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N.º 15.

14.A SESSÃO PREPARATORIA

EM 24 DE JANEIRO.

1853.

PRESIDENCIA DO Sr. ROUSSADO GORJÃO, Decano.

Chamada. — Presentes 71 Srs. Deputados.

Abertura: — Pouco depois do meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officios: — 1.º Do Sr. Deputado eleito, Cesar Ribeiro Abranches Castello Branco, participando que não só pelo máo estado da sua saude, mas tambem por negocios domesticos, não lhe tem sido possivel partir para Lisboa, afim de se apresentar na Junta Preparatoria. — Inteirada.

2.º Do Sr. Deputado Jeremias Mascarenhas, participando que não comparece á Sessão de hoje, por estar incommodado de saude. — Inteirada.

Do Sr. Deputado eleito Visconde da Barca, participando que o seu máo estado de saude o tem impedido de comparecer na Junta Preparatoria, como desejava. — Inteirada.

3.º Do Ministerio do Reino, participando, que em virtude do Officio da Meza da Junta Preparatoria, acompanhando o Requerimento da 3.ª Commissão de Verificação de Podares da mesma Junta, para que lhe sejam presentes as Actas da eleição dos Concelhos de Aljezur e Villa do Bispo, pertencentes ao Circulo Eleitoral de Lagos, se tinham expedido com toda a urgencia as necessarias ordens ao Governador Civil do Districto de Faro, para exigir aquellas Actas, e remette-las logo áquelle Ministerio. — Á Commissão respectiva.

4.º Do cidadão José Henriques Ferreira, acompanhando um Protesto documentado contra a eleição do Concelho do Vouga, Circulo de Aveiro.

O Sr. Presidente: — Eu desejo saber qual e o destino que a Junta intende que se deva dar a este Officio que se acaba de ler, o qual acompanha o Protesto de um Cidadão contra as eleições do Concelho de Vouga, Districto de Aveiro. Como se acha em discussão o Parecer da 1.ª Commissão de Verificação de Poderes, que abrange o Districto de Aveiro, seria talvez mais regular ficar este Protesto sobre a meza e dar-se conhecimento delle, quando entrar em discussão a parte do Parecer relativo ao mesmo Districto. Vou pôr á votação se deve ficar sobre a meza, ou qual o destino que deve ter.

O Sr. Avila: — Eu direi que este Protesto da eleição de Aveiro, parece-me que sem comprometter a ordem da discussão, podia V. Ex.ª manda-lo á respectiva Commissão, ficando a discussão sobre o Districto de Aveiro pendente para quando a Commissão emittisse o Parecer sobre este Protesto; e ainda que a Commissão não tenha apresentado o seu Parecer, quando se chegar ao Districto de Aveiro, como ha outros Pareceres das «duas Commissões de Verificação de Poderes, que estão impressos e dados para ordem do dia, não se demorava por isso a discussão; porque V. Ex.ª quando chegasse a discussão de Aveiro, podia mandar abrir o debate sobre outro Circulo. A Commissão póde dar o seu Parecer hoje, póde da-lo ámanhã, e desta forma se satisfazia aos requerentes que mandaram este Protesto, sem que por isto houvesse a menor demora na discussão.

O Sr. Presidente: — Pois então eu vou pôr á votação...

O Sr. Alves Martins: — Peço perdão; mas como

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ouvi fallar da eleição de Aveiro e de um Protesto sobre ella, desejava, como pertencendo á Commissão que deu o seu Parecer sobre esta eleição, que o Sr. Avila tivesse a bondade de me dar uma idéa do que acabou de dizer.

O Sr. Avila: — O Sr. Presidente deu conhecimento á Junta Preparatoria de que estava sobre a meza um Protesto relativo á eleição de Aveiro: ora aqui ha duas coizas a fazer, ou deixar o Protesto sobre a meza para poder ser consultado pelos Membros desta Junta, ou manda-lo á respectiva Commissão: eu intendia que era mais conveniente que se mandasse á Commissão fazendo-se o seguinte: como estão dados para ordem do dia outros Pareceres, quando se chegasse á eleição de Aveiro, se a Commissão ainda não tivesse podido apresentar o seu Parecer, continuava a discussão sobre outro Circulo: supponhamos que este Protesto era de pouca monta, a Commissão dava hoje o seu Parecer, quando chegassemos á discussão da eleição de Aveiro, podiamos entrar nesse debate; e se a Commissão não tivesse ainda dado o seu Parecer, era porque o Protesto era de alguma importancia; isso mesmo provava a necessidade de ser examinado pela Commissão, e esta Junta mostrava aos requerentes que o direito de petição não era uma irrisão: desta maneira satisfazia-se tudo e não havia a menor demora na discussão.

O Sr. Alves Martins: — Estou de accordo com O illustre Deputado, e é provavel que a Commissão dê o seu Parecer antes de se chegar á discussão da eleição de Aveiro.

Resolveu-se que o Protesto fosse remei tido á Commissão, para sobre elle dar o seu Parecer.

O Sr. Conde da Louza (D. João): — O Sr. Visconde de Monção encarregou-me de communicar a esta Junta, que por motivo de doença não comparecia hoje é. Sessão.

O Sr. D. Rodrigo de Menezes: — Pedi a palavra para communicar a esta Junta que o Sr. Deputado Ottolini não comparece hoje á Sessão por incommodo de saude.

Aproveito tambem esta occasião para perguntar a v. Ex.ª se unia disposição regimental da Camara transacta está ou não em vigor. O Sr. José Estevão na Camara passada propoz que os Srs. Deputados que pedissem a palavra, declarassem, se era pro ou contra para fallarem alternadamente, e a practica mostrou que este methodo era util, ora se elle está em vigor, não tenho nada que dizer; mas se não o está, desejo mandar para a Meza uma Proposta neste sentido. (Vozes: — Isso é para quando o Camara estiver constituida.)

O Orador: — Nesse caso reservo-me para então apresentar a minha Moção.

Continuando aproveito tambem esta occasião para pedir a v. Ex.ª que a Meza se dirija officialmente aos Srs. Deputados eleitos pelo Continente e que não mandaram até hoje as suas escusas, convidando-os a virem tomar o seu logar nesta Casa, porque desde o momento em que a Junta Preparatoria se constituir em Camara, não podemos funccionar sem o numero de 79 Srs. Deputados; e como até hoje ainda se não reuniram mais do que 68, 69, 70 e 71 que é o maximo que se tem apresentado, por isso mando para Meza a seguinte:

Proposta: — Proponho que se officie aos Srs. Deputados, que ainda se não apresentaram na Camara, para que venham occupar as suas cadeiras, pela necessidade que ha de numero para se constituir a mesma Camara. — D. Rodrigo J. de Menezes. Não foi admittida á discussão.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do Parecer da 1.ª Commissão de Verificação de Poderes.

O Sr. Presidente: — Na ordem da inscripção segue-se o Sr. Nogueira Soares com a palavra.

O Sr. Nogueira Soares: — Como o que eu tinha a dizer é pouco mais ou menos o mesmo que expoz o Sr. Justino de Freitas, e não querendo tornar tempo á Junta, peço a v. Ex.ª que dê a palavra ao Orador que se segue, que é o Sr. Antonio da Cunha, inscrevendo-me de novo para fallar, quando me competir.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, declaro que acceito com repugnancia a palavra, porque tendo idéas sobre o Systema Representativo muito differentes das professadas pelo Governo, é-me muito desagradavel fallar, estando completamente desertos os bancos dos Srs. Ministros. Intendia e intendo que os Srs. Ministros devem estar nas suas Cadeiras; esta opinião é perfeitamente constitucional e parlamentar, e não conheço nem reconheço em ninguem delegação para responder pelo Ministerio. Estimaria que o Sr. Nogueira Soares tivesse usado da palavra, para vêr se durante o tempo, que S. S.ª estivesse fallando chegava algum dos Srs. Ministros. Mas como a minha má sorte quer que eu seja em tudo contrariado, direi o que tenho a dizer. Os bons desejos e empenho que v. Ex.ª mostra pela regularidade dos nossos trabalhos; a cor dura do seu caracter, e a benevolencia com que me tracta, impõe-me o rigoroso dever de me conduzir nesta discussão de fórma tal, que não desmereça da estima com que v. Ex.ª me honra.

Sei que dois dos Srs. Ministros não podem vir á Sessão por motivos de molestia; e se a attenção não fosse em mim um principio de educação, bastavam os sentimentos de humanidade para não ir aggravar a enfermidade de S. Ex.ª Tractarei só da questão eleitoral prescindindo de outra qualquer que possa ir ao leito dos valetudinarios apoquentar-lhes a pouca saude.

Seguindo o exemplo do meu nobre amigo e Collega, o Sr. Corrêa Caldeira, aproveito esta occasião para dar com toda a lealdade os meus sinceros agradecimentos aos Eleitores de Béja, que pela segunda vez me fizeram a honra de eleger seu Representante. Se até aqui a fidelidade era em mim simples como o instincto; de hoje avante será illustrada como a razão, forte como um sentimento, e sujeita como a obediencia.

Sr. Presidente, não desejo por fóra desta Casa ninguem, e ainda que tivesse esse desejo e essa vontade faltavam-me as forças para a execução; mas eu que fui testemunha, eu que ouvi accusar severa e desapiedadamente os Governos passados pela ingerencia nos Processos Eleitoraes, não posso levar a minha indifferença a ponto tal, que me esqueça da interferencia mais que escandalosa que o Governo exerceu na actual eleição. Não ha exemplo nos nossos fastos parlamentares, sujos e emporcalhados como são, de tanto escandalo, de tanta indignidade, e de tanta corrupção. O Governo já confessou a sua interferen-

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era pela bocca do Sr. Ministro da Fazenda; e o Sr. Relator da Commissão disse — O Governo interveiu, mas por meios beneficos. — Este adjectivo leve em mira adoçar a expressão do Sr. Ministro da Fazenda, mas não lhe tira o effeito, pelo contrario é uma palavra que fórma ella só um grande processo. O Governo interveiu, Senhores, por meios beneficos, isto é, corrompeu.

Sr. Presidente, muito antes de corrido o Processo Eleitoral, 30 ou 40 dias antes, já em todo Portugal, toda a gente que lê Periodicos, sabia quem eram os individuos que haviam de saír Deputados pelos differentes Circulos do Reino. Está em discussão a eleição dos Arcos de Val de Vez; muito antes, repito, de começar o Processo Eleitoral, sabia eu, sabiam todos, quem eram Os Cavalheiros que deviam entrar em S. Bento por Arcos de Val de Vez. O Governador Civil de Vianna escrevia com mais de um mez de antecipação ao Administrador do Concelho de Arcos de Val de Vez o seguinte officio:

«Levo ao conhecimento de v. S.ª a lista dos Candidatos que por esse Circulo devem (note a Camara, devem) ser escolhidos para fazer parte da Representação Nacional. Espero que v. S.ª por si, e pelos seus subordinados empreguem todas as diligencias, (todas as diligencias, ouça a Camara, todas) ao seu alcance para que se realize a eleição dos individuos que indico, por ser conforme aos desejos do Governo.))

O Governador Civil de Vianna abusando da sua auctoridade diz — Devem, sair Deputados estes e aquelles; para este fim empreguem-se todos os meios, por assim o querer o Governo! — Que escandalo, Sr. Presidente! E os nomes que recommendava eram os Srs.

Antonio Pereira da Silva Sousa e Menezes.

João Nuno Silverio Cerqueira Gomes de Lima.

Placido Antonio da Cunha e Abreu.

E são justamente estes Cavalheiros os que vejo aqui na Junta Preparatoria. E disse mais:

«No correio de quarta feira eu direi a v. S.ª áquem é o quarto Candidato.» Acredito piamente que o quarto indicado foi o que saíu; porque quem póde o mais, póde o menos: n'uma segunda feira fez tres Deputados, na quarta podia fazer um. Intervir por este modo não é intervir por meios beneficos, é Impor, e é contra esta imposição que eu clamo; é contra este escandalo que eu me insurjo. A Regeneração, ouvi dizer, e Ii escripto, foi feita contra as demasias do Poder Executivo; foi feita para nos outorgar em toda a sua pureza o Systema Representativo, dar toda a latitude, sincera, leal e franca ás practicas do Systema Parlamentar: e que vemos nós? Vemos o Governo collocar o Empregado Publico entre o sacrificio da sua consciencia e o da sua subsistencia, obrigando-o, ou a votar á vontade do Governo, ou a ser demittido!

O Governo ganhou as eleições em todos os Districtos do Continente do Reino, menos em Béja, o Santarem, se me não engano; mas com certeza perdeu em Béja. No Districto de Béja demittiu toda a gente que não interveiu a seu favor no Processo Eleitoral; fossem Empregados de Commissão, fossem muito, embora Empregados com Carla de serventia vitalicia, não respeitou consideração alguma; demittiu a torto e a direito. O meu illustre Collega, o Sr. Corrêa Caldeira, já leu á Junta a lista das demissões dadas pelo Governo naquelle Districto, mas eu a vou lêr segunda vez, por que não faz mal.

Em primeiro logar o Governo para preparar as eleições a seu modo dissolveu as Camaras Municipaes de Ferreira, e de Odemira; e tinha previamente demittido os Administradores dos Concelhos de Almodovar, Odemira, Messejana, e Castro Verde.

Alem disto recorreu a todos os meios de ameaça, de baixas intrigas, e de vis perseguições: como não chegasse com isto aos seus fins, fez mais: demittiu ou suspendeu os Empregados que nobremente se recusaram aos attentados que exigia delles, e foram nada menos do que todos estes:

Francisco Roberto de Sousa Pinção, Escrivão encartado da Administração de Aljustrel (demittido). José Prudente Marques de Barbuda, Escrivão de

Fazenda (suspenso). João Telles Tinoco de Menezes, Substituto do Administrador do Concelho de Béja (demittido). Manoel Joaquim Condeça e João Paim (demittidos das Regedorias das Freguezias de S. João, e de S. Salvador).

