caixa das aposentações, sem que por este facto percam o direito de aposentar se quando reunirem as outras condições para este effeito indispensaveis.
É incontestavel que os parochos, cujas congruas não excedem a 100$000 réis, mal podem sustentar se com a dignidade e decencia que o seu estado requer; e por isso, obrigal-os a concorrer com qualquer quota para a caixa das aposentações, seria aggravar a sua situação. Já que por emquanto não podem ser elevadas aquellas congruas, suppra-se ao menos a deficiencia, concedendo aos parochos que as percebem o beneficio de gosarem do direito de aposentação, sem deducção nos seus escassos rendimentos. E convem notar que com a disposição do artigo 3.° será pouco onerado o fundo especial que se constituir na caixa das aposentações para pagamento das pensões aos aposentados em taes circumstancias, por se acharem annexadas ou providas por simples encommendação muitas das parochias que apenas têem aquelle rendimento, e tambem por

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terem de ser descontados das pensões os soccorros provisorios que houverem sido concedidos, como se estabelece no artigo 5.°
Achando-se já determinado pela carta de lei de 4 de abril de 1861, que os bens que constituírem propriedade ou dotação dos conventos supprimidos sejam destinados á sustentação do culto e clero, é tendo sido tambem estabelecido pelo decreto com força de lei de l de dezembro de 1869 que os bens das collegiadas que se supprimirem tenham igualmente âqnella applicação, julgo acertado e em
completa harmonia com aquellas disposições que uma parte dos rendimentos dos referidos bens venham a constituir na caixa das aposentações um fundo especial destinado exclusivamente ao pagamento das pensões dos parochos que forem aposentados, como indico no artigo 13.º.
E por, estas considerações espero que vos dignareis approvar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º O direito de aposentação concedido aos empregados e funccionarios civis pelo decreto com força de lei, n.° l, de 17 de julho de 1886, é, nos mesmos termos, ampliado aos parochos canonicamente instituídos nas igrejas parochiaes do continente do reino e das ilhas adjacentes; salvas, porém, as declarações e alterações prescriptas nos artigos seguintes
Art. 2.° É facultada a aposentação ordinaria:
1.° Aos parochos que tiverem completado setenta e cinco annos de idade, sem dependencia de qualquer outra condição para obtel-a.
2.° Aos parochos que, contando mais de sessenta annos de idade e trinta de serviço effectivo, se mostrarem, impossibilitados, physica ou moralmente de continuarem-no exercício do ministerio parochial.
§ 1.º Se o s parochos que estiverem nas circumstancias declaradas n'este artigo não solicitarem a aposentação, poderá o governo determinal-a- sobre parecer e proposta do prelado da respectiva diocese.
§ 2.º Aos parochos aposentados nas condições referidas serão concedidas pensões iguaes á importancia das suas congruas.
Art. 3.° Os parochos, cujas congruas não estiverem taxadas em quantia superior a l00$000 réis, ficam dispensados de contribuir com qualquer quota para a caixa das aposentações, sem que por este facto deixem de ter igual direito a serem aposentados quando reunirem as outras condições indispensaveis para a aposentação ordinaria ou extraordinaria.
Art. 4.° As pensões de aposentação concedidas aos parochos das freguesias do continente serão computadas em proporção das congruas arbitradas ás respectivas igrejas, emquanto não for decretada por outra fórma a dotação do clero parochial; devendo observar-se a este respeito as mesmas regras fixadas no citado decreto para as pensões dos funccionarios civis aposentação.
As dos parochos das freguezias das dioceses das ilhas adjacentes serão calculadas em proporção das congruas que percebem pelo; cofre do estado.
Art. 5.° Os soccorros provisorios que tiverem sido concedidos aos parochos aposentados serão encontrados nas pensões que houverem de receber nos termos do artigo antecedente.
Art. 6.° A impossibilidade physica ou moral será verificada nas sedes das dioceses, por tres facultativos para esse fim nomeados pelo ordinario, o qual depois enviará os respectivos processos de aposentação com o seu parecer ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, para seguirem os devidos termos.
