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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Em cumprimento de resolução da camara dos senhores deputados publica-se a seguinte proposta de lei

Senhores. — O codigo approvado por decreto de 18 de setembro de 1833, e que desde essa epocha corre e se observa como lei commercial n'este reino e seus dominios, na secção 1.º, titulo 12.°, parte 1.ª do livro 2.°, estabeleceu as regras para a formação ou organisação das companhias de commercio; que assim se designam entre nós as associações com responsabilidade limitada para os interessados.

Taes associações são aquellas que geralmente se denominam «sociedades anonymas»; porque, sendo ellas, na essencia, associações de capitaes e não de individuos, devem ser conhecidas só pela indicação clara e característica do objecto ou fim, a que se destinam, sem designação dos nomes dos associados, nem de firma alguma social.

Diz-nos a historia do commercio dos differentes povos civilisados que, sem fundamento, se tem attribuido a esta fórma de sociedade commercial uma origem moderna.

E sabido que em epochas já remotas, para a organisação de algumas vastas emprezas, que, sem o auxilio poderoso de capitaes avultados, não podiam ser postas em obra, foi necessario recorrer á formação de companhias compostas de accionistas ou subscriptores do capital social, responsaveis unicamente pelas sommas por cada um subscriptas.

Inutil é trazer para aqui os exemplos, que já em 1407 podemos colher nas republicas estabelecidas na Italia, citando o celebre banco de S. Jorge, fundado em Genova. Desnecessário é fallar na companhia das índias orientaes, estabelecida na Hollanda em 1602; lembrar a existencia da companhia do Senegal, da de Cayenna, da do commercio da India, da companhia do Brazil, da de Cabo Verde e Cacheu, da do Gran-Pará e Maranhão, Pernambuco e Parahiba; e de tantas outras que, em epochas e paizes differentes, se crearam com o intuito de imprimir vigoroso impulso a ramos differentes do commercio e da industria.

Mas, se com verdade se póde dizer que as sociedades anonymas são de antiga origem, não é menos exacto sustentar que só os codigos commerciaes de datas mais ou menos recentes, mas todos considerados codificações modernas, deram a estas associações, de especialissima natureza, uma denominação particular, sujeitando a sua organisação e regimen a regras escriptas e definidas em lei de effeito commum e geral, e em regulamentos administrativos.

Existiram, é verdade, antigas associações com a indole e natureza das modernas sociedades anonymas; mas cada uma d'ellas teve origem em lei especial; e as mais das vezes foram creadas mais pelos esforços e empenho dos governos, do que pela iniciativa particular.

E tambem sabido que a existencia de associações com a natureza daquellas, a que nos referimos (nas quaes o direito commum, que exige a responsabilidade illimitada, para o cumprimento fiel e integral de qualquer obrigação ou compromisso, é derogado pelo privilegio da responsabilidade limitado), foi nas sociedades antigas apenas uma excepção, que não podia deixar de se generalisar, no modo de ser do mundo moderno, onde os maravilhosos progressos da industria e do commercio não teriam nunca sido realisados, sem que o principio salutar da associação tivesse um largo e fecundo desenvolvimento; isento, quanto possivel, de obstaculos e de peias não justificadas.

É incontestavel que as sociedades anonymas, pelo principio de responsabilidade limitada dos seus subscriptores ou accionistas, tem sido efficacissimo meio para a organisação de emprezas, que exigiam o concurso de avultadíssimos capitaes; sem a reunião dos quaes nunca teriamos observado os commettimentos, que são a gloria das gerações, que os intentaram, e origem de publica prosperidade.

Os bancos e outras sociedades financeiras, que pelo credito dão vida aos capitaes inertes, e singularmente desenvolvem o trabalho; os canaes, que prestam aos povos communicações faceis e que fertilisam os campos; as vias ferreas que, encurtando as distancias, mudam a face do mundo; as vastissimas emprezas de navegação, que transformam o commercio longínquo; os mais importantes estabelecimentos fabris, as emprezas de edificação de cidades novas, e de alargamento e reedificações das antigas, a maior parte das sociedades de seguros, as de explorações de minas e centenares de outras, com fins e intuitos variados, nunca teriam existido, senão em limitadissimas proporções, sem que o principio, que constitue a essencia das sociedades anonymas, fosse reconhecido e regulado na legislação commercial de todos os povos cultos.

¦ E comtudo, senhores, apesar de quanto se tem proclamado para fazer sentir os maravilhosos resultados da associação dos capitaes (muitos dos quaes são infecundos quando espalhados, sem que mão intelligente lhes dê actividade), não faltam censuras e criticas, mais ou menos fundadas, contra o principio da responsabilidade limitada em materia de associação. Mas, força é repeti-lo, a observação desapaixonada, sem desconhecer os perigos d'esta derogação ao direito commum, confessa que nem a riqueza publica, nem o desenvolvimento industrial e commercial da maior parte das nações, teriam attingido o grau, a que se acham elevados, se as leis do commercio não tivessem sanccionado esta doutrina. Como porém estas sociedades são organisadas por um principio excepcional de direito, entenderam os legisladores dos codigos commerciaes modernos, que ellas nunca deveriam ter existencia juridica, nem ser admittidas a funccionar, com o goso do privilegio da responsabilidade limitada, sem estarem sujeitas á tutela administrativa; acreditando que este preceito seria conveniente para garantir os interesses do publico, que com ellas tem de contratar, e tambem os dos associados.

O artigo 546.° do codigo commercial portuguez, estatuindo que as companhias de commercio só possam ser estabelecidas por auctorisação especial do governo, e approvação de sua constituição, seguiu a doutrina que até ha pouco era consignada na legislação vigente das nações mais adiantadas. A experiencia porém tem mostrado ser conveniente substituir a auctorisação administrativa por um systema mais liberal, mais conforme aos principios da economia politica, que proclamam a liberdade de commercio e de industria, systema que facilite a associação de capitaes, sem comtudo desprezar a justa protecção, a que têem direito o publico e os associados. Esta protecção só deve fundar-se nos principios salutares, que a lei estabelecer, e não em uma tutela publica, a maior parte das vezes ficticia e inefficaz.

Proclamar a liberdade economica e commercial, provocando para a associação a espontaneidade dos cidadãos, e libertando-os progressivamente da tutela do estado, taes são os principios que hoje se reconhecem como os mais raciocinaes. Na proposta de lei, que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame, o principio essencial e mais importante consiste em substituir a previa auctorisação administrativa, até hoje necessaria para a instituição de sociedades anonymas, pela liberdade da associação, sempre que se cumpram, na organisação destas sociedades e no seu regimen economico, os preceitos que a lei prescrever.