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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

14.ª SESSÃO

EM 6 DE MAIO DE 1905

SUMMARIO.- Approvada a acta e lido o expediente, o Sr. Claro da Ricca realizou o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Fazenda sobre o emprestimo para o caminho de ferro da Swazilandia e apresentou uma proposta. Respondeu o Sr. Ministro. - Renovaram iniciativas de projects de lei os Srs. Mendes Leal e Antonio Cabral. - O Sr. Arthur Pinto Bastos apresentou um projecto extinguindo para os officiaes do exercito e da armada o augmento tributario estabelecido pelo artigo 1.º da lei de 26 de fevereiro de 1892. - O Sr. Ribeiro Coelho requereu documentos. - O Sr. Jorge Gavicho apresentou um padecer da commissão de guerra.

Na Ordem do dia continuou a discussão do projecto de lei n.° 3 (Organização do exercito). Falou o Sr. Mendes Leal, respondendo-lhe o Sr. Serras da Conceição, tendo antes o Sr. Pereira de Lima trocado considerações com o Sr. Ministro da Fazenda acêrca da escrituração da Companhia dos Tabacos, em materia de partilha de lucros. - O Sr. Julio Dantas mandou para a mesa um parecer da commissão de guerra. - O Sr. Claro da Ricca trocou explicações com o Sr. Ministro da Fazenda. - Encerrou-se a sessão, marcando-se a immediata para o dia 8 do corrente.

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Presidencia do Exmo. Sr. Vicente Rodrigues Monteiro

Secretarios - os Exmos. Srs.:
Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 10 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 e meia horas da tarde.

Presentes - 61 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel Pereira de Andrade, Albino Augusto Pacheco, Alfredo Carlos Le Cocq, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Conde de Agueda, Conde de Carcavellos, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Conde de Sucena, Diogo Domingues Peres, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier da Silva Telles, Frederico Alexandrino Garcia Rarairez, Gaspar de Abreu de Lima, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, João Baptista Ribeiro Coelho, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras .Conceição, João de Sousa Bandeira, João de Sousa Tavares, Joaquim José Cerqueira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, José Augusto de Lemos Peixoto, José Augusto Moreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Ferreira de Sousa Junior, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Vicente Madeira, José Vieira Silva Guimarães, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Pedro Doria Nazareth, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde do Ameal, Visconde de Pedralva, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Entraram durante a sessão os Srs.: Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Proença de Almeida Garrett. Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Pereira,
Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Centeno, Antonio Homem de Gouveia, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Peixoto Correia, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Carlos Augusto Ferreira, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva, Euzebio David Nunes da Silva, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Correia Mendes, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João José Sinel de Cordes, João Monteiro Vieira de Castro, Jorge Guedes Gavicho, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Cabral Correia do Amaral, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Maria Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Simões de Oliveira Martins, Julio Dantas, Julio Ernesto de Lima Duque, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Francisco de Vargas, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno José da Silva Prezado, Miguel Pereira Coutinho (D.), Rodrigo Affonso Pequito.

Não compareceram á sessão os Srs.: Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alvaro da Silva Simões, Anselmo de Assis Andrade, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Antonio Tavares Festas, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Conde do Alto Mearim, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Maria Cerqueira Machado, José Affonso Baeta Neves, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias, Luiz Pizarro da Cunha de Porto Carrero (D.), Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Antonio da Silveira, Sertorio do Monte Pereira, Visconde de Guilhomil, Visconde da Ribeira Brava.

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SESSÃO N.° 14 DE 6 DE MAIO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do Ministerio do Reino, enviando, em satisfação ao pedido do Sr. Deputado Angusto Cesar Claro da Ricca, o projecto de reforma da instrucção secundaria.

Para a secretaria.

2.° Do Ministerio da Fazenda, enviando sete documentos fornecidos pela Direcção Geral da Thesouraria, que indicam a quantidade de moeda, com curso legal, em ouro, prata, nickel, cobre e bronze, satisfazendo assim o requerimento do Sr. Deputado Abel Pereira de Andrade.

Para a secretaria.

3.° Do Ministerio da Marinha e Ultramar, declarando não poder satisfazer por emquanto ao requerimento do Sr. Deputado José Joaquim Mendes Leal, por isso que a commissão encarregada de formular um plano de reconstituição da marinha de guerra ainda não concluiu os seus trabalhos.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Dou a palavra ao Sr. Claro da Rica, para a realização do, seu aviso previo ao Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Claro da Ricca: - Sr. Presidente: a opppsição regeneradora rejubila pelo facto de ver presente o Sr. Ministro da Fazenda.

Suppunhamos nós que S. Exa. emquanto Ministro não viria a esta sala antes da ordem do dia, e diga-se em abono da verdade, que a nossa supposição era bem fundada.

A S. Exa. foram communicados desde o primeiro dia da constituição d'esta Camara varios avisos previos; e, apesar d'isso, S. Exa. ou não tem vindo ás sessões, ou, quando o tem feito, é sempre depois da ordem do dia.

Mas antes tarde do que nunca, e por isso a opposição regeneradora rejubila com a presença do Sr. Ministro da Fazenda.

Accentuada esta nossa manifestação festiva, eu vou tratar de um assumpto que muitissimo interessa o paiz e que foi tratado pelo actual Sr. Ministro da Fazenda no ultimo interregno parlamentar. Refiro-me ao emprestimo da Swazilandia.

Perante V. Exa., Sr. Presidente, e a Camara, eu accuso o Governo de, na pratica d'esse acto, ter commetidop erros ruinosos para a fazenda publica accuso o Governo; de, na pratica d'esse acto administrativo, ter rasgado os mais queridos interesses do Estado, ter desprezado as mais leves noções de administração publica e esquecido os mais elementares principios de administração financeira.

Mas, como S. Exa. vae ouvir, não são declamações vagas, sonorosas e ôccas, simples invectivas e accusações injustas que eu acabo de formular. São accusações precisas e nitidas que eu vou demonstrar em face dos factos em si, é de documentos que com elles se prendem e que eu, como qualquer outro Sr. Deputado, consultei e compulsei.

Sr. Presidente: desejo chamar a attenção de V. Exa. para factos singulares que estamos presenceando.

Apesar dos nossos instantes esforços e ardentes desejos, é esta a segunda vez que a opposição regeneradora pode nesta casa do Parlamento apreciar um acto administrativo praticado pelo Governo durante o interregno parlamentar.

Ha dias, foi o Sr. Mendes Leal que, com a sua palavra lucida e nitida, muito bem accentuou o descurado zelo a superficialidade, o pouco amor á administração publica com que o Governo procedeu, em um acto que mais attinge e respeita ao bem estar presente e futuro dos officiaes do nosso exercito e de suas familias. Refiro-me ao regulamento publicado pelo Governo sobre promoções, no qual conservou disposições absolutamente desnecessarias e adoptou outras absolutamente contraditorias áquellas que estavam em vigor.

Em um assumpto d'essa latitude e que foi aqui tratado antes da ordem do dia, já a opposição regeneradora provou que o Governo tinha descurado e desprezado os mais sãos principios e o zelo que é indispensavel em todos os actos de administração publica.

Hoje levanta-se um outro Deputado que vae apreciar o emprestimo da Swazilandia, demonstrando que o Governo commetteu erros gravissimos e ruinosos para a administração publica, erros que causam graves prejuizos para a fazenda nacional, e com os quaes poz em risco flagrante os sagrados interesses do Estado.

Sr. Presidente, não me surprehende, digo a V. Exa. com toda a sinceridade, a apreciação que resultou, não só dos actos já praticados, como a que ha de resultar tambem das propostas pendentes do Parlamento e que já encontraram, na opinião publica, a mais formal e cathegorica opposição; não me surprehendeu igualmente que, tendo o actual Governo de construir, não conseguira mais do que demolir o que existia.

Quando o partido progressista estava na opposição ao partido regenerador só fez affirmações que hoje está desmentindo.

Assim, Sr. Presidente, d'aquelle lado da Camara, do meu humilde logar de Deputado da maioria, presenceei que o partido progressista em opposição ao Governo regenerador, alem de declamações sonorosas e de deturpações dos melhores actos dos Ministros, alem de apreciações sempre injustas, alem de denegrir constantemente não só as pessoas mas até caracteres, alem de tudo isso só fez duas declarações de caracter politico, a breve trecho rasgadas; e correspondentemente, quando subiu aos conselhos da Coroa, nunca apresentou aqui doutrinas salutares, propositos firmes de administração e orientação segura da governação que nos dessem a esperança de incutir alento aos seus partidarios e que pudessem despertar no paiz a confiança de que podia ter, num futuro mais ou menos proximo, uma epoca risonha e prospera.

Sr. Presidente: o partido progressista, quando opposição, demoliu em vez de construir, esquecendo o que devia aos interesses nacionaes, e nas cadeiras do poder está procedendo da mesma forma.

Dizia o partido progressista, pela boca dos seus membros, que nunca mais exerceria dictadura. Mas, chegado ao poder, não se cançou de fazer dictadura, durante o interregno parlamentar, até nas questões do regimen fiscal, e a respeito de auctorizações sabe V. Exa. que até na questão orçamental que está pendente existem nada menos de quinze pedidos de auctorização, qual d'elles mais importante, bastando citar como prova aquelle em que pede para dispor a seu bello talante de todos os titulos de divida publica na posse da fazenda.