Art. 7.° Cessando a impossibilidade, e verificado este facto pelo modo estabelecido no artigo antecedente, terminará o pagamento das pensões aos parochos aposentados logo que estes sejam apresentados e collados em outras igrejas parochiaes, ou nomeados para quaesquer outros benefícios ou empregos.
Art. 8.° Para o effeito da aposentação não será contado o tempo em que os parochos estiverem suspensos das ordens sacras ou do exercício do seu ministerio, nem aquelle em que deixarem de residir em seus benefícios sem legitimo impedimento ou auctorisação competente. Será, porém, levado em conta todo o tempo de serviço no exercício das funcções parochiaes, como collado ou encommendado, e o que tiverem prestado em alguma commissão de serviço publico devidamente auctorisada
Art. 9º. Decretada a aposentação, ou por determinação regia, ou por solicitação do interessado, não, se effectuará o pagamento, da pensão concedida, emquanto o parocho aposentado não renunciar o seu beneficio, e não apresentar a necessaria certidão do termo da renuncia, e emquanto não tiver, cabimento dentro: do fundo de que trata o artigo 13.°
Art. lO.° quando o parocho aposentado se recuse a renunciar voluntariamente o seu beneficio, ou não possa por qualquer circumstancia verificar, a resignação; o prelado diocesano o removerá do exercício do ministerio parochial, e nomeará para o substituir um encommendado; percebendo este a congrua arbitrada á respectiva igreja, o aquelle à pensão que lhe tiver sido concedida;
Art. ll.° O pagamento das quotas com que contribuírem os parochos das freguezias do continente para a caixa das aposentações será feito nas recebedorias dos concelhos respectivos, visto não terem vencimento pago pelo cofre do estado para que a importancia das mesmas quotas seja remettida por aquellas repartições á sobredita caixa, pela qual serão satisfeitas as pensões aos parochos aposentados.
§ unico. As quotas dos parochos das dioceses das ilhas adjacentes serão descontadas nas folhas das congruas pagas directamente pelo estado.
Art. 12.° Os parochos das freguezias do continente que tiverem de contribuir parada caixa das aposentações, e não apagarem, as suas quotas nos devidos prasos, ficarão sujeitos ás mesmas prescripções comminatorias dos §§ 4.º e 7.º do artigo 7.° do decreto de 14 de outubro de 1886.
Art. 13:° Pelo ministerio dos negocios da fazenda será entregue á caixa das aposentações uma subvenção annual de 20:000$000 réis, proveniente dos rendimentos dos bens das corporações religiosas extinctas ou supprimidas, para ali se constituir um fundo especial destinado exclusivamente ao pagamento das pensões aos parochos que forem aposentados nos termos dos artigos 2.º e 3.º d'esta lei.
Art. 14.° O governo dará as providencias que julgar necessarias para a execução d'esta lei.
Art. 15.° Ficam assim: ampliadas as disposições do decreto com força de lei, n.° 1, de 17 de julho de 1886, e revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 10 de maio de 1889. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Foi enviada á commissão respectiva.
0 sr. Pinheiro Chagas: - Mando para a mesa o parecer sobre o bill:
Foi a imprimir.
O sr. Pereira Leite: - Mando para a mesa alguns requerimentos de officiaes reformados do ultramar, que pedem para ser equiparados em vencimentos aos seus camaradas da metropole, e confio, que à camara tomará na devida consideração o pedido dos supplicantes, que me parece de justiça.
Os requerimentos vão publicados a pag. 174 d'este Diario.

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ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.° 105, resposta ao discurso da corôa.
Leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 105

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza: - No curto período de tempo que tem decorrido desde o começo do meu reinado, é a terceira vez que, em desempenho dos meus deveres constitucionaes, venho ao seio da representação nacional, e é-me sempre grato ver-me rodeadp dps re+resentantes do povo portuguez, a cuja prosperidade e independencia a minha dynastia ligou os seus destinos.
Entre o meu governo e o de Sua Magestado Britannica suscitou-se um conflicto, que foi sensível ao meu coração, como ao de todos os portuguezes, e d'ahi se originaram negociações diplomaticas. Tenho fé que ellas terminarão honrosamente para as duas nações: O meu governo vos apresentará em tempo opportuuo os documentos que respeitam a este importante assumpto.

