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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

14.ª SESSÃO

EM 22 DE MARÇO DE 4909

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente. - Teem segunda leitura dois projectos de lei, relativos um a dispensar de matricula e propinas os alumnos da Real Casa Pia de Lisboa e do Collegio dos Orfãos do Porto; outro a relevar a Camara Municipal do Beja do pagamento de decimas de juros desde 1888 a 1901.- O Sr. Presidente consulta a Camara sobre se deve alternar os dias de avisos previos com os de outros assuntos, antes da ordem do dia, sendo approvado. - Realiza o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Marinha o Sr. Ernesto de Vilhena, sobre o regime administrativo de Moçambique, suspensão das sessões do seu Conselho de Governo e resoluções do decreto de 23 de maio de 1907, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Marinha (Antonio Cabral).- Varios Srs. Deputados mandam papeis para a mesa.

Na ordem do dia elegem-se as commissões de negocios estrangeiros e internacionaes e de negocios ecclesiaslicos. - O Sr. Brito Camacho, em assunto urgente, reclama providencias para a crise de trabalho no districto de Beja, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho, que promette providenciar.

Na segunda parte da ordem do dia (discussão do emprestimo de 4:000 contos de réis) usa da palavra o Sr. Queiroz Velloso, fazendo varias considerações em que se manifesta contrario á operação financeira, respondendo o Sr. Costa Lobo, que combate os argumentos expostos pelo orador precedente.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada: - Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 13 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e 50 minutos da tarde.

Presentes: - 73 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José de Almeida, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Cabral Metello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José da Silva Ferreira Neto, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Caetano Rebello, José Joaquim Mendes Leal, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Ollivã, Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Affonso Augusto da Costa, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Mangualde, Conde de Penha Garcia, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Correia Mendes, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Coelho da Motta Prego, José Estevam de Vasconcellos, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velioso, José Osorio da Gama e Castro, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, Luis da Gama, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Visconde de Coruche.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Conde da Arrochella, Eduardo Burriay, Emygdio Lino da Silva Junior, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandriano Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Feliciano Marques Pereira, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, Luis Filippe de Castro (D.), Manuel Francisco de Vargas, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Thomas de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 14 DE 22 DE MARÇO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça, enviando copia da proposta dos substitutos do juiz de direito da comarca de Loulé, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Deputado José Francisco Teixeira de Azevedo.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, enviando copia do officio da Direcção Geral de Thesouraria, acompanhando os documentos relativos ao emprestimo realizado por decreto de 27 de fevereiro ultimo.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Proposta de renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 20 de julho de 1908, dispensando do pagamento de matricula e propinas nos estabelecimentos de instrucção superior, secundaria, especial e primaria os alumnos subsidiados pela Real Casa Pia de Lisboa e pelo Real Collegio dos Orfãos do Porto. = O Deputado, Sousa Avides.

Foi admittida, enviada ás commissões de instrucção publica, superior e especial, e de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° São dispensados do pagamento de matricula e propinas nos estabelecimentos de instrucção superior, secundaria, especial e primaria os alumnos subsidiados pela Real Casa Pia de Lisboa e pelo Real Collegio dos Orfãos do Porto.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Proposta de renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 2 de junho de 1903, relevando a Camara Municipal de Beja do pagamento das decimas de juros que lhe foram lançadas desde 1888 até 1901, inclusive, pelos emprestimos dos capitães do celleiro commum, de que é administradora. = O Deputado, Sousa Tavares.

Foi admittida e enviada ás commissões de administração publica e fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º É relevada a Camara Municipal do concelho de Beja do pagamento das decimas de juros que lhe foram lançadas desde 1888 até 1901, inclusive, pelos empréstimos dos capitães do celleiro commum, de que é administradora,

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. Alguns Srs. Deputados teem lembrado á mesa a conveniencia de se alterar a ordem dos trabalhos antes da ordem do dia, alternando-se os avisos previos com o uso da palavra para outros assuntos, isto é, realizando-se num dia avisos previos e em outro usando-se da palavra para qualquer assunto.

Esta tem sido a praxe geralmente seguida em todas as sessões; mas eu não me julguei autorizado a adoptá-la porque o regimento manda fazer a inscrição de forma differente. Se á Camara, porem, entende que se deve continuar no uso d'essa praxe realizando-se os avisos previos em dias alternados com o uso da palavra antes da ordem, do dia, eu não terei duvida alguma em a seguir. (Apoiados geraes).

Hoje realiza-se o aviso previo do Sr. Ernesto de Vilhena ao Sr. Ministro da Marinha sobre o regime administrativo da provincia de Moçambique, cessação das funcções do seu Conselho do Governo e restricções arbitrarias do decreto de 23 de maio de 1907.

Tem portanto a palavra o Sr. Ernesto de Vilhena.

O Sr. Ernesto de Vilhetia: - Sr. Presidente: Annunciei ao Sr. Ministro da Marinha e Ultramar um aviso previo sobre o regime administrativo da provincia de Moçambique, cessação das funcções do seu conselho de governo, e restricções arbitrarias ao decreto de 28 de maio de 1907.

Vou hoje realizá-lo. Ligo-lhe grande importancia, Sr. Presidente, porque, para mini, se trata de tirar a limpo um trecho importantissimo da nossa historia colonial contemporanea, de conhecer, em todos os seus pormenores, a attitude
dos Governos de um país que figura entre as grandes potencias coloniaes do mundo, ao tratar-se de implantar na mais avançada das suas colonias um systema de autonomia attenuada, muito attenuada, repito, Sr. Presidente, tão attenuada que fica muito a quem das adoptadas em muitas das colonias tropicaes da Inglaterra, mais atrasadas que Moçambique sob diversos pontos de vista. Hoje, que em Portugal se vae accentuando uma intensa corrente de opinião a favor das ideias e das instituições liberaes, é mester que ella não beneficie somente a metropole, mas o ultramar; se desejamos o termo definitivo do arbitrio e da illegalidade, que de certa forma prejudicaram a nossa historia politica dos ultimos tempos, é preciso que pensemos de igual forma em relação aos nossos irmãos que longe da pátria, em uma terra ingrata e um clima inhospito, trabalham arduamente pelo desdobramento da nossa nacionalidade.

É mester que pelo estudo profundo das questões, pela correcção do nosso procedimento, pejo tacto nas medidas que envolvam a politica externa, nós mostremos á altura de inaugurar essa nova era de legalidade e de progresso por que anceia o país.

O partido regenerador, que pelas suas declarações da assembleia geral do dia 2 de fevereiro, se collocou entre os partidos monarchicos avançados de Portugal, para bem do país e summa gloria de nós todos que o servimos, inscreveu na sua bandeira "descentralização e municipalismo", e commetteria o mais grosseiro erro e a mais flagrante incoherencia se se não mostrasse defensor desses mesmos principios em relação ás colonias, e dentro dos limitesem que lhes são applicaveis.

Se por deficiencia da materia prima não for possivel criar a vida local nas colonias, não se conseguirá tambem essa desejada resurreição do municipalismo no reino. E nesse caso, morta a molécula, está morta a nacionalidade, e só resta acceitarmos resignadamente o despotismo interno ou a tutela exterior.

Em 23 de maio de 1907 um decreto do Ministerio regenerador-liberal reorganizou a provincia de Moçambique. Não se usou da especial autorização do Acto Addicional, mas era possivel fazê-lo, porque não vejo que esse diploma envolva alterações de caracter constitucional. Foi promulgado em ditadura? Foi-o, sem duvida. Não contesto a

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illegalidade, o vicio origina], mas elle está, apesar de tudo, nas mesmas condições de tantos outros que não foram expressamente revogados pelo Ministerio Amaral, e que esperam a apreciação d'esta Camara. Salvo sentença do poder judicial que o julgue illegal, o que se não deu, e admittida esta jurisprudencia, devia ser acatado até que as Gamaras resolvessem, e tudo o que não for isto é, sem duvida alguma, o arbitrio puro, não condemnavel, ou mais ainda do que o proprio vicio de origem. Mas seja como for, a verdade é que a provincia de Moçambique não tem culpa das ditaduras do reino, nem pode estar sujeita aos caprichos ou más vontades dos Ministros, incapazes de comprehenderem outro qualquer systema de administração que não seja o poder centralizador e discrecionario ditado ao vasto dominio ultramarino pelo Ministerio do Ultramar.

Sr. Presidente: essa reorganização de 1907, que não é perfeita, mas que é facilmente aperfeiçoavel, tem sido mal interpretada entre nos. Não posso entrar aqui na sua pormenorização, nem tanto é necessario; bastará dizer que ella procurava descentralizar sobre o governador certos poderes até então concentrados no Governo da metropole, e criar a representação dos interesses locaes em um corpo misto de membros natos e eleitos, dando-lhe a competencia de consultar e de resolver, em casos limitados. Dá ao governador geral uma mais elevada categoria, sem, em todo o caso, o equiparar aos commissarios regios, a cuja nomeação recorremos em certo periodo da nossa historia colonial. Concentra nas suas mãos as redeas de todos os serviços da colonia, fortifica as attribuições dos chefes de serviço, cria alguns novos e organiza a divisão administrativa, até então immersa no caos da nossa enorme, confusa e contraditoria legislação.

Os casos em que o governador geral em conselho não pode resolver definitivamente estão especificados, e asseguram a supremacia do Governo da metropole nos assuntos mais importantes ou de graves consequencias.

Elaborada por um Ministro cuja gerencia poderá ter inimigos, o que succederia a qualquer de nos, mas que conhece profundamente a colonização comparada, os systemas de governo das colonias inglesas, e a maneira de pensar da Africa do Sul a nosso respeito, essa organização procura adaptar a Moçambique uma das formulas de governo d'essas colonias, tão progressivas nas ideias a que obedecem, como prosperas nos resultados que produzem.