Antonio Agostinho Marques Guerra, Escrivão encartado da Administração do Concelho de Ferreira (demittido). Demittido tambem o Escrivão da Camara.

Carlos José da Malta Veiga, Escrivão do Juiz Ordinario de Ferreira (demittido). Manoel Caetano da Costa, outro Escrivão do mesmo Juizo Ordinario (demittido). Jacinto Ignacio de Mello Garrido, Escrivão encartado da Camara de Mertola (suspenso). Suspenso tambem o Recebedor do mesmo Concelho. José Francisco Pinto, Escrivão encartado da Comarca de Messejana (suspenso). José Romão Nunes, Escrivão encartado do Concelho de Odemira (demittido). Joaquim Pedro, Escrivão da Administração do Concelho da Vidigueira (demittido). Manoel Luciano Moreno Gaio, Administrador do Concelho da Vidigueira (demittido). Pedro de Fontes Serra, Sub-Delegado do Procurador Regio (demittido).

E até não tendo já que demittir, foi demittir um Mestre de Primeiras Letras no Concelho da Vidigueira!

Ora, é este o Governo que nos falla em tolerancia! Não sabe Lisboa toda; não viu ella a ridicularia sem nome, commettida pelo Governo contra um Cavalheiro, sómente por emprestar a sua casa para uma reunião de alguns individuos do Partido Cartista? O Sr. José Maria da Silva emprestou a sua casa, não tanto movido por principios politicos, como por principios de attenção e delicadeza, a alguns Cavalheiros que quizeram tractar da questão eleitoral. E que fez o Governo? Demittiu immediatamente o Sr. José Maria da Silva do importantissimo cargo de Commandante do Batalhão da Carla!!! Não sei se me ria, ou se esconda a cara com vergonha! Certamente era um grande perigo para este Paiz, corria o maior risco a liberdade eleitoral pela conservação do Sr. José Maria da Silva no commando do Batalhão da Curia! O Sr. Bissoni, que tinha tambem um alto cargo — o de Capitão — no Batalhão do Commercio,

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foi tambem demittido por não se declarar a favor do Governo! Se dá este passo o Commandante em Chefe, graduava-o em Major! Custou-me a conter o riso quando vi a celeuma, que aqui se levantou, por occasião da discussão das eleições de Villa Real na Camara passada. Os illustres Deputados que vejo adiante de mim, na esquerda da Camara, choraram lagrimas sentidas sobre uma viola partida e uma casaca rasgada (Riso) n'um quintalejo de Villa Real; (Riso) carpiram endeixas magoadas sobre os buracos de uma gaita de folies (Riso) e agora! Agora estão mudos e quedos perante todos os abusos e todas as tropelias que se practicaram nestas eleições. E na verdade pasmoso vêr a maneira como os nobres Deputados que tanto choraram sobre um casacão de brixe, e sobre uns pandeiros, como os Romanos choravam sobre a túnica ensanguentada de Cezar, censurando os abusos do Ministerio passado, venham hoje approvar o cardume de ignominias que pululla em todo o actual Processo Eleitoral; com a differença porém, que talvez o Presidente dessa administração calumniada tivesse alguma desculpa pela turbulencia do seu caracter e pela indole travessa do seu espirito. Mas homens que nos dão a moderação e a legalidade como a base da sua administração deitarem á barra os seus predecessores, é uma infamia, que não acho nome bastante forte, para explicar na minha amada lingoa portugueza, à indignação que me causa.

Esqueci-me quando pedi a palavra invocar antes de tudo não a benevolencia da Camara, porque se todos os Cavalheiros que estão aqui, não são meus amigos, de certo com boa razão não devem ser meus inimigos. Mas ha alguem na Camara que me assusta muito, e que vejo ameaçadores adiante de mim! São os Srs. Tachigrafos. No Codigo Penal da Tachigrafia os meus discursos são executados e adulterados.

Sr. Presidente, eu sei muito bem que o debate está circumscripto á eleição de Arcos de Val de Vez, mas parece-me que se se tractar agora a questão eleitoral na generalidade, os outros Pareceres irão depressa, porque não teremos então de recorrer ao que dissemos; se v. Ex.ª alterar a ordem do debate, deixando correr a discussão sobre a generalidade de todos os actos eleitoraes, nós chegaremos ao mesmo resultado, sem que desta amplidão provenha a demora no debate. Isto já foi feito pelo Sr. Corrêa Caldeira; foi feito pelo Sr. Justino de Freitas, e poderá continuar a fazer-se, se v. Ex.ª e a Junta o consentirem.

Se eu provar, Sr. Presidente, que o Governo interveiu realmente no Processo Eleitoral, parece-me que posso concluir que esta Camara não representa realmente o Paiz. -Já mostrei que 4 Deputados foram feitos por uma lista mandada ao Circulo Eleitoral pelo Governo de Lisboa. Direi tambem o que já expoz o Sr. Corrêa Caldeira. A carta do Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães e Duque de Saldanha ao Governador Civil de Bragança sobre este assumpto. Peço ao Sr. Mello e Carvalho, que repare no que vou dizer. Sei -que S. Ex.ª vai negar a carta escripta pelo Governo ao Governador Civil de Bragança, porque mal o Sr. Corrêa Caldeira fallou na carta, S. Ex.ª levantou-se logo e pediu a palavra. Sei as relações que o meu illustre amigo tem com o Governador Civil de Bragança, e por isso suppuz, e suppuz bem, que foi para o defender que] pediu a palavra,

(O Sr. Mello e Carvalho: — Não vou defender) ou para dizer que não é exacto; mas eu peço a S. Ex.ª que note — que se acaso a amisade negar, a critica e bom senso não negam. A carta appareceu nos Jornaes do Porto 30 ou 40 dias antes das eleições, e o Governador Civil não a negou, em todo esse longo periodo de tempo, e só depois da eleição consumada é que appareceu o seu desmentido, mas incompleto, mas imperfeito, porque replicando outra vez a Imprensa e sustentando a carta, o Governador Civil ficou calado. Á vista das regras da critica e do bom senso continuou a existir a carta: e nella se dizia: < Devem vir por esse Circulo o Pinto de Lemos, e o Barão de Sarmento. Podem tambem vir Ignacio Pizarro, «José Xavier, Tenente Coronel de Cavallaria 7, e os «Bachareis Almeida Pessanha, e Moraes de Carvalho O Sr. Moraes de Carvalho: — Peço a palavra) Porque o Governo quer Deputados, que approvem não só o que tem feito, mas o que tem tenção de fazer; quer Deputados que approvem o que ainda o proprio Governo não concebeu, quer, conforme escreveu o romancista Eugenio Sue, homens de paciencia inerte, de resignação estupida, e de obediencia passiva!... Não sei se esta carta é verdadeira; já disse que a critica e o bom senso a tomam como Verdadeira. O Governador Civil negou; o que aconteceu? O mesmo Jornal que publicou a caria, vendo o desmentido do Governador Civil, replicou immediatamente logo, logo. Affirmou o que tinha dicto, e citou testemunhas em seu abono. E note a Camara, não são homens ordinarios, não são homens desconhecidos na sociedade; é o Juiz de Direito, é o Major Azevedo, é um Negociante, e em casa deste Negociante é que o Sr. Xavier Pinto leu a carta assignada pelos Srs. Duque de Saldanha e Fonseca Magalhães. E se acaso a carta era falsa, porque a deixou correr 40 dias o Governador Civil de Bragança, e só veiu nega-la depois do Processo Eleitoral ultimado? Se a carta foi falsa, e não a negou, porque não querelou dos homens que o calumniaram, porque sempre é uma calumnia pôr uma Auctoridade Administrativa aos pés do Governo tão servilmente. Diz mais: (Leu)

Isto é positivo, é terminante; eu no caso do Governador Civil de Bragança querelava por uma acção de injuria.

Vou ler agora outros documentos que tambem não poderão ser contrariados. É a Esperança, Jornal como todos nós sabemos, escripto debaixo das inspirações dos Srs. Ministros. Ora que diz esta Esperança? Diz as cousas mais curiosas que eu tenho visto a respeito do Processo Eleitoral: (Leu)

O Sr. Frederico Leão Cabreira agradece ao Sr. Duque de Saldanha e ao Sr. Fonseca Magalhães a sua eleição, porque á protecção de S. Ex.ª deve o nosso illustre Collega o triunfo da sua candidatura.

Que querem mais? É o proprio Deputado eleito que vem dizer — «Eu fui Deputado porque o Sr. Duque de Saldanha assim o quiz!..Porque o Sr. Ministro do Reino esteve por isto!!!»

Outro documento. — Os Eleitores de Monforte, alguns, agradecem ao Governo a bondade que teve de lhes approvar a lista, que elles chamam sua, mas que effectivamente era do Governo.

Em Valença o General Commandante da Praça declara — «Eu sou Deputado porque me quiz o Sr. Duque de Saldanha;» e os Eleitores de Monforte dizem — «Fazemos Deputados fulano e sicrano, porque o Go-

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verno approvou a lista!...» E dirão que o Governo não interveiu no Processo Eleitoral? Poderão dizer com a mão na consciencia que a, eleição foi livre? Que a Lei foi consultada e obedecida como devia ser? E aquelles Cavalheiros, Senhores, que accusaram o Governo passado por cousas muito mais pequenas do que estas, porque se esquecem, porque banham no Lethes todas estas irregularidades? Mais ainda: porque se identificam com o Governo? N'uma das Sessões passadas fallei por incidente n'uma Substituição mandada para a Meza pelo meu amigo o Sr. José Estevão, que, faça o que quizer contra mim, hei de continuar a estima-lo. O illustre Deputado disse — «Não conheço o Sr. Ministro da Fazenda, tenho muito poucas relações com elle;» e eu quando disse que o nobre Deputado tinha mandado um Projecto para a Meza, e que o Sr. Ministro da Fazenda o tinha adoptado estava tão longe de querer lançar o menor desfavor sobre o meu nobre amigo, que diz do Sr. Ministro da Fazenda uma especie de chancella do Sr. José Estevão, e isto não importava offensa alguma, porque o Sr. José Estevão, como homem publico, deve ter muito gosto e muita satisfação em que as suas opiniões sejam seguidas e obedecidas. Ora o illustre Deputado affligiu-se comigo, e affligiu-se, perdoe-me, mal e injustamente. O que eu tenho visto, Sr. Presidente, é que uma opinião emittida pelo illustre Deputado é logo seguida pelo Governo; uma idéa, um Projecto, uma lembrança exarada no Periodico redigido por S. S.ª, é logo immediatamente posta em practica pelo Governo: por consequencia eu ha muito tempo que considero o Sr. Ministro da Fazenda como uma chancella do Sr. José Estevão, e o Sr. Ministro do Reino como uma especie de Desembargador do Paço do Sr. Antonio Rodrigues Sampaio; (Riso) porque a verdade é esta, o Poder está nestes dois illustres Cavalheiros; os Srs. Ministros têem apenas o governo desse Poder... (O Sr. José Estevão: — Está enganado) estou certo, são os fartos que fallam mais alio que a modestia do illustre Deputado. Eu louvo essa modestia; prova ella a cordura do seu caracter, e a benevolencia do seu coração, mas o facto é que as suas opiniões, as suas doutrinas estão sendo fielmente cumpridas pelo Governo. (Apoiados do lado direito)

O Sr. Ministro da Fazenda leve a bondade de declarar que a Circular do Sr. João de Sousa Pinto Magalhães era verdadeira. Ora o Sr. Ministro da Fazenda não podia negar a Circular, porque eu a tenho na minha mão. (O Sr. Ministro da Fazenda:

— Não neguei) Não negou, e se a negasse, fazia um papel menos digno. (O Sr. Ministro da Fazenda:

— Não o nego) Perdôe-me o Sr. Ministro da Fazenda; eu já declarei, e se não o declarei, declaro-o agora, que sou amigo do Sr. Ministro da Fazenda; não escondo as minhas relações com S. Ex.ª, e até estimei que S. Ex.ª entrasse para o Ministerio, porque foi quebrado com a sua entrada o circulo fatal em que estavam entaladas e presas todas as Administrações, porque não podia ser Ministro em Portugal, senão um homem que tivesse uma certa barriga (Riso) e um certo vulto, e um certo modo de fallar; e o merecimento não era procurado. Se um homem trajava de certa maneira, se dava certa importancia a si, se fallava de certo modo, este homem estava habilitado para ser Ministro quando quizesse; veiu o Sr. Ministro da Fazenda, e felizmente estamos todos agora aptos para ser Ministros; (Riso). (O Sr. José Estevão: — Excepto eu que já estou barrigudo) até eu já tenho esperanças de ser Ministro, e não desisto da empreza! Alas o Sr. Ministro da Fazenda confessando a Circular do Sr. João de Sousa Pinto de Magalhães não fez um grande serviço á Politica do Governo, porque o Sr. Pinto de Magalhães escreveu uma Circular, que será difficultoso achar um precedente igual em qualquer, escripto de tyrannia, Circular a mais prepotente, mais abusiva, e até a mais indecente e indecorosa que tenho visto. Eu vou lê-la — Diz assim:

«Sr. Correio Assistente de... O Governo tem resolvido empregar toda a sua legitima influencia para que nas proximas eleições venham ás Côrtes Deputados que avaliem devidamente a situação do Paiz e que sustentem os principios de ordem e de liberdade, porque são esses os do actual Ministerio.

«Ao Governador Civil desse Districto foram remettidas pelo Ministerio dos Negocios do Reino as necessarias instrucções para se guiar neste importante negocio, e cumpre que v. S.ª regule pela sua parte, e pela dos seus Empregados o que necessario fôr, de accôrdo com aquelle Magistrado, a fim de que as diligencias do Governo possam ter bom exito.

