O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

N.º 14

SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902

Presidencia do exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Mota Veiga

José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta e lida a correspondencia, teem segunda leitura 4 projectos de lei que respectivamente são: - dispensa do pagamento dos direitos para o material de illuminação electrica em Guimarães; - pôr á disposição do juizo civel da 6.ª vara de Lisboa, as quantias pertencentes á herança do tenente-general Carvalho e Silva; - sobrevivencia da pensão de 240$000 réis ás filhas do marechal J. Athanasio Almeida; - concessão de licença ao cadete Antunes Centeno para se matricular na Escola do Exercito. - O Sr. Mendes Leal participa ter desanojado os Srs. José e Ovidio Alpoim pelo fallecimento do seu irmão, e o Sr. Queiroz Ribeiro realisa o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Justiça, acêrca da reforma dos officios de justiça e extracção da classe dos arbitradores judiciaes. - É participada a constituição das commissões de legislação criminal e de saude, e approva-se que seja aggregado a esta ultima commissão o Sr. José Lacerda. - Varios Srs. Deputados perguntam se já haviam chegado os documentos que solicitaram. O Sr. Carlos Ferreira insta pelos que requereu, e os Srs. Espregueira e Conde de Penha Garcia requerem outros novos. - Annunciam avisos previos os Srs. Conde de Penha Garcia, Dias Ferreira e Alexandre Cabral. - O Sr. Sousa e Silva renova a iniciativa de um projecto de lei; os Srs. Visconde da Torre e Vieira de Castro apresentam representações, e o Sr. Joaquim San'Anna uma declaração.

Na ordem, do dia prosegue a discussão da interpellação sobre o uso que o Governo fez das auctorizações parlamentares, usando da palavra os Srs. José de Alpoim, João Arrobo e Antonio Cabral.- O Sr. Presidente participa ter nomeado a commissão de artes e industrias.

Abertura da sessão - Ás 3 horas e l quarto da tarde.

Presentes - 60 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Malheiros Dias, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José Machado, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Ignacio José Franco, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Antonio de San'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Matheus Teixeira de Azevedo e Visconde da Torre.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio de Almeida Dias, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues, Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô Vieira, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José de Medeiros, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Monteiro Vieira de Castro, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e Rodrigo Affonso Pequito.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Alfredo Cesar Brandão, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio José Boavida, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Burnay, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, João de Sousa Tavares, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz José Dias, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Marquez de Reriz, Paulo de Barros Pinto Osorio, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).

Acta - Approvada.

Página 2

2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, pedindo, para satisfazer á requisição do Sr. Deputado Conde de Penha Garcia, lhe seja remettida a data inicial da remessa de processos a este Ministerio, a que devora reportar se a lista a que se refere o mesmo pedido.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Justiça, participando que, não existindo, por não ter sido fornecido ao Tribunal do Commercio de Lisboa, nenhum balanço, nem a lista dos accionistas da Refinaria Privilegiada de Portugal, não pode ser satisfeita a requisição do Sr. Deputado José Adolpho de Mello e Sousa.

Para a secretaria.

Da Junta do Credito Publico, enviando, em cumprimento do artigo 20.º do regulamento da mesma Junta, o relatorio e contas da gerencia do anno economico de 1900-1901 e do exercicio de 1899-1900. E tambem 180 exemplares do mesmo relatorio e contas, para serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A Camara Municipal do concelho de Guimarães celebrou com John Clark, procurador da firma commercial Moon Longhlin & C°, do Manchester, um contrato para fornecimento de luz electrica, a fim de melhorar as condições da illuminação publica d'aquella cidade.

Na condição 29.ª do referido contrato estabeleceu-se que a Camara Municipal referida solicitaria do poder legislativo a isenção de quaesquer direitos sobre a importação de material, machinas, apparelhos e mais occessorios que o concessionario ou empresa careçam de adquirir o empregar para tal fim.

Esta isenção não representa um privilegio novo, pois que, por lei de 12 de junho de 1901, obtiveram igual beneficio as cidades de Portalegre, Thomar, Elvas e Viseu, e as villas de Abrantes e Ribeira Grande, tendo já sido concedido anteriormente a Villa Franca do Campo.

A cidade de Guimarães é das mais importantes do norte do país pelo desenvolvimento das suas industrias e do seu commercio. É, pois, de justiça que a este municipio se estenda, o beneficio concedido ás povoações indicadas.

Por isso, parece-me digno da vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É dispensado do pagamento dos direitos de importação todo o material que for necessario para a installação e illuminação electrica na cidade de Guimarães, e requisitado pela respectiva Camara Municipal.

A Camara Municipal fornecerá ás estações competentes, no prazo de tres meses, depois de publicada esta lei, nota detalhada do que precisa de importar para a referida installação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Alexandre Cabral.

Foi admittido e enviado á commissão de administrarão e de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 9-E, renovada na ultima sessão legislativa pelo Sr. Deputado Nicolau de Albuquerque Vilhena, e a que se refere o parecer n.° 24 da commissão de fazenda de 21 de abril de 1900. = O Deputado, Ernesto Nunes da Costa e Ornellas.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É o Governo auctorizado a pôr á disposição do juizo civel da 6.ª vara de Lisboa as quantias pertencentes á herança do tenente general Manuel Gomes de Carvalho e Silva o seus herdeiros, que tenham dado entrada nos livros das receitas arrecadadas nos extinctos erario regio o deposito publico e que nelles legalmente ainda devam existir, ficando oneradas com os encargos a que estejam sujeitas, a fim de serem entregues a quem de direito mostre a ellas ser credor.

§ unico. O Governo fará entrar, pelos meios legaes, essas quantias no cofre da Caixa Geral de Depositos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 32, de 1900, que tem por fim conceder a sobrevivencia da pensão de 240$000 réis que pelo decreto de 3 de maio de 1864 foi concedida ás filhas do marechal de campo José Athanasio de Almeida. = João de Mello Pereira de Vasconcellos.

Foi admittida e enviada ás commissões de fazenda e de guerra.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° A pensão de 240$000 réis annuaes, estabelecida pelo decreto de 3 de maio de 1864 para as filhas do fallecido marechal do campo José Athanasio de Almeida, será recebida na sua totalidade pelas sobreviventes, até ao fallecimento da ultima.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 85, de 1901, pelo qual era concedido ao primeiro sargento graduado cadete, João Eduardo Franco Antunes Centeno, licença para se matricular no anno commum de infantaria e cavallaria da Escola do Exercito, com dispensa da condição 1.ª do artigo 1.° das alterações á organização da mesma Escola, approvada por carta de lei de 13 de setembro de 1897. = João Joaquim Mendes Leal.

Foi admittida e enviada á commissão de guerra.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedido ao primeiro sargento graduado cadete, João Eduardo Franco Antunes Centeno, licença para se matricular no anno commum aos cursos de cavallaria e infantaria da Escola do Exercito, com dispensa da condição 1.º do artigo 1.° das alterações á organização da mesma escola, approvada por carta de lei de 13 de setembro de 1897.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Mendes Leal: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que procurei os Srs. Deputados José Maria de Alpoim e Ovidio de Alpoim para lhes apresentar as condolencias da Camara pelo fallecimento de seu irmão, o capitão Amadeu de Alpoim. = José Mendes Leal, Deputado Secretario.

Para a acta.

Página 3

SESSÃO N.° 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 3

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Queiroz Ribeiro para realizar o seu aviso previo, annunciado na sessão de l5 de janeiro ao Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Chega-lhe, finalmente, a palavra para poder trocar as suas impressões com o Sr. Ministro da Justiça, acêrca das suas reformas sobre officios de justiça e extincção dos arbitradores judiciaes; e chega-lhe exactamente na occasião em que a Camara deve estar anciosa por ouvir a palavra brilhante do Sr. Deputado José de Alpoim, que, por uma apreciavel cortesia parlamentar, se encontra presente, apesar de alanceado por uma pungentissima dor, que muito recentemente o feriu.

Será, por isso, tão breve quanto a importancia do assumpto de que vae occupar-se lh'o permitia.

A necessidade de uma reorganização judiciaria completa de ha muito que vem sendo affirmada, e ha já bastante tempo tambem que o partido a que tem a honra de pertencer, quiz satisfazer a essa necessidade, trazendo o Sr. Beirão ao Parlamento uma proposta de lei sobre o assumpto, que é um trabalho completo e que muito honra aquelle illustre estadista.

Note-se que S. Exa., apesar da sua reconhecida competencia, veiu ao Parlamento pedir a sua collaboração; mas o Sr. Campos Henriques fez exactamente o contrario, e, felizmente que não reformou tudo, porque do mal, o menos:

Os decretos a que vae referir-se, e que constitue o assumpto do seu aviso previo, encontram-se publicados no Diario do Governo de 4 de dezembro.

Basta uma simples leitura para se avaliar da sua importancia.

Começará pelo primeiro, o decreto que se refere aos officios de justiça, na parte que respeita á criação do conselho disciplinar.

O Sr. Ministro da Justiça, querendo imitar o Sr. Beirão, que criou o Supremo Conselho da Magistratura, criou um conselho disciplinar dos officios de justiça, sem se lembrar de que as razões que militam a favor do primeiro, não subsistem em relação ao segundo, porque a categoria dos empregados a que se refere, é bem differente. Se no primeiro caso, essa criação se justifica, porque diz respeito aos magistrados judiciaes, funccionarios que pela missão elevada que tem a cumprir, devem estar cercados de todo o prestigio, no segundo já não succede o mesmo, porque as faltas commettidas pelos empregados que são subalternos, não affectam em nada a collectividade.

E se a criação d'esse conselho era escusada, as penalidades estabelecidas, pela forma por que S. Exa. o fez, são injustificaveis.

A pena de suspensão, que já existia, applicavel a esses funccionarios, quando delinquissem, foi aggravada, não só porque S. Exa. lhe tirou o effeito suspensivo, privando-o de recursos para recorrer, como porque estabeleceu que, á terceira suspensão, fossem demittidos.