Nesta altura, Sr. Presidente, estou vendo as observações que vão fazer-me, e uma d'ellas é, com certeza, a de que as organizações coloniaes inglesas são avançadas demais para nós. É esse um erro, Sr. Presidente, que se desculpa a qualquer, mas que é inadmissivel em um Ministro do ultramar, o qual, para ter autoridade profissional, necessita de ser um technico, o que não succede com o Sr. Ministro a quem me estou dirigindo, que subiu ao poder sem ã preparação necessaria.

Chamámos á organização de 1907 a "autonomia" de Moçambique, comparando-a com as formas de governo das colonias autonomas da Inglaterra. Mas o que ha de commum entre umas e outras?

A Australia e o Canada, por exemplo, attingiram a forma mais perfeita das organizações coloniaes inglesas, e não teem parallelo, entre as colonias de outras nações. A Austrália é hoje uma federação de seis colonias, que já anteriormente gozavam de instituições representativas! Em area é quasi igual á Europa, tem uma população de mais de 4 milhões de brancos, que vivem nesse clima temperado, cultivando a terra, como na sua propria patria original. O seu commercio é de 67 milhões de libras na importação e de 86 na exportação, tem de receitas 30 milhões e de divida 234, na sua Camara dos Communs sentam-se 85 membros eleitos por um sufrragio amplissimo.

Podia o legislador equivocar-se tão completamente que desse a Moçambique, colonia onde a base da população é indigena, situada na maior parte entre os tropicos, uma forma de governo analoga á da Australia?

Poderia acaso ter feito confusão com a confederação canadiana esse agrupamento de 15 provincias e territorios, com um Parlamento de 214 membros, mais do que todos nos, com uma população branca de 5,5 milhões, dos quaes 1.650:000 são franceses, descendentes dos antigos colonos d'esta nacionalidade e que a Inglaterra soube congraçar com os seus, que cobra de receitas 15 milhões de libras, tem uma divida de 78, um commercio de 97,e que é atravessado por um caminho de ferro, de um a outro Oceano, que, elle só, tem um desenvolvimento de 3:500 kilometros, mais do que toda a nossa rede ferro-viaria?

Uma colonia maior em area que os Estados Unidos da America, que em 1905 exportou cerca de 30:000 contos de réis de cereaes, e em 1908 teve um aumento de producção de 5 milhões de libras sobre o do anno antecedente?

O erro, Sr. Presidente, seria grosseiro demais para o mais modesto alumno da nossa escola colonial. E por isso essa organização não é vazada nos moldes da autonomia completa, como as colonias da Inglaterra intituladas "de Governo responsavel".

O modelo é outro, mas existe tambem nas colonias inglesas, francesas e hollandesas.

Nunca uma nação colonial pensou em dotar uma colonia dos tropicos com instituições autonomas perfeitas, mas todas comprehenderam a necessidade de descentralizar e de desenvolver o interesse do colono pela gerencia dos assuntos locaes em corpos representativos, embora nelles se realize tambem o predominio da maneira de pensar do Governo pela presença de vogaes natos ou nomeados, como se fez em Moçambique.

É a França, com os seus conselhos geraes da Martinica, da Guadalupe e da Reunião, cujo numero de membros é de 36, eleitos pelo suffragio universal por brancos, mulatos e negros, formula que hoje se reconhece inadequada, mas que aquelle país não revoga por attenção para com os individuos a quem uma vez concedeu esses latos direitos. É a Hollanda, que em uma colonia tropical, como é S urinam, criou os chamados Estados coloniaes, de 25 membros, eleitos pelos cidadãos da colonia, nos quaes se incluem os estrangeiros com um certo tempo de residencia. É a Inglaterra, a qual, de entre 46 administrações distinctas que figuram na Colonial Office List de 1907, deu Governo responsavel a 13, e conselhos legislativos a 26, estas ultimas quasi todas situadas entre os tropicos. O que quer dizer que a Inglaterra, tão depressa pôde, dotou as suas colonias tropicaes com um systema de governo que, embora não dê á representação local a amplitude das colonias povoadas por uma unica raça em um clima temperado, em todo o caso assegura a fiscalização dos negocios publicos pelas forças vivas da colonia, nelles directa e intimamente interessadas.

Foi a reorganização de Moçambique elaborada á semelhança d'essas organizações das colonias inglesas denominadas da Coroa, mas não attingiu, propositadamente para se conciliar a opinião e fugir a concessões que pudessem reputar-se excessivas, a forma mais perfeita que aquellas apresentam, porque nesta, Sr. Presidente, a Coroa abdica do direito de legislar para a colonia, deixando assim absolutamente livre o exercicio do legislativo local. E tal é a importancia attribuida a essa concessão, tão firme o proposito da metropole de a não revogar, que ella fica expressa declaradamente na carta organica da colonia.

Sr. Presidente: perto dos nossos districtos de Quelimane e Tete existe o antigo protectorado da British Central Africa, hoje colonia da Coroa com o nome de Nyassaland, é que nos em 1891 entregámos á Inglaterra ainda mato cerrado.

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Hoje, Sr. Presidente, ensinam-se ali milhares de indigenas em mais de oitocentas escolas, e desde 1907 que a colonia goza de um "Legislativo council", porque na Inglaterra mal vae aos Governos que durante muito tempo resistem ás imposições da opinião publica. Ao norte da nossa provincià de Moçambique e da África Oriental Allemã existe a "British East África", criada em territorios que anteriormente pertenceram ao sultão de Zanzibar, e que, prolongados pelo protectorado da Uganda, vão entestar com o Sudão Egypcio.

É uma colonia tropical, tão tropical que o Equador a atravessa.

Comparando-a com a nossa provincia de Moçambique, reconhece-se immediatamente quanto está atrasada em relação a esta, sob varios pontos de vista.

Assim, Sr. Presidente, tem uma receita de cerca de 2:300 contos de réis menos 3:000 que Moçambique, e para saldar as suas despesas pede á metropole um subsidio de 800 contos de réis, ao, passo que esta ultima apresenta um saldo positivo superior a 300 contos de réis. Cobra de imposto de palhota cerca de 300 contos de réis, emquanto Moçambique recebe mais de 1:000, e o seu commercio geral é de 8:340 contos de réis, em face de 50:000 contos de réis, numeros redondos, para Moçambique.

Pois bem, Sr. Presidente, aproximadamente pela mesma epoca em que nos criavamos o conselho de governo d'esta provincia, a Inglaterra dotava essa colonia de um "Legislative council", que ainda hoje funccioná sem obstaculos. E logo contarei a V. Exa. e á Camara um caso de conflicto que muito bem evidencia a differença que existe entre nos e a Inglaterra na maneira de administrar colonias, e na forma por que nós comportamos para com os direitos e garantias uma vez concedidos aos que longe da patria trabalham arduamente para perpetuar o seu nome na criação de nações novas.

Sr. Presidente: vou ler a relação dos diplomas emanados desse "Legislativo council", no anno de 1906-1907, e por elle V. Exa. e a Camara avaliarão da importancia das attribuições legislativas de que goza esse corpo:

Sobre os direitos mutuos dos patrões, operarios e trabalhadores, registo de casamentos e divorcios mahometanos, introducção e trafego das armas e munições, prohibição de entrada na colonia a certa especie de immigrantes, dragagem e navegação dos cursos de agua, registo de livros e jornaes, faculdade concedida ao governador de autorizar certos, individuos a desempenhar as funcções de notario publico, organização de um corpo de policia, reforma da legislação mineira, e, finalmente, deu o conselho a regalia do julgamento pelo jury aos europeus accu-sados de crimes graves.

Faço sobresair, de entre estes diplomas sanccionados pelo conselho legislativo, no uso de uma competencia d'esta natureza, e que immediatamente se vê ser muito superior á concedida ao nosso conselho de governo, os que se referem ao registo de casamentos e divorcios, notariado e legislação mineira.

Pois, Sr. Presidente, eu estou firmemente convencido de que, se amanhã, esse humilde conselho de governo da provincia de Moçambique se lembrasse de providenciar sobre o primeiro ponto, gritariamos que tinha querido alterar o
Codigo Civil, as suas disposições sobre notariado ou outros assuntos análogos fariam levantar em peso esta Camara, e se se atrevesse a legislar sobre minas, sobre uma riqueza que á provincia pertence porque no seu solo está, estou em dizer, Sr. Presidente, que desabaria o Ministerio do Ultramar.

Sr. Presidente: não posso nem quero alongar-me. Somente lembrarei a V. Exa. e á Camara que a Jamaica, simples colonia tropical de plantação, já em 1662 possuia um conselho legislativo e uma assembleia de quarenta e sete membros eleitos. As Bermudas, Bahamas, Barbados, pequenas ilhas das Antilhas, em pleno tropico, gozam, ainda hoje, a par de um conselho legislativo nomeado pelo Governo, de assembleias electivas, que datam dos primeiros tempos da occupação, e cujo numero de membros chega a ser de trinta e seis. E citarei ainda mais um exemplo, Sr. Presidente, o do Sudoeste allemão, que, saído ainda ha pouco das convulsões da guerra mortifera dos herreros, foi dotado recentemente de um conselho legislativo.

Mas, Sr. Presidente, esse conselho de governo da provincia de Moçambique, de tão escassas attribuições que nem mesmo podia impor multas superiores a 20$000 réis, que não podia legislar sobre concessões de terrenos nem sobre minas, no qual o numero dos membros não officiaes não excedia o dos officiaes, que grande crime commetteu elle para soffrer tão áspera perseguição?

Vejamo-lo em exercicio. Promulgado em maio de 1907 o diploma que reorganizava a administração da provincia, inicia o conselho os seus trabalhos no dia 2 de janeiro de 1908, sendo aberta a sessão inaugural com um discurso do governador, no qual, expondo a situação da colonia, esboçava pontos de vista geraes, e chamava a attenção dos membros para os assuntos de maior interesse.
Disse-se que era um Discurso da Coroa.