Com todas as outras nações estrangeiras continuâmos a manter relações amigaveis, e de muitos d'ellas tenho recebido as mais inequivocas provas de consideração e de sympathia.
No intervallo das sessões legislativas entendeu o meu governo que as circumstancias reclamavam providencias extraordinarias e urgentes; e no sentido de preparar sem demora os primeiros elementos da defeza nacional de manter o ordem publica e o respeito ás instituições, e de prover a outras necessidades, instantes da administração da justiça, da situação das classes operarias e do progresso nacional, decretou essas providencias, devendo apresentar-vos a proposta de lei que o releve da responsabilidade em que incorrêra, e que vós de certo examinareis com a circumspecção que este assumpto reclama.
Pelos diversos ministerios vos serão apresentadas algumas propostas de lei ácerca de assumptos importantes; para a aposentação dos parochos, sobre o processo commercial e outras negocios de justiça; para a organisação do nosso dominio colonial e o estabelecimento de uma linha ferrea que communique Mossamedes com o interior da Africa occidental; para beneficiar a agricultura e animar o desenvolvimento do commercio e industria, e para organisar em bases convenientes a nova secretaria d'estado da instrucção publica e bellas artes, provendo de remedios efficazes ás imperfeições e lacunas da educação nacional.
Os assumptos relativos á fazenda publica devem merecer a vossa mais especial attenção. As receitas do estado têem continuado a augmentar e o credito publico a manter-se da maneira a mais satisfatoria. Os termos da operação ultimamente contratada pelo governo, em desempenho de varias autorisações, são d'isto uma prova irrecusavel. Mas as necessidades impreteriveis da defeza nacional e da sustentação e elevação do credito publico trazem a necessidade também impreterivel de augmentar os recursos para as satisfazer. Com este fim vos apresentará o meu governo diversas propostas de lei, melhoramento algumas fontes de receita, de modo a obter d'ellas o maximo producto, sem aggravar sensivelmente a situação dos contribuintes. Examinal-as-heis de certo, assim como o orçamento rectificado do anno corrente e o de previsão do anno futuro com a reflexão que este assumpto reclama. A riqueza do paiz tem-se desenvolvido e com ella as receitas ordinarias do

Senhor. - A presença de Vossa Majestade no seio da representação nacional é sempre festejada com jubilo pelos deputados da nação portugueza, que sabem como a prosperidade e independencia do povo portuguez ligou os seus destinos e dynastia de Vossa Majestade.
Foi sensivel ao coração de Vossa Majestade, com ao de todos os portuguezes, o conflicto suscitado entre o governo de Vossa Majestade e o de Sua Majestade Britannica, e a camara dos deputados da nação, compartilhando esse sentimento, aguarda lhe sejam presentes em tempo opportuno os documentos que respeitam a tão importante assumpto, tendo fé que terminem as negociações diplomaticas originadas d'esses conflicto, honrosamente para as duas nações.
Estima a camara saber que mantemos relações amigaveis com todas as outras nações estrangeiras, e que de muitas d'ellas tem Vossa Majestade recebido as mais inequivocas provas de consideração e de sympathia.
Há de a camara dos deputados da nação portugueza examinar, com a circumspecção exigida por tão ponderoso assumpto, a proposta de lei que lhe foi apresentada tendente a revelar o governo de Vossa Majestade da responsabilidade em que incorreu, decretando no intervallo das sessões legislativas providencias extraordinarias no sentido de preparar sem demora os primeiros elementos da defeza nacional, de manter a ordem publica e o respeito ás instituições, e de prover a outras necessidades instantes da administração da justiça, da situação das classes operarias e do progresso nacional; grato será á camara reconhecer que reclamavam as circumstancias urgentemente essas providencias, e que ellas merecem a sua approvação, ficando o governo relevado da responsabilidade em que tiver incorrido.
Com satisfação estudará a camara as propostas de lei que lhe forem apresentadas para a aposentação dos parochos, sobre o processo commercial e outros negocios de justiça; para a organisação do nosso dominio colonial e o estabelecimento de uma linha ferrea que communique Mossamedes com o interior da Africa occidental; para beneficiar a agricultura e animar o desenvolvimento do commercio e industria, e para organisar em bases convenientes a nova secretaria d'estado da instrucção publica e bellas artes, provendo de remedios efficazes ás imperfeições e lacunas da educação nacional; e confia que ellas hão de ter a sua approvação.