«Aos Funccionarios que servem debaixo das suas ordens convem que v. S.ª faça saber confidencialmente, e pelo modo que julgar melhor, que o Governo de Sua Magestade não está disposto a consentir que os Empregados Publicos trabalhem nas eleições para Deputados em sentido opposto áquelle a que o Ministerio julga conveniente seguir.

«O que, de ordem superior, levo ao conhecimento de v. S.ª, que deve ficar na intelligencia de que esta sincera cooperação que o Governo exige, se deve intender salvos sempre os deveres especiaes do seu cargo. — 1852, Novembro 22. — De v. S.ª muito attento venerador — João de Sousa Pinto de Magalhães.

Ouvi classificar o Sr. Pinto de Magalhães de muito honrado; não contesto a sua honra; mas eu direi, que já vi o Sr. Pinto de Magalhães muitissimo mal tractado, quando mandava as malas do Correio para o Governo Civil por ordem do Sr. Conde do Tojal, então Ministro dos Negocios Estrangeiros dizia-se então que o Governo que viesse, devia demittir o Sr. Pinto de Magalhães, e hoje está honrado!. (O Sr. José Estevão: — Eu peço a palavra... só por este lado) Este lado é indo... (O Sr. José Estevão: — Está a offender um homem honesto, sisudo...) (Uma voz: — Um homem respeitavel) Eu não estou a offender um homem honesto; estou a contar um facto que vi cora os meus olhos, e hei de trazer aqui o Jornal, onde estão as accusações mais torpes dirigidas a esse homem... (O Sr. José Estevão: — Pois eu explicarei tudo isso) Não tem explicação, foi vilipendiado... (O Sr. José Estevão: — Mas é um homem serio, e isso é cousa rara em Portugal) Mas eu não o insulto, estou a narrar um facto; estou a dizer que esta Circular não é Circular que se possa apresentar num Governo liberal; estou dizendo, que quando um homem diz por ordem do Governo — que não está disposto a consentir que os Empregados trabalhem nas eleições contra o Governo, commette um acto de prepotencia, e eu se fosse o Empregado, a quem o Governo mandasse fazer isso, demittia-me, o não sub-

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serevia a tal. Eu estou maravilhado! Dantes tudo era crime; tudo eram violencias, tudo eram desacertos, e hoje? Já tudo é legal, tudo é honesto, tudo é justo! Os homens calumniados já estão justificados!..

Sr. Presidente, eu por honra do Governo Constitucional sou Opposição, porque se nós tres não fossemos Opposição, o que seriado Systema Parlamentar! (Riso) Ora, Senhores, eu tambem me rio; rio-me quando olho para vós; quando olho para mim sou muito modesto, porque conheço a humildade da minha pessoa; mas quando olho para os outros tenho muita soberba, e muito orgulho.

É necessario haver Opposição, eu sou fatidicamente da Opposição, sou por temperamento da Opposição. (O Sr. José Estevão: — Até certo tempo) Está enganado. Estou mettido e intromettido na vida politica ha uns poucos de annos, e ainda nem um Habito de Christo pude agarrar; vejo todos os dias nascer muito Barão, muito Commendador, muito Conselheiro; eu não sou Barão, não sou Commendador, não sou Conselheiro; (Riso) e acha o illustre Deputado que eu sou muito ambicioso!.. Obrigado.

O. Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados têem a palavra nos seus logares, permittam-me que usem dellas quando lhes compelirem; mas não haja dialogos.

O Orador: — Sr. Presidente, póde ser que eu esteja enganado; mas parecia-me, e emitti esta opinião ao principio, que discorrendo nós no Circulo dos Arcos de Val de Vez sobre todo o processo eleitoral, ficava esgotada a materia, e a Camara ganhava com isto.

Sr. Presidente, eu disse e repito que nunca vi em Portugal eleições em que o Governo se intromettesse tanto como se intrometteu agora, não vi. Se citarem as punhaladas, se citarem os bacamartes, tambem citarei as punhaladas, tambem citarei os bacamartes em Sinfães e Piães. Se me citarem os Commandantes de destacamentos, que não descarregaram as armas, tambem citarei os destacamentos que entraram nas Assembléas de Lagos. Eu direi ao illustre Deputado que em Mezão-Frio houve até a caricatura de um Escrivão de Fazenda á porta da Assembléa como guarda do processo eleitoral, com uma espada na mão entregando listas, e só embainhou a espada, quando appareceu um homem que lhe deu um bofetão. (Riso) Isto consta do processo, e o nobre Deputado, que é Relator da Commissão leia o processo. Do processo consta estar o Escrivão de Fazenda á porta da Assembléa com uma espada na mão, até que veiu de lá um homem do campo, que não estava para receber lista, e lhe deu um, bofetão, e o homem em logar de lhe dar lista, embainhou a espada. (Rino)

Até li á Camara, e ainda que eu não lesse, os Cavalheiros que estão aqui, que são muito lidos, e intendidos, deveriam ter visto, o Officio que o Governador Civil de Vianna mandou ao Administrador do Concelho dos Arcos de Val de Vez; todos temos conhecimento, e conhecimento de mais do Officio do Governador Civil de Bragança; todos sabemos o que se passou em Aveiro; todos sabemos o que se passou no Algarve, todos sabemos o que se passou em Sanfins e Piães, todos sabemos dos desaforos perpetrados em Béja pelo Governador Civil; sabemos além disto de muitas intrigas, de muitas tricas que houve neste Processo Eleitoral.

Eu não prescindo, Sr. Presidente, dos interesses materiaes, mas não sou daquelles que querem só interesses materiaes; eu tambem quero a moralidade, e a probidade do Governo; (Apoiados) não quero que a pretexto de um caminho de ferro, de desentupir um rio, de hastear umas bandeirolas, se postergue a honra e a probidade de uma nação; não quero a espoliação como principio, e a rapina como systema; não quero.

Não acredito em nenhum progresso moral, economico, honesto e decente do meu Paiz sem organisação definitiva da Fazenda; e esta organisação não a vejo eu, não a póde ver ninguem, em quanto o desperdicio e a prodigalidade forem a base constante da Administração.

Vou, Senhores, fazer uma confissão, embora esta confissão abone pouco a minha intelligencia: sou daquelles homens que acreditam na possibilidade do Governo Representativo; e esta crença leva-me a censurar certos actos que eu reputo infestos e nocivos ao Systema Representativo. Por exemplo, eu Deputado não posso vir á Camara dois annos a fio para approvar Actos de Dictadura; não posso; porque a minha missão não é approvar cegamente Actos de Dictadura; não é esta a missão de um Deputado. É triste cousa ver uma Camara servir constantemente de chancella! Acho pouco digno para mim, e para o illustre Deputado. (Dirigindo-se ao Sr. José Estevão) Tenho inveja do illustre Deputado, porque a sua jovialidade, e a presumpção, em que o illustre Deputado está, e está de boa fé, de que é superior a toda a gente, deve faze-lo muito feliz, deve dar-lhe momentos de uma bem aventurança prodigiosa. (Hilaridade) O illustre Deputado julga-se acima de tudo, e de todos! Não ha nada melhor. Eu tomára ter tambem esta persuasão, porque ria-me de todos, e nada me incommodava; crença que eu invejo soberanamente, porque sou o contrario do illustre Deputado, porque me julgo inferior a todos. E então quando vejo um Cavalheiro de tão bons dotes e qualidades assoalhar, ou dar a intender, que é superior a todos, invejo-o; invejo o illustre Deputado, S. S.ª é o ideal da minha ventura. (Hilaridade)

Não quero abusar da paciencia da Camara, e não quero abusar por uma razão muito simples, porque sei que a minha voz clama no deserto. Sei, Sr. Presidente, que esta eleição ha de ser approvada, bem como hão de ser approvadas todas as outras eleições; e que se alguma eleição tivesse de ser rejeitada, havia de ser unicamente a eleição de Béja. Mas porque fallo eu? Fallo, Senhores, para dar uma satisfação honrosa ao meu Paiz, e para declarar alia e poderosamente que continuo a ser, como fui na Camara passada, da Opposição.

Não espero nada, apesar de que no decurso da minha pequena vida Parlamentar, muitas profecias que eu aventei, teem sido realisadas, e muitos successos que eu previ, têem-se verificado mais depressa do que eu mesmo esperava. Tenho terminado, e reservo-me para uma questão grave, quando chegarmos á discussão do Parecer ácerca das eleições dos Circulos de Barcellos e Trancoso, para então instaurar o processo a essa eleição. Não hei de emittir opiniões minhas, mas tenho um acto muito importante, e é um Accordão do Supremo Tribunal de Justiça, e o da Relação de Lisboa; não será a minha opinião a que servirá para combater essas eleições; é uma opinião dos Tribunaes, que são reputados pela Carta Consti-

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tucional independentes; e depois hei de pedir á Junta que haja de uma vez para sempre de definir o direito eleitoral; porque se acaso o emprego de Capilão e proprio para ser recenseado como elegivel para Deputado, apesar de decisão dos Tribunaes em contrario, então continue-se a formar a Camara de Militares, e a nomear para ella 100 ou 200 Capitães dos muitos que tem o nosso Exercito. Esta questão dos Capitães do Exercito poderem ou não ser recenseados para Deputados vem quando tractarmos das eleições dos Circulos de Barcellos e Trancoso; e quando chegarmos á discussão dos Pareceres sobre estes dois Circulos, eu pedirei a palavra. — Por agora tenho terminado.

O Sr. Alves Martins: — Peço a v. Ex.ª que tenha a bondade de mandar ler o que está em discussão, qual é o ponto de partida desta discussão.

O Sr. Secretario Arrobas: — Leu o Parecer da 1.ª Commissão relativo á eleição do Circulo de Arcos de Val de Vez.

O Orador: — Por tanto o que está em discussão é a eleição, que teve logar no Circulo Eleitoral de Arcos de Val de Vez, e a respeito delle tem esta Junta a deliberar, se as eleições que alli tiveram logar, está ou não válida; e este o ponto, que deve debater-se; é esta a questão que deve occupar a Junta; o que tenho visto é que nem hontem o Sr. Corrêa Caldeira, nem hoje o Sr. Antonio da Cunha dissessem uma só palavra ácerca da eleição dos Arcos; fallaram em generalidade, em factos que dizem terem-se praticado num ou n'outro logar; fallou-se em um Officio do Governador Civil de Vianna dirigido a um certo individuo, recommendando-lhe a candidatura de um outro individuo; fallou-se nas influencias do Governo e das Auctoridades no processo eleitoral; nas demissões dadas a alguns Empregados no Districto de Béja; deram-se agradecimentos aos eleitores de Béja por terem eleito uns certos candidatos; tractou-se em fim de muita cousa; mas não ouvi uma só palavra acerca da eleição dos Arcos, que é o que está em discussão; nem um argumento ouvi apresentar em impugnação ao Parecer que se deu, para servir de base á discussão, e esta ausencia completa de argumentos contra o Parecer, estas divagações que se tem feito fóra, totalmente fóra — do objecto que devia ser questionado, prova a favor do acto, prova que o Parecer não tem que impugnar, e que por tanto deve ser sanccionado por esta Junta. Mas nós não podemos ficar aqui; a Camara póde converter-se n'um Circulo de gladiadores, porem para discutir e resolver cousas serias, não é possivel seguindo se este caminho que tenho visto adoptar na actual discussão. (Apoiados)

Ora não tendo sido impugnado o Parecer, julga-se como válida a eleição do Circulo dos Arcos de Val de Vez, e não tendo eu visto aventar um só argumento contra este Parecer, e estando eu assignado nelle, devia dar-me por satisfeito, ceder da palavra, e pedir á Junta que o votasse visto que ninguem impugnou, afim de não estarmos a perder tempo inutilmente. Eu pois como Membro da Commissão, não se tendo fallado nada contra o Parecer, não tinha que fallar a favor; porém houve uma asserção, lançada na Junta pelo Sr. Deputado eleito Antonio da Cunha, com relação á qual devo dizer alguma cousa.

Mas antes de responder ao Sr. Antonio da Cunha, devo declarar, que eu não tive parte alguma no Decreto Eleitoral; porém estou intimamente convencido que é, a Lei Eleitoral mais bem feita, que temos lido. Ella dá certas garantias, que se não davam ate aqui, e a minha opinião a este respeito é, que devia haver ainda mais alguma, e especialmente no que diz respeito á Verificação dos Poderes Eleitoraes. Eu desejava que tal Verificação não viesse para aqui, que se tirassem da Junta estas questões, que são sempre enfadonhas e demoradas, a ponto que levamos um tempo desmarcado a verificar os Poderes. Eu quereria que os poderes ou diplomas dos Deputados eleitos fossem julgados por um outro Tribunal, por um Tribunal Superior Judiciario, para se evitarem estas discussões aqui na Camara, e mesmo para não cairmos na contradicção de sermos juizes em causa propria. Queria que entrassemos nesta Casa Deputados já feitos. Desejo isto; mas como agora não se tracta de estatuir direito, e sim de cumprir o que! actualmente está estabelecido na Lei, espero que para o futuro em Portugal nos aproximemos aos bons principios, como se fez na Hespanha. Repito, queria que nós viessemos para aqui Deputados já, feitos, os Tribunaes que julgam e decidem da honra, vida, e fortuna dos Cidadãos, podem tambem dicidir da validade de seus direitos politicos; mas isto agora não é objecto de discussão, fallo nisto só por incidente.

O Sr. Antonio da Cunha principiou o seu discurso por tocar novamente na necessidade da presença dos Ministros, durante a discussão da Verificação de Poderes. Esta Junta já decidiu muito bem, que não se carecia da presença dos Ministros para esta discussão. Esta discussão é toda pura e simplesmente da Junta (Apoiados) e os Ministros não podem intrometter-se nella, salvo se são Deputados, e como taes entram nessa discussão. O Ministerio não tem nada a vêr com esta questão. (Apoiados) Não ha pois necessidade, como a Junta já resolveu, da presença dos Ministros nesta discussão, e escusa o Sr. Antonio da Cunha de estar -a — insistir nisso, porque esta Junta não ha de decidir segundo os caprichos do Sr. Antonio da Cunha, ou outro qualquer Deputado, e sim segundo as conveniencias e o dever.