Chamem-lhe assim, se quiserem, os que estão dispostos a ver sempre os factos pelo lado comico, os que não distinguem por detrás d'elles as leis de que são apenas a manifestação, mas a verdade é que o primeiro magistrado da provincia não fazia mais que imitar os governadores de todas as colonias onde ha conselhos de governo, quer elles sejam simplesmente consultivos, quer deliberativos, porque hoje, Sr. Presidente, em que a administração colonial attingiu uma feição muito technica, não basta que o governador seja o representante do soberano, de elevada categoria, não basta que seja o mais graduado dos militares, é indispensavel que o considerem o primeiro dos civis, a cabeça pensante da colonia, o seu tutor, o procurador nato dos seus interesses junto no Governo da metropole.

Não se conduzem hoje homens livres, Sr. Presidente, como se governavam servos em um regime feudal, e o governador de uma colonia só pode dignamente presidir a um conselho de governo quando tenha adquirido, pela honestidade dos seus processos e pelo estudo e saber, autoridade para isso.

Só assim, Sr. Presidente, elle terá, em certo momento, a autoridade moral bastante para fazer prevalecer uma sua opinião que repute de vantagem para a colonia.

Com a subida do Sr. Castilho ao poder logo as attribuições do conselho de governo são restringidas, porque o Ministro chama á sua sancção a maior parte das resoluções tomadas.

Faço esta declaração, Sr. Presidente, com verdadeira tristeza, porque se refere a um homem que desde muito novo eu me habituara a respeitar, e que levara comsigo para o Ministerio uma tradição de liberalismo, de ponderação e de conhecimentos que infelizmente não confirmou.

Emquanto se conserva no Governo o major Freire de Andrade o conselho continua funccionando tant bien que mal, mas logo que retira, o secretario geral, a pretexto de duvidas na interpretação da lei, suspende as suas sessões.

E ha já cinco meses que a provincia está privada das regalias que lhe haviam sido concedidas, e apesar das representações enviadas aos Ministros.

Ora, Sr. Presidente, na minha opinião, o texto do decreto de 1907 não era tão pouco claro que justificasse a duvida e o procedimento do Ministro para com o conselho.

O artigo 16.° diz-nos que quando o governador geral estiver "ausente da sede da provincia, em visita na mesma,

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ou impedido por doença", é substituido pelo secretario geral, o qual apenas resolve os negocios de mero expediente e aquelles que não possam esperar pela decisão do governador geral. Mas, logo a seguir o § 1.° d'esse mesmo artigo prevê a f alta do governador geral, caso em que o secretario geral tem as attribuições d'aquelles, é evidente que ha falta de governador geral quando elle não está na provincia.

De resto, o artigo 44.° lá prevê tambem o caso de presidir ao conselho quem fizer as vezes do governador. Procedeu de boa fé o secretario geral ou, induzido pelos exemplos da metropole, entendeu dever proporcionar-se o prazer, verdadeiramente raro, intellectual e requintado, de um "golpe de Estado" em ponto pequeno?

Inclino-me para a primeira hypothese, mas a verdade é que ao Governo da metropole competia restabelecer a verdadeira interpretação do texto, mandando reatar as sessões interrompidas, ainda que não fosse senão para manter a dignidade e o prestigio do Governo central, porque mal se comprehende que se brinque com uma instituição representativa, que Já fora merece tantos cuidados e deferencias.

Mas ha mais ainda. Eu admitto, e já é conceder muito, que o Ministro da Marinha não saiba emendar o decreto de 1907, porque o assunto conselhos de governo e formulas de representação local tem na theoria e na pratica da colonização um desenvolvimento enorme e complicado, não é materia para principiantes como S. Exa., que attingiu os Conselhos da Coroa sem a preparação necessaria.

Admitto-o, porque é de uso entre nos que a pasta da Marinha sirva para "prendre des ébats", antes de voarem para mais alto os nossos aspirantes a homens de Estado.

Desconhecedor do assunto, não tendo sobre elle outras ideias alem das que dimanam dos funccionarios sob as suas ordens, o Sr. Ministro da Marinha está impedido de adoptar o unico procedimento que pode dar verdadeira autoridade a um Ministro: pegar no processo, levá-lo para casa e tirar do proprio cerebro as ideias necessarias a resolver a questão.

O actual governador geral apresentou a S. Exa. um projecto de reforma do decreto de 1907. Porque não foi elle devidamente apreciado?

Sr. Presidente: é triste tudo isto, não só pela detesta vel falta de orientação que revela, mas pelos resultados, porque a verdade é que, presentemente, a administração da provincia de Moçambique, pelo que diz respeito aos textos legaes, está um cahos.

Ternos o decreto de 1907, promulgado em ditadura e ainda não apreciado pelo poder legislativo, temos a sua revogação parcial, umas vezes por simples movimentos de mau humor dos Ministros, outras pelo Acto Addicional, temos regulamentos e decisões do conselho que estão em vigor na provincia mas não são reconhecidos e acatados pelo Governo.

Mas, Sr. Presidente, pergunto eu mais uma vez : que grandes crimes commetteu esse conselho de governo, para soffrer tão persistente perseguição? Accusaram-no de ter elaborado um orçamento envolvendo despesas exageradas, mas a verdade é que esse orçamento, que representa o trabalho de longas sessões, mostrava um saldo positivo.

Mas houve realmente exagero? Pois bem, se assim foi, estabeleça-se uma certa limitação de competencia aos membros do conselho, á imitação de que se pratica nos Parlamentos das colonias autonomas, nos conselhos geraes das colonias francesas, e no proprio Parlamento Inglês; inhibindo-os de apresentarem propostas que reduzam as receitas ou aumentem as despesas.

Introduza-se essa modificação, se tanto for necessario, mas o que se não admitte é que o Sr. Castilho, em um diploma que eu não assinaria, o decreto orçamental ultimo, esse aborto que eu flagellarei. como merece quando realizar o meu aviso prévio ao Sr. Ministro da Marinha sobre a reducção do numero dos juizes da Relação de Nova Goa, essa verdadeira arca de Noé onde vivem em desordenada copula todos os monstros, o que se não admitte, digo, e que se altere aos bocados o decreto de 1907, restringindo as attribuições de caracter orçamental dadas ao governador, e introduzindo a confusão na legislação ultramarina, já de si enorme, abundante, confusa e, por vezes, contraditoria.

Sr. Presidente: acaso o conselho de governo se revelou incompetente para estudar e resolver os assuntos que lhe foram sujeitos? Não. Provam-no os regulamentos que adoptou e o orçamento que teve de elaborar de uma ponta á outra, mostra-o a maneira como soube acompanhar a orientação do governador no seu plano de desenvolvimento dos recursos agricolas da região".

Produziu-se acaso um conflicto grave entre o conselho de Governo, de um lado, e o governador ou o Governo central do outro que pudesse explicar, sé não justificar, o procedimento havido para com elle? Tambem não. Mas se se tivesse dado, seria essa razão bastante para supprimir esse conselho?

Sr. Presidente: é nestes casos agudos que muitas vezes surgem no funccionamento das instituiç5es representativas que se revelam os grandes espiritos, o tacto administrativo e o senso politico dos dirigentes.

O homem verdadeiramente liberal que, chamado aos conselhos da Coroa, tem de resolver sobre um conflicto do poder dominante com uma corporação representativa collocada abaixo d'elle, se é verdadeiramente um homem de Estado, um grande coração, um espirito culto, de vasto horizonte, começa sempre por se alegrar intimamente por ver que essa instituição se agita e dá sinaes de vitalidade, condição indispensavel a assumir o papel que lhe destinamos, e a exercer largamente os poderes concedidos.

Quantas vezes, Sr. Presidente, eu, que não sou ninguem, me achei em discordancia de ideias com alguma commissão municipal ou conselho de districto, e sempre, devo dizê-lo, senti o justo orgulho de superintender em corpos que, pelo estudo dos assuntos, pela formação de opiniões proprias, se mostravam á altura de realizar nos meus governos uma obra de effectiva collaboração!

E depois, Sr. Presidente, desse encontro de ideias, desse antagonismo mesmo, resulta sempre uma administração mais perfeita, porque o governador é obrigado a desdobrar-se, a descobrir novos argumentos e razões, a tornar o seu espirito mais malleavel: ha um processo de aperfeiçoamento da intelligencia.

Dizia lord Elgin, Sr. Presidente, que tendo sido governador da Jamaica e do Canada, nunca tivera na primeira d'estas colonias metade da influencia e do poder obtido na ultima, apesar de nella não ser mais que o representante do Soberano inglês presidindo a um Ministerio responsavel para com a representação nacional.

Mas deu-se o conflicto realmente? Não.

O mais curioso de toda esta serie de factos é que as furias dos Ministros se teem exercido sem causa bastante que as explique. E se conflicto tivesse havido?
Que nos diz a historia da colonização a tal respeito?

Que nos diz? Pois diz, Sr. Presidente, muito clara e categoricamente, que os nossos Ministros ficaram aquem de todos os outros chamados a resolver casos analogos, e que deram prova de uma falta absoluta de senso politico e de indole liberal.

Uma vez, tendo-se suscitado duvidas no decorrer de um processo, e relativamente á Ilha de Grenada, pequena colonia tropical de plantação, sobre se a Coroa em conselho poderia continuar a legislar para as colonias a quem concedera instituições representativas, Lord Mansfield, em 1774, por uma sentença que ficou celebre, que é clas-

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sica e se encontra em todos os bons tratados da materia, julgou que a Coroa estava inhibida de o fazer, salvo se na carta organica da colonia se tivesse pactuado conservar-lhe esse direito.

Quando no começo do seculo XIX a Inglaterra intentou a suppressão do estado de escravidão nas Antilhas, a assembleia eleita da Jamaica recusou-se a votar certas despesas recommendadas pela metropole, e tendo Lord Melbourne proposto ao Parlamento inglês a suspensão da constituição da ilha foi derrotado.