Misturado com este pedido de auctorização, apresentou algumas medidas, umas inuteis, outras perigosas, e outras

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que representam a cornucopia das graças para conquistar a opinião publica, e que representam nem mais nem menos, do que a inutilização do trabalho honroso, o fructo constante e persistente do partido regenerador nos quatro annos da sua gerencia.

Mas, fechado este parenthesis, Sr. Presidente, vamos entrar, propriamente na questão que constitue o meu aviso previo - o emprestimo da Swazilandia.

Foi o partido regenerador que na sua ultima gerencia legislativa deixou na legislação disposições tendentes a levantar o porto de Lourenço Marques a permittir que se fizesse o emprestimo destinado ás obras, para que se pudessem continuar os melhoramentos já iniciados e se pudessem encetar outras obras extensivas a todos os portos da Africa do Sul.

Basta que se comprehenda que, sendo Lourenço Marques a chave da Africa Oriental, d'ahi devem derivar todas e quaesquer relações, quer commerciaes, quer industriaes que porventura se estabeleçam com a Africa Meridional.

'aqui, portanto, se infere a necessidade de novos portos, extensos caes, de todo o material indispensavel para carga e descarga.

Por isso mal se comprehendia que descurassemos uma necessidade economica, que tanto se impunha, como a construcção de um caminho de ferro que, avançando pelo interior e communicando com os diversos portos marititnos da Africa do Sul e depois, prolongando-se, pudesse aproveitar não só a região carbonifera mas tambem o grande emporio do Transwaal.

Porquanto, existem disposições legaes, da iniciativa do partido regenerador, que permittem ao Governo munir-se dos meios indispensaveis para avaliar o desenvolvimento do porto de Lourenço Marques e collocá-lo em condições de absoluta superioridade a respeito do porto de Durban que, de ha muito, se esforça por conquistar todas e quaesquer relações commerciaes e industriaes que a Africa do Sul mantem com outra qualquer parte da costa.

Os motivos, portanto, por cuja ponderação o Governo foi levado á pratica do pedido de auctorizacão não podem deixar de merecer os nossos sinceros applausos e o nosso apoio.

É, porem, a pratica do emprestimo que eu condemno e foi, Sr. Presidente, nessa pratica que o Governo errou, e errou muito gravemente, acarretando prejuizos importantes, desprezando os mais serios principios que constituem a sciencia da administração do Estado e descurando os mais caros interesses do paiz.

Sr. Presidente: o primeiro acto do Governo que chegou ao nosso conhecimento, relativo ao emprestimo do caminho de ferro da Swazilandia, foi uma portaria publicada no Diario do Governo, portaria singular que, convidando os bancos nacionaes a concorrerem a um emprestimo de 2.000:000$000 réis, estabelecia clara e taxativamente disposições relativas ás propostas que se apresentassem, mas sem uma condição em relação ás propostas, em si, não estabelecendo nem programma de concurso, nem caderno de encargos, nem o deposito definitivo. Quer dizer, estabelecia unicamente condições para a abertura das propostas.

Essa portaria appareceu no Diario do Governo e depois de um grande lapso de tempo nós só tivemos conhecimento d'ella pelas noticias dos jornaes.

Assim, lendo-os em 28 de fevereiro de 1905, vê-se a noticia de que fora aberto concurso, segundo as condições para as propostas e não para a abertura das propostas.

Dizem os jornaes d'essa epoca: (Leu).

Depois, em 11 de marco de 1905, diziam ainda os jornaes, sem que o Diario do Governo nada dissesse, que no Ministerio da Fazenda tinha sido assignado um contrato, adjudicando ao Banco Lisboa & Açores um emprestimo em que o Banco exigia a annuidade de 100:898$000 réis.

Note V. Exa. já o facto singular que vou expor.

O Governo não abriu concurso, fez unicamente um convite aos bancos nacionaes para concorrerem á realização do emprestimo. Houve duas propostas, ambas ellas ruinosissimas para o Estado, e o Governo escolheu uma, quando devia rejeitar as duas.

Este conhecimento, repito, só o tivemos pelos jornaes, porque só muito tarde, no dia 20 de março, é que no Diario do Governo appareceu um decreto autorizando o emprestimo e regulando a sua respectiva emissão.

Nesse decreto, nesse plano, vem consignado o seguinte, note V. Exa. bem:

(Leu).

Sr. Presidente: em primeiro logar vae V. Exa. ver que o Governo commetteu a mais flagrante e a mais clara dictadura. Isto resulta claramente da leitura d'essas disposições legaes e do acto a que me refiro.

O que é que diz o decreto do Acto Addicional de julho de 1903, pelo qual se autorizava o Governo a poder construir a l.ª e a 2.ª secção das obras do porto de Lourenço Marques?

O decreto auctorizava o Governo a construir a 2.ª secção, isto é, os muros de caes indispensaveis na extensão de 960 metros, a montante do segundo limite, a que ha pouco me referi; e ainda o decreto autorizava o Governo a construir os aterros necessarios para a salubridade de Lourenço Marques entre a ponte da capitania e a Ponta Vermelha, da mesma cidade.

O artigo 4.° de que o Governo usou para fazer o contrato, diz o seguinte:

(Leu).

As alineas a), b) e c) são as que estabelecem a auctorizacão para se construir a l.ª e a 2.ª secção e utilizar para posse do Governo a ponte construida pela Companhia Neerlandesa e ainda para construir o caminho de ferro da Swazilandia.

Mas o artigo 4.º do decreto com força de lei publicado em harmonia com o artigo 115.° da Carta Constitucional, diz:

(Leu).

Diz que o Governo ha de empregar, tanto quanto possivel, o emprestimo de 2.000:000$000 réis effectivos em ouro.

O Governo commetteu a mais flagrante dictadura, porque tinha de fazer um emprestimo de 2.000:000$000 réis em ouro, e não um emprestimo de 2.000:000$000 réis effectivos em moeda portugueza.

De modo que o primeiro acto que o Governo praticou em relação ao emprestimo, foi um franco acto de dictadura, pelo qual tem de pedir á Camara um bill de indemnidade. (Apoiados).

Nesta conformidade, tomo a iniciativa de mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a Camara releve o Governo da infracção legislativa que este commetteu ao n.° 4.° do artigo 1. ° do decreto com força de lei de l5 de julho de 1903, quando o applicou ao contrato do emprestimo da Swazilandia. = A. C. Claro da Ricca.

Mas, Sr. Presidente, alem de ter commettido um acto de dictadura, commetteu o Governo o mais grave erro para a fazenda publica.

O que é o contrato a que me refiro? Vae V. Exa. ver.

O Governo para receber 2.000:000$000 réis ficou a dever 2.700:000$000 réis.

Vendeu 270:000 obrigações a 7$400 réis, dando aos tomadores o lucro de 26 por cento; quer dizer, para receber 2.000:000$000 réis, ficou a dever 2.700:000$000 réis e vendendo 270:000 obrigações do valor de 10$000

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réis e de juro de 3 por cento a 7$400 réis, deu o Governo ao tomador um lucro de 26 por cento!

Os tomadores venderam-n'as a 9$350 réis e 9$500 réis cada uma, de modo que ganharam 536:500$000 réis. Suppondo que pagassem 50 réis por titulo a cada banco que collocasse metade das obrigações, porque metade, diz-se, foram collocadas directamente, e descontando a verba de 20:000$000 réis que pelo decreto fica a cargo dos tomadores, fica um lucro liquido para os tomadores de réis 500:000$000. Num emprestimo de 2.000:000#000 réis feito na occasião em que o nosso credito, felizmente, está robustecido e devido em grande parte á acção do Ministerio transacto, quando havia grande facilidade em collocar o emprestimo, fica o Governo a dever para obter 2000:000$000 réis, 2.700:000$000 réis, dando de lucro 500:000$000 réis!

Data de 1888 o primeiro emprestimo com premios que se estabeleceu em Portugal.

Pois comparando o actual emprestimo da Swazilandia com esse emprestimo de 1888, quando as condições monetarias da nossa situação economica-financeira eram infelizmente mais precarias, ha um desfavor flagrante em relação ao emprestimo da Swazilandia comparado com o emprestimo referido.

Quer V. Exa. ver qual é o confronto do primeiro emprestimo com premios, numa occasião difficil do nosso credito, com o actual emprestimo de Swazilandia, quando o nosso credito está, felizmente, robustecido?

No emprestimo de 1888 havia só 17:620 premios, no da Swazilandia ha nada menos de. 47:727; por consequencia é muito mais vantajoso. No emprestimo da Swazilandia os premios maioros são de 9:000$000 e 5:000$000 réis e no primeiro emprestimo eram menores.

Sabe V. Exa. a como o Governo entregou as obrigações do emprestimo de Swazilandia, muito mais vantajoso em juro real e em premios?

O emprestimo de 1888 foi entregue a 91 por cento, o da Swazilandia a 74 por cento, de valor nominal.

Eu trago como exemplo este emprestimo de 1888 por ser o primeiro que se fez com premios nas amortizações.

Sendo de 630 réis o juro de cada obrigação, e a sua cotação de 20$500 réis, resulta que o juro apparente - e eu não me refiro ao juro real por motivos que logo direi - era de 3$073 réis. Quer dizer: as obrigações de 1888, que estavam acceitas pelo publico com a maior facilidade e que tinham uma cotação de 20$205 réis, rendem 3$073 réis.

Pois sabe V. Exa. a quanto deviam ser vendidas as obrigações do emprestimo da Swazilandia para que, vencendo cada uma 300 réis de juro, rendessem o mesmo que as do emprestimo de 1888? A 9$762 réis.