Fallou-se, repito, no Officio do Governador Civil de Vianna, Officio em que elle dizia aos seus Subordinados, quaes eram os candidatos que lhe parecia deverem ser preferidos na proxima eleição, e que por tanto seria conveniente que trabalhassem naquelle sentido; para mim digo, que não ha nada mais innocente. Em quanto o Sr. Antonio da Cunha acha este documento um documento irregular, eu julgo-o innocente. Estou convencido de que a doutrina que o actual Governo seguiu a respeito das eleições, é a doutrina seguida por todos os Governos que comprehendem a missão de que estão encarregados;,o Governo não devia ser indifferente ao acto eleitoral; o Governo tem obrigação de olhar pelo maior bem do maior numero; tem o direito, e deve intrometter-se em todas as questões de maior momento, e o acto eleitoral é um acto de importancia, é um acto de summa gravidade para o Paiz, porque influe poderosamente nos seus interesses. Por consequencia o Governo deixava de ser Governo, se deixasse correr á revelia um acto desta natureza. Esta é a doutrina; esta é a practica que se tem seguido até agora, e ha de sempre seguir-se, em quanto houver sociedade. Desejar o contrario, é uma cousa inutil.

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Accusou-se o Governo de que tinha influido nas eleições caprichosamente, e, fóra do campo da legalidade; disse-se que fôra arbitrario; e disse-se isto, tendo-se presente um Officio de um Governador Civil, um Officio que não e mais do que uma recommendação de taes e taes candidatos para a proxima eleição, e que diz aos seus Subordinados, que trabalhem naquelle sentido. Creio que não ha nada mais innocente do que isto, nem mais conforme á indole do Systema Representativo. O Sr. Antonio da Cunha se fosse Governo, havia de fazer outro tanto. Que queria o Sr. Antonio da Cunha? Queria que o Governo nestes actos cruzasse os braços? Suppunha o Sr. Deputado que se o Governo assim procedesse, vinham para aqui os Deputados da Opposição, e que o Governo largava immediatamente aquellas cadeiras? Engana-se, porque se tal caso se désse, não vinha cá o Sr. Deputado, nem os outros Deputados da Opposição; havia de vir a escoria e todos os discolos do diversos Partidos em que, por desgraça nossa, o Paiz está dividido. Não havia de ser o Sr. Antonio da Cunha que havia de ir substituir o Ministerio, eram as facções, a escoria das facções que se haviam de mexer, e estou certo que o mesmo Sr. Deputado não queria isso.

Eu tambem já fui Opposição, e mais cedo do que o Sr. Antonio da Cunha; antes do Sr. Antonio da Cunha ser Deputado, já eu tinha tido assento na Camara, o já tinha sido Opposição: o Sr. Antonio da Cunha foi Opposição no fim. (O Sr. Cunha Sotto-Maior? — Engana-se, está redondamente enganado; quando vim para aqui, vim logo ser Opposição, e antes de vir para aqui já era Opposição) O Orador: — Eu não me referi no sentido, em que me intendeu o Sr. Deputado; eu disse que o Sr. Antonio da Cunha foi Opposição, quando entrou na Camara, mas como eu fui Deputado primeiro que o Sr. Antonio da Cunha, fui Opposição na Camara primeiro que o Sr. Deputado. Eu não me referi á Opposição lá de fóra; os factos passados fóra desta Casa, não tem nada para aqui.

O Sr. Antonio da Cunha diz que não quer ordem; póde querer e dizer o que quizer, porque eu nunca o hei de seguir na desordem; nós estamos aqui para tractar de cousas serias; o Sr. Antonio da Cunha póde dizer o que quizer, e tiver na vontade, porque póde ter certeza, que só ha de achar resposta aos argumentos que apresentar rasoavelmente; aos mais não creio que a Junta esteja disposta a responder-lhe. Eu podia fazer um retrospecto de comparação entre os Governos passados, de que o Sr. Deputado diz estar arrependido de ter combatido, e o actual; mas não quero. O Sr. Deputado e todos sabem o que então se fez; sabe as violencias que se practicaram, os direitos que se offenderam, as tyrannias que se commetteram, etc.; por consequencia escuso de estar a fazer reviver feridas ainda mal cicatrizadas; pelo contrario, o meu desejo, e o de toda a gente sensata, é que essas feridas se cicatrizem de todo. Mas custa, a fallar a verdade, o ouvir dizer-se, que este Governo, que os homens que compõem a Administração actual, é a rapina constituida em Governo. Espero entretanto que à Camara não tome a peito estas palavras, que fazem perder o sangue frio, quando todos os homens que conhecem as pessoas dos Srs. Ministros, sabem que seria mais facil morrerem todos, do que lançar mão do alheio.

Custa na verdade a tolerar similhantes expressões, proferidas na Camara, e a sangue frio; entretanto é necessario fazer um sacrificio para não romper; e faço justiça ao Sr. Deputado; elle sabe a consideração que eu dou a estas palavras, que só podem servir para nos irritar de parte a parte, e avivar odios, que todos nós queremos esquecer.

Por consequencia, não achando nada de proposito naquillo que disse o Sr. Deputado, e para poupar tempo, que nos é tão necessario para cousas serias e uteis, concluo dizendo, que nessa Circular aos Governadores não vejo cousa alguma que possa ser censuravel ao Governo, antes intendo que elle fez o que devia, recommendando ás suas Auctoridades que pelos meios legaes concorressem para que a eleição recaisse em individuos que dessem garantias de ordem e estabilidade, que é do que nós mais carecemos. Em quanto ao mais que disse o illustre Deputado, acho mais conveniente não responder, e por isso tenho terminado o meu discurso.

O Sr. Avila: — Sr..Presidente, tinha-me arrependido de ter pedido a palavra mais sobre este objecto; mas hoje, depois de uma observação feita pelo illustre Deputado que acaba de fallar, e meu particular amigo, estimo estar inscripto para poder dizer duas palavras sobre este assumpto. No ultimo dia da Sessão fui aqui interpellado para quando houvesse de ser Ministro da Fazenda: o illustre Deputado que me interpellou ha de esperar que eu lhe responda quando estiver sentado naquelles bancos, (os bancos dos Ministros) e naturalmente ha de esperar muito tempo.

O meu illustre amigo, que procura por todos os meios, e faço-lhe essa justiça, mostrar a necessidade de que haja ordem e conciliação entre todos os membros da Familia Portugueza, principio indispensavel sempre, mas principalmente hoje na situação em que nos achamos, querendo repellir aquillo que elle intendeu ser uma allusão injusta do illustre Deputado o Sr. Antonio da Cunha, pronunciou uma frase que póde ser mal interpretada, e eu não posso deixar de levantar essa frase, e dar a respeito della uma explicação. O Sr. Antonio da Cunha fez um paralello entre os actos da Administração actual, e os de outras Administrações, que o illustre Deputado combateu; e o illustre Deputado e meu amigo o Sr. Alves Martins, disse que não queria levantar a luva, porque todos conheciamos os actos practicados por essas Administrações, as suas Circulares, as ordens que havia emittido em materia de eleições. Ora, eu peço licença, para dizer ao illustre Deputado que fallou provavelmente da historia antiga, mas não da moderna, porque durante os Ministerios que o Sr. Antonio da Cunha combateu, não houve eleições. O Sr. Antonio da Cunha combateu a Administração presidida pelo Sr. Duque de Saldanha, e combateu igualmente a Administração de que fiz parte, mas nem n'uma nem n'outra, houveram eleições de Deputados. Portanto, podem os illustres Deputados invocar e fazer os paralellos que quizerem, mas hão de ir buscar para esses paralellos factos anteriores a 1816. E se assim mesmo os forem buscar a essa época, se quizerem fazer essa comparação, então tambem havemos de comparar as eleições de 1846 com as de 1838 (Apoiados) e parece-me que a comparação não lhes ha de ser favoravel. (O Sr. Corrêa Caldeira: — Apoiado) Todos sabem a situação politica em que eu me acho collo-

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cado a respeito do Sr. Presidente da Administração actual, por conseguinte, ninguem dirá que ha parcialidade da minha parte no que vou dizer, mas a verdade é, que a Administração, que acabou em 18 de Junho de 1849 presidida pelo Sr. Duque de Saldanha, tinha em materia de eleições as idéas mais liberaes, e ninguem póde negar que a Administração que se lhe seguiu, tinha tambem opiniões muito liberaes a este respeito. Nós fizemos votar aqui uma Lei Eleitoral muito liberal, que passou para a outra Casa do Parlamento. Cumprimos é verdade o nosso dever: mas o facto é, que exceptuando o Congresso Constituinte (justiça a todos) a primeira Administração que se empenhou em fazer passar, e fez passar, nesta Camara um Projecto Eleitoral, fomos nós. (Apoiados) Portanto, o paralello entre os actos da Administração actual em relação ás Administrações passadas, não é, nem o póde ser com relação á Administração que acabou em 18 de Junho de 1819, e á que começou nesse dia, porque nem n'uma nem n'outra houve eleições. E declaro agora aqui ao illustre Deputado o que já Mie tenho dicto em expansões de amisade, porque elle sabe a sympathia que tenho por elle, que a intenção do Ministerio de 18 de Junho era deixar correr as eleições de 1851 com a liberdade possivel: se as ganhasse, muito bem: se as perdesse, nem por isso descorçoava: apresentava-se aqui com os seus Relatorios, com as suas medidas, com o bem, que se lisongeava ter feito ao Paiz, dava a batalha parlamentar na Resposta no Discurso da Corôa, e se por ventura não tivesse maioria na Camara, retirava-se satisfeito, convencido de que o Paiz mais tarde lhe faria justiça, aquella justiça, que já hoje lhe começa a fazer.

O illustre Deputado apresentou uma doutrina que eu desejava fosse adoptada: todos desejamos que se acabem as decepções, e todos queremos que o Governo Representativo continue; mas se queremos que elle continue como deve ser, então é preciso que entremos no verdadeiro caminho, isto é, que sejamos justos para com todos, não chamando crime n'uns o que n'outros achamos virtude, não agitando os Povos por factos, que nós mesmos commetteremos em circumstancias identicas Nada de exaggerações; não imputemos tudo a máos fins: todos os Governos querem e desejam governar bem; o primeiro interessado em que se governe bem é o proprio Governo.

Vou referir-me tambem a uma opinião do illustre Ministro da Fazenda, e por isso aproveito esta occasião para dizer que sem embargo de que o Governo não seja obrigado a assistir a esta discussão, é comtudo conveniente que elle assista, porque se o illustre Ministro não estivesse presente, eu confesso que não leria a coragem de dizer o que eu vou expor.

O illustre Ministro da Fazenda disse a Sessão de sexta-feira que o Governo Intendia que estava no seu direito, exibindo dos Empregados de confiança que não trabalhassem em eleições contra elle. Parece-me, que é isto o que o illustre Ministro disse. (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado) Eu não quero collocar a S. Ex.ª em má posição. O Sr. Ministro da Fazenda disse — o Governo intende que tem direito de fazer com que os Empregados de confiança não trabalhem em sentido contrario áquelle em que o Governo trabalha. (O Sr. Ministro da Fazenda. — Apoiada) Muito bem. Ora eu tambem concordo com esta opinião, mas eu desejava que alguns Cavalheiros que me ouvem, e que sempre combateram esta doutrina, dissessem hoje se approvam ou desapprovam, porque ámanhã se nós formos Governo, tornam a sustentar o contrario do que se diz aqui agora. Eu tambem intendo que é rigorosa doutrina constitucional que o Governo não deve abandonar as eleições ao acaso. O Governo que está seguro da bondade das suas medidas e do seu systema, deve empregar os meios legaes para que essas medidas e esse systema triunfem: mas se isto assim é, se o Governo está concorde com estas idéas, então para que introduziram no Decreto o artigo 136.º que diz inteiramente o contrario? É preciso que os illustres Cavalheiros que tomaram parte na confecção deste Decreto, vejam bem que ha aqui uma doutrina, que se não póde seguir. Que diz o artigo? Diz o seguinte: «Aquelle, que por vias de facto, violencias, ou ameaças contra um Eleitor, fazendo-lhe receiar algum damno para a sua pessoa, familia ou fortuna, o determinarem, ou tentarem determinar a votar ou abster-se de votar, influirem ou tentarem influir sobre o seu voto, serão punidos, etc.»

«§ 2.º Se o delinquente fôr Funccionario Publico a pena será duplicada.»

Logo o Legislador intendeu, que o Funccionario Publico póde procurar influir nas eleições por ameaça, e prescreveu esta disposição expressamente para evitar que o Empregado Publico abusasse da sua situação, procurando influir sobre Eleitores, e fazendo-os votar a favor de quem elle quizesse. Pergunto: não será ameaça o dizer um Ministro, ou uma Auctoridade Superior a um seu Subordinado demitto-vos, se não votardes nesta lista? (Apoiados)

Disse o Sr. Ministro da Fazenda — O Governo exigiu, só dos seus Empregados de confiança que não trabalhassem em sentido contrario ao delle — se isto assim fosse, eu diria — ainda está mal redigido o artigo, em quanto se liv» não ajuntar um paragrafo, em que se diga — não se chamam ameaças as intimações do Governo aos Empregados de Commissão para que votem na sua lista, pena de perderem o emprego _ A consequencia é esta, se os Srs. Deputados intendem...

O Sr. Nogueira, Soares: — Não é isso.