Em 1865, depois de abafada a rebellião produzida pela questão da mão de obra, essa constituição foi modificada, mas só depois de a Assembleia assim o resolver, e de ter dado ao Governo da metropole a competente autorização.

Na historia dessas Antilhas inglesas, verdadeiros paraizos do mundo, tão formosas e tão ricas, por mais de uma vez se viu as suas assembleias sustentarem a seguinte doutrina:

"Não podendo ser admittidas por representação na Camara dos Communs e na dos Lords, as nossas legislaturas estão sujeitas directamente ao Rei de Inglaterra como seu proprio Rei, e não reconhecemos áquellas Casas do Parlamento o direito de interferirem nos nossos negocios".

Sr. Presidente: orgulhoso brado é este, quasi um desafio e uma ameaça de revolta!

Pois não consta que os governadores fossem demittidos nem as assembleias dissolvidas, e estou em dizer que esse Parlamento inglês, que ainda ha pouco, dirigindo-se á nova Camara ottomana, se intitulava "o mais velho Parlamento do mundo", teve decerto um sorriso de sympathia para esses seus irmãos mais novos, alegre por os ver tão convencidos dos seus direitos e prontos a defendê-los.

E isto succede, Sr. Presidente, em seculos já passados. Porque o mais curioso de tudo isto, Sr. Presidente, é que, ao passo que nos, em pleno seculo XX, hesitamos, titubeamos na concessão de uma formula attenuada de autonomia, ensaiamos processos cuja adopção e vantagens lá fora se não discutem já, a Inglaterra, essa grande nação, que tanto mais. se admira quanto se estuda, já em 1662, alguns annos depois da nossa historica revolução, dera uma constituição representativa á Jamaica, e em 1791, pouco depois da revolução francesa, e quando nos não sonhava-mos ainda em Governo representativo, procede da mesma forma com o Canadá.

Sr. Presidente: nos primeiros meses do anno de 1908 surgiu um conflicto agudo entre o governador da Africa Oriental Inglesa e dois plantadores, um dos quaes Lord Delamere, ambos membros do conselho legislativo da colonia, a proposito de uma portaria sobre mão de obra indigena, e o governador suspendeu-os das suas funcções.

A questão, foi debatida na Camara dos Communs, e o Governo inglês, confirmando a suspensão imposta, manifestou, ao mesmo tempo, aos membros suspensos, que lhe seria muito agradavel vê-los, mais tarde, retomar os seus logares, voltando a collaborar na administração da colonia. Effectivamente, os ultimos jornaes ingleses dizem-me que assim succedeu.

Na India inglesa, Sr. Presidente, o Governo responde ao desenvolvimento do espirito nacionalista fazendo collaborar mais largamente os habitantes nos conselhos do imperio.

Assim resolvem as grandes questões os grandes homens de Estado.

Ao contrario, nos encontramos como unico recurso a suspensão.

E digam-me se somos ou não ainda os mesmos ignorantes e acanhados administradores, os mesmos reaccionarios e centralizadores politicos de sempre.

Mas, Sr. Presidente, se a suspensão do conselho de governo revela o recrudescimento da furia centralizadora, se o não aperfeiçoamento do diploma denota a falta de habilitações dos Ministros, outro indicio se deprehende
tambem de sua attitude para com a provincia de Moçambique: a mais completa incomprehensão da situação politica actual da Africa do Sul e da melindrosa diplomacia que temos de adoptar a seu respeito.

Sr. Presidente: Moçambique não está isolado na costa oriental de Africa como os sultanatos de Bornu ou do Uadai no coração d'ella; não tem por vizinhos, como Angola, colonias tropicaes, mais avançadas, sim, do que a nossa, mas atrasadas em relação ás inglesas da Africa do Sul.

Moçambique, e muito especialmente alguns dos seus districtos, estão apertados entre o mar e as colonias inglesas, umas dotadas de Governo parlamentar como o Natal, o Transvaal, o Cabo, outras gozando de um conselho legislativo, como o Nyassaland, e ainda outras, como a Rhodesia, onde se pôs já a questão de conciliar a exploração do territorio por uma companhia majestática com os direitos dos colonos brancos que reclamam instituições representativas.

Moçambique está infiltrada pelos capitaes ingleses, pela lingua, pelos costumes e pela influencia desta origem, e Lourenço Marques, sobretudo, em contacto intimo com as colonias do sul, tem que viver em estreita união com ellas, de se amoldar, de certa forma, á sua maneira de ser, de as acompanhar nos seus processos de Governo.

De ha muito, Sr. Presidente, que eramos tidos por atrasados, e quando, em 1907, se promulgou a reorganização administrativa de Moçambique, um com de admiração e de approvação se fez ouvir na Africa do Sul.

Podia ler á Camara diversos jornaes d'esta procedencia onde abundam os artigos elogiosos, mas não o farei para a não cansar.

Referir-me-hei pois apenas ao Transvaal Leader que em um dos seus numeros dizia assim:

"Por meio d'este decreto um país de infinitas possibilidades, possuindo um porto que deve inevitavelmente attrahir uma grande parte do commercio do nosso continente, passou do estado de tutela para o de maioridade.

Não devemos continuar a considerar a provincia de Moçambique como um apanágio da Coroa de Portugal, ou um manancial para os filhos mais novos da sua aristocracia. Ex Africa semper aliquid novi.

O Transvaal não pode ser espectador indifferente a uma revolução tão profunda de methodos administrativos.

Por maior que seja a estreiteza dos laços de parentesco entre o Transvaal e as colonias inglesas da costa, não podemos resistir á influencia que nos impelle para deante no caminho que o destino nos traçou, isto é, relações commerciaes e politicas cada vez mais estreitas com Lourenço Marques.

Desde algum tempo se tornava evidente que a colonia portuguesa se aproximava rapidamente de uma grande mudança, Portugal tinha começado a reconhecer a importancia da sua situação na Africa do Sul.

Emquanto a provincia permanecesse no estado de estiolante vassalagem, ella seria apenas uma quantité négligea-blenos conselhos da Africa do Sul".

Esta declaração é positiva e categorica. Medite nella o Sr. Ministro da Marinha. Calcule S. Exa. o que pensarão essas colonias, o que pensará o inglês, tão progressivo, tão amante da liberdade e da autonomia, ao ver que Portugal, com pretensões a ser considerado uma grande potencia colonial, não conseguiu installar na mais avançada das suas colonias um systema de Governo que a Inglaterra dá ás colonias tropicaes de plantação.

Lembre-se V. Exa. d'esse phenomeno grandioso que se está realizando na Africa do Sul, a formação de uma nação nova pelo englobamento definitivo de quatro colonias até ha pouco divididas por antagonismos de interesses que pareciam irredactiveis.

Lembre-se de que Lourenço Marques, pela força das circunstancias, pela posição geographica, pela ligação dos

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interesses, pela influencia da população, dos capitães e da lingua, é uma das componentes naturaes d'essa combinação.

Considere que a provincia de Moçambique não tem no seu passivo uma divida de muitos milhões de libras como as colonias do sul, e que é portanto uma base esplendida para recorrer ao credito.

Reflicta que para manter integra a soberania de Portugal em circunstancias tão complexas e melindrosas será necessario um tacto finissimo, uma diplomacia sempre alerta, um espirito liberal resolvido a ir até as ultimas e mais avançadas concessões.

S. Exa., que é intelligente, sabe bem, decerto; que nem os homens nem as nações teern força bastante para impedir a evolução natural das sociedades, e que tentativas dessa natureza produziram apenas: para nos a perda do Brasil, para a Espanha a das republicas da America Central e do Sul, de Cuba e das outras colonias, para a propria Inglaterra a das colonias da America do Norte.

Medite o caso o Sr. Ministro da Marinha, e lembre-se que, por breve que seja a sua permanencia nas cadeiras do poder, terá uma parte de responsabilidade nos acontecimentos.

Sr. Presidente: esse vasto continente africano está em plena fermentação.

Ha pouco tempo delimitavamos o nosso Barotze da colonia inglesa, pois do lado d'esta cobram-se hoje, só nessa região, cerca de 200 contos de réis de imposto de palhota.

O Sudão egypcio, assolado annos antes pelos bandos do Madhi, é hoje uma colonia prospera que está cavando para si um porto especial, Port-Sudan, na costa do Mar Vermelho, onde enterrou já perto de 4:000 contos de rois.

O Egypto, animado pelo exemplo da Turquia, pede um Governo representativo.

A Africa Occidental francesa contrae emprestimos de 65 e 100 milhões de francos.

O Transvaal, ainda ha pouco em luta com a Inglaterra, vae ser nessa união da Africa do Sul a colonia predominante.

Sr. Presidente: dizia-se dantes que de Africa nada vinha de novo, mas em 1871 o explorador allemão Maueh descobriu na Machonaland as ruinas grandiosas de templos e de fortalezas, que se reconheceu provirem de uma civilização phenicia, ou, em geral, semitica, de alguns milhares de annos antes de Christo, e logo o ditado antigo deu logar a este outro, adoptado por uma revista da Africa do Sul: Ex Africa semper aliquid novi. Desde então Sr. Presidente, não teem faltado surpresas.

Pois bem, tratemos de as prever e de as evitar.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Ministro da Marinha. Previno S. Exa. que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Sr. Ministro da Marinha (Antonio Cabral): - Vae responder ao discurso do illustre Deputado, discurso muito erudito, corrente na forma e lucido na exposição, e vae responder com precisão, com clareza, que entende se deve pôr nas respostas que partem das bancadas ministeriaes.

Quem ouvisse o illustre Deputado havia de suppor que foi elle, orador, o culpado de tudo a quanto S. Exa. se referiu e accusou o Ministro da Marinha.

Devo dizer a S. Exa. que não foi o perpetrador desse nefando crime. Quem determinou que os actos do Conselho do Governo nem sempre tivessem immediata execução não foi elle, orador, foi o Sr. Augusto de Cartilho, seu antecessor naquella pasta. S. Exa., que pretendeu estranhar que nas cadeiras do poder occupasse a pasta da Marinha pessoa que não fosse technica, vê que cão pela base toda a argumentação nesse ponto produzida, porquanto accusou um technico distincto e um funccionario conhecedor profundo das colonias, como é o Sr. Augusto de Castilho.