Pois o Estado vendeu-as a 7$400 réis.

Assim se perdeu immediatamente 500:000$000 réis, e num prazo largo - no prazo de 75 annos - 1.800.000$000 réis.

Quer dizer: o acto do Sr. Ministro da Fazenda custou immediatamente ao Estado 500:000$000 réis que o Governo podia deixar de despender, e na amortização réis 1.800:000$000.

Imagine agora V. Exa. o que seriamos 1.800:000$000 réis que o Sr. Ministro da Fazenda fez perder ao Thesouro, applicados a obras ou monumentos, ou á instrucção, e quantos beneficios acarretaria este prejuizo grave de dinheiro que foi deitado á rua num momento de imprevidencia!

Mas vejamos agora o encargo real para o Estado, e nelle qual o juro apparente, sommado com os premios de amortização; isto é, quanto o Estado pagou em relação áquillo que representa o valor real.

O juro real que o Estado pagou para o emprestimo da Swazilandia fica comprehendido entre 4 5/6 e 4 7/8 ; o encargo real que resultou para o Estado do primeiro emprestimo com premios na amortização fica tambem comprehendido na mesma proporção. É necessario ver entretanto que então, quando foi contratado esse emprestimo, as condições eram muito diversas, o que mostra o desfavor d'esta operação.

Quando se emittiu o primeiro emprestimo com premios, em 1888, o fundo portuguez externo estava em Londres a menos de 61 1/4, e agora está a 69 por cento.

O encargo real para o Estado resultante do emprestimo de 1888, quando as circumstancias do nosso credito não eram tão boas como hoje são, e se ellas teem melhorado consideravelmente é isso devido á gerencia regeneradora, é exactamente o mesmo.

Porque? Porque o Sr. Ministro da Fazenda não attentou aos mais rudimentares preceitos de administração.

Sabe S. Exa., Sr. Presidente, qual é o encargo para o Estado resultante do emprestimo de 3 por cento, destinado á construcção do caminho de ferro da Swazilandia? É de 4/35. Exactamente no momento em que o paiz promette rejuvenescer e progredir!

O que tinha a fazer o Sr. Ministro da Fazenda? Era vencer e não commetter o acto de dictadura, deixando do cumprir o que estava disposto no Acto Addicional.

S. Exa. devia ter contrahido o emprestimo de réis 2.000:000$000, em ouro, que era para isso que estava auctorizado, e não contrahir o emprestimo em réis, ainda que o Acto Addicional o auctorizasse a fazer esse emprestimo.

(Leu).

Os bancos nacionaes fizeram duas propostas, ambas prejudiciaes aos interesses do Estado. O que restava fazer? Rejeitar ambas, e então o Sr. Ministro da Fazenda tinha dois caminhos a seguir: ou recorrer ao credito interno, seguindo o exemplo do partido regenerador que recorreu a elle, ou fazer a operação directamente por conta do Estado. Não ganhava assim o Estado réis 500:000$000?

O Governo tinha agora um optimo ensejo de salvar o Estado do encargo de l.800:000$000 réis, que de futuro se dá, sendo o immediato de 500:000$000 réis.

Não me alargarei em mais considerações sobre este ponto, porque hei de mais tarde, quando o projecto dos tabacos estiver em discussão, referir-me a elle largamente.

Estude V. Exa. o contrato, tal qual elle está, e verá que se o Sr. Ministro da Fazenda quizesse podia fazer as economias que apontei ha pouco!

O Sr. Visconde da Ribeira Brava (Áparte): - V. Exa. dá-me licença? É claro, devia-se ter dado mais isso á Companhia dos Tabacos, e para ficar melhor devia ser com 2 sobrescriptos, numero um e numero dois.

O Orador: - Se se tratasse de uma simples conversão eu acredito que não se podia.

Tomando o contrato como está e calculando-se o preço das obrigações a emittir pelo maximo de encargo ali marcado, haveria uma vantagem importante para o Estado, se o emprestimo para o caminho de ferro da Swazilandia fosse englobado naquella operarão, vantagem que, segundo o meu calculo, seria de 500 e tantos contos de réis.

Pelo emprestimo da Swazilandia o Governo fica a dever 2.700:000$000 rés e dá de lucros 500:000$000 réis.

Comprehende-se, repito, quantos serviços publicos impulsionaria e as vantagens que trazia ao commercio, se a verba de 1.800:000$000 réis fosse applicada aos interesses materiaes do paiz.

Dirá o Sr. Ministro : "Se o decreto publicado pelo Acto Addicional determinava que o emprestimo fosse contratado directamente com os bancos nacionaes, como queria o illustre Deputado que eu deixasse de cumprir as obrigações da lei?"

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Era trazer ao Parlamento uma proposta, visto que o contrato foi feito em vesperas da abertura das camaras, ou pedir ao Sr. Ministro da Marinha que pelo Acto Addicional publicasse um decreto munindo-se da auctorização para emittir directamente, ou incluir o emprestimos no dos tabacos.

Impondo-se essa medida como proveitosa para a Fazenda Publica, o Sr. Ministro da Marinha certamente não teria escrupulo em o fazer, por isso que não duvidou em auctorizar ao Banco Ultramarino a emissão de notas em ouro, sem que houvesse as reservas metallicas correspondentes.

Portanto bastava trazer ao Parlamento uma proposta, ou pedir ao Sr. Ministro da Marinha que pelo Acto Addicional modificasse a auctorização que fôra concedida ao Governo, acêrca d'este emprestimo. Essa modificação impunha-se para o Sr. Ministro da Fazenda deixar de cumprir um contrato que representa para o Estado uma perda de 500:000$000 réis e um prejuizo futuro de réis 1.800:000$000.

D'esta forma o Governo teria defendido importantes interesses do Estado e sabido conciliar as circumstancias do mercado com a necessidade urgente de acudir ao desenvolvimento do porto de Lourenço Marques.

O Governo commetteu dictadura e devia ter vindo pedir á Camara um bill de indemnidade; o Governo commetteu um erro grave, e não ha palavras bastantes para verberar o seu procedimento.

Sr. Presidente, termino mandando para a mesa a minha proposta.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas).

A proposta ficou para segunda leitura.

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Sr. Presidente: começarei por agradecer ao illustre Deputado o ter-se rejubilado com a minha presença na Camara, e ao mesmo tempo agradecerei aos illustres Deputados da opposição por se terem associado a essa manifestação de jubilo.

Realmente, eu compareço na Camara todas as vezes que é necessario e que posso, mas creia o illustre Deputado que não ha desconsideração nem tão pouco outro qualquer motivo para a minha falta de comparencia, como me parece que se declarou aqui na Camara em altas vozes.

Eu podia responder ao illustre Deputado como uma personagem de uma peça de Pinheiro Chagas, que, quando lhe perguntaram se sabia escrever, dizia que não costumava gabar-se de prendas que não tinha. Eu podia responder tambem que não costumo honrar-me das prendas que não possuo.

Ora; o illustre Deputado começou por dizer que o Governo tinha commettido erros e praticado iniquidades, e assim esperava, decerto, a Camara que S. Exa. se restringiria ao assumpto para fundamentar as suas accusações. Mas tal não succedeu; começou por fazer retaliações politicas, é a este respeito devo dizer que S. Exa. não perdeu nada com a demora na realização do seu aviso previo, porque deu-lhe occasião de falar largamente, e falar principalmente sobre a celebre questão dos tabacos, que é muito posterior á data do aviso previo annunciado por S. Exa.

Se eu não tivesse demorado a minha resposta, uma grande parte do discurso do illustre Deputado não teria razão de ser e S. Exa. portanto hão tomaria tanto tempo á Camara, occupando-se da questão referida.

Na verdade o illustre Deputado leu com pouca attenção os documentos que citou.

Posso affirmar a S. Exa. que eu nesta questão, como em todas que correm pela minha pasta, me tenho sempre preoccupado com os interesses do Estado. (Muitos apoiados da direita).

Vou abreviar as minhas considerações, porque desejo responder a todos os argumentos apresentados pelo illustre Deputado, se porventura argumentos houve.

Disse S. Exa. que o Governo tinha infringido a lei, e citou o decreto, mas não o citou bem, porque o decreto não fez mais do que applicar ao caminho de ferro da Swazilandia o que estava estabelecido para a primeira parte das obras de Lourenço Marques.

A base 4.ª diz:

(Leu).

Como explicação, e não como condição. (Apoiados).

O decreto, repito, não fez mais do que dar applicação á lei, e S. Exa. em vez de censurar o Governo, o que devia antes era louvál-o, (Apoiados) por saber que em tudo quanto respeita ás colonias a vantagem é que os capitães sejam nacionaes e não estrangeiros.

Sobre este ponto é esta a resposta que tenho a dar ao illustre Deputado.

O Governo podia fazer o emprestimos em réis ou em ouro, se quizesse. Não era obrigatorio.

Disse o illustre Deputado que "era melhor esperar que se fizesse o emprestimo da Companhia dos Tabacos". Mas como, se não se sabia os termos em que se podia fazer!

Ora o meu illustre collegA, o Sr. Moreira JUnior, tinha necessidade de dar immediatA execução ao caminho de ferro da Swazilandia e era necessario aproveitar a estação. Eu não podia seguir procedimentos anteriores: quiz iMmediataMente contrahir o emprestimo e assegurar absolutamente o seguimento dos trabalhos pela forma legal.