Alem d'estas penas ha ainda a de advertencia e censura que teem de ser registadas em livro especial e communicadas ao presidente da Relação respectiva, o que já de si é grave; mas mais grave é ainda pelas confusões que estabelece com as pessoas que as podem applicar, confundindo completamente as funcções do delegado do Ministerio Publico com as do juiz de direito.

E mais gravo ainda que tudo isto, é que o conselho disciplinar condemna nas mesmas penas que o delegado e o juiz de direito, de onde resulta um conflicto de competencia.

São verdadeiras barbaridades juridicas que elle, orador, desejaria ver aclaradas ou expurgidas do decreto.

Entre as attribuições conferidas aos officiaes de justiça, o Sr. Campos Henriques dá-lhes a de poderem prender, dentro das suas repartições, aquelles que perturbem a ordem.

Uma tal attribuição pode dar logar a incidentes desagradaveis, porque comarcas ha, e elle orador, conhece uma, em que o official de justiça é ao mesmo tempo official de barbeiro, e é na loja que elle desempenha parte das suas funcções.

Ora, como este official gosta um pouco da pinga, é de genio bastante assumado e um politico faccioso, uma tal atribuição pode levá-lo a commetter arbitrariedades que de certo não concorrerão para o lustre da corporação dos officiaes de justiça, que o Sr. Ministro, com a sua criação do conselho disciplinar, procurou conseguir.

Outra disposição curiosa se encontra neste decreto; é aquella em que se diz que os escrivães da Relação são brigados a fazer tudo quanto os superiores lhe mandarem.

Isto parece á primeira vista uma superfluidade; mas não é, desde que, como se diz em outro artigo, as funcções d'esses empregados são as designadas na lei, o que leva a crer que é a outra ordem de obrigações que essa disposição se refere.

E agora vou notar uma contradição.

O Sr. Campos Henriques, que tanto se indignou com a reforma do notariado, publicada pelo Sr. José de Alpoim porque ella ia cercear os interesses dos escrivães, desdobrou os officios dos escrivães do crime em Lisboa e Porto e creou uns logares especiaes para o registo criminal.

Mais ainda, S. Exa. condemnou essa reforma, porque punha de parte a pratica, para só attender á theoria, e na sua reforma procede pela mesma forma, com a aggravante de se referir a empregados que exercem funcções de maior responsabilidade e de dispensar lhes os dois annos de pratica, que se exigiam para o notariado.

A proposito, como nota curiosa, cita o orador o facto de em uma comarca em que o Sr. Campos Henriques foi juiz, o escrivão ter feito uma escriptura de hypotheca de um cevado.

Refere-se depois o orador ao facto de, no artigo 36.°, n.° 5.°, o Sr. Ministro da Justiça ter substituido a palavra «alienações» pela palavra «razões», o que, a seu ver, é anti-juridico, e ainda aponta outro, o de ter S. Exa. determinado, ao tratar da forma como os officiaes de justiça devem andar vestidos, que fora do tribunal elles possam usar o uniforme que for estabelecido.

Mas, se na elaboração d'este decreto S. Exa. foi pouco cuidadoso, no outro, em que extinguiu a classe dos arbitradores judiciaes, commetteu um verdadeiro crime.

Diz S. Exa., no relatorio d'esse decreto, que as funcções dos arbitradores são importantes e complexas, e que os que existiam careciam das habilitações necessarias.

Sendo assim, o que parecia é que S. Exa. deveria exigir-lhes mais habilitações; mas não fui isto o que fez; supprimiu-os, e isto por que não offereciam garantias sufficientes, porque restringiam a liberdade das partes e porque saiam caros!

Como é que esses arbitradores não offereciam garantias se eram examinados pelo juiz, pelo delegado e pelo conservador?

Não serão de confiança esses funccionarios.

Em que restringiam elles a liberdade das partes? Com tal paixão pela liberdade, o Sr. Ministro chegará talvez a retroceder até a resurreição dos juizes de vintena.

O facto de serem nomeados pelas partes, é que não offerece garantias, nem para elles, nem para a boa administração da justiça.

Tambem não é exacto que as suas funcções representassem um encargo grande para as partes, um ataque ao patrimonio das viuvas e dos orphãos, como S. Exa. diz no seu relatorio, porque os salarios que percebiam eram insignificantes.

Nos pequenos inventarios a nomeação dos louvados pelas partes representa, pelo contrario, um encargo maior, porque tem a satisfazer o custo do mandato, que é em

Página 4

4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

papel sellado, os caminhos, a intimação e o termo, tambem em papel sellado.

E não venha S. Exa. argumentar-lhe com os louvados gratuitos, porque esses são altamente suspeitos.

Referindo-se á qualificação de analphabetos, dada no relatorio aos arbitradores, o orador mostra-se indignado, porque considera essa qualificação infamante para aquella classe, que tão bons serviços prestou. E quanto ao facto de haver reclamações contra a forma como se fazia a distribuição, em algumas comarcas, entende que não era isso motivo para a extincção d'essa classe, porque, se o argumento colhesse, muitas outras teriam que ser extinctas.

Refere se ainda o orador, aos direitos que esses funccionarios, embora gratuitos, tinham adquirido, pois que, por exigencia do Sr. Ministro, pagaram direitos de mercê e encarte.

Alem d'isto a receita que elles produziam para o Thesouro não era tão insignificante como S. Exa. quer dizer, pelo que já viu calcular a contribuição que elles pagavam em 11 contos.

Depois de muitas outras considerações, observa que, ha poucos dias, dissera ao Sr. Presidente do Conselho que o actual Ministerio era, não reformador, mas deformador, promettendo demonstrar-lh'o. Começou hoje a demonstração; o resto virá depois.

(O discurso será publicado na integra quando E. Exa. o restituir).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da justiça pediu a palavra, mas não lh'a posso conceder, porque já deu a hora de se passar á ordem dia.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Charcuis Pessanha: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. que se acha constituida a commissão de legislação criminal d'esta Camara, tendo escolhido para seu presidente o Exmo. Conselheiro João Dias Ferreira, e para secretario a mim, participante. = Alberto Charls.

Para acta.

O Sr. Almeida Dias: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de participar a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão de saude, escolhendo para presidente o illustre Deputado Sr. Agostinho Lucio da Silva e para secretario ao participante. = O Deputado, A. Almeida Dias.

Mando tambem a seguinte

Proposta

Proponho que seja aggregado á commissão de saude o illustre Deputado José Caetano de Sousa e Lacerda. = = Deputado, Almeida Dias.

Foi approvada.

O Sr. Alberto Bramão: - Pedi a palavra para declarar que a commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto n.° 6.

O Sr. Presidente: - Vae ser enviado á Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Sr. Presidente: V. Exa. tem a bondade de me dizer se já chegou á mesa a lista, que pedi, do pessoal do Ministerio dos Negocios Estrangeiros?

O Sr. Presidente: - Ainda não chegou.

O Sr. Carlos Ferreira: - V. Exa., Sr. Presidente, tem a bondade de me dizer se já chegaram á mesa os documentos que pedi nas sessões de 15 e 17 de janeiro pelo Ministerio das Obras Publicas?

O Sr. Presidente: - Não chegaram ainda.

O Sr. Affonso Espregueira: - V. Exa. tem a bondade de me dizer se já chegaram á mesa os documentos que pedi pelos Ministerios da Fazenda e Obras Publicas?

O Sr. Presidente: - Do Ministerio da Fazenda já chegaram alguns, mas do Ministerio das Obras Publicas ainda não.

O Sr. Carlos Ferreira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Insto pela satisfarão dos maus requerimentos feitos com urgencia nas sessões de 15 e 17 de janeiro ultimo, referentes o primeiro, á remessa da copia da portaria do despacho ministerial do Ministerio das Obras Publicas, mandando que na revisão da tabella do rateio do trigo, ultimamente publicada no Diario do Governo, se observassem as instrucções transcriptas no relatorio da respectiva commissão technica de revisão.

O segundo, pedindo com urgencias, copias da acta da sessão do Conselho Superior de Agricultura, realizado em 6 de dezembro de 1901, e do relatorio da commissão delegada do conselho, relativo ás reclamações contra a percentagem de trigo exotico, propostas pela commissão technica revisora da tabella de 3 de abril de 1899. = Carlos Ferreira.

Mandou se expedir.

O Sr. Manuel Affonso de Espregueira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam enviados a esta Camara os seguintes esclarecimentos:

Copia de toda a correspondencia trocada entre o Ministerio da Fazenda e a Companhia dos Tabacos de Portugal a proposito do contrato para o supprimento de fundos destinados ao pagamento da indemnização de Berne, e do mesmo contrato e quaesquer modificações que posteriormente tenham sido introduzidas;

Copia do despacho que auctorizou o pagamento ao agente financeiro português em Londres da quantia de C 172-4-4. differença de vencimentos em divida, a que se refere o officio da Direcção Geral da Thersouraria de 30 de janeiro de 1901, e do requerimento ou qualquer informação sobre que foi dado esse despacho;

Nota dos pagamentos feitos em Amsterdam e em Francfort por conta da Junta do Credito Publico, pela amortização e juros da divida externa, nos annos economicos de 1898-1899, 1899-1900 e 1900-1901, com a especificação dos differentes typos de divida. = Manuel Espregueira.

Mandou-se expedir.

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar S. Exa. o Sr. Ministro do Reino sobre o criterio que presidiu á confecção do ultimo regulamento do Hospital de Santo Antonio do Penamacor. = Conde de Penha Garcia.

Envio tambem para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara, uma nota das quantidades de azeite importado sob regime especial para a industria das conservas, durante os annos de 1890 a 1900, discriminando a quantidade importada em cada anno. = Conde de Penha Garcia.