O Orador: — Não é isso? Pois o que é? Se os Srs. Deputados indendem que o Governo póde dizer a um Empregado de Commissão, se trabalhardes contra mim, demitto-vos do vosso Emprego... O Sr. Nogueira Soares: — Não é votar. O Orador: — Não é votar? Eu peço ao nobre Deputado, que ouça todo o meu raciocinio. Póde-se intender que dizer-se a um Empregado de Commissão, se trabalhardes contra a opinião do Governo nas eleições, sereis demittido, não é uma ameaça a, um Cidadão, que lhe faz temer qualquer damno na sua fortuna? (Apoiados) Se se intende que não, torno a dizer, e preciso escrever na Lei, que não se chama ameaça as intimações do Governo aos Empregados de Commissão para que votem na sua lista, pena de perderem os seus empregos. Mas ninguem se atreverá a escreve-lo. O melhor é chrismar o artigo, que é uma perfeita decepção, que pareceu só ter por fim dar a esta Lei uma côr de tolerancia, que ella não tem.

Disse o Sr. Ministro: o Governo limitou-se a fazer saber aos Empregados de confiança, que não consentia que trabalhassem em sentido contrario ao Governo nas eleições Peço perdão a S. Ex.ª para

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lhe dizer que desde o momento em que este pensamento foi concebido pelo Governo, foi enunciado Jogo de uma maneira, que o arredou muito da sua idéa primitiva. A Circular do Inspector do Correio, que é sem duvida copiada da do Governo, diz. — O Governo não está disposto a consentir, que os Empregados Publicos trabalhem em sentido opposto ao do Governo. — Os Empregados Publicos, note-se bem, já não são só os Empregados de confiança, como disse o Sr. Ministro, são todos os Empregados Publicos. (Apoiados) E as Auctoridades Administrativas fizeram mais ainda, intenderam que o Governo não só não queria, que os Empregados trabalhassem contra elle, mas exigia, que trabalhassem a seu favor, e daqui resulta dizer o Governador Civil de Vianna aos Administradores do Concelho. — Espero, que v. S.ª se servirá por si, e pelos seus Subordinados empregar todas as diligencias a seu alcance para que se realise a eleição dos individuos, que indico todas as diligencias ao seu alcance, quer dizer, empregue a violencia se fôr necessaria. Tranquillisem-se os Srs. Deputados eleitos por este Collegio; porque felizmente não ha prova alguma de que se empregasse esse meio, e eu voto pela eleição, porque vejo que ainda que o Governador Civil exerceu uma influencia abusiva, que o artigo 136.º lhe prohibia, não está provado, que se tivessem seguido as suas instrucções.

O Governador Civil de Coimbra diz. Participo a v. Ex.ª, que em virtude das ordens transmittidas confidencialmente, e á ultima hora, pelo Governo de Sua Magestade a este Governo Civil, devemos fazer convergir todas as nossas forças para que saiam eleitos os individuos constantes da lista, que inclusa remetto — todas as nossas fôrças, que imprudente linguagem!.. Em Aveiro ha uma carta do Secretario Geral daquelle Districto, e um Protesto do Sr. Mendes Leite, Cavalleiro distincto, que todos nós conhecemos, e que é digno de ser acreditado; Protesto, por onde se lê, que a illustre Commissão andou um pouco depressa sobre este processo. Mas em Lagos ha peior do que isto, e parece-me que um illustre Deputado que me está ouvindo, não poderá negar a authenticidade do documento que vou ler, porque está incluido n'uma carta impressa n'um Jornal muito conhecido; carta que começa assim — Amigo Sampaio — donde se vê que é de um amigo particular de um Collega nosso, porque se o não fosse, não o tractaria com esta familiaridade. N'esta caria encontrase a seguinte Circular do Administrador do Concelho de Lagos — Ill.mo Sr. Foi-me confidencialmente communicado por S. Ex.ª o Sr. Governador Civil deste Districto a lista, que o Governo quer corra nas proximas eleições piara Deputados, a qual eu lhe devo transmittir no acto da mesma eleição, o que lhe communico para sua intelligencia. — Esta Circular foi mandada a todos os Empregados, comprehendendo os Parochos, e os sachristães. Serão tambem estes, Empregados de Commissão? E será isto o que o Sr. Ministro da Fazenda disse, que o Governo exigira dos seus Delegados? lista caria vem no numero da Revolução de Setembro de 20 de Dezembro, e lá consta do Protesto de um outro Cavalheiro que já foi nosso Collega o Sr. Avellino que essas gentilezas se practicaram, dando-se as listas aos Empregados ao pé da urna...

O Sr. Correia Caldeira: — Em nome da liberdade.

O Orador: — Eu citei documentos, cuja auctoridade não me parece poder ser contestada.

Sejamos pois francos, e justos para com todos. Eu creio, que o Governo não queria estes excessos, nem tinha precisão de os querer, mas o facto é que elles se practicaram, o facto é, que ninguem intendeu o pensamento do Governo, como aqui enunciou o Sr. Ministro da Fazenda; o facto é que nem o proprio Governo o enunciou assim, prova a Circular do Inspector dos Correios. Essas Circulares, de que se fallou, são identicas ás que se expediram agora, Circulares, que do mesmo modo que as do actual Ministerio se foram desfigurando á medida que desciam do Governo para as differentes Auctoridades, havendo comtudo a circumstancia, que nessa época não havia na Lei Eleitoral o artigo 136.º; o que torna o procedimento actual mais aggravante,

Voltando á discussão, o illustre Deputado e meu amigo, Relator da Commissão disse, que o que se censurava nas eleições de outro tempo, era que as Auctoridades empregavam meios illicitos. O que é meio illicito. É o que não é legal. O que é que não é legal? E o que a Lei prohibe. Poderá dizer o illustre Deputado que os factos que citei, são legaes?

O Sr. Justino de Freitas: — Mas isso são dous ou tres factos.

O Orador: — É o mesmo que fossem um em cada freguesia, ou em cada povoação. Póde-se dizer, que ha dois ou tres factos na presença das Circulares do Governo, e dos Governadores Civis, que deram logar a esses abusos Repito, não póde ser licito hoje, o que tanto se censura a outras Administrações: e se é licito hoje, tambem o era n'outras épocas: e estão em muito máo terreno os que querem sustentar o contrario.

Em quanto á eleição de Arcos de Val de Vez hei de approva-la, assim como hei de approvar todas as eleições a respeito das quaes vir, que não houve reclamação alguma contra excessos ahi practicados. Desejo que os Partidos se costumem a velar pela manutenção da mais bella das prerogativas do Cidadão, e que constitue a base do Systema Representativo: se no Collegio de Arcos de Val de Vez se commetteram violencias contra a liberdade do Cidadão, qualquer Cidadão tinha o Direito de intentar o respectivo processo; se o não fizeram, tenham paciencia; acostumem-se a exercer o seu direito. Veja-se o que occorreu no Collegio Eleitoral de Béja, por onde tive a honra de ser eleito: appareceram alli 3 listas, uma patrocinada pelas Auctoridades, outra sustentada por homens muito influentes daquelle Districto, e apesar disto vingou a nossa: todos os Cidadãos cumpriram o seu dever, e a final triunfou quem representava melhor o Districto. Fizessem todos o mesmo nos outros Collegios.

Vou acabar dizendo, apesar de que, em rigor, em cada Collegio se deve sómente tractar da eleição desse Collegio, com tudo a practica tem sido que, na discussão do primeiro Collegio, se tem deixado desaffogar a Opposição: e permitta-se-me que diga, que o Sr. Alves Martins com desejo de evitar os inconvenientes desta nossa palestra, indicou comtudo um methodo que é máo; porque se fossemos entregar a verificação dos nossos poderes ao Poder Judicial, davamos a este uma grande influencia sobre o Corpo Legislativo, que compromettia a divisão e independencia dos Poderes do Estado...

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O Sr. Alves Martins: — É uma opinião que não deve discutir agora.

O Orador: — Eu sei que esta opinião era do Gabinete Bravo-Murillo; mas tambem sei que ella não encontra, nem póde encontrar muitos partidarios, — Tenho concluido.

O Sr. Mello e Carvalho; — Não era minha intenção, nem ainda é, discutir as diversas disposições do Decreto Eleitoral, porque elle não está em discussão; e comquanto eu não approve algumas das disposições, e. até, n'um sentido, intenda que lhe falta a base para se poder obter a verdadeira Representação Nacional, comtudo como não está em discussão, não me posso delle agora occupar. Tambem não estou sufficientemente habilitado, nem procurei habilitar-me,: para fallar sobre as tropelias e. illegalidades que se fizessem, ou que dizem terem sido feitas em diversos Circulos Eleitoraes, devidas a influencia do Governo; e não estando eu sufficientemente habilitado para emittir a minha opinião a similhante respeito, já se vê que não posso arguir», nem defender o Governo; a responsabilidade peza toda sobre elle;.a mim como Deputado eleito só me pertence, quando me forem apresentadas as eleições de qualquer Circulo, vêr se nellas ha alguma irregularidade; e não havendo irregularidades, que radicalmente as vicie, é consequente que as hei de approvar. Todos nós sabemos o que sempre acontece a respeito de eleições; é um Kaleydoscopo, em que a individualidade se transforma em multíplices e variadas vistas na sua curia revolução; se o individuo pertence ao Pari ido vencedor, diz que as eleições são boas; se pertence ao Partido vencido, diz que são pessimas; de maneira que vê-se hoje approvar aquillo que hontem não era bom, e ámanhã reprovar aquillo que hoje se reputa bom.

Portanto estando eu na intenção de nada dizer sobre as irregularidades das eleições, comtudo o Sr. Deputado eleito por Beja, e meu amigo, referiu-se a um facto, sobre o qual tenho de dar uma explicação, que me parece dever dar. Eu não costumo perder muito tempo em lêr todos os nossos Periodicos, mas sabendo que o Governador Civil de Bragança, pessoa com quem prezo ter amizade, era arguido de que o -Governo procurou, impor-lhe uma lista, de Deputados, obrigando a que influisse (e aqui devo declarar que a palavra — deve — a um Subalterno impõe preceito) para saírem eleitas duas pessoas, aliás distinctas pelo seu caracter e serviços feitos ao Paiz, e constando-me isto, julguei então que devia tomar a palavra.. O Sr. Cunha Sotto-Maior disse — que bem sabia as relações que existiam entre mim e o Governador Civil de Bragança, e que eu havia de contestar a existencia ou veracidade das Circulares a que se referiu — porém eu peço ao meu nobre amigo que mude de parecer, porque não as dou como verdadeiras, nem como apócrifas. Não as dou como verdadeiras, porque o Governo deve ter conhecimento do caracter dos Empregados; e eu conhecendo o Caracter, e os sentimentos de honra, brio e dignidade daquelle Magistrado, tenho a certeza de que seria mais facil elle demittir-se immediatamente, do que acceitar uma lista, que imperiosamente se lhe impozesse, por muito respeitaveis que fossem os caracteres que se lhe impozessem; conseguintemente todas as probabilidades a este respeito são destituidas de fundamento; porque nós não podemos suspeitar! do procedimento do homem, senão pelos actos que elle practica; ora, este seria, na verdade, um acto que mal contado lhe seria, se acceitasse uma lista do Governo, porque leria de a fazer vingar, intervindo na eleição directamente, talvez opposto á Lei.

Tudo quanto a este respeito se escreveu, talvez seja devido a um miseravel manejo, -que de ordinario costuma apparecer nestas occasiões de eleições geraes; mas que o Governador Civil despresou, cumprindo como cumpriu com o seu dever; e ninguem com justiça poderá pôr em duvida o seu nobre caracter, e a sua probidade. (Apoiados) Vejamos agora a qualidade sisuda e proba dessas pessoas, que se diz que não quizeram acceitar a candidatura pelo Governo. Não vejo prova de que ella lhes fosse offerecida, nem de que, tendo-lhes sido offerecida, elles a declinassem. Além disto, poderá o Sr. Antonio da Cunha persuadir-se de que os dois Marechaes de Campo, que tantas vezes tem exercido cargos de confiança, e prestado serviços ao seu Paiz, que subscreveriam sem exame, sem reflexão, sem consciencia a todas as medidas tomadas pelo Governo? Não se faça injustiça a estes illustres caracteres. Observe-se mais que houve quem dissesse, que se o Governador Civil de Bragança não protegesse a candidatura destes dois Cavalheiros, que falsamente se diziam impostos pelo Governo, este o demittiria: o facto porém provou o contrario, porque elles não foram eleitos, e o Governador Civil ainda lá está. O que prova tudo isto, senão a existencia de manejos e alicantinas eleitoraes, e de certo caprichos e ambições de influencias locaes e de campanario?

Todas as pessoas que me conhecem, sabem que evito fallar sempre e constantemente de mim, deixo essa tarefa aos outros que a queiram tomar; mas como n'uma dessas chamadas confidenciaes se disso que eu fôra recommendado para ser eleito pelo Circulo Eleitoral de Penafiel, releve-me a Junta Preparatoria que diga a este respeito duas palavras, visto haver dicto o meu amigo o Sr. Corrêa Caldeira, que estas confidenciaes não foram contestadas pela Imprensa

É verdade que não contestei pela Imprensa este dicto, nem delle fazia tenção de me occupar; mas sendo agora forçado a fallar, direi, que maravilhou-me ver que tal se dissesse; porque assevero, sem receio de se me provar o contrario, que não sollicitei por mim, nem por interposta pessoa, nem directa nem indirectamente por qualquer fórma ou maneira similhante recommendação, porque com ella, ou sem ella o resultado seria o mesmo, quando não se empregassem os meios da violencia para a minha exclusão por aquelle Circulo da minha naturalidade.

Devo igualmente dizer, que tambem para alli não escrevi uma só carta a pessoa alguma, a fim de que promovesse a minha candidatura: deixei aos meus conterraneos a mais perfeita e completa liberdade na escolha dos seus Representantes. Sei já pelas repelidas provas que vivo na sua lembrança, que me distinguem com a sua estima, e é quanto me basta.