Queria S. Exa. que se esperasse, que se fizesse o emprestimo da Companhia dos Tabacos, sem saber se se podia realizar!...

O Sr. Claro da Ricca: - Peço a palavra.

O Orador: - Ora de mais a mais o illustre Deputado nem leu os documentos; sabe só o que dizem os jornaes. S. Exa. disse apenas uma cousa, que eu pasmo de ter ouvido!...

Não foi assim, no contrato foram inseridas todas essas clausulas. E tanto que no Diario do Governo vem o seguinte:

(Leu).

Aqui estão transcriptas as condições do contrato.

E o que responderam os bancos?

O que respondeu o Banco Ultramarino? Respondeu exactamente em harmonia com os nove artigos das condições do Governo.

Já se vê, pois, que isto não foi um simples convenio; foram as condicões restrictas e definidas, que não foram alteradas. (Apoiados).

A lei de 1899, que não é uma lei regeneradora, que é uma lei assignada pelo meu amigo o Sr. Villaça, porque o decreto não fez mais do que dar applicação a essa lei, diz expressamente que o emprestimos se contrataria com um banco nacional.

S. Exa. disse tambem que o Governo devia fazer a emissão publica. Ora a lei o que diz, em primeiro logar, é que o banco deve ser intermediario, e em segundo logar muito poucos são os Estados em que se podem fazer emissões publicas, porque mesmo as grandes nações, quando precisam fazer operações financeiras de grande tomo, teem sempre syndicatos de resistencia que as apoiam, e esses syndicatos teem um lucro no risco que correm.

O Sr. Claro da Ricca: - Ha uma confusão de facto. Em Portugal, recentemente, o Sr. Serpa fez uma emissão directa...

O Orador: - Ora V. Exa. vindo citar factos anteriores a 1890, é levar o estudo muito mais longe do que é necessario para falar acertadamente sobre este assumpto.

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SESSÃO N.° 14 DE 6 DE MAIO DE 1905 7

O Sr. Presidente: - Previno a V. Exa. de que faltam cinco minutos para se passar á ordem do dia.

(Interrupção do Sr. Claro da Ricca, que não foi ouvida).

O Orador: - O iilustre Deputado fala nos lucros, suppondo que o emprestimo fosse todo tomado. E se não fosse? Eu não sei nem quero saber, não me occupo com os lucros; o que sei é que o emprestimo foi tomado pelo Banco Lisboa & Açores.

O Sr. Clemente Pinto: - V. Exa. pode dizer-me se o emprestimo foi todo collocado?

O Orador: - S. Exa. podia melhor obter resposta dirigindo-se á Bolsa, do que dirigindo-se ao Ministro da Fazenda. (Muitos apoiados da direita).

O Governo sabe simplesmente que o Banco Lisboa & Açores tomou o emprestimo nas condições do programma que lhe foi apresentado.

Uma voz na esquerda: - Não se responde assim.

Outra voz: - O Sr. Ministro da Fazenda não póde responder assim a um Deputado.

O Orador: - Eu só posso responder o que sei.

Uma voz na esquerda: - V. Exa. está a irritar a opposição.

Outra voz: - Nós pedimos esclarecimentos e o dever do Governo é dá-los.

O Orador: - Eu affirmei o que sei, quanto ao mais não sei, nem quero saber. (Muitos apoiados).

O Sr. Clemente Pinto: - V. Exa. dá-me licença. (Accentua-se o sussurro).

Sr. Presidente: - V. Exs. não tem a palavra. Deu a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: - Eu o que desejava era que cada um falasse por sua vez; assim não posso responder, porque não ouço nada do que cada um diz.

O Sr. Clemente Pinto - Eu formulei uma pergunta e sou o primeiro a dar razão a S. Exa., mas preciso que me responda a essa pergunta.

O Sr. Presidente: - Nem V. Exa. nem o Sr. Ministro da Fazenda podem usar da palavra, porque deu já a hora de se passar á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que pediram a palavra e tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Claro da Ricca: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que V. Exa. consulte a Camara sobre se permitte que responda ao Sr. Ministro da Fazenda a proposito do aviso previo. = Ricca.

Foi rejeitado.

O Sr. Claro da Ricca: - Peço a palavra para antes de encerrar a sessão, estando presente o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Mendes Leal: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 128 de 1900, que tem por fim conceder a sobrevivencia da pensão de 240$000 réis ás filhas do Marechal de Campo José Athanasio de Miranda.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Manuel Fratel: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

De harmonia com o artigo 100.° do Regimento, tenho a honra de solicitar do Sr. Ministro da Fazenda resposta á representação da Camara Municipal de Sabrosa, sobre pagamento de contribuições em atraso, a que me referi na sessão de 1 de corrente. = Manuel Fratel.

Mandou-se expedir.

O Sr. Arthur Pinto Basto: - Mando para a mesa um projecto de lei extinguindo para os officiaes do exercito e da armada o augmento tributario estabelecido no artigo 1.° da lei de 26 de fevereiro de 1892.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Ribeiro Coelho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pela Direcção Geral de Instrucção Publica, me sejam enviadas com a possivel brevidade as seguintes notas:

1.° Nota do numero de alumnos que durante a vigencia do actual regimen de instrucção secundaria se matricularam nos lyceus do continente do reino, e dos que concluiram o 7.° anno do curso lyceal, especificando os lyceus e os annos;

2.° Nota do numero de alumnos actualmente matriculados nos lyceus do continente do reino, especificando classes ou annos e lyceus;

3.º Nota do numero de professores provisorios, auxiliares, extraordinarios ou interinos chamados a fazer serviço nos lyceus referidos, durante o actual regimen, e das despesas com elles effectuadas, devendo especificar-se os lyceus;

4.° Nota dos professores actualmente em exercicio nos lyceus, sem provimento por concurso, e dos seus vencimentos, especificando os lyceus;

5.° Nota do custo dos compendios adoptados nos lyceus, especificando as disciplinas. - J. B. Ribeiro Coelho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa a seguinte renovação de iniciativa do projecto de lei n.°84, tendente a abonar aos thesoureiros das alfandegas dos Açores e Madeira 1/2 por cento sobre os impostos municipaes que cobrarem.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Martins de Carvalho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro copia do relatorio da inspecção á agencia militar. = Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Jorge Gavicho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra, pelo qual a força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1905-1906 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

Foi mandado imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 3 (organização do exercito)

O Sr. Presidente: - Dá a palavra ao Sr. Mendes Leal.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Mendes Leal: - V. Exa. não dá a palavra ao Sr. Pereira de Lima para um negocio urgente?

O Sr. Presidente: - Só se o Sr. Deputado lhe cede a palavra.

O Sr. Mendes Leal: - Cedo-lhe a palavra, mas V. Exa. reservar-ma para depois.

O Sr. Presidente: - Na ordem do dia tinha a palavra o Sr. Mendes Leal, mas como o Sr. Pereira de Lima deseja tratar de um negocio urgente e o Sr. Mendes Leal lhe cede a palavra, vou consultar a camara sobre se permitte que S. Exa. trate do negocio urgente para que pediu a palavra.

A Camara, deferiu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Pereira de Lima.

O Sr. Pereira de Lima: - Sr. Presidente: agradeço á Camara o ter-me concedido á palavra.

Entre os documentos que pedi e que me foram enviados pelo Ministerio da Fazenda, vem o relatorio do ultimo exercicio da Companhia dos Tabacos, e entre parenthesis, agradeço ao Sr. Ministro da Fazenda a remessa d'esses documentos, procedimento que contrasta com o dos outros Srs. Ministros, que ainda até hoje não me satisfizeram ás requisições que tenho feito pelos seus Ministerios, embora creia nas suas boas vontades.

Sr. Presidente: como acabei ha pouco de dizer, entre os documentos que me foram enviados pelo Ministerio da Fazenda, vem o relatorio da Companhia dos Tabacos, e declaro a V. Exa. que não sou perito na alta philosophia sophistica da contabilidade, e por isso desejava fazer um pedido ao Sr. Ministro da Fazenda.

O pedido que desejo fazer é se S. Exa. se dignava officiar á Companhia dos Tabacos perguntando-lhe se ella permitte que um Deputado possa examinar alguns livros da cscripturação auxiliar, nas verbas que dizem respeito ás contas de lucros e perdas e de lucros illiquidos.

Sei que o Sr. Ministro da Fazenda não pode dispor da escripturação da Companhia dos Tabacos, mas S. Exa. pode rogar lhe a fineza de que um Deputado possa examinar alguns livros de escripturação auxiliar.

Estou certo de que, sendo este pedido feito pelo Sr. Ministro da Fazenda á Companhia, esta não deixará, de o attender.

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Não tenho duvida absolutamente alguma em transmittir á Companhia dos Tabacos o pedido do illustre Deputado. Mande S. Exa. para a mesa o seu requerimento, que immediatamente lhe darei andamento.

O Sr. Pereira de Lima: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço que, pelo Ministerio da Fazenda, se officie á Companhia dos Tabacos, para que esta me faculte o estudo e exame da sua escripturação, a fim de me elucidar sufficientemente sobre o relatorio e contas do ultimo exercicio da mesma Companhia. = J. M. Pereira de Lima.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Mendes Leal sobre o projecto n.° 3.

O Sr. Mendes Leal: - Em obediencia ás praxes parlamentares, começo por felicitar o illustre Deputado Sr. major Garcia Guerreiro, pelo brilhante discurso com que hontem se estreou nesta Camara.