Embora S. Exa. o Sr. Augusto Castilho dispense o seu elogio, não pode deixar de dizer que S. Exa. tem prestado relevantes serviços ás colonias, e foi governador geral de Moçambique, e já o illustre Deputado, a quem tem à honra de responder, vê que a accusação feita cae pela base.

Tambem elle, orador, quer, como o illustre Deputado, uma politica liberal nas colonias; é pela descentralização na administração ultramarina, mas o que não é, não pode ser, nem o illustre Deputado José, é pela descentralização brusca, rápida, repentina, e, sim, pela descentralização gradual e progressiva.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Datava de 1869, não era passagem brusca.

O Orador: - Continuando, affirma que a reforma de 1907, que S. Exa. disse ter sido promulgada em ditadura pelo Governo que então occupava as cadeiras do poder, está pendente da commissão do bill. Tem essa reforma vantagens e defeitos, e entre outros o do aumento de despesa.

O Sr. Presidente: - Visto ser a hora de se passar á ordem do dia, consulta a Camara sobre se consente que continue falando o Sr. Ministro da Marinha.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, pode S. Exa. continuar. Antes, porem, pede aos Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para a mesa que o façam.

O Orador: - Continuando, accentua que a reforma de 1907 tem disposições verdadeiramente inconstitucionaes, como as do artigo 11.° e 48.°, que evidentemente iam ferir os preceitos da Carta Constitucional.

Fez S. Exa. divagações muito eruditas, comparando as colonias inglesas com as nossas, mas S. Exa. encarregou-se de destruir esses argumentos, pois que a comparação entre aquellas colonias e as nossas não se pode fazer, porquanto em Lourenço Marques, por exemplo, a população branca é muito exigua, não havendo pessoas competentes para constituirem corporações de caracter administrativo e exercerem essas funcções publicas.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Comparou a provincia de Moçambique com outras colonias tropicaes, onde não ha sufrágio universal, e apenas um censo.

O Orador: - Qualquer reforma que porventura se faça com outros costumes de administração não deve ser repentina. Nas colonias inglesas ha uma população branca com conhecimentos e qualidades que não se podem pôr em comparação com a população de Moçambique, não se podendo portanto adoptar a legislação ampla, liberal, descentralizadora, que ás colonias inglesas se pode applicar.

Declarou S. Exa. que a reforma de 1907 não tinha disposições inconstitucionaes, e o orador, para provar que e illustre Deputado está em erro, lê a disposição do artigo 11.°, n.° 3.°, e o artigo 48.° d'aquella mesma reforma. Por estas disposições se vê que o conselho do governo pode fazer leis e alterações em leis vigentes para que só o Parlamento tem competencia. E a inconstitucionalidade está nos artigos 13.° e 15.° da Carta Constitucional.

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O Sr. Ernesto de Vilhena: - Mas existe o Acto Addicional de 1892.

O Orador: - Ha a faculdade de legislar quando as Camaras estejam fechadas e sobre assuntos de caracter urgente para as colonias.

Pareceu S. Exa. estar pouco informado, ou mal informado, das razões que determinaram o antecessor d'elle, orador, a recommendar ao conselho do governo, por um officio que ha de ler á Camara, que não providenciasse em harmonia com as attribuições que lhe confere o artigo 48.°, senão em casos urgentissimos. Não foi pela razão que S. Exa. expôs á Camara que o Sr. Augusto de Castilho tomou essa deliberação.

A seguir, lê o documento que tal resolução determinou, datado de 18 de março de 1908. Sobre a determinação do governador, foi ouvida a Junta Consultiva do Ultramar, que reconheceu que realmente não podia nem devia ter sido tomada aquella medida, e foi então que o Sr. Augusto de Castilho lançou o despacho que elle, orador, lê á Camara.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - É a furia da reacção centralizadora!

O Orador: - Affirma que tal não é. S. Exa. assim censura a Junta Consultiva do Ultramar, de cuja competencia ninguem pode duvidar.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Não faz censura, apenas emitte a sua opinião.

O Orador: - Tambem expõe a sua e responde á injustiça de S. Exa.

Lendo alguns pontos da consulta, declara que não foi por livre alvedrio que se officiara ao governador geral de Moçambique, mas por virtude de uma muito bem fundamentada consulta.

Foi S. Exa. injusto desde a primeira á ultima palavra.

Lê o despacho que autorizou o Governo a consultar o Ministerio da Marinha, em casos somente não urgentissimos.

Pelo que fica dito, já o Sr. Deputado Vilhena vê que não foi por qualquer conflicto, nem por nenhuma das razões que S. Exa. apontou, que o Ministro, meu antecessor, mandou suspender em parte a reforma de 1907.

O discurso de S. Exa. foi muito erudito, revelou largos conhecimentos do assunto, mas, permitta-lhe S. Exa. que lho diga, mostrou tambem desconhecer as razões que determinaram o Sr. almirante Castilho a suspender em parte a reforma, e d'ahi a sem-razão das censuras de S. Exa., principalmente na parte que se referia a elle, orador, attribuindo-lhe actos que não praticara.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Interrompendo o orador, pergunta-lhe se se interessa para que da apreciação ou reforma de 1907, sujeita á commissão do bill, resulte alguma cousa de aproveitavel para a administração da provinda de Moçambique.

O Orador: - Responde que tem nisso o maior interesse, e que está convencido de que a commissão, e depois a Camara, dedicará a esse assunto toda a sua attenção.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Pergunta tambem a S. Exa. se, segundo a theoria que expendeu, considera illegal a nomeação dos commissarios régios do ultramar com attribuiçoes do executivo.

O Orador: - Responde que não lhe cabe a responsabilidade dessas nomeações, e que ellas foram determinadas pelas circunstancias especiaes de momento, mas que
ellas por forma alguma autorizam que se dê, como S. Exa. queria e a reforma de 1907 estabelecia, attribuições que são inconstitucionaes porque são da competencia do legislativo.

Crê por esta forma ter respondido ás considerações do illustre Deputado.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na primeira parte da ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Pinheiro Torres: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, me seja enviada e com urgencia copia de todos os documentos relativos ao assassinato em Mutarara do missionario Padre Manuel Domingos Correia, especialmente do processo relatorio do Sr. Dr. Ferrão e tenente Cerqueira e correspondencia official trocada = Pinheiro Torres.

Mandou-se expedir.

Telegramma

Alberto Pinheiro Torres. - Camará dos Deputados.- De Guimarães. - Associação Empregados Commercio Guimarães cumprimenta V. Exa. e roga fineza interceder junto Presidente Conselho para que seja attendido pedido feito por esta associação de não ser alterada forma como se está cumprindo lei descanso semanal neste concelho, até que Parlamento resolva sobre assunto = Mariano Felgueiras, presidente.

Para se dar conhecimento ao Sr. Presidente do Conselho

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre o caso da Escola do Commercio do Porto e a syndicancia a que nella se anda procedendo = Pinheiro Torres.

Mandou-se expedir.

O Sr. Sonsa Tavares: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 2 de junho de 1903, relevando a Camara Municipal de Beja do pagamento das decimas de juros que lhe foram lançadas desde 1888 até 1901, inclusive, pelos emprestimos dos capitaes do celleiro commum, de que- é, administradora = O Deputado, Sousa Tavares

Foi admittida e enviada ás commissões de administração publica e fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É relevada a Camara Municipal do concelho de Beja do pagamento das decimas de juros que lhe foram lançadas desde 1888 até 1901, inclusive, pelos emprestimos dos capitães do celleiro commum, de que é administradora.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Archer da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino e pela Direcção Geral de Instruccão Secundaria e Superior, me seja enviada, com toda a urgencia, a copia do processo e despachos ministeriaes do processo que collocou em commissão no Lyceu de Coimbra o professor do

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Lyceu de Santarem, Alfredo Pereira Barreto Barbosa. = Henrique Archer da Silva.

Mandou-se expedir.

O Sr. João de Magalhães: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Insto novamente para que me sejam remettidos, com urgencia, os curtos e complementares documentos que requeri na sessão de 29 de agosto de 1908, e se relacionam com o fornecimento de travessas nas linhas ferreas do Estado. = João de Magalhães.

Mandou-se expedir.

O Sr. Sousa Avides: - Mando para a mesa e peço urgencia para a seguinte

Proposta

Proponho que a commissão de negocios estrangeiros internacionaes seja constituida por onze membros.

Requeiro a dispensa do regimento. = Sousa Avides.

O Sr. Presidente: - Vae entrar entrar em discussão. Visto que ninguem pede a palavra, vae votar-se. Os Srs.. Deputados que approvam a proposta, que acaba de ser lida, tenham a bondade dê se levantar.

Foi approvada.

O Sr. Visconde de Coruche: - Por parte da commissão de agricultura, mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. que se acha constituida a commissão de agricultura, tendo escolhido para presidente o Exmo. Sr. Conselheiro Manuel Vargas e a mim para secretario. = Visconde de Coruche.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição simultanea das commissões de negocios ecclésiasticos e de negocios externos e internacionaes. Peço aos Srs. Deputados a fineza de formularem as suas listas.

Faz-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Entraram na urna 53 listas. Convida para escrutinadores os Srs, Luis Crespo e Alexandre de Albuquerque.

Faz-se o escrutinio.

O Sr. Presidente: - Para a commissão de negocios ecclesiasticos foram eleitos por 53 votos os seguintes Srs.:

Antonio Roiz Costa da Silveira.
Arthur Pinto de Miranda Montenegro.
João Ignacio de Araujo Lima.
João Pereira de Magalhães.
José Bento da Rocha e Mello.
José Osorio da Grama e Castro.
Manuel Joaquim Fratel.
Visconde da Torre.
Visconde de Villa Moura.