Aos deputados da nação portugueza merecem a mais especial attenção os assumptos relativos á fazenda publica, e agradavel lhes é saber que têem continuado a augmentar as receitas do estado, mantendo-se o credito publico da maneira a mais satisfatoria, de que deram prova irrecusavel os termos da operação ultimamente contratada pelo governo em desempenho de varias auctorisações.
É certo que impreteriveis necessidades da defesa nacional e da sustentação e elevação do credito publico trazem a necessidade também impreterivel de augmentar os recursos para as satisfazer; e por isso a camara confia que, depois de examinadas com a reflexão que sempre carecem assumptos d'esta natureza, poderá approvar as diversas propostas de lei que lhe forem apresentadas pelo governo de Vossa Majestade; melhorando algumas fontes de receita, de modo a obter d'ellas o maximo producto, sem aggravar sensivelmente a situação dos contribuintes.

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thesouro. A resolução segura do nosso problema financeiro consiste em não continuar a augmentar as despezas regulares do serviço publico, de modo que este augmento exceda ou igualo o das receitas regalares e ordinarias do thesouro.
Dignos pares do reino o senhores deputados da nação portugueza: confio no vosso zêlo e no vosso patriotismo, esperando que haveis de examinar todos estes assumptos, em vista da sua importancia e em presença das circumstancias, que estão exigindo de todos os governos a sua cooperação para o bem estar dos povos.
Com o auxilio da Divina Providencia couto que o resultado dos vossos trabalhos será util á causa da patria e da civilisação.
Está aberta a sessão.
O sr. Marianno de Carvalho: - Sr. presidente, os meus illustres collegas da opposição progressista encarregaram-mo, como um dos mais antigos dos seus correligionarios n'esta casa, a honra de declarar a v. exa. e á camara, que julgamos inopportuna, na actual situação e n'esta casa do parlamento, a discussão da resposta ao discurso da corôa; e portanto, que votâmos esse diploma sem discussão, considerando-o meramente como o cumprimento, de um dever de cortesia constitucional. Reservâmo-nos para na discussão do bill e em interpellações especiaes, levantar a questão política; (Apoiados.} e a respeito dos mais assumptos administrativos ou de fazenda, reservâmo-nos para quando entrarem em discussão as respectivas propostas do lei, ou tambem por meio de interpellações, se assim o julguarmos conveniente.
Tenho concluído.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Manuel da Arriaga: - Diz que as suas primeiras palavras n'esta sessão do parlamento, foram que abandonassemos as ficções em que temos vivido para entrarmos na realidade das cousas; que esta realidade era dura e severa; tendo nos batido á porta o ultimatum de Inglaterra, elle acordou-nos de um somno profundo em que andavamos submergidos, entretidos em sonhos enganadores; Que uma d'essas muitas ficções era o consorcio intimo e imperturbavel de todos os governos d'este paiz, com todos os parlamentos que os haviam de julgar em nome da nação, segundo se diz. Tudo quanto é posto na bôca do chefe do estado pêlos conselheiros, da sua escolha, nos discursos da abertura do parlamento, encontra como a reproducção de um echo nos que se dizem representantes do povo. Se o Rei diz que vê com muita dor um acontecimento qualquer, elles respondem que o vêem com muita dor; se lhes diz que um assumpto que lhes indica merece a sua solicitude e cuidado, elles respondem que lhe merece o seu cuidado e solicitude; se, meio descrente dos recursos humanos appella para a Divina Providencia, o parlamento responde-lhe que tambem appella para a Divina Providencia. De sorte que entre o discurso da corôa e a resposta do parlamento dá-se como que um echo de namorado, em que á palavra respondo a palavra, ás idéas as idéas e aos sonhos os sonhos; e assim, como agora se vê, todos os decretos da funebre dictadura que violaram os direitos, as tradições, o brio e a honra d'este paiz, e que trazem a família portugueza irritada, dividida e recciosa de gravíssimos acontecimentos, não encontram nos chamados representantes do povo uma nota discordante ás aventuras até
A camara folga do saber que se tem desenvolvido a riqueza do paiz e com ella as receitas ordinarias do thesouro, e, tendo- em vista que consiste a resolução segura do nosso problema financeiro em não continuar a augmentar as despezas regulares do serviço publico, de modo que este augmento exceda ou iguale o das receitas regulares e ordinarias do thesouro, crê que depois de reflectido exame ha de approvar o orçamento rectificado do anno corrente e o do previsão do anno futuro.