Se o discurso de S. Exa. foi para alguem uma revelação do seu talento e educação scientifica, não o foi para mim que ha muito conheço e aprecio a alta illustração de S. Exa. e a sua brilhante carreira de official distinctissimo. (Apoiados geraes).

Felicitando pois o illustre Deputado, felicito tambem a maioria, por contar entre os seus membros um homem da envergadura de S. Exa.

Sr. Presidente: eu procuro ser sempre justo com os meus adversarios e sincero em todos os assumptos de que me occupo nesta Camara. Não me afastarei hoje d'essa regra, embora com a minha sinceridade tenha de ser desagradavel ao Sr. Ministro da Guerra, cujas medidas combato e cuja orientação governativa está em diametral e absoluta opposição com as minhas ideias.

A minha situação neste debate é difficil. Modesto capitão de infantaria, não me sinto, nem com a envergadura precisa para encarar tão importante assumpto á sua verdadeira altura (Não apoiados), nem para formar ao lado do illustre coronel do Estado Maior Sr. Rodrigues Ribeiro, que iniciou o debate, e muito menos para impugnar as opiniões do nobre Ministro da Guerra e do talentoso relator do projecto em discussão. Exporei, comtudo, o meu modo de pensar.

Sobre a minha modesta banca de trabalho, tenho - por dever de profissão - uma collecção de Ordens do Exercito, publicadas desde 1900 a 1904. Quer V. Exa. saber quantas paginas de leis, decretos, regulamentos, portarias e outras disposições diversas contém essa collecção? 11:000 paginas de legislação sobre materia militar!

Diga-me V. Exa., Sr. Presidente, que é um jurisconsulto notavel, que tem o seu nome ligado a alguns dos diplomas mais importantes da nossa legislação, diga-me o nobre Ministro da Guerra, que é um profisssional distinctissimo, se é conveniente para as instituições militares esta instabilidade na legislação, cortando constantemente a cohesão que deve haver em todos os seus elementos, a instrucção militar e a preparação para a guerra, para a qual todos nós devemos concorrer. (Apoiados).

Diga-me ainda V. Exa. se os interesses, bem entendidos, do pessoal e ainda das localidades podem estar á mercê dos caprichos do Sr. Ministro da Guerra. (Apoiados).

Hoje publica-se uma lei sobre Recrutamento, amanhã outra que não representa vantagens sobre a primeira; hoje publica-se um regulamento sobre qualquer ramo de serviço, amanhã outro sobre o mesmo assumpto sem o melhorar; hoje decreta-se uma organização do exercito, amanhã outra; hoje publicam-se umas instrucções, amanhã outras! (Apoiados) E assim se vae avolumando constantemente, com inconvenientes para a instrucção e para a administração do exercito, o corpo da nossa legislação militar, já difficil de consultar.

Parecia-me, pois, no interesse do exercito, que o Sr. Ministro da Guerra não devia propor ao Parlamento alterações ás nossas instituições militares, senão as que se impusessem por uma necessidade inadiavel, (Apoiados) e fossem precedidas de um longo e desapaixonado estudo.

Não é, porém, esse o criterio do Sr. Ministro. Pôr de parte a legislação de 1901, da iniciativa do Ministerio regenerador e substitui-la pela legislação de 1899, da iniciativa do Ministerio de que S. Exa. foi ornamento, é o criterio e o fim da proposta que está em discussão.

E não é porque essa legislação seja má, Sr. Presidente; é apenas, como S. Exa. confessa no seu relatorio, - se relatorio se pode chamar a meia duzia de linhas que precedem a proposta, porque é incompleta.

O Sr. Ministro da Guerra vem propor a substituição de uma organização incompleta por uma organização imperfeita, quando o que se impunha era completar o que estava incompleto e não substituir o que já de si é imperfeito, como confessa no seu relatorio.

E diz S. Exa. que não tem a intuição de anuullar a obra do seu antecessor!

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SESSÃO N.° 14 DE 6 DE MAIO DE 1905 9

Vejamos, Sr. Presidente, as propostas do Sr. Ministro da Guerra, a largos traços, porque não quero tomar muito tempo á Camara. O ser breve é tambem uma qualidade parlamentar, segundo ouvi dizer, ainda ha poucos dias, ao Sr. Ministro das Obras Publicas em resposta ao meu querido amigo Sr. Pereira de Lima, resposta em que S. Exa. confirmou a sua opinião tão brilhantemente que, sobre um projecto de caracter economico importante, foi tão breve que não disse nada, absolutamente nada. (Apoiados na esquerda). E o assumpto prestava-se excellentemente para S. Exa. nos expor as suas ideias sobre os problemas importantes da pasta que lhe foi confiada, ideias que ninguem conhece.

Eu, Sr. Presidente, não tomarei esse exemplo do Sr. Ministro das Obras Publicas; mas procurarei ser breve.

Analysando summariamente as propostas do Sr. Ministro da Guerra, não se admire V. Exa. se eu sair do campo restricto que está em discussão. Foi S. Exa. o primeiro que deu o exemplo. Respondendo ao discurso do Sr. Deputado João Franco, o illustre Ministro, defendendo o projecto, falou sobre promoções e sobre recrutamento. Sigo a mesma orientação.

Sr. Presidente: ouvi dizer ao Sr. Ministro da Guerra que S. Exa. não tinha a preoccupação pessoal de desfazer o que tinha feito o seu antecessor. Acreditando na affirmação do nobre Ministro, afigura-se-me comtudo que os factos parecem discordar da sua affirmativa. Seja, porém, como for, a sua obra é tão imperfeita e tão unanimemente reprovada pela opinião que não será difficil prever uma nova reforma, que se há de impôor; reforma que para bem de todos ha de fazer-se com os principios aconselhados pela sciencia e adequada ás nossas circumstancias, fora de todos os preconceitos pessoaes e partidarios.

Entrando no assumpto que está na tela do debate, permitta-me o nobre Ministro que eu estranuhe a apresentação ao Parlamento de uma tal proposta sem um relatorio circumstanciado que justifique as suas disposições. Mais ainda S. Exa. num só artigo, no corpo de um artigo unico, porque tal é a proposta e o projecto em discussão, propõe a revogação de disposições sobre materia de reformas, de justiça militar, de circumscripções territoriaes, da composição das differentes armas, reservas, etc.! E tudo isto num só diploma e com um só artigo, acompanhado de um pseudo relatorio, em que algumas disposições cuja revogação se propõe são fundamentadas em duas linhas, outras em uma, algumas em meia linha, e outras que nem meia linha lhe mereceram!

Ora eu pergunto a V. Exa. Sr. Presidente, se é regular trazer ao Parlamento um diploma assim instruido e organizado!

Como é que é possivel fazer-se uma discussão util e proveitosa de um projecto tão complexo e importante como este, sem um relatorio que largamente justifique a proposta, sem um largo estudo na commissão de guerra, que não teve, e sem uma discussão successiva, que não foi proposta, sobre os differentes assumptos do projecto!

Evidentemente, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Guerra não quer uma collaboração parlamentar, não quer uma discussão larga e proveitosa, quer apenas uma chancella para as suas propostas.

Este projecto é mais que um pedido de auctorização, porque, se o fosse, teria o Sr. Ministro da Guerra de vir ao Parlamento dar contas da maneira como tinha usado d'essa auctorização; é mais do que uma dictadura, porque teria de sujeitar ao Parlamento...

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - V. Exa. dá-me licença?

Essa questão é já conhecida; já foi aqui discutida.

O Orador: - O que tenho eu com á discussão que se fez em 1899? Eu discuto o projecto que está sujeito á apreciação da Camara.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Mas é uma questão conhecida de todos.

O Orador: - Mas eu, torno a repetir, nada tenho com a proposta que V. Exa. apresentou á Camara de 1899; tenho sim com a que V. Exa. nos traz agora, e nada mais. (Apoiados).

Vamos a ver qual o valor das alterações que S. Exa. propõe á legislação vigente.

Quaes são os principios novos aconselhados pela sciencia ou pela pratica em materia de recrutamento propostos pelo nobre Ministro? Torna a sua proposta mais effectiva a obrigação do serviço pessoal? Acaba com as remissões? Traz alguma cousa que represente melhoria em materia de recrutamento sobre a legislação actual?

Salvo o devido respeito, não me parece.

Áparte a disposição que permitte a baixa pela junta no primeiro anno de alistamento, as alterações propostas são injustas, umas, outras inconvenientes e sem vantagens, (Apoiados).

E quer V. Exa. ver porque são injustas e inconvenientes algumas disposições? S. Exa. introduz na lei uma disposição pela qual as camaras municipaes ficam obrigadas a pagar um subsidio aos amparados pelos mancebos que veem para o serviço.

As circumstancias angustiosas em que vivem quasi todas as camaras municipaes, posso dizê-lo por experiencia propria, porque já tive a honra de governar mais que um districto, não permittem nem sequer occorrer aos encargos absolutamente inadiaveis.

O Sr. Serras Conceição : - A commissão de guerra é de opinião que se pode tirar da proposta essa disposição.

O Orador:.- Aqui tem o nobre Ministro a commissão de guerra a concordar commigo e a não dar razão a S. Exa.

Melhor seria estudar convenientemente o assumpto antes de se propor qualquer alteração.

Se S. Exa. tivesse pensado melhor, teria nomeado uma commissão...

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - As commissões não servem para nada.