Página 5

SESSÃO N.º 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 5

Tambem peço licença para enviar para a mesa o seguinte

Officio

Illmo. e Exmo. Sr. - Em satisfaço á perguntado V. Exa., tenho a honra de lhe communicar, que a lista que requisitei ao Ministerio do Reino, sobre os pedidos de auctorização para seguimento de processos civis contra auctoridades ou agentes administrativos, se deve reportar a l de outubro de 1900. = Conde de Penha Garcia.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto n.° 17-A de 1900, que tem por fim conceder definitivamente á Camara Municipal de Villa do Porto o edifício do extincto convento de S. Francisco para accommodação das suas repartições.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Visconde da Torre: - Mando para a mesa uma representação de varios professores primarios de Braga e de Guimarães. Peço a sua publicação no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Dias Ferreira: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Pretendo, interrogar o Sr. Ministro da Justiça acêrca dos motivos por que não teem sido approvados os estatutos da «Associação do livre pensamento, beneficencia, e propaganda do registo civil», com sede na cidade do Porto. = Dias Ferreira.

Mandou-se expedir.

O Sr. Pereira de Lima: - Mando para a mesa um projecto de lei concedendo isenção de direitos a todo o material, que seja necessario importar do estrangeiro, para a illuminação publica e particular da villa de Aldeia Gallega do Ribatejo.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Vieira de Castro: - Mando para a mesa uma representação dos distribuidores do correio de Guimarães, e peço á sua publicação no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro da Fazenda sobre a tributação do alcool e aguardente provenientes da destilação do vinho, borras de vinho, bagaço de uva, agua-pé e medronhos, de producção propria e alheia.

Sala das sessões, 5 de fevereiro de 1902. = O Deputado, Alexandre Cabral.

Mandou se expedir.

O Sr. Joaquim Sant'Anna: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento, no qual o mestre de officina de instrumentos de precisão, annexa á 5.ª Repartição da Direcção Geral da Marinha, Raymundo Santos Pedro, pede que o seu vencimento diario seja igual ao dos outros mestres de todas as officinas do mesmo Arsenal.

Sala das sessões, 5 de fevereiro. = O Deputado, Joaquim de Sant'Anna.

Para a acta.

ORDEM DO DIA

Interpellação do Sr. José de Alpoim sobre o uso que o Governo fez das auctorizações parlamentares

O Sr. Presidente: - Deixou de existir o motivo que determinou a interrupção da interpellação do Sr. Alpoim. Portanto, continua em discussão.

Tem a palavra o Sr. Alpoim para continuar o seu discurso.

O Sr. José de Alpoim: - Sr. Presidente: a Camara comprehende decerto que vou ser o mais breve possivel.

Sabe a Camara que vim hoje aqui no cumprimento de um dever, não só para lhe agradecer, e a Camara sabe, infelizmente, o doloroso motivo porque o faço, senão tambem para reatar os trabalhos parlamentares acêrca do uso que o Governo fez das auctorizações, interrompidos pela bondade e generosidade d'esta Camara.

No ultimo discurso que pronunciei, a Camara viu que não pus nelle nenhuma invectiva, nenhuma rajada de paixão, nenhum grito de retaliação pessoal; menos o poderia fazer hoje, em que o estado do meu espirito quasi roça pelo abatimento.

Se na replica ao Sr. Presidente do Conselho eu falei com algum ardor e violencia, não pronunciei palavras que tivessem o menor vislumbre de aggressão pessoal, porque Deus me livre de fazer pessoalmente, qualquer menoscabo.

Sr. Presidente: tomei os meus apontamentos antes de vir para a Camara. Sobre a minha mesa de trabalho ainda os tinha deixado na occasião em que me surprehendeu uma dolorosa noticia, exactamente, quando acabava de tomar conta de algumas affirmações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, e exaradas no extracto das sessões, que tenho deante de mim, e ás quaes me vou referir.

Commentarei essas affirmações conforme aos meus olhos se me depararem, com a maior serenidade e com a maior singeleza, pedindo desculpa á Camara de alguma falta.

O nobre Presidente do Conselho começou por querer justificar a contradicção, entre as palavras que S. Exa. pronunciou, no anno ultimo, em resposta ao Sr. Conselheiro Beirão, e as suas affirmações feitas na Camara dos Pares.

Não me demorarei na declaração, que S. Exa. fez, de que as auctorizações parlamentares não se referiram unicamente á reducção das desposas, porque já alludi a esse ponto na replica que fiz a S. Exa., parecendo-me que a Camara viu que alguma cousa de menos exacto, talvez, havia nas palavras que então S. Exa. proferira.

Entrando, agora, no assumpto, a Camara recorda-se nas palavras que aqui pronunciou o Sr. Presidente do Conselho, que vêem fielmente reproduzidas no extracto da sessão.

Mas, quando S. Exa. fez esta declaração, tomou nas suas mãos o Diario dos Sessões e leu uma das prescripções inseridas nas auctorizações parlamentares que a Camara lhe conferiu.

Quando S. Exa. chegou ás palavras - em ordem a obter reducção de despesas - a palavra estrangulou-se-lhe, porque S. Exa. tinha esquecido o que vinha nessa lei.

Isto não se comprehende, e digo sem o menor aggravo, não se comprehende que S. Exa., um parlamentar experimentado, fizesse uma affirmação d'esta ordem, tomasse nas suas mãos este livro sem ter olvidado as palavras que não podem deixar duvida alguma, e que são em ordem a obter maior reducção de despesas.

S. Exa. disse que não era obrigado senão a não augmentar as despesas, que as auctorizações parlamentares não lhe prescreviam senão isso.

Vou expor á Camara qual foi o regime das auctorizações de que o Governo se tem servido desde que se en-

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cerrou o Parlamento até hoje, e de que tenciona, ainda, servir se, para regularizar os serviços publicos.

Peço a attenção da Camara para este ponto. O Governo para reorganizar esses serviços, só podia proceder de forma a obter a maior reducção de despesas possivel, ou pelo menos, como disse o Sr. Presidente do Conselho, a não as augmentar.

Eram estes os termos das auctorizações, mas, querendo criar a escola normal em Coimbra, o Governo não usou das auctorizações parlamentares que lhe foram concedidas, e não podia deixar de o fazer porque essas auctorizações, como eu disse á Camara, eram uma delegação do poder executivo concedida para se fazer a reforma em determinadas condições.

Se o Parlamento reconheceu que era necessario reformar os serviços com economia, ou pelo menos não augmentando as despesas, o Governo tinha obrigação de os reformar sem esse augmento de despesa.

Pois, Sr. Presidente, o nobre Presidente do Conselho usou de uma auctorização contida na carta de lei de 16 de março de 1871, para em 17 de setembro de 1901, fazer a criação da escola normal em Coimbra, introduzindo nella 18 empregados entre o pessoal maior e menor, entre os corpos docente e inferior.

É todavia, Sr. Presidente, d'essa auctorização anterior não usou o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, quando Presidente do Conselho da ultima situação progressista, porque entendeu em sua consciencia que não podia criar as escolas normaes com ella.

Sr. Presidente, como se isto parecesse pouco o Sr. Ministro da Justiça, reorganizando os serviços da casa de correcção e detenção de Lisboa, usou das auctorizações parlamentares de 12 de junho e carta de lei de 21 de maio de 1876.

Para promulgar isto usou das duas auctorizações ao mesmo tempo: da que o Sr. Presidente do Conselho solicitou ao Parlamento, e de uma outra muito anterior; mas, cousa ainda mais curiosa! quando essa auctorização já tinha caducado, porque o artigo 2.° diz: «que o Governo» dará conta ás Côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que fizer d'essas auctorizações».

Veja V. Exa. que tumultos e confusões tem havido na reorganização dos serviços publicos. Foi invocada desnecessariamente, uma auctorização que tinha caducado, porque o artigo 2.° mandava que se desse conta ás Côrtes d'essa auctorização na proxima sessão legislativa. Ora, essa proxima sessão legislativa foi a de... 1877.

Alem d'isto o Governo usou de auctorizações, para reformar os serviços publicos, concedidas a si proprio, em virtude de decretos dictatoriaes; por exemplo: reformou os serviços municipaes de Lisboa; mas já para reformar os serviços de incendios foi buscar anteriores auctorizações que poz em um d'esses decretos.

Extraordinario tudo isto!

Temos portanto: decretos em virtude de auctorizações parlamentares; outros em virtude do auctorizações anteriores, e para que o Governo continue a viver neste regime tumultuario ainda temos decretos com outras auctorizações subsequentes, como ainda demonstrei no meu ultimo discurso!

Veja V. Exa., Sr. Presidente, como o nobre Presidente do Conselho interpretou as prescripções da lei!

Pois o fim destas auctorizações é definido e claro: todas as reformas devem obedecer ao principio supremo da reducção das despesas. Mas S. Exa. não fez só uso das disposições contidas nas auctorizações parlamentares, soccorreu-se tambem de auctorizações anteriores, algumas das quaes já tinham caducado.

Dou, porem, de barato que o Governo interpretasse bem a lei, quando affirmava que não era só obrigado a não augmentar a despesa. Mas como se defende então o Sr. Presidente do Conselho?

Diz que não augmentou as despesas; criou receitas, e como ellas são superiores á despesa, não sae para fora das auctorizações, porque se é verdade que augmentou a despesa não o é menos que ha excesso de receita sobre ella; logo, houve economia.

Se o Sr. Presidente do Conselho ligasse interpretação das leis todo o cuidado que demandam, e lhes é devido, não procederia assim, porque S. Exa. repararia nas seguintes palavras: «ficando expressamente prohibido augmentar a despesa». Tinha de cingir-se a este ponto restricto.

Foi esta a interpretação sempre dada á lei pelo partido a que tenho a honra de pertencer, e tanto assim que não procedi á reforma do Ministerio da Justiça, quando tive a honra de gerir aquella pasta, porque não quis interpretar a lei como S. Exa. o fez.