Supponha-se porém que o Governo, por circumstancias mais suas do que minhas, me havia recommendado, o que, repito, não sei, nem em que termos seria feita, dessa recommendação nenhum proveito póde provir ao Governo. Os Srs. Ministros já devem conhecer o meu caracter, sabem que não me dobro nem curvo ás suas vontades, nem de ninguem pelo simples facto de que tem o Poder, e então pouco proficua lhe podia ser

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similhante recommendação; e se não conhecem ainda o meu caracter tambem não colheria melhor resultado, porque não podem saber se lhe apoio, ou combato as suas medidas: e para que não lhes deixe a incerteza do modo porque me haverei, declaro que não tendo compromissos senão com a minha razão e com o meu coração, hei-de de approvar o que julgar digno de o ser, e combater e rejeitar o que intender ser prejudicial. Em nenhuma, dessas medidas tenho parte para nada fui ouvido, não frequento nenhuma das casas dos Srs. Ministros, não lhes roubo tempo nas Secretarias, em nada os incommodo; e o que pratico para com os actuaes e o mesmo que tenho observado para com os preteritos; porque esta independencia está no meu caracter, e não nas circumstancias.

A vista pois desta mui franca e explicita declaração, podem S. Ex.ª estar certos de qual será o modo pelo que apreciarei as suas medidas, a legitimidade da sua origem, e os seus effeitos, sem que da minha parte haja a menor quebra de consideração e estima para com suas pessoas. Não pertenço nem á direita, nem á esquerda, sou da minha razão e consciencia; se alguma vez fôr reputado excentrico, paciencia; essa excentricidade e dos homens que a berram, em meu intender, dos principios. Se pois os Srs. Ministros não sabiam, qual seria o meu procedimento nesta Casa a respeito das suas medidas já tomadas, ou que houverem de tomar, como se poderá affirmar que me recommendassem? Ora isto que aconteceu a meu respeito, não acontecerá com relação a outras pessoas, cuja independencia de caracter é bem conhecida.?

O meu amigo o Sr. Antonio da Cunha referiu-se a uma Circular do Sub-Inspector dos Correios, aos seus subordinados, considerando a illegal, abusiva e inconstitucional: permitta-me o meu nobre amigo que diga, que discordo do seu sentir, e não discordo agora, já assim penso ha muito tempo, e não receei, quando Ministro do Reino, escreve-lo na minha Circular de 15 de Outubro de 1847 aos Governadores Civis, tractando-se de eleições geraes; e é tambem com ella, e com outras precedentes Circulares, que respondo á arguição errada e sem fundamento, de que o Governo então abandonara as eleições; o Governo não abandonou as eleições, quiz dirigi-las no sentido da Lei, da ordem e da constitucionalidade, e não me arrependo. Permitta-me a Junta Preparatoria, em prova do que digo, que leia algumas passagens da mesma Circular a que me refiro, e que vem no Diario do Governo N.º 245, de 16 de Outubro de 1847, e della se verá como intendo a theoria constitucional sobre eleições, e qual a influencia moral que nellas devem ter os Governos Representativos. Disse eu na referida Circular: «O Governo respeita a consciencia de todos, e a violencia não poderia conformar-se com o pensamento que o domina, de querer que a eleição seja livre, e, a verdadeira pressão da maioria da vontade nacional. Os que deseja ver empregados são os da persuasão, da influencia moral, que não póde deixar de ter sobre a opinião dos povos uma boa Administração; são a explicação dos seus actos e dos seus principios, e franca e sincera exposição do estado do Paiz e das suas necessidades, para que a opinião publica não possa ser surprehendida ou desvairada. Mas para isto e absolutamente indispensavel, é um dever de honra o de moralidade, que todas as Auctoridades Administrativas, depositarias da confiança do Governo, seus orgãos e delegados se empenhem com fidelidade, zelo e lealdade em cumprir, no interesse publico, as obrigações que lhes estão confiadas, e em fazer comprehender aos povos todo o pensamento do mesmo Governo, defendendo-o contra insidiosas imputações, com que se pertenda desvirtua-lo, e procurando dissipar prevenções, que contra elle os diversos Partidos, ou ainda facções, tenham estabelecido, ou procurado estabelecer.

Se alguma Auctoridade Administrativa não tem esperança, nem confia no systema do Governo, cumpre ao seu pundonor, nobreza de caracter e probidade para não trahir os deveres de confiança, declinar antes de tudo a commissão a seu cargo, para na qualidade de particular seguir então Politica contraria, e não poder, em tempo algum, ser arguida, com grave desaire, de menos fiel e leal... O Governo, como já por vezes tem manifestado, não pertende impôr nomes aos Collegios Eleitoraes; compraz-se em que a eleição recáia em pessoas honestas, intelligentes, que procurem estabelecer o bem do Paiz, e que sustentem as Instrucções Politicas. Em quanto aos Funccionarios Publicos de Commissão, o Governo respeita as suas consciencias, e não pertende de modo algum violenta-las; mas assim como não lhes tomará conta dos seus votos individuaes, nem do seu modo de pensar, não deixará comtudo de tomar conhecimento dos seus actos manifestamente hostis á Administração, que nelles tem posto sua confiança. Empregados de uma tal qualidade não devem usar da influencia, que lhes dão os seus cargos, para sustentar a sua Politica particular, e menos ainda para combater o systema governamental que servem!!...

Estando pois a Circular do Sub-Inspector dos Correios neste mesmo espirito e sentido, como está, segundo a rapida leitura que della se fez, não posso argui-la de illegal e inconstitucional. Direi mais, que sendo, em meu conceito, o Sub-Inspector dos Correios um typo de honradez, de probidade, e virtude, com reconhecido amor ás sciencias ás quaes se tem dedicado desde a sua infancia, não era possivel que obrasse de um modo contrario aos dictames da sua consciencia pura. (Apoiados) Desde a minha mocidade preso-me da sua amisade, e farei muito por a conservar.

Em conclusão direi: que essas confidenciaes ao Governador Civil de Bragança verdadeiras ou apócrifas, porque não tenho na mão provas para affirmar, ou negar a sua realidade ou falsidade, nenhum resultado produziram a respeito da eleição: tenho razões sobejas para suppôr a sua não existencia, deduzidas não só do caracter do Governador Civil, como tambem do caracter das pessoas que se dizem recommendadas, que por certo não sollicitaram tal recommendação, dando-se a seu respeito o mesmo que aconteceu comigo. Confesso ingenuamente que me causou grande surpreza o dizer-se que o Sr. Ministro do Reino me havia recommendado para Penafiel, onde menos eu carecia de tal recommendação; e não posso ainda hoje acertar com a razão, porque provas tenho eu recebido de S. Ex.ª, não de amisade, mas de indifferença, indifferença aliás bem cabida, porque nunca lhe prestei para coisa alguma, nem lhe poderei prestar na ausencia de qualquer merecimento.

Parece-me pois que está salva a dignidade do Governador Civil de Bragança, assim como a do Governo; por isso que é evidente que lhe não impoz essa obrigação, e se a impoz, o Governador Civil cumpriu o seu dever..

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Tractando agora especialmente do Parecer da Commissão em discussão, estando eu perfeitamente de accôrdo com elle, declaro que o approvo, e por elle hei de votar.

O Sr. Corrêa Caldeira: — Sr. Presidente, tendo o Governo pelo orgão do Sr. Ministro da Fazenda respondido ás observações que eu fizera acerca da intervenção effectiva, abusiva e illegitima dos seus Delegados na eleição, e tendo o illustre Relator da Primeira Commissão de Poderes respondido tambem pela sua parte ás razões e considerações que eu fizera, sobre o modo como pelo Decreto Eleitoral foi viciado na sua origem o recenseamento, e portanto a verdade da eleição, V. Ex.ª nem a Junta Preparatoria não estranharão que eu em poucas palavras, e o mais resumidamente que me fôr possivel, rectifique o que houver de inexacto nas respostas que deram S. Ex.ª, e mostre que quando na replica se soccorreram á asserção de que eu declamara, de que eu não enunciara mais que asserções vagas, foram S. Ex.ªs (permittam-me que o diga) que por meio de asserções vagas responderam ao que eu tinha dicto.

Começarei pelo illustre Relator da Primeira Commissão de Poderes (perdoe o Sr. Ministro que nesta escolha não tenha a preferencia) Disse elle que eu não atacara a conclusão do Parecer em discussão, e me referira vagamente a circumstancias que eram communs a todos os Circulos Eleitoraes em geral, por não achar razões com que combater as conclusões deste Parecer. Devo em resposta dizer, que as considerações que eu tinha a fazer, e fiz, por isso mesmo que abrangiam todo o processo Eleitoral, abrangiam necessariamente o Parecer que estava em discussão, e que eu não podia deixar de ennunciar nesta occasião aquellas considerações sobre a generalidade da eleição, porque se deixasse passar o Parecer que se discute, e aguardasse para apresenta-las a dicussão de outro Parecer que eu quizesse com, bater em todas as suas partes e conclusões, haviam então os illustres Deputados dizer-me que não era já tempo de produzir esses argumentos, que a occasião era quando se tractava do primeiro Parecer, e que desde que elle passára a salvo deste meio de impugnação, todas as minhas observações e razões eram já inopportunas e impertinentes!

Disse o nobre Deputado, que sabia quanta consideração eu tinha pela sua pessoa, consideração que não é de hoje, porque não se dá só a circumstancia de sermos Collegas, mas tambem a de relações muito anteriores, e que muito prezo, disse, repito, que eu não argumentara, mas declamara, e eu respondo que não declamei; quem declamou, foi o illustre Deputado. Eu precizei muito, Sr. Presidente, o vicio que reconheci no Decreto Eleitoral; disse que por esse Decreto o Governo tinha sofismado o artigo 5.º do Acto Addicional; disse que sé tinha publicado a Portaria de 11 de Novembro ultimo que havia ainda mais augmentado e aggravado os abusos em todo o processo eleitoral, pelo vicio do recenseamento; disse que esse vicio, esses abusos não podiam ser bem appreciados por esta Junta, mas que era grave, porque só em duas Assembléas havia 800 votantes, que tinham votado indirectamente, e que pelo conhecido conjecturasse a Junta Preparatoria o desconhecido. E como respondeu a tão formal e positiva censura o illustre Deputado?

Não o esperava. O illustre Deputado respondeu por uma allusão pessoal. Estimo muito que assim acontecesse, porque quero mostrar ao illustre Deputado, que em todas as épocas, em todas as occasiões, e em todas as situações sou sempre o mesmo, defendo sempre o que é de legalidade e direito; os meus illustres adversarios talvez não possam dizer o mesmo de si proprios com igual desassombro!

Disse o illustre Deputado, que se admirava de que a queixa contra a concessão da maior amplitude do direito eleitoral, dado pelo Decreto de 30 de Setembro a todos os Empregados, posto que não tivessem empregos inamoviveis, fosse produzida, não pelo lado esquerdo da Camara, mas pelo lado direito, e muito mais por mim, que tinha na Camara passada defendido sempre, que todos os Empregados Publicos eleitos tomassem assento na Camara, não obstante as disposições do Decreto Eleitoral de então que o prohibiu.

Sr. Presidente, sou eu que devo admirai-me de que o illustre Deputado em pregasse este triste argumento!!! Em 1852 como agora eu defendi sempre os mesmos principios, isto é, o direito e a legalidade, e senão façamos um retrospecto. Em 1852 tractava-se de applicar a diversos Cidadãos, que tinham sido eleitos Deputados, as disposições restrictivas da elegibilidade, que tinham sido estabelecidas no Decreto da Dictadura de 20 de Junho de 1851, se me não engano. Então a Lei Fundamental do listado, não modificada por Lei alguma, era a Carta Constitucional da Monarchia; essa Lei Fundamental não admittia similhantes restricções da elegibilidade, e os Deputados excluidos, ou que se pretendia excluir, só podiam ser excluidos da Representação Nacional, reconhecendo-se o que fôra exorbitantamente decretado pela usurpação do Poder Legislativo, feita pelo Poder Executivo contra a Lei Fundamental do Estado; por consequencia eu, e este lado da Camara sustentavamos a legalidade contra as exorbitancias do Poder Executivo, a Carla contra os actos da Dictadura. A Carta Constitucional dizia que aquelle que tivesse tal rendimento, fosse ou não Empregado inamovivel, podia ser Deputado, e nós diziamos em vista da Carta, que taes Deputados não podiam ser excluidos da Camara, só porque assim o approuvera aos auctores do Decreto de 20 de Junho de 1851. Tal era então a legalidade, tal era então o direito estabelecido. Votou-se porém, e decretou-se depois o Acto Addicional; e o illustre Depulado sabe que eu, e os meus Collegas e amigos do lado direito da Camara lavámos as mãos da censura, dos louvores, ou do vituperio que nos podesse vir por essa obra; queremos, e temos direito de querer que fique aos seus auctores essa gloria em toda a sua plenitude.