O Orador: - Elias que lhe agradeçam o conceito.

Mas não ficamos por aqui. O que serviu de criterio a S. Exa. para modificar a constituição das juntas?

Discutiu se na commissão de guerra em 1901 uma proposta do Sr. Pimentel Pinto sobre este recrutamento. Tive a honra de fazer parte da commissão de guerra nessa legislatura. Entre os membros d'essa commissão havia um medico militar distincto que defendeu a conveniencia de modificar-se a constituição das juntas, então proposta, constituição igual á que o Sr. Ministro agora traz ao Parlamento, dizendo que não ficando em maioria os medicos nas juntas era preferivel ficar o medico com voto consultivo a ficar com voto deliberativo em assumptos technicos, e ser vencido por os votos dos dois officiaes que não eram technicos.

Assim se fez, e essa modificação deu bons resultados, não me constando que tenha havido reclamações.

A que criterio obedeceu o nobre Ministro para propor essa alteração?

O Sr. Pereira Cardoso: - Deu mau resultado, os hospitaes estão cheios de invalidos...

O Orador: - Eu não duvido da palavra do illustre Deputado, mas em discussões d'esta natureza são necessarias provas e argumentos.

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O voto deliberativo do medico contra os dois votos dos outros dois membros da junta não dão mais garantia ás inspecções que o voto consultivo.

Vejamos ainda, Sr. Presidente, a questão das remissões.

Admittido o principio das remissões parecia-me razoavel a facilidade e o abaixamento do seu preço para poderem tambem aproveitar-se das suas vantagens os menos protegidos da fortuna. Vejo, porém, que só se facilitara aos que podem pagar, aos ricos, tornando impossivel a remissão aos menos abastados. Não é justo.

Dirá o nobre Ministro, e não desconheço o valor do argumento, que o systema desorganiza muito os serviços. É verdade, mas tudo tem inconvenientes, e a justiça do principio da legislação actual sobre o assumpto é maior que o inconveniente apontado.

Nada do que S. Exa. propõe augmenta as boas disposições que já tinhamos em materia de recrutamento.

Tambem o nobre Ministro, Sr. Presidente, propõe algumas alterações á lei de promoções. E a proposito de promoções, permitia S. Exa. que lhe diga que este capitulo foi o seu Calvario e ha de continuar a sê-lo; foi-o em 1899 com a base 17.ª, e sê-lo-ha agora, se não reconsiderar sobre o assumpto.

E tambem ha de ser o calvario do Sr. Presidente do Conselho, que promoveu, com desprezo dos antigos e tradicionaes principios sobre o assumpto, o Sr. Eduardo José Coelho a Ministro do Reino, aproveitando-se da ideia do Sr. Ministro da Guerra.

Efectivamente o Sr. José Luciano promoveu o Sr. Eduardo José Coelho pela base 17.ª

(Interrupção do Sr. Correia Mendes, que não foi ouvida).

Ora S. Exa. vae ver; pela legislação, isto é pelos principios, que até aqui regulavam o assumpto, sempre que se dava uma vaga no Ministerio, fazia-se o seu provimento pela antiguidade, que, nestes casos, era dado pelos serviços politicos excepcionaes feitos ao partido, pela capacidade intellectual e pelo valor parlamentar.

Em harmonia com os preceitos tradicionaes a vaga de Ministro do Reino, que é a primeira na hierarchia ministerial, devia naturalmente ser provida no partidario mais cotado pelos serviços politicos e partidarios, pela sua capacidade e pelo seu talento. Ora não era isso o que convinha ao Sr. Conselheiro José Luciano, que desejava promover o Sr. Eduardo José Coelho.

O que fez então? Não lhe convindo a antiguidade como até aqui era contada, pôz de parte os velhos principios e contou ao antigo Ministro das Obras Publicas, para a promoção a brigadeiro do Reino, a sua antiguidade pela sua primeira entrada no Ministerio. É a base 17.ª, pura applicada á recomposição ministerial. (Apoiados). Eu não contesto as qualidades do Sr. Eduardo José Coelho para aquella pasta, mas estava atrasado, e se não fosse a base 17.ª arriscava-se a ser attingido pelo limite de edade antes da promoção.

E ainda bem que o Sr. Ministro da Guerra deu ao Sr. Presidente do Conselho esta ideia genial, porque, se não lh'a d'esse, S. Exa. preteria com certeza todos os candidatos illegalmente para poder promover o Sr. Eduardo José Coelho. Assim, preteria o Sr. Alpoim por mau comportamento politico, o Sr. Espregueira por estar em serviço estranho ao Ministerio, o proprio Sr. Sebastião Telles por ter pouco tempo de serviço, o Sr. Moreira Junior por não chegar á craveira e o Sr. Villaça por pouco tempo de tirocinio na escola pratica dos Navegantes. Os outros seriam provavelmente, tambem preteridos porque, uns estão na inactividade por doença, e outros, dizem que por castigo.

Este criterio ha de ser opportunamente applicado ao Sr. D. João de Alarcão, que pela lei dos quintos foi promovido a Ministro das Obras Publicas.

Pedindo desculpa a V. Exa. e á Camara d'esta pequena digressão, volto ao assumpto.

Dizia eu ha pouco que as promoções teem sido o calvario do Sr. Ministro da Guerra, hão de continuar a sê-lo, e, no estado actual da questão, sê-lo-hão tambem para qualquer Ministro que succeder a S. Exa. sempre que, alterando a lei actual, não proponha uma lei de promoções á altura das necessidades do exercito e do paiz. Se um exercito vale o que vale o quadro dos seus officiaes - e essa é a verdade - é preciso fazer uma boa lei e não modificar umas disposições que, sendo acceitaveis como estão, ficam insustentaveis com as modificações propostas.

Em que principios se funda a criação dos alferes de primeira classe, que ficam com um vencimento superior ao de tenente, quando promovidos a este posto?

Que vantagem ha em acabar com a promoção por diuturnidade ao posto de tenente? Se em alguns corpos ha falta de tenentes e só ha alferes, não tem o Sr. Ministro nas suas attribuições a faculdade de fazer as transferencias aconselhadas para necessidade do serviço?

Isto não se comprehende.

Outra disposição infeliz do Sr. Ministro da Guerra foi a alteração proposta aos limites de idade.

Estou convencido, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro da Guerra propoz a alteração do que estava estabelecido por entender que isso era conveniente ao serviço e não determinada por considerações pessoaes ou partidarias; faço-lhe essa justiça; é porem, necessario que os Srs. Ministros sejam como a mulher de Cesar.

(Interrupção do Sr. Vilhegas do Casal).

O Orador: - Era mais prudente, Sr. Presidente, e até mais regular não se ter levantado a questão dos limites de idade. O Sr. Ministro da Guerra sabe perfeitamente que eu neste ponto falo com a auctoridade de quem assistiu e tomou parte em uma larga e até apaixonada discussão sobre o assumpto, concluindo-se por uma proposta em que esses limites eram abaixados e não levantados.

A questão dos limites de idade é muito grave e a sua alteração, a dar-se, tem de ser precedida de um rigoroso estudo por quem tenha competencia especial, esteja fora de suspeições e sobre tudo do ambiente da politica partidaria. Se me refiro a este assumpto, Sr. Presidente, foi porque o Sr. Ministro da Guerra se referiu ás promoções no seu ultimo discurso.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Eu não discuti a questão, fiz ligeiras referencias ao assumpto. O illustre Deputado não pode alterar o que eu disse. Não dei esse exemplo á Camara; quem o dá é S. Exa.

O Orador: - Dizendo V. Exa. que a questão das promoções era uma questão aberta e fazendo referencias a ella, parecia-me que não seriam de todo perdidas para a commissão de guerra as observações que eu estava fazendo.

Vou, porém, provar a V. Exa. que, falando no assumpto, estou na ordem do dia, porque sem essa boa lei de promoções, que é necessario fazer-se, nem se pode organizar o exercito, como V. Exa. e todos desejam, nem elle pode ficar á altura da sua elevada missão.

Sr. Presidente: estamos aqui para dizer a verdade. Eu tenho por todos os meus superiores o mais profundo respeito, mas isso não me impede de affirmar que, se os nossos generaes teem todos a competencia profissional que podem ter num meio acanhado como o nosso, o generalato em absoluto não está, infelizmente, á altura da sua grande e elevada missão. Sem uma lei de promoções que permitta levar a esse ponto as mais altas competencias scientificas e profissionaes do exercito, sem uma lei que

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permita o accesso aos mais competentes, que estão acorrentados ao principio esterilizador de uma antiguidade intangivel, não pode haver bons quadros, não pode haver generalato, não se pode emfim fazer uma boa reforma do exercito. Tudo o que se fizer, ha de ser provisorio, pequeno, e até contraproducente.

Também me não parece facil, pelo menos por ora, organizar o commando em chefe. Não o pode exercer El-Rei, porque não lho permitte a nossa lei constitucional Qualquer outra entidade ha de ser subordinada ao Ministro, e ao pessoal que o devia constituir falta-lhe, pelo menos por ora, pelas razões já expostas, o alto valor mora resultante das altas e reconhecidas competencias profissionaes que seriam indispensaveis.

Não me demorarei mais em considerações sobre este assumpto, porque o nobre Ministro da Guerra parece mostrar-se contrariado com as minhas referencias a um assumpto tão importante, e que tanto se prende com o projecto em discussão.