Pode, porem, o Sr. Presidente do Conselho augmentar a despesa como augmentou? Onde é que S. Exa. encontra na lei prescripções que a tal o auctorizem?

Mas como foi que a augmentou? Criando novos encargos para o país, criando novos impostos!

E, todavia, não o podia fazer, porque não cabem essas attribuições ao poder executivo; mas fê-lo. Pergunto: com que direito procedeu assim?

Não conheço, Sr. Presidente, forma mais extraordinaria de administração, do que esta de lançar impostos, para com elles pagar a empregados publicos. Nem é por esta forma, que podemos dar um exemplo de verdadeiro brio perante os nossos credores, quando lhes estamos provando, que o unico proposito administrativo que nos guia é o de nomear empregados em satisfação a varias suggestões partidarias.

Parece-me haver demonstrado que a explicação dada pelo Sr. Presidente do Conselho não é, de forma alguma, cabal, e ainda neste ponto devo fazer uma observação á Camara.

S. Exa. tomou nas mãos uns poucos de papeis e disse: «consta d'aqui que as receitas attingem esta importancia, e as desposas se reduzem; logo, ha uma economia?; mas S. Exa., ao passo que dizia isto, apenas lia, e muito rapidamente, os que se referiam ao Ministerio do Reino.

Mas que fé podem merecer esses papeis assim apresentados? Mais. Como é que S. Exa. calculou a receita? Onde encontrou elementos para calcular, por exemplo, a receita proveniente das propinas e emolumentos do registo de mercês lucrativas e honrosas, para affirmar que essa receita cresce?

E mesmo que tudo esteja muito bem calculado, porque é que vae applicar a receita como o faz?

Mas emfim, eu não desejo deter-me mais neste ponto, porque me parece haver demonstrado já, que o Sr. Presidente do Conselho interpretou erradamente a lei. Esta manda-o reduzir a despesa; não o auctoriza a criar receita e a applicá-la; portanto, falseou o espirito e a letra da lei.

Eu já li as alineas que acompanham a lei das auctorizações parlamentares e demonstrei, tambem, cabalmente, me parece, que o Governo faltou ao que nellas se dispõe; acho, porem, curioso que o Sr. Presidente de Conselho, na resposta, que a este respeito me deu, não dissesse como é que foi concedida a aposentação dos empregados do Posto Meteorologico da Serra da Estreita, que constituiu um dos meus pontos de ataque, sendo certo que a outros me respondeu, por forma, é verdade, que bem revelam serem bem pouco defensaveis.

Reduziu o tempo de serviço...! Oh Sr. Presidente!

Porventura não é isto alterar fundamentalmente o principio da lei de aposentações? (Apoiados). Pois a lei de aposentações não é composta de duas funcções, o tempo de serviço e a idade?! (Apoiados}.

Pois reduzindo o tempo não é alterar a lei das aposentações? (Apoiados).

Mas ainda temos mais.

Página 7

SESSÃO N.º 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 7

Disse o Sr. Hintze Ribeiro que já estavam reformados esses operarios, e por isso tinham pensão...

Pois já estavam reformados no uso de uma lei, e o Sr. Presidente do Conselho esfarrapa-a, dando a estes empregados, direitos que vão reverter em prejuizo do Thesouro?

É necessario argumentar com toda a lealdade, e estou convencido de que S. Exa. não faltou a ella, mas foi isto, decerto, desfallecimento do seu espirito; por isso, o que urge é fazer entrar no seu animo a convicção de que não argumentou, bem. (Apoiados).

Tambem é prohibido ao Governo expressamente - diz a lei - o contratar novos empregados, quer para o serviço ordinario, quer para o serviço provisorio.

Disse o Sr. Presidente do Conselho que não contratou empregados novos, mas não disse porquê. «Eu mostrarei - disse S. Exa. - que não é exacta a accusação do illustre Deputado».

Porventura, o Sr. Presidente do Conselho não contratou empregados novos para a Universidade de Coimbra? Porventura em relação ao curso superior de letras não contratou professores para o ensino das linguas francesa, ingleza e allemã? (Apoiados). Porventura não contratou para o Conservatorio quatro ou cinco professores de musica? (Apoiados).

Como é então que o Sr. Presidente do Conselho, pondo deante de nós esta tabella, ousa dizer que não ha empregados novos contratados? (Apoiados).

Como é que se pode fazer uma animação d'esta ordem que briga com a verdade dos factos que se observa na tabella? (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, o nobre Presidente do Conselho, neste ponto teve o cuidado de passar o mais rapidamente possivel, dizendo que não era exacta a minha animação.

Ha ainda uma alinea que prohibia o nomear empregados definitivos, emquanto houver addidos. Eu havia dito somente, outro dia, «que era prohibido nomear empregados definitivos». Esqueceu-me completar: emquanto houver empregados addidos. Logo o Sr. Presidente do Conselho disse: «O Sr. Deputado esqueceu-se de que se não podem contratar empregados novos emquanto houver empregados addidos».

S. Exa. é que se esqueceu de que não existe uma só secretaria em que não haja empregados addidos. (Apoiados). Esqueceu-se até da lei que reconhece a existencia d'estes addidos.

Pois reporte-se o nobre Presidente do Conselho ao decreto de 24 de dezembro de 1892. É bem claro.

E a propria lei do Sr. Marianno de Carvalho reconhece que ha empregados addidos, e que não podem ser convertidos em empregados definitivos esses empregados provisorios. (Apoiados).

O Governo falseou, pois, a sua obrigação, porque nomeou empregados novos. Veem os seus nomes publicados no Diario do Governo entre os despachos de instrucção publica.

Se bem me recordo, um amanuense contratado foi feito segundo official, e outros empregados, uns que estavam na mesma situação e outros em situação proxima, foram convertidos em empregados definitivos. Já V. Exa. e a Camara veem que nestes tres pontos a verdade está commigo. (Apoiados}, pode estar com o Sr. Presidente do Conselho, e está por certo, o grande talento da sua palavra, o brilho da sua sagacidade parlamentar, mas a verdade, que sobrenada a todas as illusões, a todos os artificios, está commigo, e ella é mais eloquente que os mais pomposos e brilhantes discursos. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho nada disse em resposta á accusação incontestada, porque S. Exa. não a contradictou, de que dentro dos decretos ha novas auctorizações que podem causar despesas de milhares de contos ...

S. Exa. não o negou, nem podia negar. Eu supponho que não ha nada mais simples, mais nitido, do que dizer:

o Governo está auctorizado a criar: cursos para adultos, escolas nocturnas, escolas normaes o Governo fica auctorizado a reorganizar os serviços dos laboratorios de chimica o physica..., emfim, as auctorizações enxameam dentro d'estes decretos. Por maior, portanto, que seja a tactica parlamentar do Sr. Presidente do Conselho, e porventura maior é a sua ousadia ainda, S. Exa. não pode de maneira alguma vir aqui dizer, que não existem essas auctorizações; o que nos diz é que a Camara solicita e activa não deixará que no orçamento se inscrevam verbas para essas despesas, e que, portanto, essas auctorizações não podem ir por deante.

Em primeiro logar, V. Exa. e a Camara, hão de confessar, que é extraordinario que o chefe do Governo faça uma reforma, que não pode pôr-se em pratica; o que representa, a meu ver, nem mais nem menos do que, o desprestigio, o abatimento do poder. (Apoiados). Affirmar á Camara que fez uma reforma em virtude de leis votadas, mas que essa reforma ficou dependente de condições, que podem deixar de dar-se, é verdadeiramente extraordinario! (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho argumentou com habilidade, é certo, mas não com verdade. (Apoiados). Se porventura foram promulgados novos decretos e criados novos serviços, em virtude das auctorizações, esses decretos, desde o momento que o Governo entende que estão dentro das auctorizações parlamentares, teem tanta validade como os outros, por isso que foi em virtude de uma lei que foram promulgados, e os empregados, por essa reforma nomeados, teem tanto direito a ser pagos como os que o foram pelas outras reformas.

É necessario que se inscrevam verbas no Orçamento? Mas como tem S. Exa. pago aos milhares de empregados que teem sido nomeados? A Camara comprehende a minha argumentação: não se devia nomear mais empregados, mas a verdade é que os empregados que o Governo nomear agora, dentro do uso das auctorizações são tão legítimos, teem tanto direito a receber os seus ordenados, como o teem os outros, e hão de recebê-los, decerto.

Mas como ha de pagar S. Exa., por exemplo, aos professores das escolas normaes nomeados em setembro? Estão inscriptas no Orçamento verbas para o seu pagamento? Como é que ha de pagar aos oitocentos empregados de serviços de impostos e aos empregados de instrucção publica?

S. Exa. tem de pagar.

Ora, o regulamento de contabilidade publica determina e preceitua como se podem fazer esses pagamentos, e portanto, S. Exa. não argumenta bem quando nos vem dizer que nós, opposição, podemos impedir que sejam consignadas verbas para esse pagamento.

Sr. Presidente: chegamos á situação historica em que é preciso dizer a verdade.

Todos sabem que as maiorias procedem como aos Governos lhes apraz; e por mais energica que fosse a nossa acção, por maior que fosse o nosso zelo, a triste verdade é, esta.

Se o Governo quisesse votar essas verbas, a maioria obedeceria incondicionalmente.

Devo tambem lembrar que entre as reformas algumas ha com disposições imperativas, como a que cria os centros de patronato junto das cadeias civis e outras, em que se diz que a despesa será paga por subsidio votado annualmente pelas Côrtes; mas eu não chego a comprehender como se não aponta qual é essa despesa. Mas ha uma nota que fere o prestigio dos nossos homens publicos. (Apoiados).

O nobre Presidente do Conselho disse que não sabia para que servia a commissão que eu tive a honra de propor á Camara.

Entende S. Exa. que essa commissão é um signal de guerra, e não, como eu lhe disse, um signal de paz.