Senhor. A camara dos deputados da nação portugueza procurará com todo o zêlo e patriotismo cooperar com o governo de Vossa Magestade para o bem estar dos povos e deseja que, com o auxilio da Divina Providencia, os seus trabalhos sejam uteis á causa da patria o da civilisação.
Sala da commissão, 7 de maio de 1890. = Pedro Augusto de Carvalho = Alberto de Almeida Pimentel = Antonio Maria Cardoso = Francisco Ferreira do Amaral = Manuel Pinheiro Chagas = Pedro Victor da Costa Sequeira - Manuel d'Assumpção, relator.

hoje criminosas d'esses decretos liberticidas, e o parlamento, confiando na Divina Providencia, diz ao chefe do estado, illudindo-o, que elle e o Rei estão em perfeito accordo com o seu governo. Se assim é, exclamou o orador, se o discurso da corôa já tem o assentimento dos representantes da nação, e isto se vae dizer a El-Rei, o melhor é fechar o parlamento, acabar com elle, porque só impera, absoluta, a vontade de quem governa.
Srs. deputados, estamos no principio de um reinado, e aquelles srs. ministros, que são os timoneiros da chamada nau do estado, depois de mais de meio seculo de constitucionalismo, rasgando a constituição do estado e as leis complementares, que nascidas de dolorosissimas experiencias contra os abusos da corôa, deram guarida e consistencia ás garantias dos nossos direitos civis e políticos, aventuram-se audaz e cegamente a dar-lhe novo rumo.
O navio não navega ainda, o rumo em que o vão metter está ainda occulto na pasta que elles sobraçam e revelado em parte nos decretos liberticidas que tenho aqui sobre a mesa. Eil-os aqui, diz o orador, são como a tumba das liberdades publicas, sobre a qual vae escripto o epitaphio de uns poucos de homens de talento.
Que lhes fez a liberdade para a renegarem?
Que partidos se constituíram no paiz, de que elles sejam os orgãos, para se arvorarem em novos arbitros do novos destinos, que a consciencia publica não vê senão com receio o pavor?
Para onde se dirijem?
Orienta-os a jornada de Villa Franca?
Aspiram a pôr de guarda ao palacio de Belem os soldados desembarcados da nação que nos ultrajou?
Querem voltar ás tradições sanguinárias do reinado do D. Maria II, e impellir a nação a salvar de novo com o sou sangue e sacrifícios a liberdade do que não prescinde?
Porventura nos seus concílios secretos, quando traçaram a carta do novo roteiro, pensaram n'aquella ilha gloriosa, a Terceira, de onde saiu, com os decretos de Mousinho da Silveira a expedição liberal?
Impoz-se-lhes ao seu espirito, com o recato de uma reliquia religiosa, o immortal cerco do Porto, onde atravez da peste, da fome e da guerra, os nossos paes batalharam pela liberdade?
Porque n'esses concílios mysteriosos e secretos foram condemnadas as lições e os exemplos d'aquelles que ainda ha pouco appellidastes como vossos mostres, e que de 1852

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SESSÃO DE 12 DE MAIO DE 1890 187

para cá trouxeram a familia portugueza, sob a bussula do quadrante da liberdade moderna, a um estado de adiantamento e de progresso, de que tanto vos vangloriaveis?
Respondei-nos, srs. ministros e o parlamento que escute e responda tambem, em nome d'aquelles que o elegeram.