O Sr. Presidente: - Vae fazer-se o escrutinio para a eleição da commissão de negocios estrangeiros e internacionaes.

Faz-se o escrutinio.

O Sr. Presidente: - Para a eleição da commissão de negocios estrangeiros e internacionaes foram eleito por 53 votos, correspondentes ao mesmo numero de listas, os seguintes Srs.:

Augusto de Castro Sampaio Côrte Real.
Conde de Penha Garcia.
Eduardo Valerio Augusto Villaça.
Francisco Cabral Metello.
João Carlos de Mello Barreto,
João Correia Botelho Castello Branco.
José Augusto Moreira de Almeida.
José. Coelho da Motta Prego.
Manuel Affonso da Silva Espregueira.
Manuel Joaquim Fratel.
Visconde da Torre.

O Sr. Presidente: - Vae-se entrar na segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Brito Camacho: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Brito Camacho a vir á mesa dizer qual é o assunto que deseja versar.

(Pausa).

O Orador: - O assunto urgente que o Sr. Camacho deseja tratar diz respeito a um telegramma que recebeu de Beja participando, que a ordem publica foi alterada, em consequencia da crise de trabalho. Os Srs. Deputados que atendem que se deve dar a palavra ao Sr. Brito Camacho tenham a bondade de se levantar.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: não roubarei muito tempo á Camara.
Recebi um telegramma de Beja participando-me que uma grande multidão de trabalhadores sem collocação procurou o Sr. governador civil do districto, a fim de lhe pedir providencias immediatas. Como, porem, o Sr. governador civil se encontra ausente d'aquella cidade, receia-se que graves perturbações ali se produzam.

O Sr. Presidente do Conselho decerto está informado da crise de trabalho que ha naquella cidade, crise que está tomando proporções extraordinarias, mas até hoje ainda não foram tomadas providencias de especie alguma.

São muitas centenas de pessoas que em Beja esmolam por não terem trabalho ha muito tempo, ao que, como já disse, urge remediar de pronto.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Campos Henriques): - Sr. Presidente: não tinha conhecimento dos factos a que o illustre Deputado Sr. Brito Camacho acaba de se referir. São elles de molde a merecer toda a attenção do Governo.

Vou escrever iminediatamente ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que deve estar no seu Ministerio, pedindo-lhe toda a attenção para o assunto e pedindo-lhe que mande o mais breve possivel abrir trabalho para remediar a crise. Sem demora vou tambem dirigir-me ao Sr. governador civil de Beja para que tome todas as providencias no intuito de evitar qualquer alteração da ordem não só no interesse d'aquelles povos como em attenção ao illustre Deputado.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Lourenço Cayolla: - Por parte da commissao de guerra mando para a mesa um parecer d'aquella commissão.

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O Sr. Queiroz Velloso: - Quando ha dias, depois da resposta que o Sr. Ministro da Fazenda deu ao seu aviso prévio, requereu para que a discussão se generalizasse, pediu que o inscrevessem em ultimo logar porque não queria preterir os seus collegas que quisessem versar o assunto, mas depois disso outros Srs. Deputados se inscreveram e, portanto, corre-lhe o dever de ser, tanto quanto possivel, breve nas suas considerações, tanto mais que pouca cousa nova se poderá já dizer sobre o assunto.

Pode dizer que nada tem a responder ao orador que precedeu, porque nem elle nem os oradores que do lado da maioria teem usado da palavra rebateram nenhum dos argumentos, alteraram nenhum dos numeros, ou contestaram nenhum dos factos que por parte da opposição foram apresentados, e que, por conjunto, se manteem de pé.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira nem de leve uma só palavra pronunciou em defesa do emprestimo. O Sr. Ministro da Fazenda bem se voltava para elle com olhos misericordiosos como que a pedir-lhe a esmola de uma defesa mas S. Exa. seguiu imperturbavelmente, olhando de quando em quando para o relogio a ver se a hora passava porque a queria preencher, mas sem dizer uma só palavra era defesa do emprestimo.

Isto o que prova é que ha assuntos que não teem defesa, negocios ião escuros que ninguem se atreve a pretender aclará-los, e que a disciplina partidaria, por vezes tão apertada, não podia obrigar ninguém a dizer que branco o que é absolutamente preto.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira tratou largamente da historia do actual regime da administração dos caminhos de ferro em Portugal, fez a historia dessa administração e em especial, a historia do emprestimo de 1903, a que S. Exa. ligou o seu nome; tratou de demonstrar a legalidade da operação e, por ultimo, com larga copia de argumentos, procurou demonstrar que dentro do fundo especial dos caminhos de ferro cabia em absoluto a garantia do ultimo emprestimo, mas em tudo isso nem uma unica palavra pronunciou em defesa do emprestimo. A unica referencia que lhe fez foi para dizer que o emprestimo de 1905 foi feito em melhores condições que o de 1903, o que ninguém contestou, porque o que se tem affirmado é que o de 1909-é peor que o de 1903.

Não tendo portanto que responder ao Sr. Conde de Paçô-Vieira, vae de novo referir-se ao emprestimo, apresentando alguns argumentos novos que a Camara apreciará.

O emprestimo, já o disse, não se justifica pela sua opportunidade, porque, como disse o Sr. Ministro da Fazenda, foi feito quando as circunstancias eram pessimas, e não se justifica tambem pela sua imprescindibilidade, porque é tambem o Sr. Ministro da Fazenda quem no seu relatorio mostra que elle não era absolutamente urgente, e ainda porque, sendo destinado á consolidação de uma parte da divida fluctuante interna, estando metade d'essa divida, e que o emprestimo vae consolidar, em posse da Caixa Geral de Depositos, o Estado passa a pagar de juros 6,18 por cento pelo que até ali pagava somente 4 por cento.

E tendo dito que o Sr. Ministro da Fazenda é o proprio que declara no seu relatorio de fazenda que o emprestimo não era urgente, compete-lhe prová-lo, o que faz lendo os periodos d'esse relatorio em que o Sr. Ministro se refere ao fundo especial dos caminhos de ferro, e onde em 6 de março, que é a data da apresentação do relatorio, diz que ha ainda disponiveis 275 contos de réis, que poderão servir para garantir a emissão de novas obrigações.

Isto o que mostra é que quando foi escrito o relatorio ainda não havia intenção de fazer o emprestimo e que depois tudo foi feito tão precipitadamente que nem se lembraram de corrigir esse periodo do relatorio.

E de passagem deve dizer que os numeros apresenta dos nesse relatorio não condizem com os que foram lidos pelo Sr. Conde de Paçô-Vieira, nem com os que a elle, orador, foram remettidos, ainda que a differença accusada é insignificante, uns trezentos mil réis.

Nesta altura, e referindo-se a decumentos, deve estranhar que não viessem hoje publicados no Diario do Governo os documentos de que o Sr. Conde de Paçô-Vieira se serviu na sessão de sabbado e que o Sr. Affonso Costa requereu e a Camara approvou que fossem publicados.

O Sr. Presidente: - Explica que o requerimento do Sr. Affonso Costa foi apresentado na sessão de sabbado, que hontem á noite recebeu esses documentos, que lhe foram enviados pelo Governo, que hontem mesmo os remetteu para a Imprensa Nacional e que se hoje não foram publicados não é porque tivesse havido demora na sua expedição.

O Orador: - Constata simplesmente o facto, dizendo que se fossem remettidos para a Imprensa Nacional com a nota de urgente seguramente elles teriam sido publicados hoje.

Lê em seguida varios documentos e apresenta diversos calculos para demonstrar que o emprestimo não é destinado a occorrer a novas construcções de caminhos de ferro, pois que pagos os adeantamentos feitos ao conselho de administração apenas sobram 242 contos de réis. Para este resultado deram-se de luvas 570 e tantos contos de réis, oscillando os lucros dos tomadores entre um minimo de 552 contos de réis e um maximo de 782 contos de réis.

Allude ainda á operação com a Caixa Geral de Depositos, criticando que o Sr. Ministro da Fazenda não desse a esse estabelecimento uma parte dos lucros que foi dar aos contratadores e termina accentuahdo que sob o ponto de vista financeiro foi desastrosa, não havendo votos de confiança que sustentem o Governo que praticou tal acto.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Costa Lobo:-Sr. Presidente: usando da palavra pela primeira vez nesta sessão, é com grande prazer que a aproveito para saudar V. Exa., a quem desde longa data me ligam laços da mais sincera e constante amizade.

É com a maior satisfação que vejo V. Exa. investido no elevado cargo que está exercendo, e que decerto muito honrará, porque, embora sejam sempre grandes as difficuldades que nelle se encontram, e as circunstancias actuaes muito as aggravam, são para nos segura garantia de que as vencerão as suas qualidades de caracter, o seu talento e a sua grande energia alliada a uma sabia ponderação. (Apoiados).

Sr. Presidente: a discussão pendente foi iniciada por um aviso prévio apresentado pelo Sr. Queiroz Velloso, mas á verdade é que já tinha como prologo um violento discurso do meu illustre amigo e distincto parlamentar o Sr. João Pinto dos Santos.

Tenho por S. Exa. a maior consideração, e affirmo-o sem a menor preoccupação de lhe ser agradavel ou attenuar o effeito das considerações que me são suggeridas pela maneira como está sendo tratado o assunto em discussão.

Basta attentar na maneira como a questão foi posta pelo Sr. João Pinto dos Santos, para logo se reconhecer quanto é verdade que nos encontramos numa época anormal da nossa vida politica, em que as paixões refervem e os espiritos se agitam desorientadamente, não podendo explicar-se por outra forma a maneira como está sendo atacado o Governo. (Apoiados).

Tenho aqui presente o extracto da sessão em que o Sr. João Pinto dos Santos se referiu á operação financeira que está sendo apreciada, e é de toda a importancia chamar a attenção da Camara e do publico para as palavras

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de S. Exa., porque d'ellas immediatamente resalta quanto é injustificado o ataque a que estamos assistindo, e como é absolutamente falha de base a accusação pronunciada por S. Exa. (Apoiados).