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quando o nobre Presidente, do Conselho, entre galhardias de palavra, respondia á proposta a que me referi, e o mau querido amigo e illustre parlamentar o Sr. João Arroyo escondia o rosto nas mãos enconchadas, eu comprehendi-o bem. É porque o Sr. João Arroyo lembrou-se, que a proposta que em trazia á Camara, foi exactamente a mesma que o Sr. Presidente do Conselho lhe pediu que apresentasse em tempo á Camara.

Vou precisar.

Em 24 de outubro de 1894, o Sr. João Arroyo apresentou á Camara uma proposta para a nomeação de uma commissão de vinte e um membros, cujo fim era examinar se tinha havido excesso no uso das auctorizações parlamentares que haviam sido dadas.

O Sr. Presidente do Conselho era igualmente, como agora, Presidente do Conselho, e o Sr. Arroyo igualmente leader da maioria.

Foi essa commissão proposta de combinação entre ambos.

Sabe a Camara em que razões se apoiava então o illustre Deputado? Fundava-se em dizer que as auctorizações eram tão numerosas, tão volumosas, que formavam um volume de mais de 100 paginas do Diario do Governo.

Pois as actuaes reformas formarão um volume de mais de 400 paginas. (Apoiados).

Se para aquellas reformas era necessario uma commissão comporta de vinte e um membros, para esta deveria ser do dobro, o trabalhar ininterruptamente, porque ha muito que tirar o muito que modificar. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho fez, durante o seu discurso, varias accusações de caracter politico. Não me occuparei d'ellas; foram de simples effeito rhetorico.

No primeiro discurso, que pronunciei, fiz as minhas declarações que a Camara ouviu, mas S. Exa. entendeu dever dizer, que nessas circumstancias não tinha eu auctoridade politica para fazer taes accusações.

Sr. Presidente: eu disse que na minha vida de homem publico nada tinha de que me penitenciar; mas se a maioria julgava que devia oppor ás minhas palavras o meu passado, estava prompto a dar-me á expiação, porque superior a todas as vaidades estava o desejo de evitar o que eu suppunha uma desgraça nacional. A diferença, pois, é profunda.

E declaro á Camara, que não gostaria de sair d'aqui infamado na minha vida publica, por qualquer acto de administração, mas resignar-me-hia se conseguisse com as minhas palavras pôr um dique ao aggravamento das despesas, que hão de resultar das autorizações.

Mais ainda.

Se os illustres Deputados da maioria approvarem a minha proposta, embora me cubram de objurgatorias e de invectivas, vecebe-las-hei curvando a cabeça, mas com o contentamento de haver prestado um grande serviço ao país. (Vozes: - Muito bem).

Accusou-me ainda o Sr. Presidente do Conselho de ter criado quinhentos legares. Não me defendo.

Sr. Presidente: V. Exa. comprehende bem, que na situação que estamos atravessando é verdadeiramente deploravel, que se empreguem retaliações, especialmente contra mim, que procurei dar ás minhas palavras a maior serenidade.

Mas o Sr. Presidente do Conselho esqueceu-se que a maior parte d'esses empregados, quasi a sua totalidade, eram funccionarios que não recebiam vencimentos do Thesouro (Apoiados); o Sr. Presidente do Conselho esqueceu-se que foram providos muitos logares porque existiam na lei e tinham de ser providos; S. Exa. esqueceu-se que foram criados em virtude da reorganização da circumscripção judiciaria, e eu vou fazer notar á Camara que, havendo tanta occasião durante 18 meses, nos quaes apenas duas vezes faltei ás sessões d'esta Camara, uma por motivo de doença e outra por ser dia de assignatura, não houve, durante este espaço de tempo, um unico Deputado regenerador que ousasse fazer uma interpellação a este respeito (Apoiados), apesar dos reptos que lhes lançava. Eu dizia-lhes: «Accusem-me, façam-me uma interpellação», e os Srs. Deputados tão violentos e rapidos sempre no ataque, a este respeito guardavam silencio. «Accusem-me, dizia-lhes eu, provem, façam avisos previos, não fujo»; silencio absoluto.

O unico que ousou dirigir-me um aviso previo, que se não chegou a realizar foi um illustre Deputado republicano.

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Exa. que decorreu a hora regimental, tendo ainda um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orados: - Sr. Presidente: ainda aproveito a occasião para levantar uma accusação do Sr. Presidente do Conselho. Eu disse, que haviam sido reduzidas as receitas, porque fui tirada a contribuição de rendas de casas e de emolumentos a empregados fiscaes que tinham 200$000 réis de categoria, por maior que fossem os subsidios e outros vencimentos que recebessem. O Sr. Presidente do Conselho a este respeito ficou silencioso; mas com relação aos arbitradores judiciaes disse o seguinte: «então pela theoria do illustre Deputado deviam-se criar logares novos, porque esses legares dão dinheiro para o Estado». Confesso a V. Exa. que eu desejava ter a ironia, a invectiva necessaria para replicar a esta asserção; mas em todo o caso, permitia se-me dizer que isto não é proprio do Parlamento. (Apoiados). Pois S. Exa. não sabe que os arbitradores judiciaes não recebiam cousa alguma?! Pois pode-se argumentar d'esta maneira! (Apoiados). Não recebiam nada do Thesouro, pelo contrario, contribuiam para elle por meio da contribuição industrial, que importava em 12:000$000 réis. E note V. Exa. que, se for possivel, se deve fazer reapparecer essa corporação que tem de existir para fazer avaliações, o que o Sr. Ministro da Justiça acabou por má vontade inexplicavel que tinha a uma obra, que fazia em grande parte justiça e honra aos talentos o solicitudes publicas do Sr. Beirão. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho disse que eu havia ainda de me arrepender das declarações que fizera.

As declarações, foram como a Camara bem ouviu, aquellas a que todo o homem publico deve estar subordinado: não se augmentarem as despesas, porque qualquer augmento de dispendio constitue quasi um crime, quando nós não podemos com esses encargos.

Disse eu que, se tivesse a honra de ser chamado pelo chefe do meu partido ao poder, honraria o meu partido defendendo com paixão, com zelo e com ciume os dinheiros do Thesouro; e disse tambem que esta seria a melhor forma de evitar as tristezas do presente, e de preparar a situação de uma patria honrada e independente.

Foram estas as minhas animações, e d'ellas não me arrependo, pois vejo que hoje, mais do que nunca, todos os actos da vida publica devem ser subordinados a um principio: a reducção das nossas despesas.

É, por isso, Sr. Presidente, que me consolou o coração a declaração feita pelo meu illustre amigo o Sr. Beirão, a respeito da dictadura e das auctorizações parlamentares. Essa declaração representa o principio da legalidade, porque as dictaduras adoptadas como systema de governo, são um enorme crime politico, e as auctorizações podem dar origem a erros e aos esbanjamentos, que acabei de apresentar á Camara. (Apoiados).

Bem fez o nobre leader da opposição progressista, que falando em nome do chefe do seu partido, e tambem no de todo o partido, sagrou esta affirmação com a sua palavra de homem de bem. (Apoiados).

Congratulo-me com S. Exa., irei no mesmo principio em obediencia aos deveres do meu partido, o declaro que, se um dia o partido progressista fallisse nas suas affirmações, não o abandonaria, é certo, porque emfim elle é

Página 9

SESSÃO N.° 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 9

para mim quasi um culto, uma paixão da minha vida, encheu quasi a minha mocidade, mas, com franqueza, o declaro: esconder-me-hia no escuro retrahimento, onde se somem as mais escuras e amargas illusões.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. João Arroyo: - Começa por ler a seguinte moção:

«A Camara, satisfeita com as explicações do Governo, passa á ordem do dia. = João Arroyo».

Continuando, diz que mais uma vez endereça ao seu amigo, Sr. José Maria de Alpoim, como a seu irmão, o Sr. Ovidio de Alpoim, as suas mais sinceras condolencias pelo grande golpe que acaba de feri-los.

No discurso que acaba de ouvir, com o agrado com que sempre escuta a palavra do illustre Deputado, houve apenas uma observação que o feriu. Foi quando S. Exa. disse: «O Governo ordenará á sua maioria».

Lembra ao illustre Deputado que as relações que prendem o Sr. Presidente do Conselho á sua maioria, são precisamente as que prendem o Sr. José Luciano de Castro ás maiorias progressistas. De resto nem o Sr. Hintze, pelos primores da sua educação pessoal, seria capaz de exercer uma pressão de tal ordem, nem a maioria, em cujo nome fala, podia sujeitar-se a ella. E como deseja, ao usar da palavra, limpar o horizonte de algumas nuvens que sobre elle acastellou o discurso do Sr. Alpoim, vae, tão rapidamente quanto possivel, responder aos pontos capitães que S. Exa. tocou.

Nos ultimos dez minutos da sessão de sabbado, S. Exa. cultivou o genero de eloquencia que melhor vae ás qualidades da sua palavra o levantou-se indignado contra o Sr. Presidente do Conselho, como se nas palavras do Sr. Hintze tivesse havido alguma cousa que não se pudesse dizer, relativamente aos motivos que o levaram a dissolver o Parlamento.

E, entretanto, é de todos os dias trabalhar o Governo com uma Camara adversa, acceitar a sua collaboração, e, a seguir, sem muitas vezes, sequer, lhe dizer obrigado, dissolvê-la. É este um facto corrente no meio constitucional.

No primeiro discurso que proferiu, o Sr. Alpoim, contrariando a sua natural tendencia, entrou em materia de orçamentos, o que dá um duplicado valor ao seu merito.

Hoje apenas apontou um facto pormenorizado: o da despesa com a Escola Normal de Coimbra; mas esqueceu que apenas se trata da applicação de uma lei de 1897, de iniciativa progressista, que estabeleceu o principio de que funccionem quatro escolas normaes, podendo ser criadas em Coimbra mais duas; e equivocou-se ainda quando imaginou que a receita para essa despesa pudesse vir de outra fonte que não fosse o fundo de instrucção.