Para elle, orador, n'esta sessão do parlamento, em que é preciso liquidar o ultraje da Inglaterra, e lançar as bases de uma legitima desforra, ou hão de todos os deputados sair d'ali conciliados em nome da liberdade e da patria, ou está de novo aberto um periodo de guerra intestina, que as circumstancias e a consciencia publica hão de para sempre, condemnar como um crime de lesa nação. Está se no principio, de um reinado; quem occupa a imminencia do poder é inexperiente e ignora todas as responsabilidades que sobre elle impendem no exercicio dos poderes singulares de que está investido. Pela constituição tem de velar sobre a manutenção da independencia, e equilibrio dos mais poderes politicos; tem de nomear e demittir livremente os ministros do estado, convocar cortes extraordinarias, sanccionar decretos, prorogar, adiar e dissolver o parlamento, alem de todos os outros poderes de que o investe o artigo 75.° da carta.
É novo, póde ser por indole ambicioso das proprias prerogativas; é novo e póde querer iniciar caminho novo.
Quem o aconselha,?
Quem o dirige?
Quem lhe sopeia a vontade?
Quem lhe desvia do animo essa corrente artificial e venenosa dos incredulos e dos scepticos, que ahi se formou e se aventura a ir de encontro ás conquistas liberaes?
Se as respostas que dão, são os decretos da dictadura, comprimindo e violando o pensamento, e todos os mais direitos conquistados ate agora, o caminho será fatal para uns e para outros.
Depois do ultimatum da Inglaterra só havia dois caminhos a trilhar para se estar de accordo com a nação e bem servil-a: unir n'uma só vontade e n'uma só familia todos os agrupamentos em que se divide a familia portugueza, e buscar n'essa união, n'essa solidariedade toda a força moral de que carecemos, na difficil conjunctura em que nos achâmos.
A formula, o processo pratico para alcançarmos essa uniformidade de vontades e de esforços, estava na amplitude das liberdades civis e politicas. Era ainda o amor da liberdade e o da patria, feitos n'um só amor, quem nos poderia tornar fortes apesar de fracos. Os fracos tornam-se fortes pela propria, fraqueza, quando se unem pelo instincto da propria conservação; os fortes pelo seu natural orgulho, confiando em si e isolando-se, tornam-se fracos; e são vencidos. Esta formula, que estava achada dentro da liberdade, foi repellida pelos decretos funebres da dictadura, e se esses forem mantidos pelo voto do parlamento, ficaremos ainda mais fracos do que no dia, tristemente memoravel, do ultimatum britannico.
Quem ficará contente com este aggravamento de fraqueza?
Alguem dentro das fronteiras? É inacreditavel.
Fóra d'ellas quem ficará satisfeito é quem ainda nós não soube dar reparação a violencia e á affronta que nos fez à Inglaterra. Assim, srs. deputados, a primeira solução do problema foi posta de parte pelo governo e o parlamento não póde responder ao discurso da corôa dizendo amen a tudo quanto ali se diz. A outra solução do problema estava em apresentarmos-nos perante as nações estrangeiras armados, com o escudo da unanimidade das nossas vontades, com a grandeza e abnegação dos nossos sacrificios mostrando-lhes assim à firmeza e estabilidade dos nossos negocios internos; inspirar-lhes confiança e merecer-lhes credito cem vezes maior do que nos tem sido dispensado até agora.
Dinheiro, muito dinheiro, é aquillo de que hoje carecemos para tirarmos a desforra que nos foi feita, e prepararmo-nos com segurança para que não nos repitam a affronta.
Para elle, orador, foi tão doloroso o ultimatum da falsa nação alliada, como a surpreza que esse ultimatum causou aos que se dizem dirigentes da politica portugueza, e ao povo que não estava para elle preparado.