Não sei a parte que o illustre Deputado leve, ou tomou neste trabalho; mas o certo é que o Acto Addicional foi aqui apresentado por Proposta do mesmo Governo, que ainda hoje está á testa dos negocios publicos, e approvado pela maioria da Camara de que o illustre Deputado fazia parte; esse Acto Addicional restringiu o principio da ampla elegibilidade que estava na Carta, assim como restringiu tambem o direito eleitoral activo pelo modo constante do artigo 5.º n.º 1.º; e que faço eu agora? Peço o cumprimento do que ahi está legislado; se é bom ou máo, é culpa do Governo e da maioria que o votou; é hoje Lei do Paiz, e Lei superior ao capricho

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dos Ministros; e como Lei do Paiz peço e exijo a sua execução. Por consequencia peço hoje o mesmo que pedia em 1852; então pedia o cumprimento dá Carta Constitucional sem modificação alguma, pois que era ella a Lei Fundamental do Estado; hoje peço a execução da Carta Constitucional, e do Acto Addicional a ella, proposto por este mesmo Governo. De que lado está a mudança, e deste lado ou do lado do illustre Deputado? E cousa notavel! Então as minhas opiniões excluindo as incompatibilidades eram talvez consideradas antiquadas, pouco liberaes, retrogradas, porque (dizem) se oppunham á mais bem intendida, e desejavel independencia do Parlamento! E ao melhor exercicio do direito eleitoral! Hoje que eu digo —.Vós restringistes o direito eleitoral no artigo 5.º do Acto Addicional, pois bem; observai a restricção. Como é que vós, Governo, que proposestes e fizestes approvar e decretar o Acto Addicional, não tendes pejo de em tão curto espaço de tempo, por um Decreto vosso, em Dictadura, rasgar esse principio que reputaveis sancto e justo, e como e que vós, maioria, vindes hoje apoiar o Governo que assim procede? A esta apostrofe severa responde-se-me — Que é para admirar que eu defenda estes principios! — Eu não defendo agora principios, exijo o cumprimento da Lei.

Sr. Presidente, tenho mostrado convenientemente a Junta que o meu procedimento como Deputado tem sido sempre coherente; que no passado, como agora defendi sempre e defendo o direito e a legalidade, que pugnei sempre pela sincera e leal execução da Lei, por tanto, Sr. Presidente, com applicação ao ponto de que se tracta, isto não é uma argumentação vaga, não é declamar, é mostrar com argumentos irrespondiveis que o Governo sofismando a. lettra expressa do artigo 5.º n.º 1.º do Acto Addicional viciou a verdade da eleição, violou, despresou, e escarneceu a Lei. A maioria que o apoie embora como quizer, eu não só quero notar e censurar o vicio, a violação, a falla, mas votar contra a eleição que resultou desse manifesto abuso.

Disse o illustre Deputado com a habilidade e talento que lhe é proprio, que ainda suppondo que tivesse havido o abuso por mim notado, nada havia mais facil do que corregi-lo no processo Eleitoral, descontando-se na votação os votos dos Eleitores que tinham exercido o direito eleitoral indevidamente. Isto é argumentar habilmente, mas permitta-me o illustre Deputado que lhe diga que é improcedente o argumento porque e impossivel o correctivo; pois diga-me o illustre Deputado [tem consciencia de que só votaram indevidamente os Eleitores das Assembléas da Sé e S. Nicoláo do Porto? Esses sabe-se que votaram illegalmente em consequencia de um recurso e sentença do Tribunal; que pronunciou a sua exclusão; mas não sabe o illustre Deputado que ha tambem outro Accordão da Relação que declara que não podem ser recenseados como Eleitores os Empregados Administrativos, e os Empregados de Fazenda pelo rendimento dos seus empregos? E póde o illustre Deputado dizer quantos foram os Eleitores que em todo o Reino votaram estando neste caso? Mas no Circulo Eleitoral dos Arcos de Val de Vez, cujo Parecer se discute, não houve (diz-se) protesto algum; e porque? A razão é obvia, é porque em todos os Circulos Eleitoraes que não eram sedes de Relação, ou muitos proximos á sedes desses Tribunaes era absolutamente inutil usar dos recursos que a Lei para elles facultava, porque não havia tempo, e o illustre Deputado sabe que ninguem gasta dinheiro e tempo em uma cousa inutil. Por tanto não se reclamou contra todos os Empregados indevidamente recenseados, e por tanto não se interpuzeram recursos contra todos: por tanto não é possivel saber quantos em cada Circulo foram illegalmente receados, e indevidamente admittidos a votar; por tanto o correctivo lembrado é impossivel, por tanto o meu argumento ficou sem resposta. Eu mesmo tinha prevenido que assim se argumentasse, porque tinha dicto á Junta que não podia avaliar exactamente o resultado desses abusos, mas o que sómente podia fazer era pelos vestigios que existiam, inferir a grandeza delles; appello para a consciencia do illustre Deputado, e ella me responderá que não póde avaliar até onde foram os abusos que censurei nesta parte.

Tinha eu dicto tambem que me parecia inconveniente o modo como foi deixado ao arbitrio dos Escrivães de Fazenda a formação das listas dos 40 maiores contribuintes, base da formação das Commissões de Recenseamento; que podia nisto haver grandes abusos: O illustre Relator intendeu que não procedia esta observação, porque não era possivel que se commettessem abusos sendo elles obrigados a apresentar os lançamentos originaes, e havendo recurso para as Camaras Municipaes. Ora a este respeito devo dizer ao illustre Deputado que eu acredito que me respondeu, como sempre, mas principalmente neste ponto, com a melhor intenção, com muito boa fé; mas enganou-se, e não é isto querer dar lições ao illustre Deputado; mas a verdade é que nem sempre aprendemos com os que sabem mais, ás vezes aprendemos com os que sabem menos. Se a Lei dissesse — As Commissões de Recenseamento serão formadas, confeccionando-se uma lista dos contribuintes que pagarem tal somma de imposto directo — seria mais facil a execução da Lei, seria menor o arbitrio; mas como não disse isto e só diz — A lista será formada dos 40 maiores contribuintes — estou persuadido que nem mesmo aquelles que formaram a relação com o desejo de a fazer exactissima, podem ter a consciencia de que a fizeram como desejavam. Como é que o illustre Deputado intende que, não estando fixada a somma que era necessaria para escolher os maiores contribuintes, é possivel num lançamento que tem 25 ou 30:000 collectas, como os ha aqui em alguns, ou algum bairro de, Lisboa, dizer os 40 maiores contribuintes é fuão e fuão, com exactidão? Se o illustre Deputado me diz que sim, digo que não; porque, a razão é facil, o numero dos collectados é immenso, não ha base nenhuma senão arbitraria para fazer a escolha, ou para ponto de partida. Supponhamos que se toma a base de 200$000 réis para a escolha dos maiores contribuintes; faz-se a busca nesta base, examina-se uma freguezia, acha-se um homem que paga 100$000 réis, diz-se, este não é o que procuramos, ponha-se de parte; enconlra-se outro que paga 90$000 réis, diz-se tambem não é dos maiores contribuintes; e vai pondo assim de parte os que não pagam 200$000 réis. Vai a outra freguezia, e faz o mesmo processo; mas nessa mesma freguezia os individuos que elle excluiu já como tendo pago só 90 réis, pagam 20$000, 40$000, 100$000, ou 120$ réis, e pela mesma razão são desprezados; de sorte que quando chega ao fim do exame, ficam fóra do

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calculo muitos contribuintes que pagavam muito maiores collectas do que aquelles que foram escolhidos. Eu podia apresentar nomes para convencer o illustre Deputado do que isto não só era possivel, mas que aconteceu mesmo em Lisboa do modo que descrevi; mas não quero, e não quero para não lançar desfavor ou censura, sobretudo, sobre os Empregados a quem fosse attingir a allusão.

Sr. Presidente, o illustre Deputado Relator da Commissão, tambem attenuou quanto pôde a impressão do meu argumento relativo á mesquinhez do tempo dado para se interporem os recursos; soccorrendo-se principalmente ao modo imparcial como tinham sido formadas as Commissões de Recenseamento. Mas eu já demonstrei que as Commissões de Recenseamento podiam muitas vezes ser muito parcialmente formadas. Portanto, a attenuação a este argumento dada por S. Ex.ª não é a melhor, não é a mais concludente. Alem de que, ainda que as Commissões de Recenseamento fossem compostas do melhor modo possivel, desde que a Lei reconhece que é necessario, para dar a maior garantia possivel ao exercicio do direito eleitoral, estabelecer nada menos que quatro instancias, ou quatro recursos, uma de duas, ou se ha de dar o tempo sufficiente para que esses recursos se possam interpor, ou então é totalmente inutil fazer a vã ostentação de os dar — Nisi utile est quod fácimus, stulta est gloria — isto já é velho.

O illustre Deputado confessou que na verdade o Decreto Eleitoral tinha dado a maior amplitude possivel para a inscripção dos Cidadãos nos recenseamentos, e tinha sido mais restricto, mais rigoroso para a exclusão delles. O illustre Relator veiu assim a confessar exactamente aquillo que eu tinha dicto, porque era isso o que eu tinha attribuido ao Decreto; era que tendo sido feitas de um certo modo as Commissões de Recenseamento tendo sido viciado de um certo modo na sua base o recenseamento, todas as disposições do Decreto eram tendentes a manter, a conservar inscriptos no recenseamento os individuos indevidamente recenseados; e como se tinha pretendido alargar contra a Lei o direito eleitoral, como em virtude dessa amplitude dada ao direito eleitoral, muita gente tinha sido recenseada que o não o devia ser, era necessario combinar as cousas de modo que é mais possivel se desviasse a exclusão desses individuos: e tanto isto é verdade que apesar de haver recursos, de haver um Accordão que declarou que certos individuos não podiam votar, votaram. Em alguns Concelhos ainda houve reclamações, recursos, e sentenças posto que inuteis; mas naquelles Concelhos onde não houve nem uma nem outra cousa, qual é o modo de vermos este negocio E de ajuizar dos seus resultados ao menos por approximação? Nenhum

Disse-o illustre Relator que em relação ao passado tinham sido injustas as censuras que eu tinha feito ao Decreto Eleitoral, porque este Decreto se distinguia sobre tudo pela penalidade que tinha estabelecido a respeito de todos os actos pelos quaes se violasse ou o direito de Eleitor, ou a legalidade da eleição; e que nela terra apesar de ter havido muitos Decretos Eleitoraes, era este o primeiro em que esta penalidade se estabelecia. Direi ao illustre Deputado, sem levantar as cinzas de todos os Decretos Eleitoraes que tem havido no Paiz, que postos na balança os outros Decretos e este, veja nesta parte especial qual é melhor, sé fazer a Lei um apparato uma ostentação de penalidade a respeito de todos que tendam a violar a liberdade, e a legalidade da eleição e não tornar essas penas effectivas áquelles que practicarem os actos incriminados, ou se é preferivel o silencio da Lei a esta grande ostentação, quando se mantem a impunidade? Eu declaro que é preferivel o silencio da Lei. Quando não ha intenção sincera, e energica de fazer executar a Lei, e de fazer punir aquelles que de intenção deliberada violam todas as mas disposições, quando não ha essa intenção firmo do Governo, e da Auctoridade, de fazer observar escrupulosamente a Lei, é muito melhor que a Lei se calle, e sabe o illustre Deputado porque! Sabe-o, não direi tão bem, sabe o melhor do que eu, porque Jurisconsulto distincto, e Professor illustre tem ensinado ha muito tempo, e mais vezes do que se contém de lettras nas palavras que eu profiro agora, que quando se estabelecem na Lei disposições penaes contra certos actos, e quando se vê depois que se practicam todos esses actos, e se practicam com annuencia, approvação, o ás vezes com instigação do Poder e das Auctoridades, e que todos esses actos ficam por consequencia, impunes, acontece inevitavelmente que o povo se acostuma a despresar completamente todas as disposições das Leis, e são assim alluidas e minadas nos alicerces as primeiras condições do edificio social.

Portanto se não havia intenção de fazer com que o Processo Eleitoral corresse em toda. a liberdade, se não havia intenção de fazer com que fosse licito a cada um exercer o seu direito como intendesse, era muito melhor que não se tivessem incluido no Decreto Eleitoral os artigos 136.º e todos os outros analogos, que foram amplamente desenvolvidos e analysados pelo meu illustre amigo, o Sr. Avila.

Sr. Presidente, devo ainda á Junta algumas explicações sobre a parte do meu discurso, em que eu disse — que o Governo interviera nas eleições, e interviera illegal e abusivamente.

O meu amigo, o Sr. Relator da Commissão sustentou — que o Governo podia intervir nas eleições legalmente, e quer na practica se tinha conhecido, que as Auctoridades não tinham usado senão de meios beneficos. E o Sr. Ministro da Fazenda, por parte do Governo, com a nobreza de caracter que lhe é propria, declarou, que tomava a responsabilidade da parte que o Governo tinha tomado no Processo Eleitoral, e a que podia provir da Circular do Sub-Inspector Geral do Correio, e declarou mais, que outras iguaes ou similhantes insinuações, Circulares e Portarias se tinham expedido por todos os Ministerios. Por esta occasião declaro tambem eu, que hei de fazer um Requerimento para que Venham á Camara as cópias de todas essas Circulares que o Sr. Ministro confessou que se tinham expedido; porque quero avaliar por ellas as intenções e instrucções do Governo, e o modo como foram intendidas e cumpridas pelos seus Agentes subalternos.

Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Fazenda disse: «que o Governo exigira só, como podia e devia, que os Empregados de confiança não trabalhassem contra o Governo. Oh! Sr. Presidente, se fosse isto só que tivesse feito o Governo, se fosse a isto só que se tivesse limitado a influencia, e intervenção do Governo, então, dar-lhe ía eu os meus louvores, e não o censurai ia por isso; mas não me consta que fosse isso se que se fizesse, nem que fosse a isto só que o

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Governo se limitasse; porque pelos actos practicados em toda a parte se mostra clara e evidentemente que o Governo julgando Empregados de confiança todos os Empregados do Estado, para todos expediu, ou a todos fez chegar as celebres Circulares sem attenção a cathegoria, qualidade ou denominação do emprego.

A serem interpretadas e intendidas pela practica as declarações do Governo e as suas Circulares vê-se que o Governo reputa Empregados de confiança todos os Empregados do Estado; elles que agradeçam este terrivel dom que lhes fez o actual Ministerio!...