Sobre empregados contratados, sobre lei de aposentações, sobre todos os assumptos, emfim, de que S. Exa. tratou, apenas com palavras, respondeu o Sr. Presidente do Conselho com factos, e emquanto não vierem outros factos contrapor-se-lhes, é o Sr. Presidente do Conselho quem tem razão.

Quanto á accusação de que os decretos conteem dentro em si novas auctorizações, dirá que é costume vulgar estabelecerem-se nos documentos que regulam quaesquer serviços de administração, principios geraes dentro dos quaes se ha de localizar a receita; e se ella não chega, o dever do Governo é respeitar a insufficiencia d'essa receita, porque só o Parlamento pode preenchê-la.

Uma outra accusação de S. Exa. versou sobre o ponto capital de se saber, se a despesa tinha sido ou não aggravada pelo Governo.

Onde ha despesa nova, a consequencia fatal é que ella tem de ser compensada, e o Governo, estabelecendo fontes de receita, não fez mais do que regular leis existentes da responsabilidade do partido a que pertence o Sr. Alpoim.

S. Exa. reservou para o fim a surpresa maior, o tiro mais certeiro e citou o procedimento d'elle, orador, em 1894, quando em sessão de 20 de outubro, tendo como hoje tem, a honra de dirigir a maioria, apresentou uma proposta semelhante á que S. Exa. agora apresentou.

Mas, em 1894, o gabinete regenerador succedia a um gabinete presidido pelo Sr. Dias Ferreira e, vindo á Camara, encontrara medidas dictatoriaes do anno anterior e medidas dictatoriaes dos annos de 1891 e 1892.

Propôs, portanto, elle, orador, que se nomeassem duas commissões para apreciarem esses diplomas e essas commissões foram nomeadas.

Como se vê, isto nada tem com o que S. Exa. pede agora á Camara; as circumstancias eram então diversas, e desde que o simile não existe, elle, orador, rejeitando a proposta do Sr. Alpoim, procede hoje tão correctamente, como procedeu em 1894.

Alem d'isso a commissão de 1894 nunca chegou a funccionar e se o Sr. Alpoim, Ministro de Estado honorario, tiver duvidas a esse respeito, pode pedir informação ao Sr. Deputado José Maria da Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Terminou S. Exa. por affirmar a unidade partidaria entre os seus correligionarios, a sua disciplina partidaria, e a deliberação tomada pelo partido progressista de executar, até ao seu ultimo esforço, as declarações feitas nesta casa do Parlamento pelo Sr. Beirão.

É sempre livre ás opposições a escolha do momento para discutir os actos politicos do Governo; mas tambem é livre ao Governo acceitar, ou não, essa discussão, na opportunidade e pela forma por que a opposição a tiver apresentado.

Ha, porem, uma affirmação, saida dos representantes do partido progressista, quer na Camara, quer na imprensa, e até mesmo nas conversas particulares contra a qual elle, orador, protesta; é que a orientação d'esse partido é um caso interior, intimo, da sua consciencia, e mais nada.

Protesta contra isto, porque a attitude de um grande partido monarchico é um facto de grande influencia e alcance sobre a politica da nação.

S. Exas., individualmente, pertencem ás suas famílias, aos seus amigos; mas, nas suas deliberações e responsabilidades partidarias, pertencem ao seu partido; e, como membros de um partido monarchico, pertencem a uma das fracções em que se divide a familia monarchica portuguesa; S. Exas. são da nação, são um - proprio nacional! (Risos).

No dia em que se declarou aberta a sessão parlamentar, a attitude do partido progressista chegou a causar, não receio, mas surpresa; era a de um silencio modelado, calculado, desde os seus soldados mais destemidos, até aos seus chefes. Nesse dia estavam presentes quatro marechaes d'esse partido; e elle, orador, fitando as suas physionomias, parecia-lhe que estava imminente terrivel tempestade, da qual surgiria grande catastrophe politica. Via o Sr. José de Alpoim, colerico; o Sr. Augusto José da Cunha, curvado, sobre a sua poltrona, com ares de conspirador; o Sr. Beirão agitando os braços, e o Sr. Villaça deixando cair, sobre o seu rosto suavíssimo, uma lagrima sentida, como que a chorar a queda da Babylonia. Estava, naturalmente, nesse momento, pensando no sou jornal, em que toda a gente entra, manda, dirige e escreve, menos S. Exa.! (Risos).

Depois, viu elle, orador, que S. Exas. sairam da sala; mas mais tarde, notando que mudavam de attitude, e se mostravam irrequietos, impacientes, concluiu que o caso não era com a maioria, era com S. Exas. proprios! (Risos).

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Na primeira parte da sua declaração disse o Sr. Beirão: «Nunca mais collaboraremos, formaremos Gabinete, nem apoiaremos qualquer Governo, que faça dictaduras, ou uso de auctorizações parlamentares».

Isto, dito assim, era realmente bello. Succede, porem, que os mais lidos em historia politica, os mais adestrados em ler nas paginas do futuro e do passado, entre os applausos enthusiastas que tal declaração partidaria motivara, tiveram a seguinte duvida: «E o publico? Pois nós, partido politico, que somos successores naturaes d'aquelles cavalheiros, que hoje occupam as poltronas ministeriaes; que devemos constantemente - já não em exercicio de um direito politico, mas em cumprimento de um dever patriotico - administrar os interesses da nação, havemos de ir collocar, entre elles e nós, um obice? Não somos os servidores da nação?»

Então, outros elementos do partido, lidos em matéria politica, diziam: «E o espelho de 1896? Não se lembrara os collegas, das difficuldades extraordinarias que então houve?»

D'aqui a necessidade de additar a declaração com as seguintes palavras: «dictaduras e auctorizações parlamentaras, como meios regulares e ordinarios de administração».

Como se sabe, a vida da opposição é atacada por varias doenças de caracter incidental, que elle orador, classifica com o nome de colica. Ha a colica eleitoral - o vir, ou não vir, ao Parlamento; a colica incidental - se se produz, ou não, o incidente, de onde, posteriormente, hão de derivar difficuldades; e, outra mais grave, a colica da crise - em que se procura por todas as formas, e em toda a parte, até mesmo nas alquilarias, de que os Ministros se servem, averiguar se ha crise, se ella virá, ou não virá.

A colica maxima, porem, é a que deve ter o nome de colica do advento; saber se uma determinada declaração poderá constituir, ou não, um impedimento para se chegar ao poder. Ora, no tratamento d'essa colica é que a declaração progressista, applicada como remedio therapeutico interno, é soberana.

Na discussão do bill, a opposição progressista deixou de ter a unica attitude que incommoda os Governos, a unica attitude que representa um ponto de vista verdadeiramente parlamentar; a discussão, a mais lata, a mais efficaz, a mais intransigente; porque, se a dictadura apparece como um acto pathologico na vida parlamentar, o dever da opposição é precisamente combatê-lo; se é um mal, o dever da opposição é applicar-lhe o unico remedio; discuti-lo, o mais violentamente que lhe for possivel, mostrando quaes as imperfeições das medidas dictatorialmente decretadas.

Mas o que queria o Sr. José de Alpoim? Que as medidas decretadas, no uso de auctorizações parlamentares, fossem a uma commissão de bill.

Mas então, porque é que S. Exa. entende que essas medidas necessitam de discussão, e o seu partido se afasta de discutir o bill?

Chegamos, agora, ao capitulo da coherencia progressista.

Toda a Camara ouviu o Sr. Beirão declarar, applaudido por seus partidarios, que o partido progressista não discutiria o bill. É verdade isto; mas tambem todos viram o chefe d'este partido tomar a palavra, na outra casa do Parlamento, e discutir, sem a mais pequena precaução, quasi todos os decretos dictatoriaes.

Então, o partido progressista não discute na Camara dos deputados, e discute na Camara dos Pares?! Então, ha motivos que o impedem de discutir, nesta Camara, e o seu chefe discute, na outra casa do Parlamento?!

Mais ainda. Em todas as discussões, são constantes as referencias á dictadura; o Sr. José de Alpoim, considerando os actos, realizados em virtude de auctorização legislativa, como abuso do poder, veiu discuti-los; S. Exa. discuti', pois, esses actos, que são dictatoriaes, e o Sr. Beirão não discute os actos da dictadura!

Outro capitulo da coherencia progressista: S. Exas. não discutiram a dictatura, para mostrar o seu desgosto por havê-la praticado o Governo.

Quer dizer: foi o vicio dictatorial que lançou S. Exa. para fora da discussão; e S. Exas. não viram, serenamente, que foi esse mesmo vicio, motivo allegado da sua abstenção, o que os tinha feito entrar nesta Camara?!

S. Exas. estão todos na Camara, pela sua força, pelo seu esforço, pelo seu valimento eleitoral, não ha duvida; mas vieram ao Parlamento, em virtude de um acto dictatorial, que reformou a lei eleitoral do país. Ora, se acceitaram esse mandato, se, feriram uma luta eleitoral, depois de uma dissolução, em seguida a uma reforma dictatorial sobre a lei eleitoral, com que direito se indignam contra qualquer acto de caracter dictatorial?

É o cumulo da coherencia parlamentar!

A seu ver, o partido progressista, pela forma por que se apresentou ao Parlamento, enferma dos seguintes males:

1.° Não soube combater a dictadura;

2.° Pela forma por que se manifestou, nas duas Camaras, não mostrou unidade partidaria;

3.° Pela desunidade nas formulas fornecidas pelo Sr. Beirão, nada nos diz sobre o futuro, nem pode inspirar, a ninguem, a mais leve confiança.

Com effeito, depois de muito meditar sobre os actos dictatoriaes do Governo; depois de ouvir todas as altas capacidades e notaveis auctoridades do partido, resolveram os seus chefes o seguinte: - proceder como for mais conveniente para os interesses publicos! (Risos).