O ultimatum é o consequente logico, fatal dos antecedentes preparados astuta e prepotentemente pela chamada fiel alliada. Não leva a mal á Inglaterra que por demasiada ambição e orgulho trate de se enriquecer á si empobrecendo os outros. Tratemos de nós com mesmo aflinco, zêlo e tenacidade com que o faz a rival prepotente; zelemos como ella a causa dos direitos populares e o brilho da nossa bandeira; confiemos em nós nos dotes privilegiados da nossa raça, garantidos nos fastos historicos, e deixemos de mendigar, favores de inimigos. Medindo a craveira do genio portuguez pelos heroes do passado, não se receia do confronto d'esses heroes com os mais celebres das nações antigas e modernas. Se descemos ao valor da espada podemos antepor a Alexandre e a Napoleão o immortal Albuquerque; se procurâmos entre os benemeritos da humanidade os que mais a enriqueceram, dando-lhe emporios e dominios, ninguem se antepunha aos descobridores como Cabral e Vasco da Gama; se a Hespanha, a Franca e a Allemanha se orgulham de estadistas como Aranda, Colbert e Bismarck não lhes fica abaixo, da craveira o mais audaz reformador o implacavel inimigo da Inglaterra, hoje mais do que nunca chorado, o patriota Sebastião José de Carvalho; se indagâmos da piedade christã, podemos antepor com primasia a S. Bernardo, a S. Francisco de Salles e a um fr. Bartholomeu dos Martyres; se invocâmos as memorias da eloquencia sagrada apontaremos como assombro do mundo o inimitavel e inexcedivel Antonio Vieira, e sobre a eloquencia parlamentar o assombro que deixara em todos a palavra ardente è intuitiva do grande José Estevão; se para completar este exame de consciencia, queremos afferir pelas summidades da democracia estrangeira os benemeritos que têem pelejado pelas conquistas dos direitos populares, não nos envergonhâmos de pôr ao lado do grande Gambetta, o mais puro e generoso dos dictadores, para sempre lembrado, Passos Manuel.
Era por isso que elle, orador, confiando nos elementos e nos homens celebres do seu paiz, mais uma vez appellava para a união de todos estes elementos, sob a forma da liberdade mais ampla, para, contando comsigo e só comsigo, preparar o caminho da desforra indeclinavel a tirar da Inglaterra. Para elle, orador, surgia-lhe constantemente a figura triste e sombria d'esse homem de talento que o governo enviara em nome da nação para junto da porta de lord Salisbury á espera que lhe restituam o thesouro de que fomos espoliados. Um pae a quem roubassem a filha, e não tivesse em si recursos para castigar directa e promptamente o raptador, não iria sentar se á porta esperando que lh'a restituissem deshonrada. Se não póde porque não tem força, appella para o direito que é mais forte do que a força, e o direito entre as nações não é uma chimera, que já, não tenha tribunaes onde se affirme.
Aquelle que na Europa insinuara que a força era superior ao direito, eil-o hoje apeado de toda a sua grandeza e em volta d'elle os acontecimentos extraordinarios que agitam a grande nação allemã, mostram-lhe que o direito vae vencendo a força.
Deixemo-nos de illusões, acabemos com o dominio da mentira em que temos vivido reconheçamos a severa realidade das cousas em que caímos, vejamos os perigos que nos cercam, conheçâmos os inimigos que nos ameaçam e teremos iniciado o caminha para vencermos. Deixemos de acreditar que o Rei de Portugal é Rei de dois reinos, de Portugal e dos Algarves, d'aquem e d'alem mar, em Africa senhor da Guiné e da Conquista, navegação, commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, India, etc. O Algarve não

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188 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

e bem um reino, e o sermos senhores do commercio da Ethiopia, Persia e da India é uma illusão para imbuir meninos. Que pezar não sermos senhores de tudo isto, porque se o fossemos teriamos couraçados, não de ferro ou aço, mas do proprio oiro, e bastaria mandar só um á ambiciosa Albion para resgatarmos os nossos peccados e salvarmos os nossos direitos.
Sejamos modestos, sejamos sinceros e unamo-nos, que ainda ha dentro e fóra do paiz recursos pare salvarmos a nossa causa. Se não podemos competir pela força, appelle-se para o direito, e este póde ser garantido por si e pela força das nações solidarias em defender-se comnosco dos ultrajes da Inglaterra.
Ha muitas offensas feitas por esta a outros mais fortes que nós; se dentro dos tratados ha meio de os trazer em nosso auxilio, busquem-se esses meios, defina-se e defenda-se o nosso direito, que é indiscutivel, e havemos de ter ainda quem nos faça justiça. Para não prolongar mais o debate, ia ler uma moção, em que concretisava todo o seu pensamento, sentindo que não fosse o doce arrulho da pomba mystica da republica, como lhe chamava um dos ornamentos da camara, mas a linguagem severa e rude de um representante do povo, que em seu nome e no dos seus constituintes tinha a obrigação de só fallar a verdade, sem odios e sem ambições, e com o respeito que tributava a todos os homens de talento, que buscam bem servir o seu paiz.