Disse S. Exa.:

"É um contrato que a opinião publica malsina e que elle, orador, fazendo-se eco d'essa opinião, accusa de ruinoso para o pais".

Aqui estão as palavras do Sr. João Pinto dos Santos dando plena confirmação ás minhas considerações.

S. Exa. accusa, sem reservas, com a maior violencia, e fazendo-se, diz, eco de insinuações gravissimas! Pois, note a Camara, nessa occasião, o contrato ainda não era conhecido; o contrato só foi publicado no dia seguinte áquelle em que S. Exa. falou aqui e, comtudo, já nesse dia se manifestava d'esta maneira, fazendo-se, dizia, eco da opinião publica, que, affirmava S. Exa., accusava o contrato de ruinoso e o malsinava!

Veja V. Exa., Sr. Presidente, quanto ha de grave em factos assim passados, e como o publico precisa estar precavido contra semelhantes processos de ataque, a fim de se não deixar desorientar nas suas apreciações com grave prejuizo para o pais. (Apoiados).

Quando o Sr. João Pinto dos Santos aqui se occupou pela primeira vez deste assunto ainda não eram conhecidas as condições do contrato do emprestimo; e no entanto S. Exa., que é um homem serio, cujo caracter nos merece a maior consideração, o que repito sem a menor sombra de lisonja, que nunca se encontrará nas minhas palavras, já nesta occasião se julgava no direito de falar por esta forma, e decerto S. Exa. estava convencido de que se encontrava embom campo.

O Sr, João Pinto dos Santos: - V. Exa. faz-me a justiça de acreditar que eu, para pôr a questão de moralidade, é porque tinha elementos para isso.

O Orador: - Eu já tenho tido occasião de manifestar o respeito que sinto pelo caracter de V. Exa., mas o que quero justificar, e é o importante para que o país ponderadamente possa apreciar esta discussão, e assentar num juizo definitivo e seguro, é que a opposição partiu de uma base falsa, encarando o assunto como uma questão de moralidade, quando é bem certo que nenhuma razão tinha para assim proceder. (Apoiados).

Não se tratou, Sr. Presidente, de estudar o contrato, dê o apreciar para concluir da sua vantagem, e em seguida julgar o Ministro.

Nada d'isto, Sr. Presidente.

Foi assinado pelo Sr. Conselheiro Espregueira? Tanto basta para a opposição se julgar no direito de entender que não precisa de mais exame para immediatamente poder concluir que o contrato é ruinoso.

A que exageros, a que erros, Sr. Presidente, levam as paixões, politicas! (Apoiados).

É especialmente contra estes processos de critica que me insurjo, contra esta maneira de tratar as mais graves questões e que revela quanto estão accesas as paixões politicas, que alem de provocarem consequencias desastrosas para o nosso credito no estrangeiro, prejudicam os interesses do país e justificam nos homens de Estado melindres exagerados e natural receio sobre a interpretação dos seus actos, mesmo dos mais uteis á causa publica, o que naturalmente provocará é afastamento dos mais serios com grande prejuizo para o Estado. (Apoiados).

Mas ha mais, Sr. Presidente, e importantissimo, para a apreciação do ataque a que estamos assistindo.

Da parte da opposição, onde se encontram elementos dos mais radicaes, só teem falado oradores que ainda ha pouco occupavam este lado da Camara e davam o seu apoio ao actual governo, merecendo-lhe decerto consideração todos os seus membros.

Ora, Sr. Presidente, não será significativo que, tendo falado já seis oradores, não se encontre ainda entre elles nenhum Deputado do partido republicano?

Sr. Presidente: vou passar a occupar-me da questão, não sob o ponto de vista pessoal, mas examinando-a na sua essencia como deve ser apreciada.

Demais o Sr. Conselheiro Espregueira não precisa de defesa. (Apoiados). A defesa de S. Exa. está na grande confiança que merece tanto nos mercados externos como nos mercados internos, no zelo modelar da sua administração, que recebe os mais rasgados louvores de todos quantos teem occasião de apreciá-la com imparcialidade, (Apoiados) e o que é para surprehender é ter o Sr. Ministro da Fazenda podido conseguir um contrato nestas condições, attentas as difficuldades que existem no mercado do nosso pais. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Velloso atacou o contrato sob differentes aspectos, mas é facil de reconhecer que, tudo quanto contra o empréstimo em discussão se tem dito, entra num dos tres seguintes pontos de vista da sua legalidade, das condições em que o contrato foi realizado, e da sua opportunidade.

Relativamente á questão da legalidade, passarei sem lhe fazer referencia especial em vista dos proprios oradores da opposição já terem declarado que a punham de parte; evidentemente, por terem comprehendido que as suas criticas a este respeito tinham sido completamente destruidas.

Passemos ao exame da critica sobre as condições em que o contrato foi feito.
E curioso ver a maneira como a opposição procura deturpar as cifras e as agrupa de differentes formas, as estende, as encastella e repete as operações, dando espectaculo semelhante ao que se observa nas magicas em que os mesmos comparsas entram repetidas vezes na scena apparentando a existencia de multidões, tudo aqui com o fim de desorientar o publico e fazer-lhe crer que se realizou uma operação ruinosa e condemnavel.

Pois, Sr. Presidente, a questão é muito simples.

Ou a encaramos attendendo á differença entre a quantia que é recebida effectivamente pelo Estado, e a que tem de ser paga, e nesse caso ha a considerar o prejuizo immediato correspondente e a apreciar a sua importancia, mas emquanto ao juro deve reconhecer se logo que é muito reduzido, pois é simplesmente de 5 por cento como estabelecem as condições da operação, ou debaixo do ponto de vista do juro que se fica pagando pela quantia effectivamente recebida, não havendo neste caso a considerar prejuizo algum para o Estado resultante da consideração d'aquella differença.

Assim é que fica nitidamente posta a questão, e assim deve ser lealmente exposta ao publico para que este, podendo apreciá-la devidamente, estabeleça com justiça o seu veredictum. (Apoiados).

Quer a opposição atacar o contrato porque o Estado não recebeu uma certa quantia que fica em divida e, ao mesmo tempo, porque fica pagando um juro exagerado pela quantia que effectivamente recebe; é processo que não pode ser admittido, e basta ser conhecido do publico. para este dever concluir que são destituidas de base as accusações que com tão grande violencia temos visto formular. (Apoiados).

Mas examinemos singelamente os numeros que, com verdade, se encontram no assunto em discussão.

Qual é a quantia que o Estado realmente recebeu em 1 de abril, data a partir da qual começa a soffrer os encargos do emprestimo?

Diz a 2.ª condição que, da importancia do emprestimo, 10 por cento será entregue ao Thesouro no acto da assinatura do contrato de 27 de fevereiro, e o restante em prestações de 10 por cento, com intervallos de 60 dias, ficando os mutuantes com a faculdade de antecipar qual-

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SESSÃO N.º 14 DE 22 DE MARÇO DE 1909 13

quer d'esses pagamentos mediante o juro de 5 por cento ao anno, que será abonado pelo Governo.

Pela condição 11.ª o Governo ficou obrigado a abonar para commissão, corretagem e mais gastos de collocação, incluindo a feitura dos titulos definitivos nominativos e ao portador, a commissão de 2 por cento sobre a importancia effectiva do emprestimo, a deduzida primeira prestação a entregar no acto da assinatura do presente contrato.

Conclue-se, pois, com todo é rigor, que o Estado recebe em 27 de fevereiro 320 contos de réis, quantia que se obtém deduzindo da primeira prestação de 400 contos de réis 80 contos de réis em harmonia com a 11.ª condição.

Mas como os encargos do emprestimo só principiam em 1 de abril, aquelles 320 contos a 5 por cento representam naquella data 321:333$333 réis. Tem o Estado a receber mais 3:600 contos de réis, mas, como a segunda prestação é entregue um mês depois do dia 1 de abril e as outras successivamente com intervallos de 60 dias, é facil de ver que na quantia com que deve contar-se no dia 1 de abril ha a descontar o juro a 5 por cento de 400 contos de réis durante 81 meses, ou 81 multiplicado por 1:666$666 réis, isto é, 134:999$946 réis.

Logo, referida a 1 de abril, a quantia que o Estado realmente recebe é de 3.786:333$387 réis, que se obtém sommando aos 321:333$333 da primeira prestação do 3:600 contos de réis das 9 prestações seguintes, e deduzindo a importancia de 134:999$946 réis pelo facto de não ser aquella quantia recebida no dia 1 de abril.

Mas a quantia pela qual o Estado se reconhece devedor, e que deverá ser amortizada - em 60 annos, é de 4.604:240$000 réis, correspondente a 57:553 obrigações de 80$000 réis, que em harmonia com a condição 4.ª deverão ser entregues pelo Governo aos mutuantes.

Logo a differença entre a quantia recebida e a quantia que fica em divida é com todo o rigor 817:906$613 réis.

Decerto o Estado deixa de receber esta quantia, é um encargo da operação, importante, é certo, mas que para ser devidamente apreciado é preciso attender ao encargo que o Estado vae tomar.

E este regulado pela 5.ª condição, que estabelece como unico encargo para o Thesouro, até completa amortização do emprestimo, durante 60 annos, a annuidade de réis 242:512$687, quantia que representa exactamente a annuidade a pagar durante aquelle periodo para amortização do capital de 4.604:240$000 réis ao juro de 5 por cento ao anno.

Ora, se o Estado contçahisse o emprestimo de réis 3.786:333$387, quantia que realmente recebe, a 5 por cento, sem amortização, e seria decerto uma transacção que nenhum reparo poderia merecer, embora devam ser postas de parte transacções desta natureza, ficaria indefinidamente com o encargo de 189:316$670 réis, e vê-se ainda mais que, com encargo annual, durante 60 annos, de 53:196$078 réis, fica o Estado completamente livre do peso d'este emprestimo ao fim deste periodo. Esta é a apreciação exacta do contrato, que decerto estimariamos pudesse ter sido ainda mais favoravel, mas de modo algum é de molde a justificar a maneira como é censurado. (Apoiados).