Ora, ou elle, orador, se engana muito, ou é á sombra d'esta bandeira - as verdadeiras conveniencias do Estado - que os maiores attentados de Estado se teem praticado.

Foi sob essa bandeira que Christo foi martyrizado; sob ella se tem perpetrado os maiores delictos e crimes de humanidade.

Mas agora, essa formula pode ser considerada, como vaga, ou como significativa de um criterio superior. Mas não é isso, porque não é nada.

D'esta formula, porem, - conforme for conveniente aos interesses publicos, - dimana um grande perfume de alegria e satisfação. É um symptoma de boa disposição politica, de magnifica attitude; não ha duvida nenhuma. Não ha ninguem que não fique contente com ella!

As flores, os lyrios, os nenuphares, as magnolias, as rosas, discutem entre si, como hão de conservar as côrtes - como for conveniente; os tigres de Bengalla, os leões da Nubia vivem - como for conveniente; o cascavel resolve não destillar o seu veneno, senão - como for conveniente; a humanidade resolve não desenvolver a especie senão - como for conveniente; as proprias potencias já resolveram, entre si, não discutir senão - como for conveniente; os Aquinaldos discutem com os generaes americanos - como for conveniente; e o Panamá e Nicaragua resolveram abrir os isthmos - como for conveniente!

E esta phrase passa através de todas as nações, vae decorrendo como um lemma, gradualmente desenvolvido numa exposição litterariamente symphonica!

E o observador vão vendo passar os illustres membros do partido progressista, o seu chefe á frente; depois os marechaes, os convencidos - como for conveniente; - depois os velhos parlamentares, trocando entre si as piscadellas de olho intelligente - como for conveniente; todo esse exercito, emfim, que pode não ter sabido morrer exactamente, em defesa de um programma justo, mas que ha de viver sempre, somente - como for conveniente! (Risos).

Ora, quando um partido chega a conceber idéas d'esta ordem, quando d'esses cerebros saem concepções d'este

Página 11

SESSÃO N.º 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 11

valor, não é licito reserva lo para uso proprio, é preciso mandá-lo para exportação - como for conveniente (Risos).

Estabelecida assim a attitude do partido progressista, pelas declarações do seu illustre leader, a, duas tristes conclusões se chega: primeira, que o partido progressista, pelo seu proceder parlamentar, não soube destruir, nem saberá construir; não soube combater os abusos dos seus adversarios, nem soube lançar aos quatro ventos as formulas de uma politica nova; segunda, que o partido progressista fez um enorme desserviço ao Parlamento e ao pais, porque, no momento em que se discutia o bill, a sua obrigação era procurar ferir a nota da não indispensabilidade das medidas apresentadas, o procurar influir, tanto quanto pudesse, para que d'ora avante a iniciativa legislativa se limitasse ás medidas absolutamente necessarias.

Termina o orador, referindo se á moção que mandou para a mesa, na qual, juntamente com toda a maioria, exprime a sua satisfação pelas explicações do Governo, confiado em que o Sr. Hintze Ribeiro, e o Ministerio da sua presidencia, ha de saber continuar a honrar as tradições do seu partido e a zelar os legitimos interesses do país.

(O orador foi multo cumprimentado).

(O discurso será publicaria na integra, e em appendice, se S. Exa. o restituir).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo Sr. Arroyo.

Leu se e foi admittida.

O Sr. Presidente: - No uso da auctorização que a Camara me concedeu vão ler se os nomes dos Srs. Deputados que hão de compor a comissão de artes e industrias:

Albino Maria de Carvalho Moreira.

Alvaro de Sousa Rogo.

Antonio Alberto Charula Passanha.

Anselmo Augusto Vieira.

José Maria de Oliveira Simões.

José Maria Pereira de Lima.

Julio Augusto Petra Vianna.

Luciano Antonio Pereira da Silva.

Manuel Homem de Mello da Camara.

O Sr. Antonio Cabral (sobre a ordem): - Sr. Presidente, em harmonia com as prescripções do regimento, começo por ler a minha moção de ordem:

«A Camara, attendendo a que o Sr. Presidente do Conselho declarou em sessão de l do corrente que as medidas promulgadas pelos differentes Ministerios, por virtude da auctorização constante do artigo 18.° da carta de lei de 12 de junho de 1901, determinavam notaveis economias, convida o Governo a mandar publicar no Diario da Governo, com a maxima brevidade possivel, a conta minuciosa e justificada d'essas adegadas economias. = Antonio Cabral».

Sr. Presidente: é com a mais profunda tristeza que eu começo o meu modesto discurso. Realmente, quando um orador da pujança do Sr. Arroyo, possuidor de um talento luminoso o brilhantissimo, quando um orador fluente e elegante como S. Exa. que nos encanta sempre com as flores da sua palavra e com a eloquencia do seu verbo, faz um discurso, numa questão d'esta ordem, como aquelle que a Camara acaba de ouvir, é porque, Sr. Presidente, ha causas que não teem defesa. (Apoiados). Quando um assumpto é mau, quando uma questão é indefensavel, não ha eloquencia, não ha artificios de palavra, não ha brilhos de rhetorica, não ha orador, por mais eloquente, que possa defender essa causa e que possa tratar esse assumpto á altura que deve ser tratado. (Apoiados). E causa tristeza, isto!

Sr. Presidente, se eu não tivesse na maxima conta a lealdade partidaria do Sr. Arroyo, diria que S. Exa., com o seu discurso, teve unicamente por fim comprometter o Governo (Apoiados) e mostrar a toda a Camara que elle, nesta questão lastimavel, não podia ter defesa; mas, como eu não duvido um instante sequer da lealdade de S. Exa., e tenho em toda a conta as suas qualidades e os seus merecimentos, conclue que é o Governo que não tem defesa (Apoiados), que o Governo ficou a descoberto, e que o primeiro o mais brilhante orador da sua maioria não teve um unico argumento para vir aqui contrapor ás provas, factos o argumentos que o Sr. José Maria de Alpoim, meu querido amigo, expôs á Camara, num dos mais bellos discursos da sua triumphante carreira politica. (Apoiados).

V. Exa. viu a attitude do Governo, enterrado nos seus fauteils; viu a attitude da maioria, sorrindo com o sorriso do Sr. Arroyo, gozando com o seu espirito, regosijando-se com a graça dos seus ditos, mas afundada tambem nas suas cadeiras, envergonhada, corrida, por ver e reconhecer que não havia um unico argumento de defesa, uma só razão de desculpa, por parte do Governo, para demonstrar que elle não tinha excedido as larguissimas auctorizações parlamentares que lhe foram concedidas! (Apoiados).

Sr. Presidente, V. Exa. viu que uma das principaes flores de rhetorica, uma das principaes girandolas de eloquencia, permitta-se-me a phrase, do Sr. Arroyo, foi aquella em que S. Exa. descreveu a colica eleitoral, a colica incidental a colica da crise e outras differentes especies de colicas que descreveu á Camara, estupefacta de tanta colica.

Pois eu direi que S. Exa., nesse momento, estava com a colica ao assumpto, com a colica do estudante que se via com a lição em branco, não sabendo o que havia de dizer perante aquelles que teem de julgar o Governo, o que somos todos nós e é o país.

Sem offensa para o Sr. Conselheiro João Arroyo, por cujo talento tenho a maxima consideração, e cuja graça, espirito e palavra sempre elegantissima muito admiro, o discurso de S. Exa., nesta sessão, foi proprio da epoca carnavalesca que atravessamos

Pois, porventura, depois de dois vibrantes discursos, como foram os do Sr. José de Alpoim, cheios de provas, recheados de factos, com indicações, datas e citações precisas, pode-se vir aqui fazer um discurso da natureza do que acaba de proferir o Sr. Conselheiro João Arroyo?

Qual é a conclusão que V. Exa., Sr. Presidente, tira d'esse discurso? Qual é a conclusão que o país ha de tirar amanha d'essa oração? É que o Governo não tem defesa; é um reu indefensavel. (Apoiados). É que a verdade, por mais que queiram empanar-lhe o brilho, resplandeço sempre como o sol; o não ha palavra, por mais eloquente, nem discurso, por mais brilhante, que possa conseguir impossiveis, (Apoiados).

E por isso ouvimos o discurso do Sr. Arroyo, cheio de imagens, finura, espirito e graça, mas sem um unico argumento, sem uma só razão, vazio, oco, sem se referir, defendendo-os, aos factos extraordinarios praticados pelo Governo e denunciados á Camara, nos seus brilhantes discursos, pelo Sr. Conselheiro José de Alpoim. (Apoiados).

V. Exa. e a Camara ouviram a resposta do Sr. Presidente do Conselho ao primeiro discurso do Sr. José de Alpoim, e reconheceram, certamente, que esse discurso do Sr. Hintze Ribeiro foi, talvez, o peor da sua longa carreira parlamentar e politica. Porque?

Porque não é possivel, repito mais uma vez, defender aquillo que não tem defesa. (Apoiados).

O Governo enveredou por um caminho que não devia seguir, deixou a estrada larga, aborta e franca, para trilhar encruzilhadas escuras, com o fim unico de poder presentear, com benesses e empregos, individuos que era necessario prender, por esse meio, a sua fé partidaria. D'ahi,

Página 12

12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

como consequencia fatal, a longa serie dos seus erros, que são verdadeiros crimes.

Sr. Presidente: V. Exa., se porventura foi ao Terreiro do Paço nos ultimos dias do anno findo, havia de ver legiões de pretendentes, subindo as escadas das Secretarias do Estado, para irem solicitar dos Srs. Ministros o emprego cubiçado ou a sinecura rendosa. Aquelle estranho espectaculo fazia lembrar a soberba descripção da batalha de Covadonga, feita por Alexandre Herculano no seu Eurico, onde elle escreve que esquadrões após esquadrões desciam da montanha e se alongavam na planicie em ordem de combate.