Termina lembrando aos srs. ministros que, se lhes pede que cedam o logar, quando mantenham os seus decretos de dictadura, a quem vele melhor a honra e independencia da patria, não é porque não reconhecesse em cada um d'elles aptidões e talentos para o fazer, faltava-lhes só o convencimento de que iam por caminho errado: desejaria que o parlamento lhes fizesse notar o engano, para que n'esta sessão alguma cousa se fizesse em proveito da liberdade e da patria, que elle, orador, estremecia.
Só peço, diz o orador, depois d'isto, que ás minhas observações, baseadas em factos, não me respondam com cantatas.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

Os eleitos do povo, representantes da nação em cortes, considerando que no periodo anormal em que se entrou com o ultimatum de 11 de janeiro se tornaram de primordial e indeclinavel necessidade medidas de governo que inspirem e garantam a mais intima união e solidariedade da familia portuguesa, a maior confiança no nosso credito dentro e fóra do paiz, para com o auxilio de todas as vontades e os recursos extraordinarios de que é mister lançar mão evitarem-se novos, ultrajes;
Lastimando outrosim:
1.° Que nas actuaes circumstancias o governo, usurpando a soberania da nação, se aventurasse a violar as disposições geraes e garantias dos direitos civis, e politicos dos cidadãos, consignados na carta, e as leis complementares nascidas do longas e dolorosas experiencias, e que ha mais de meio seculo lhes deram vida e consistencia; e, armado de tão sinistros quão impotentes recursos, tento dar á direcção do estado novo rumo, que necessariamente acabaria na guerra civil e na desconfiança e no abatimento do nosso credito para com as nações estrangeiras, ou na deshonra de todos nós, se o permittissemos por acquiescencia ou coacção;
2.° Que os abusos e violencias commettidos pelas auctoridades e seus agentes no ultimo periodo eleitoral, defraudando a soberania e a pureza do suffragio, obrigassem a camara a enviar para o tribunal de verificação de poderes tão grande numero de processos que nos privam das vozes auctorisadissimas de alguns dos eleitos do povo, que não podem ainda tomar assento n'esta casa;
3.° Que depois de cincoenta e seis annos de regimen liberal se confesse no discurso da coroa que as circumstancias reclamavam providencias extraordinarias e urgentes no sentido de preparar sem demora os primeiros elementos da defeza nacional, quando esses primeiros elementos deviam estar desde todo o sempre realisados, embora mais tarde modificados e ampliados, segundo as circumstancias;
4.º Que no referido discurso, tratando-se das nações estrangeiras com quem montemos relações amigaveis, relativas áquella a quem nos prendem vinculos estreitos de parentesco e amizade, se não faça a menor referencia ao acontecimento extraordinario realisado em honra e serviço do credo liberal democratico, e que tão poderosas influencias moraes, politicas e financeiras tem de exercer no futuro d'este paiz, a revolução de 15 de novembro ultimo, que proclamou no Brazil a republica federal;
Finalmente, reconhecendo que, em homenagem aos principies de direito publico internacional, ao espirito e letra dos tratados, ao preceito elementar de direito natural, de que se não póde ser juiz e parte ao mesmo tempo, compete ás nações signatarias do tratado do Berlim, e em ultimo recurso a um tribunal arbitral, a decisão do pleito entre as duas nações aluadas:
Sente que o governo pozesse na boca do chefe do estado o discurso cuja resposta se discute, e faz votos para que, ou mude do processos, respeitando a constituição e ás mais leis liberaes que são patrimonio da nação, ou ceda o logar a quem o faça, zelando melhor a honra; a independencia e a integridade da patria. = O deputado por Lisboa, Manuel da Arriaga.
O sr. Manuel de Assumpção: - Fez a apologia das glorias nacionaes, lamenta a falta de patriotismo do orador que o precedeu, porque não trepidou em menoscabar essas glorias, de que os titulos da corôa portugueza, que s. exa. pretendeu deprimir, são, por assim dizer, uma synthese.
(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.}
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

O redactor = Sá Nogueira.

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