A proposta de subsidios não resolve a questão fundamental da economia dos officiaes; nada representa em vista das suas necessidades; o que é preciso fazer-se uma revisto acertada das tabellas de vencimento.

Não me referirei mais largamente ao assumpto, guardando para outra occasião as considerações que me foram suggeridas pela proposta. Só direi que o Sr. Ministro com a sua proposta vae tornar mais insistentes e até perigo sãs as reclamações sobre este assumpto.

No seu ultimo discurso affirmou o Sr. Ministro que uma commissão technica podia estudar uma organização do exercito, mas que prendendo-se demasiadamente com o principios não apresentaria trabalho adequado ás circumstancias do Thesouro, e que só os Ministros podem fazer uma organização militar viavel.

Sr. Presidente: eu não me conformo, com a theoria do nobre Ministro. Nem as sciencias militares, nem as sciencias sociaes, nem o conhecimento do estado da Fazenda Publica são monopolio do Sr. Sebastião Telles ou de qual quer Sr. Ministro, por maior que seja o seu valor.

O Sr. Ministro é dos officiaes mais illustres que tem o exercito, mas falta-lhe, como a outro qualquer, pelos ser viços especiaes que distinctamente tem desempenhado, o conhecimento do conjunto dos variadissimos detalhes de serviços que só as commissões com pratica d'esses serviços podem ter.

Só uma commissão formada por officiaes competentes, e até por estadistas, é que poderia fazer uma organização apropriada ás nossas condições actuaes, tendo em vista a nossa situação politica, economica, internacional e colonial, os principios da sciencia social e militar, secundariamente a parte financeira e só subsidiariamente os interesses do pessoal e as conveniencias e reclamações das locallidades. Uma nação que quer viver, precisa, antes de tudo, de preparar o seu orgão de defesa.

Uma commissão, attendendo a tudo isto, pode realmente fazer uma boa organização do exercito; e é necessario que se faça, porque não podemos deixar de acompanhar a evolução que vae transformando tudo, manifestando-se já a tendencia para o exercito ser constituido, não o por uma parte da nação, mas pela propria nação. (Apoiados).

Vejamos agora mais de perto o projecto em discussão, que mal pode ser discutido pela complexidade dos assumptos que o constituem, e pela falta de elementos que o esclareçam.

Em 1901 o Ministro da Guerra da situação regeneradora que nós minoria, então maioria, apoiavamos, trouxe a esta Camara, além de outras, uma proposta de lei de organização do exercito, e uma proposta sobre promoções. O projecto em discussão sobre organização do exercito foi apresentado, se bem me recordo, a 11 de abril de 1905; pois, passados poucos dias, era apresentado pelo illustre relator da commissão o seu parecer, não podendo ter a commissão mais de quatro ou cinco sessões para apreciar um projecto deste alcance e importancia!

Nós, na commissão de guerra de 1901, só com a proposta de lei de promoções, gastámos mais de doze ou quinze sessões; a commissão de guerra actual para apreciar uma proposta de reorganização do exercito, alteração á lei de reformas, reservas, justiça, circunscrições territoriaes, etc., gasta quatro ou cinco sessões!

Pois, Sr. Presidente, sem proposito de censura, ou menos consideração pelos meus collegas, sempre direi, que d'aquella commissão, áparte a minha modesta indivualidade, faziam parte officiaes distinctos e com boa vontade de acertar e servir o seu paiz. (Apoiados).

A proposta da organização de 1901 foi largamente estudada na commissão de guerra e se não foi discutida na Camara foi porque acontecimentos politicos conhecidos o não permittiram. Publicada em dictadura, foi mais tarde apresentado ao Parlamento o bill de indemnidade que poderia ter sido discutido pela opposição parlamentar, e nem o Ministro de então nem a maioria que o acompanhava fugiriam a essa discussão.

O Sr. Ministro no seu relatorio tão escasso de elementos de apreciação e de justificação da sua proposta, que chega quasi a ser desattencioso para o Parlamento, e que é uma provocação ao partido regenerador quando pretende exautorar a sua obra, lembrando-lhe a origem dictatorial, apenas nota que a legislação do seu antecessor é incompleta. Pois estude os meios de a completar; é preferivel isso a substitui-la por uma organização que confessa defeituosa.

Se não havia nada que aconselhasse a pôr de parte a organização de 1899, que factos se deram que aconselhem a pôr de parte a de 1901? Ser incompleta sem mostrar a impossibilidade de a completar já ou num futuro proximo, não é razão acceitavel.

Propõe o Sr. Ministro a suppressão do conselho de guerra da 2.ª divisão e que foi criado por decreto do executivo de 14 de novembro de 1901. A commissão, e ainda bem, não teve uma palavra para justificar essa suppressão. O Ministro da Guerra anterior ao Sr. Sebastião Telles, attendendo ás representações que lhe fizeram as entidades competentes, criou o conselho de guerra na 2.ª divisão, no uso de uma faculdade que lhe era conferida polo § 3.° do artigo 138.° do decreto de 7 de setembro de 1898. Pergunto: o artigo 138.° está revogado?

A faculdade conferida ao Ministro de estabelecer ou reduzir os conselhos de guerra nas divisões, quando as circunstancias mostrarem a sua necessidade, está revogada? Não conheço disposição alguma posterior que o fizesse, e a não ser que o Sr. Ministro ou algum Sr. Deputado me prove o contrario, continuo a suppor que é uma faculdade do Ministro da Guerra estabelecer ou supprimir os conselhos de guerra nas divisões, nos termos do artigo 138.º do decreto de 7 de setembro de 1899 da responsabilidade do actual titular da pasta da guerra. Para que traz S. Exa. na sua proposta uma disposição desnecessaria?

Sr. Presidente: os conselhos de guerra são tribunaes de excepção, que, não representando um favor para a classe, são uma garantia para a boa administração da justiça militar. A alta illustração de V. Exa. e da camara dispensam-me de considerações sobre o assumpto e de largas citações para as apoiar. Direi comtudo que ninguem pode contestar que os conselhos de guerra não sejam indispenaaveis á disciplina e aos principios da justiça social e militar que é necessario manter. O militar deve ver sempre no seu superior o seu juiz.

Também é certo que uma divisão deve conter em si todos os elementos para poder viver independente. Deve ter, portanto, organizados todos os seus serviços, e por consequencia os seus serviços de justiça, os seus conselhos de guerra.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Dirá S. Exa. como objecção a este meu modo de ver que a razão em que se funda para propor esta suppressão é de caracter economico, principalmente.

Admittamos essa razão e vejamos qual é a economia que resulta da suppressão do conselho de guerra da 2.ª divisão.

Os conselhos de guerra teem na sua composição uma parte permanente e outra que se renova. A permanente é constituida pelo auditor, pelo promotor e pelo defensor, e portanto a despesa é apenas a differença de gratificações, se a houver, do promotor e do defensor e o ordenado do auditor. No pessoal que se renova, ha apenas subsidio de residencia e nem sempre. É pois uma despesa relativamente insignificante.

Pergunto: a quanto montam as despesas que se fazem com o transporte dos presos de uma divisão para a outra e com o transporte das escoltas que os acompanham? Sommem-se estas despesas, attenda-se ás distancias que é necessario percorrer, e feitas bem as contas é natural que se não encontre uma grande differença.

Mas suppondo que se encontra, nem assim pode admittir-se a suppressão, porque é necessario ver que com ella, se torna mais morosa a applicação da justiça na divisão, e que portanto, se augmenta illegalmente a prisão preventiva, circumstancia esta que não é secundaria, porque pode dar em resultado aggravar-se uma pena, que a dar-se com um innocente, não e caso de somenos importancia. Não ha pois razão, que justifique a suppressão do conselho de guerra que funcciona em Viseu. Nem as exigencias da economia, nem os principios da organização judiciaria aconselham tal medida.

Apesar de ter sido largamente tratado pelo meu illustre collega Sr. coronel Ribeiro, o assumpto das circumscripções territoriaes, referir-me-hei ainda a elle.

Esta questão, Sr. Presidente, é uma das mais graves, não só sob o ponto de vista militar, mas ainda sob o ponto de vista politico e administrativo. Para prova da minha affirmação, basta dizer a S. Exa. que no nosso regimen constitucional, que eu conheça, ha, entre aquellas que se teem executado e as que se teem proposto, pelo menos, dezasete ou dezoito projectos de divisão do territorio sob o ponto de vista politico e administrativo.

Já V. Exa. vê como esta questão é importante e difficil e quanto cuidado deve haver para a sua resolução.

Varias teem sido as tentativas no sentido de resolver este importante problema militar, mas quasi todos os trabalhos sobre a circumscripção territorial, baseados em condições de ordem geographica e de ordem estrategica, reconheceram que o paiz deve ser dividido em seis circumscripções.

Mas se o problema é em si difficil, se é controvertido, se por um lado se affirma que não podemos ter no momento actual, mais do que quatro divisões, ao mesmo tempo que opiniões tambem autorizadas "afirmam que podemos e devemos organizar seis, aconselha a prudencia que sobre o assumpto se faça um estudo um pouco mais demorado. É este o meu criterio; poderá não ser bom, mas é sincero.

Sr. Presidente: ainda para um outro assumpto desejo chamar a attenção do nobre Ministro da Guerra. É para a parte do projecto que altera a reforma por equiparação cuja ideia generosa é devida a S. Exa., em 1899.