Como se deprehende do que temos dito, considerando o prejuizo immediato de 817:906$613 réis, de modo algum devem ser architectados calculos sobre o juro da operação. Assim considerada, o juro é somente de 5 por cento ao anno, e nada mais ha a acrescentar.

Representa esta quantia de 817:906$613 réis lucros para os mutuantes?

É facto para nos de secundaria importancia. só temos que perguntar se em melhores condições poderia ser realizada a operação, e é indubitavel que a finança, nas circunstancias em que se encontra o mercado, respondesse terminantemente que não.

Mas sem querer entrar em casa alheia sempre observarei que o lucro dos tomadores está muito longe de ser .representado por aquella quantia, e sem ser possivel apreciar a quanto ficará reduzido, é fácil calcular o maximo a que poderá elevar-se.

Para isso poderemos orientar-nos pela transacção feita pelos mutuantes com a Caixa :Geral de Depositos, de 13:600 obrigações a 73$000 réis. Representa-lhe um prejuizo de 7$000 réis por obrigação, e como devemos suppor que não serão inferiores a 2$000 réis por obrigação as despesas geraes a que serão obrigados, e que offereceram as obrigações ao publico a 75$000 réis, justificado é calcular para todo o emprestimo em 7$000 roéis o lucro de que os tomadores terão de prescindir por obrigação, o que no total do emprestimo se eleva a 402:871$000 réis, quantia que vae beneficiar o publico, ficando o lucro dos tomadores, que correram o risco, no limite maximo de 415:035$613 réis, cerca de 10 por cento do total do emprestimo, quantia que decerto seria exagerada para uma transacção a curto prazo, mas que já vimos pouca influencia tem, visto o encargo a que o Thesouro fica obrigado, e a maneira como justificadamente o apreciei.

Se encaramos a transacção debaixo do ponto de vista do juro, então vemos, como diz a opposição, que se trata de um emprestimo a 6,18 por cento.

Mas neste caso não ha a considerar a differença entre o valor nominal do emprestimo e a quantia realmente recebida, porque aquelle juro é calculado suppondo que a annuidade paga a amortização somente da quantia que é recebida, e que o restante representa o encargo do juro à 6,18 por cento. E é effectivamente assim que, muito melhor, pode ser apreciado o emprestimo.

É uma transacção pela qual, attendendo á quantia realmente recebida., se fica pagando o juro de 6,18 por cento, sem que tenhamos a considerar lucros para os tomadores, nem mais circunstancias que possam significar onus para o Thesouro.

Esta é a maneira leal de raciocinar. Assim é que deve ser esclarecido o publico para que possa julgar com justiça. (Apoiados).

Passemos a apreciar a opportunidade do contrato.

Diz a opposição que não foi opportuno porque obrigou a acceitar um encargo muito pesado, visto ser muito elevado o juro.

Não é preciso reflectir muito sobre a situação financeira para logo se reconhecer quanto é infundada esta apreciação.

Nem basta dizer que o emprestimo é feito ao juro de 6,18 por cento para esclarecer devidamente o publico, é preciso acrescentar logo que o emprestimo foi realizado nas condições especiaes em que se encontra o país, e que é um emprestimo nacional, o que alem de outras vantagens tem evidentemente a de ficarem no país os lucros resultantes da differença entre o valor nominal do emprestimo e a quantia effectivamente recebida pelo Estado. (Apoiados).

Mas ha um ponto debaixo do qual deve ser muito especialmente examinada esta transacção, e que afasta todas as duvidas que pudessemos ainda ter sobre a sua opportunidade, sobre o serviço prestado pelo Governo levando-a a cabo.

Sabe-se até que ponto tem chegado o retrahimento dos capitães. Esta transacção veio desannuviar a situação e assignalar que no capital renasceu a confiança na administração publica. (Apoiados).

Oxalá, Sr. Presidente, que esta discussão, tão apaixonada, tão politica, não venha prejudicar os vantajosos resultados que o Governo tem assegurado realizando-a. (Apoiados).

Deveras receio que se perca o effeito moral que devia-mos esperar, e grande será a responsabilidade para a opposição, que conhece bem a necessidade que ha de con-

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verter a divida fluctuante, e sabe bem que uma transacção desta ordem, da maior urgencia para o pais, só pode ser realizada quando a administração publica inspire a maior confiança, e a possibilidade da realização da operação que estamos discutindo seria o sinal mais seguro para o mercado financeiro de que o país entrou num periodo de tranquillidade e confia no Governo. (Apoiados).

De mais não pode surprehender a taxa do emprestimo, sendo bem sabido quão exageradas estão sendo as exigencias do capital, e que a usura tem aproveitado a occasião para uma exploração desenfreada, levando o juro a 10, 12 e até 25 por cento, em transacções commerciaes.

Custa a acreditar que possam dar-se factos desta ordem, não se comprehende como possa haver commercio que chegue a esta extremidade. E, comtudo, bastará saber que os boatos aterradores que por ahi são constantemente espalhados, o receio que tomou o publico de fortes abalos politicos, provocam o seu retrahimento, e desde que o negocio de uma casa commercial se encontra durante um certo periodo consideravelmente reduzido, e eu sei que para muitas, e das mais importantes, esta reducção tem subido a 50 por cento, impossivel se torna satisfazer os seus compromissos e só acceitaudo condições leoninas poderão aguentar-se. São os lamentosos effeitos d'estas injustificadas campanhas. (Apoiados).

E, pois, innegavel que foi da maior opportunidade a realização d'este emprestimo.

Assim conseguiu o Governo mostrar aos países estrangeiros que em Portugal ha consideraveis disponibilidades, e que o capital confia no Governo. (Apoiados). É um resultado do maior alcance.

Relativamente á operação feita pela Caixa Geral de Depositos, permitta-se-me dizê-lo, é curioso ver a maneira como a questão é tratada, como se abusa da boa fé do publico e principalmente se joga com a convicção de que este, sem estudar o assunto, acceitará como certo tudo quanto lhe seja affirmado.

V. Exa. comprehende que accusar o Governo por não ter collocado o emprestimo na Caixa Geral de Depositos é tudo quanto ha de mais injusto.

Se o Governo tivesse assim procedido, decerto muito mais violentos seriam os ataques, e, segundo a minha opinião, justificadas seriam então as queixas. (Apoiados).

Basta observar que, se o Governo seguisse este caminho, perder-se-hia o effeito moral da operação. (Apoiados).

Mas ha mais. Transacções d'esta ordem são feitas em toda a parte por intervenção de banqueiros, que estabelecem as condições e correm o risco do resultado. O Governo examina-as, discute-as, apura se são acceitaveis, e a Camara o que tem de apreciar é se, attendendo ás condições acceites, o Governo empregou todos os meios para salvaguardar o mais possivel os interesses do Estado. (Apoiados).

Ora, pelos documentos viu-se que o Governo discutiu essas condições palmo a palmo, e que, se não conseguiu melhor, é porque a parte contratadora não cedeu. E com razão devemos acreditar que não poderia ceder, porque é de todo o ponto justificado suppor que nesta occasião os contratadores nem estariam seguros da collocaçao do emprestimo nas condições em que tinham de o fazer.

Sendo assim nada ha que possa levar-nos a concluir contra a maneira como o Governo procedeu pelo facto de não contratar directamente na Caixa Geral de Depositos.

Estou convencido de que o Governo não pode contratar de outra maneira, e de que, se o fizesse, não deixaria de haver ásperas censuras contra o seu procedimento. (Apoiados).

Mas ha mais e mais grave - a maneia como é posta e tratada a accusação debaixo d'este ponto de vista feita ao Governo, o que mais confirma que as paixões politicas estão dirigindo esta discussão. Refiro-me á accusação constante que temes ouvido do que o Governo ainda perdeu mais 108 contos de réis, quantia que foi entregar aos tomadores!

Isto é tudo quanto ha de mais extraordinario! Esta maneira de argumentar não se comprehende! (Apoiados). Pois então o Governo é accusado de ter feito um contrato em que ha uma differença de 817 contos de réis entre a quantia que recebe e o nominal do emprestimo, e depois ainda é accusado porque deu mais 108 contos de réis.

Por um lado diz-se que o Governo não recebe certa quantia e ao mesmo tempo affirma-se que ainda vae dar aos contratadores mais 108 contos de réis que d'ella fazem parte! (Apoiados). Mas esses 108 contos de réis estão já incluidos nos lucros de cerca de 400 contos de réis que lhe foram attribuidos, portanto o que deve dizer-se é que ha a deduzir nesses calculos a quantia de 27:200$000 réis que os contratadores deixara de receber, correspondentes a 2$000 réis por cada uma das 13:600 obrigações que collocam na Caixa Geral de Depositos. (Apoiados). O que é indiscutivel é que o Governo por motivo algum pode ser accusado por este facto. (Apoiados).

E para terminar só acrescentarei que é dolorosissima a impressão que causam estas discussões, em que se parte das mais infundadas accusações, affectando não só o bom nome e o credito do pais, mas tambem prejudicando gravemente a economia nacional.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Presidente: - Como é quasi a hora de se encerrar a sessão eu já não dou hoje a palavra ao Sr. Deputado que se seguia na inscrição.

Amanhã ha sessão á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 40 minutos da tarde.

Documento mandado para a mesa nesta sessão

Representação

Dos aspirantes de fazenda do concelho de Braga, pedindo para que tenham isenção completa do pagamento da contribuição, reducção de 50 por cento nos caminhos de ferro e subsidio de residencia identica aos collegas da area do Porto.

Apresentada pelo Sr. Deputado Pinheiro Torres e mandada publicar no "Diario da Camara".

O REDACTOR = Gaspar de Abreu.

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