Pois eu vi tambem, nos ultimos dias do anno de 1901, esquadrões após esquadrões de pretendentes, não descendo das montanhas, mas subindo as escadas dos Ministerios, para irem junto ás secretariados Ministros, transformadas em balcões de despacho (Apoiados), dar batalha aos cofres publicos! (Apoiados).

V. Exa. viu que nem mesmo os parentes dos Ministros, desde o irmão do Sr. Presidente do Conselho, até ao concunhado do Sr. Ministro das Obras Publicas, nenhum d'elles deixou de receber grossa prebenda.

É por isso que homens de bem, - e não digo que os não haja ainda no partido de que é chefe o Sr. Hintze Ribeiro - como o Sr. Dantas Baracho, o Sr. Jacinto Candido, o Sr. Figueiredo Mascarenhas, o Sr. Moraes Sarmento, e ainda outros, se afastaram de um Governo que assim procede, se afastaram de um chefe de partido que num momento historico, solemne, como este que atravessamos, esquece os seus deveres, despreza o caminho direito que devia seguir, - fazer economias, restringir despesas, - para se metter por estes atalhos de talhar á farta as postas com que vae presentear os seus parentes e amigos. (Apoiados).

Pode porventura tolerar-se, consentir-se isto? Não, Sr. Presidente, não se pode, não se deve tolerar, nem consentir!

É por isso que nós vimos hoje, aqui, o Sr. João Arroyo, orador que encanta sempre a Camara com a sua palavra quente e elegante, atravessar o momento mais difficil da sua carreira parlamentar.

S. Exa., apertado entre factos indestructiveis, fazia-me lembrar, e peço venia para esta minha comparação, um d'aquelles tigres de Bengalla ou leões da Nubia, em que S. Exa. nos falou, preso dentro de uma jaula, arremessando-se vigorosamente contra as grades que tenta despedaçar, mas não podendo lutar contra a rijeza do ferro, por isso ser superior ás suas forças.

Os argumentos do Sr. Alpoim, fundados em factos e em diplomas legaes que S. Exa. indicou á Camara, eram os varões de ferro contra os quaes em vão lutava o talento brilhantissimo do Sr. Arroyo.

Sr. Presidente: V. Exa. viu, repito, que o Governo ficou completamente a descoberto (Apoiados); e quando amanha se ler, no extracto tachigraphico d'esta sessão, o discurso do Sr. Arroyo e se comparar essa oração com os discursos eloquentíssimos do Sr. Alpoim, o país ha de reconhecer que o Governo não pode ter defesa, porque quando se levanta a defendê-lo um orador da envergadura do Sr. João Arroyo e tem apenas, para o defender, ditos espirituosos, phrases engraçadas, e nem um argumento, nem um facto, que possa levar o convencimento aos espiritos mais rebeldes, é porque esse Governo não tem defesa; é, na verdade, um reu indefensavel.

E o país não poderá absolver nunca quem, num momento como este que o país atravessa, tendo auctorizações larguissimas, em que havia as condições fundamentaes de não augmentar as despesas publicas (Apoiadas) e de simplificar os serviços, augmenta as despesas, e em vez de simplificar os serviços os complica e baralha espantosamente (Muitos apoiados); e depois de fazer tudo isto ainda vem dizer - como disse o Sr. Presidente do Conselho - que fez economias e que as economias resultantes das medidas publicadas foram de 3:000$000 réis! (Apoiados). Que irrisão! (Apoiados).

É por isso que eu, na minha moção mandada para a mesa, convido o Governo a que, visto ter feito essas apregoadas economias, para nos confundir, a nós que o estamos accussado de as não ter feito, antes ter augmentado as despesas, publique no Diario do Governo a conta minuciosa d'essas economias (Apoiados), feitas á custa do aggravamento dos impostos. (Apoiados}.

Respondam-nos com argumentos, com factos, e não com phrases espirituosas e elegantes como as que pronunciou o Sr. João Arroyo (Apoiados).

Sr. Presidente: sinto-me bastante fatigado e vejo que a Camara o está ainda mais, por isso desejava saber se ha numero legal de Srs. Deputados para a Camara poder funccionar, e peço, portanto, a V. Exa. que mande fazer a contagem.

Fez-se a contagem.

O Sr. Presidente: - Estão na sala 70 Sra. Deputados, portanto pode continuar a sessão.

O Orador: - V. Exa. e a Camara sabem que na lei de meios, de 12 de junho de 1901, foram incluidas todas as auctorizações parlamentares que tinham sido concedidas ao Governo pela carta de lei de 3 de setembro de 1897, que diz que é o Governo auctorizado a reorganizar os serviços dos Ministerios e os d'elles dependentes, em ordem a obter a maior reducção da despesa, não podendo deixar de observar, entre outras, as regras seguintes: - Não augmentar as despesas publicas, não contratar novos empregados, emquanto houver addidos, ou provisorios, e não conceder aposentações illegaes.

V. Exa. sabe que na lei de 1901 se compendiaram todas as auctorizações que havia anteriormente e que tinham sido concedidas ao Governo por varias leis, em primeiro logar, porque sendo aquella lei a lei de meios, que é de uma importancia maxima, capital, não podiam deixar de nella ficar incluidas todas as auctorizações anteriores, por isso que a importancia d'estas auctorizações especiaes era muito inferior á da auctorização geral da lei de meios.

Em segundo logar, porque teve o Governo, em virtude d'essa lei de 12 de junho de 1901, auctorização para reformar todos os serviços, com uma latitude que não tinha em outra lei.

Logo, evidentemente nessa latitude de reformar todos os serviços iam incluidas todas as auctorizações que anteriormente tinham sido concedidas ao Governo.

Isto é claro, nitido, e já o demonstrou á Camara, com toda a clareza, o meu velho amigo o Sr. Alpoim, quando aqui falou pela primeira vez.

Portanto, em virtude d'esta lei de 1901, quaes eram as duas obrigações imperiosas e restrictas que o Governo tinha?

Primeira, reduzir todas as despesas actuaes; segunda, simplificar todos os serviços da maneira mais conveniente para a execução d'elles e tambem para o Thesouro e para o país (Apoiados).

Ora, pergunto eu a V. Exa. Sr. Presidente, se realmente o Governo cumpriu estas duas obrigações impreteriveis que lhe impunha a lei de 12 de junho de 1901?

Pergunto: as despesas publicas foram reduzidas?

Não foram, e, pelo contrario, foram augmentadas, e em muito, como terei occasião de demonstrar, como o Sr. Alpoim já demonstrou, e como o proprio Sr. Presidente do Conselho confessou, pois teve de dizer que, se é certo que essas despesas augmentaram, é tambem exacto que criou receitas para as contrabalançar, e que d'essas receitas ainda resultaram 3:000$0000 réis de economia!

Está provado, portanto, que o Governo faltou á primeira obrigação que lhe impunha a lei de 12 de junho de 1901; que, em logar de reduzir a despesa, a augmentou, e em muito. (Apoiados).

Página 13

SESSÃO N.º 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 13

Mas fez mais o Governo: em logar de simplificar os serviços, como lhe cumpria, fundamentado uns auctorizações da lei de 12 de junho de 1901, criou novos serviços, e criou-os, servindo-se não só da auctorização geral que lha concedia esta, lei de meios, mas de outras auctorizações anteriores, umas já caducas e outras que estavam incluidas nesta, lei de 12 de junho de 1901, não só, como eu já disse, por ser lei de meios, mas pela latitude que dava ao Governo para remodelar todos os serviços. (Apoiados).

Criou, por exemplo, o Sr. Presidente do Conselho, as escolas normaes de Coimbra, fundando-se, para isso, numa auctorização de 1897, que ha pouco o Sr, Arroyo disse, num dos raros argumentos que eu lhe pude ouvir por entre as graças e chistes da sua oração, que era de iniciativa progressista.

Quem o duvida? O proprio Sr. Alpoim o disse no seu discurso; mas qual foi a razão por que o Governo progressista não pôde criar essas escolas? Foi porque essa lei de 1897 não lhe dava auctorização para isso e porque essa medida trazia augmento de desposa; e donde que trazia augmento de despesa, não podia o Governo fazer essa reforma, visto que uma das suas obrigações era reduzir as despesas publicas.

Foram estes os motivos por que o Governo progressista não criou as escolas normaes de Coimbra.

Pois o Governo actual não teve duvida em criar essas duas escolas, com oito professores, a 450$000 réis, oito ajudantes, a 300$000 réis, e respectivos secretarios e porteiros; uma legião enorme, que augmentou em muito as despesas publicas, quando tal não podia fazer-se, porque a lei de 12 de junho de 1901 não dava auctorização para isso, antes pelo contrario obrigava o Governo a reduzir essas despesas, como já está demonstrado.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se encerrar a sessão.

Se V. Exa. quiser, pode concluir o seu discurso, de contrario reservo-lhe a palavra.

O Orador: - Eu já ha pouco tinha pedido a V. Exa. a fineza de mandar fazer a contagem, para, no caso de não haver numero, terminar por hoje as minhas considerações; portanto, peço a V. Exa. que me reservo a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é na quinta feira, 13 A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje e mais o projecto n.° 1.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 1/2 horas da tarde.

Representações enviadas para a mesa nesta sessão

Dos distribuidores do correio de Guimarães, pedindo que lhes seja mantida a disposição que lhes dava accesso á classe de terceiros distribuidores.

Apresentada pelo Sr. Deputada Vieira de Castro, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do Governo.

De varios professores primarios de Braga e Guimarães, pedindo que lhes seja conservada a gratificação de 3$000 réis, por cada alumno approvado, ou lhes seja concedido o subsidio de residencia, em razoavel proporção com os de Lisboa e Porto.

Apresentada pelo Sr. Deputado Visconde da Torre, enviada á commissão de instrucção publica, superior e especial, e mandada publicar no Diario do Governo.

O redactor interino = Albano da Cunha.

Página 14

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×