Representou a sua proposta de então um principio de justiça indiscutivel e eu, se tivesse a honra de fazer parte d'esta Camara nessa occasião, não duvidava dar-lhe o meu voto. Não são tão desafogadas as condições dos officiaes que o projecto não representasse nessa occasião e ainda hoje um acto de justiça. A equiparação papa a reforma, não representando um grande aggravo das despesas publicas, é sem duvida justificavel.

O decreto de 1901, admittindo o principio do legislador de 1899, aprefeiçou-o, determinando que o official no acto da reforma por equiparação aproveitasse sempre o seu tempo de serviço militar, embora o official que dava a equiparação não tivesse o mesmo tempo de serviço. Era um beneficio justo, que aggravando pouco o Thesouro, beneficiava alguns officiaes atrazados sem prejudicar ninguem. O criterio da economia hoje allegado não é sufficiente para justificar a revogação em parte do decreto de 19 de outubro de 1901. (Apoiados).

Tenho dito.

(Vozes: - Muito bem).

O Sr. Julio Dantas (por parte da commissão de guerra): - Mando para a mesa um parecer da commissão, de guerra.

Foi a imprimir.

O Sr. Serras Conceição: - Entra nesta discussão absoluta e inteiramente desprevenido de quaesquer considerações politicas, porque o assumpto não se presta a preoccupações d'esta natureza.

Ao pedir a palavra, não o moveram quaesquer suggestões de partidarismo e, ao usar d'ella, ha de pôr de parte todas as suas sympathias e antipathias politicas, para encarar a questão unicamente como a consciencia o aconselha, sobretudo quando se trata dos mais altos interesses, os interesses do exercito, cuja reorganização se discute.

Desde a sua mocidade que milita no partido progressista, e tem-o servido com enthusiasmo e dedicação, mas, quando se trata de questões referentes ao exercito, adoptou de ha muito, para si, uma linha de completa imparcialidade.

Reconhece o direito a todos de entrarem nas discussões, conforme o seu temperamento e convicções politicas; entende porém que o exercito lucra muito mais, quando os seus interesses mais vitaes forem tratados e illustrados, nesta Camara, numa discussão desapaixonada, serena e classica.

Seguindo-se, no uso da palavra, ao illustre Deputado Sr. Mendes Leal, não lhe cabe, entretanto, a honra de responder a S. Exa. porquanto o illustre Deputado fez apreciações genericas e só muito ligeiramente atacou o projecto. E, quando um parlamentar da envergadura de S. Exa., a quem elle, orador, folga de prestar homenagem, pelas suas altas qualidades, quando S. Exa., dispondo de uma palavra tão prompta e viva, em logar de atacar o projecto em discussão, no que elle tem de substancial e fundamental, se espraiou em considerações diversas, sempre com brilho e elevação, sim, mas, em todo o caso afastado do assumpto que se discute, quando assim procede um homem do valor intellectual de S. Exa. é porque, evidentemente, reconhece que um projecto, como este, é inatacavel.

Ao apreciar o projecto em discussão depara-se-lhe, em primeiro logar, que a questão se resume no seguinte: estão em confronto, de um lado, a organização de 1899 da responsabilidade do Governo progressista e da iniciativa do actual Sr. Ministro da Guerra; e do outro lado todas as modificações introduzidas naquella lei pelo Governo regenerador, e devida á iniciativa do Sr. Pimentel Pinto.

Se lhe perguntarem, a elle, orador, appellando para a sua consciencia, se julga que a organização de 1899 é perfeita, responderá immediatamente que não está convencido d'isso, se se tiver unicamente em vista os preceitos de uma organização do exercito, meditada e concebida por um Ministro da Guerra, no remanso do Gabinete.

Se porém os homens praticos, porque todo o politico tem obrigação de ser pratico e positivo, encararem a organização de 1899, em relação ás circumstancias da occasião, serão forçados a confessar que a organização de 1899 é boa, é a melhor que temos tido e a que melhor se amolda á que actualmente se encontra em discussão.

Pelo que respeita á organização de 1901, não dirá que

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SESSÃO N.º 14 DE 6 DE MAIO DE 1905 13

ella é absolutamente má; attendendo porém ás circumstancias do paiz, concorda em que ella está longe de ser relativamente boa.

Quanto á divisão do territorio em quatro circumscripções militares, segundo a opinião de uns, e em seis, segundo a opinião de outros, observa que já na ultima sessão o illustre relator demonstrou, claramente, que nós não podemos ter mais de quatro divisões. E com effeito, as circumstancias do paiz assim o demonstram.

Neste ponto expõe o orador desenvolvidas considerações em reforço da sua opinião sobre o assumpto, acrescentando depois que no dar o seu voto em favor do projecto, fica perfeitamente tranquillo com a sua consciencia; e que se lhe fosse possivel, passando uma esponja sobre os ultimos trinta annos, iniciar uma vida nova para o exercito, realizaria assim a sua aspiração.

Não daria o seu voto a qualquer alteração que viesse prejudicar, a boa administração do exercito; não haveria, nem disciplina partidaria, nem consideração pessoal, por maior que fosse o respeito que tivesse pelas pessoas, que o obrigasse a votar contra a sua consciencia.

Conclue, affirmando que o projecto actualmente em discussão tem em vista unicamente melhorar as condições do exercito.

(O discurso do illustre Deputado será publicado na integra quando devolver as respectivas notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Oliveira Simões.

O Sr. Oliveira Simões: - Sr. Presidente: como um Deputado d'este lado da Camara pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, desejava que V. Exa. me dissesse quanto tempo me resta para falar.

O Sr. Presidente: - Ainda falta meia hora para se encerrar a sessão, mas se S. Exa. entende que este espaço de tempo não lhe é sufficiente, eu posso reservar-lhe a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Oliveira Simões: - Desejo ficar com a palavra reservada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para explicações o Sr. Claro da Ricca.

O Sr. Claro da Ricca: - Sr. Presidente: pedi a palavra para explicações, e a explicações limitar-me-hei, sem frisar, o que decerto me seria facil, que o Sr. Ministro da Fazenda deixou de pé as affirmações que ha pouco fiz.

O Sr. Ministro da Fazenda tem o direito de contrapor aos argumentos da opposição os argumentos que quizer; mas o que S. Exa. não deve é deturpar as nossas palavras ou transformar os nossos pensamentos. Contra isto é que eu me insurjo com toda a energia.

Disse o Sr. Ministro da Fazenda que eu tinha salientado, no decorrer do meu discurso, maior cuidado pelos interesses do syndicato tomador do emprestimo, do que propriamente pelos interesses do Estado.

Eu não disse semelhante cousa; disse absolutamente o contrario.

E como esta affirmação do Sr. Ministro da Fazenda pode envolver uma insinuação afrontosa para a minha dignidade, repito o que ha pouco affirmei.

O que eu disse foi que nada tinha com o syndicato tomador que defendeu os seus interesses, e até o applaudo por isso.

O Governo é que procedeu mal, porque não defendeu os interesses do Estado.

Foi por este motivo que fiz o meu aviso previo.

Feita esta rectificação, espero da dignidade de caracter de S. Exa. que me dará as devidas explicações.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Manoel Affonso de Espregueira): - Vou responder ao Sr. Claro da Ricca.

Queixou-se S. Exa. de eu ter deturpado as suas palavras. Tenho apenas a dizer ao illustre Deputado, em resposta a este ponto, que não pretendi senão demonstrar que me tenho preoccupado unicamente com o que diz respeito aos interesses do Estado e nada mais.

Se S. Exa. julgou que nisto houve alguma intenção, offensiva, pode ter a certeza de que não me passou pela mente a ideia de o offender. Mais ainda. Se o tivesse feito seria corresponder com ingratidão, visto que S. Exa. começou o seu discurso, rejubilando-se por me ver na Camara.

Se elevei alguma vez a voz foi por que estava sendo interrompido constantemente.

Falando cada um dos Srs. Deputados por cada vez, responderei a todas os suas considerações.

Dada esta explicação, o illustre Deputado Sr. Claro da Ricca deve ficar satisfeito, e todos os illustres membros da Camara devem ficar convencidos de que não é meu desejo deturpar factos ou dirigir offensas á dignidade de alguem. (Apoiados).

O Sr. Ministro não reviu).

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é na segunda-feira, 8, á hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje e mais a interpellação do Sr. Pereira dos Santos aos Srs. Ministros do Reino, Justiça e Obras Publicas, e os projectos de lei 4 - Guerra - e 8 - Estrangeiros.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

l.ª Da Associação de Classe União dos Agricultores Portuenses, pedindo que seja revogado o artigo 8.° do decreto de 1 de setembro de 1894 e os artigos 27.° e 29.º e seus paragraphos do decreto de 16 de maio de 1895.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Dos antigos empregados da Administração Geral dos Tabacos pedindo que, na redacção do contrato definitivo para a exploração dos tabacos com a nova empresa, sejam acautelados os seus direitos.

Apresentada pelo Sr. Deputado Lemos Peixoto, e enviada á commissão de fazenda.

3.ª Dos segundos officiaes e amanuenses da Caixa Geral dos Depositos e Instituições de Previdencia, pedindo melhoria de situação.

Apresentada pelo Sr. Deputado Cayolla e enviada á commissão do orçamento.

4.ª Dos empregados ao serviço da Companhia dos Tabacos de Portugal pedindo que, no novo contrato para o exclusivo dos tabacos, fiquem clara e nitidamente consignados os seus direitos.

Apresentada pelo Sr. Deputado Cayolla e enviada á commissão de fazenda.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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