Sr. Presidente, ale agora eram sómente considera-los Empregados de confiança, por exemplo, os Empregados Superiores de Administração dependentes do Ministerio do Reino, os Empregados e Chefes das Missões Diplomaticas dependentes do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, os Delegados e Agentes do Ministerio Publico dependentes do Ministerio da Justiça, mas ninguem tinha, como agora se fez, considerado entre muitos outros os Empregados, de Fazenda — Empregados de pura confiança do Governo. Por ventura os Escrivães de Fazenda, os Recebedores de Concelho, e os Empregados das Alfandegas pódem considerar-se Empregados de confiança!..... Ate agora intendia-se que estes Empregados, em quanto exercessem os seus logares com honra, probidade, zêlo e intelligencia, não tinham que recear cousa alguma com relação aos seus empregos e collocação; mas hoje mudou tudo, hoje não é assim, hoje estes Empregados são considerados Empregados de confiança para influirem ou deixarem de influir nas eleições deste ou daquelle modo, e conforme fôr do aprazimento ou vontade do Governo, que estiver á lesta dos Negocios Publicos!... Os Srs. ministros fizeram a todos estes Empregados um terrivel damno!

As Circulares foram expedidas por todas as Repartições e a todos os Empregados para que o seu procedimento nas eleições fosse segundo as ordens ou insinuações dos seus Chefes; mas pergunto eu — todos os Empregados do Estado são Empregados de confiança para que assim se lhes imponha o voto!... Ninguem dirá que sim.

Sr. Presidente, a Imprensa periodica publicou o Officio de um Governador Civil dirigido a um Juiz de Direito, para trabalhar nas eleições, fazendo votar os seus Subalternos em certa e determinada lista que lhe fôra remettida, e este Officio não foi desmentido: a Imprensa publicou as instrucções e intimações feitas por um Governador Civil aos Professores de Instrucção Publica inclusivè: a Imprensa publicou o que occorreu no Districto de Castello Branco, e o procedimento escandaloso do Governador Civil deste Districto: a Imprensa publicou as instrucções ou insinuações dirigidas aos Directores e Sub-Directores das Alfandegas, etc. E por ventura todos estes Empregados, a quem se dirigiram taes Circulares e verdadeiras intimações, são Empregados de confiança?... É este o primeiro ponto da minha pergunta ao illustre e nobre Ministro da Fazenda.

Sr. Presidente, disse o illustre Relator da Commissão, que os meios empregados pelas Auctoridades foram meios beneficos.

Sr. Presidente, eu sou amigo verdadeiro e antigo do illustre Relator da Commissão, elle sabe quanto eu, de ha muito tempo, o respeito, prezo e estimo, (O Sr. Justino de Freitas: — É verdade) e é por

Isto mesmo que eu desejo, e desejo mui sincera e ardentemente que o illustre Deputado nunca passe pela acção dos taes meios beneficos, empregados pelas Auctoridades. (Apoiados do lado direito) Se eu fosse inimigo do illustre Deputado, recommendava-lhe que fosse viver para o Districto de Béja, para gozar da deliciosa situação de gemer dez e doze dias n'uma cadeia, mettido quasi em segredo, incommunicavel, sem saber o motivo da sua prisão, não obstante tantas disposições da Lei que protegem a liberdade individual do Cidadão, tudo por simples e puro arbitrio do Governador Civil daquelle Districto... (Apoiados do lado direito) Tudo isto ha de vir aqui, por todas estas violencias, infracções de Lei, e abusos hei de eu pedir a responsabilidade dos Srs. Ministros, mas isto será mais tarde.

Sr. Presidente, disse S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, e acredito que quando S. Ex.ª o disse, foi persuadido de que assim se tinha intendido, disse, repito — «que só se tinha exigido aos Empregados, de confiança, que não trabalhassem contra o Governo, e que de modo nenhum se exigiu aos Empregados o voto ou o emprego, e — Porém quer a Junta saber como foram intendidas, explicadas e postas em practica as insinuações do Governo, se ellas eram taes?... Eu lh'o faço saber, tendo-lhe alguns documentos importantes, e ainda até hoje não desmentidos nem contradictos, que foram publicados pela Imprensa Periodica. O primeiro é o seguinte: (Leu) em primeiro logar um Officio do Administrador de um dos Concelhos do Districto de Faro, publicado no Jornal — A Lei — N.º 951 de 27 de Novembro ultimo, pagina 2.ª E successivamente o Requerimento de alguns Cidadãos de Porto de Moz, Districto de Leiria, ao respectivo Delegado do Procurador Regio, publicado no mesmo Jornal já citado, N.º 971 de 23 de Dezembro, e em fim o Protesto do Sr. Cardozo Avellino contra as violencias e infracções da Lei Eleitoral, commettidas no Circulo de Lagos, publicado tambem no mesmo Jornal N.º 976 de 29 de Dezembro proximo passado.

Aqui tem pois o nobre Ministro da Fazenda a razão porque eu disse, que aos Empregados se exigia ou o voto ou o emprego, e tanto é verdade, que se exigiu o voto ou o emprego, que de feito foram demittidos muitos Empregados, por conselho, e a pedido ou instancias das Auctoridades Superiores Administrativas, só porque ellas puderam conhecer ou suspeitar que o voto desses Empregados seria, ou tinha sido no acto eleitoral, contrario ao que ellas queriam que fosse. Ainda hoje continuam as perseguições; dez ou doze Empregados já foram demittidos por vingança do Governador Civil do Districto de Béja, não porque elle soubesse que o voto delles fôra contrario, mas pela simples suspeita de que votaram, ou votariam contra!... Aqui tem pois S. Ex.ª, a Junta, e a Nação inteira, qual foi a liberdade da eleição, e com que bom fundamento eu aqui disse, na primeira vez que fallei, que o Governo tinha lançado a espada de Brenno na balança eleitoral para vencer as eleições e que o Governo interferira illegal, violenta e escandalosamente nus eleições. (Apoiados do lado direito)

Eu não me queixaria, Sr. Presidente, se o Governo tivesse dito aos seus Empregados de confiança — Usem da sua persuasão e influencia em termos legaes, para que a eleição recáia em amigos do Go-

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verno, em homens que apoiem a sua Politica. « — Não me queixaria, repito, posto que não seja este o rigor dos principios; porque o rigor dos principios é que a Administração seja um Poder, e não um Partido como Poder que mantenha a cada um os seus direitos. Incumbe-lhe executar as Lei, assistir ao processo Eleitoral com Verdadeira imparcialidade, empregar, como Poder do Estado, os esforços possiveis, legitimos e convenientes para que cada um use em plena liberdade do seu direito, vigiar que a ninguem se façam violencias, e finalmente que as Leis sejam em todas as suas partes executadas fielmente.

Tal é o rigor dos principios. Assim e que elles si ensinam, e se intendem nos lermos da theoria, e do Systema Constitucional. É cedo que uma Administração qualquer representa sempre, ou deve representar os principios e a Politica de um Partido; e esse Partido, a cujo gremio a Administração pertence, deve sustenta la na eleição, deve trabalhar para que a eleição seja dirigida de modo, que faça triunfar a Politica da Administração que o representa na gerencia dos negocios do Estado; mas, posto que seja este o rigor dos principios, e bem certo tambem, que todos os Governos tem mais ou menos auxiliado no acto da eleição, e no seu resultado, o Partido Politico que está mais de accôrdo com elles, e auxiliado com a influencia de que podem dispor, dentro dos justos limites; mas levar as cousas ao ponto a que as levou o actual Governo, isso e que nunca se viu!... Poderá alguem citar occorrencias muito desagradaveis, e muito deploraveis, que já por occasião de eleições, houve neste Paiz; mas abusos de auctoridade Ião systematicamente empregados, tão geralmente seguidos, e levados com tanta precisão e amplitude a todos os Empregados do Estado de qualquer graduação e jerarchia que fossem, é esta a vez primeira que se vê tão insolito espectaculo no nosso Paiz este procedimento não creio que tenha exemplos iguaes, nem aqui, nem fóra daqui; só o podia fazer, ou só podia acontecer na época presente, e com o actual Ministerial...

Espero, Sr. Presidente, que os illustres Deputados eleitos não recusem a verdade dos factos que eu tenho apontado; devem os illustres Deputados lembrar-se de que áquillo que aqui se diz e se passa, não assistem só os espectadores que estão nas Galerias, assiste a Nação inteira. — Os fados praticaram-se por toda a parte; a Nação ha do ver como elles são aqui referidos e julgados; Os illustres Deputados eleitos vem dos loirares, theatro das notaveis occorrencias a que alludiu toda a Imprensa Periodica, reflictam na sua apreciação.

Sr. presidente, foi necessaria este Governo, foi necessaria a sua acção sobre os Empregados de todas as Repartições, e de todas as jerarchias para que o Empregado a que já alludi, o Sub-Inspector Geral dos Correios, escrevesse aquellas palavras, que constam da respectiva Circular, sobre eleições; note o Sr. Ministro que foi a primeira vez que o fez, e de certo o fez com summa repugnancia da sua vontade, com grande opposição da sua consciencia.

Não o fez de certo sem uma repugnancia quasi invencivel, porque eu conheço-o, respeito o seu caracter, a sua illustração, e o escrupulo com que desempenha os seus deveres; sei que conhece perfeitamente os principios constitucionaes e que não ha de estar persuadido de que os Empregados do Correio sejam Empregados de confiança para que o Governo lhes imponha a lista em que devem votar. Sabe v. Ex.ª e a Junta quaes foram os meios beneficos, a acção persuasiva dos Delegados do Governo? Não os posso referir todos porque fôra esse um trabalho que excederia as forças de quem as tenha triplicadas ás minhas; mas citarei alguns que os Srs. Ministros não podem deixar de conhecer como referidos por muitos Jornaes; e posto eu reconheça que os Srs. Ministro tem a attender a muitos negocios graves, que lhes roubam o tempo, tem obrigação até certo ponto de não ignorar pelo menos os factos importantes publicados pela Imprensa Periodica, podendo S. Ex.ª encarregar um Empregado da sua confiança de lêr, e extractar o que dizem de mais importante os Periodicos; aliás para que serve a Liberdade de Imprensa neste Paiz aos Srs. Ministros? É uma cousa inutil. Quer a Junta saber o que se diz do Administrador do Concelho de Porto de Moz neste Jornal? Leu um officio publicado no Jornal a = Lei = do Presidente da Commissão do Recenseamento de Porto de Moz ao Governador Civil de Leiria; chegou a tal o procedimento deste benemerito Empregado que foi preciso que o Governador Civil o admoestasse severamente... Benefico Administrador! (O Sr. E. Quelhas: — E os tiros que lhe deram) Não vem aqui; se viesse, tambem lia; mas o que se conclue dahi? E que os abusos da Auctoridade, as suas injustiças, e violencias provocam ás vezes gravissimos conflictos; é o errado, -caminho em que o Governo lança os seus Agentes por este modo.

Quer o illustre Deputado ver mais? Aqui tem um Protesto do Algarve. (Leu) É assignado pelo Sr. Antonio Cardoso Avellino que foi Deputado na Camara passada, e que o illustre Deputado conhece e respeita como era, e que é incapaz de fallar á verdade.

Não está ainda dada para ordem do dia a eleição do Circulo de Lamego; mas junto áquelles papeis, entre outros vem um Protesto muito importante em que se provam por testimunhas os excessos, prepotencias e abusos commettidos pelo Administrador do Concelho de Armamar. Eu devia, e podia citar estes fados, e muitos mais para provar ao illustre Deputado que o que eu dissera, não eram declamações vem asserções vagas, eram factos notorios que o Governo não póde ignorar pelas razões que já dei, nem a Junta; mas é na verdade admiravel sobre tudo que o illustre Relator da Commissão nem ao menos achasse positivo, e provado o escandaloso acto de Piães!!. O illustre Deputado, ião desejoso de achar tudo bom nas eleições, até se esqueceu do notorio attentado de Piães, a respeito do qual nem o Governo nem o Sr. Ministro da Fazenda se atreveu a allegar ignorancia, apesar de dizer que lhe não constava de muitos dos abusos que se diziam commettidos pelas Auctoridades em todo o Reino!!

Ora, houve uma frase empregada pelo illustre Deputado, que se tivesse sido proferida no principio do seu discurso, tinha-me poupado, e á Junta um grande trabalho, porque se provava por differente modo, mas igualmente decisivo, o que eu pertendi demonstrar com uni documento que li, que se diz assignado pelo Sr. Presidente do Conselho, e pelo Sr. Ministro do Reino, e dirigido ao Governador Civil de Bragança; documento que eu trouxe á Camara, e com o qual não quiz fazer injuria alguma ao Cavalheiro que o rece-

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beu, porque não é fazer injuria dizer que fuão recebeu uma carta de fuão se póde haver nesta asserção alguma cousa de desairoso, o desar verdadeiro será para quem escreveu a carta; se a carta e inconveniente.

Chegava-se, repito, por essa frase ao que eu pertendera provar por aquelle documento, ainda não desmentido, isto é, que o Governo pertendera sómente escolher os Deputados nominativamente. — O illustre Relator disse a Que o Governo fe o seu dever em procurar obter uma eleição que lhe fosse favoravel: que os proprios réoi no Jury costumam recusar certos Jurados, e não sabia porque se queria collocar o Governo abaixo do réo!!!

Ora sabe o illustre Deputado o que resulta desta comparação? E, que assim como o accusado ou o réo leiu direito de recusar o Jurado que lhe não é affeiçoado, o Governo deve estar no mesmo caso, escolhendo por meio dos seus Agentes os Deputados, e excluindo todos os que lhe não são affeiçoados.

Admittida esta admiravel doutrina, o melhor, o mais facil, o mais commodo é que a eleição se faça por uma Portaria Para que é tanto incommodo, e tanto trabalho? Nós podemos retirar-nos como Jurados recusados, e a Assembléa seja composta de amigos dos Ministros, e das pessoas que estiverem com elles em saneia harmonia! Ora, eu faço justiça ao illustre Deputado, que conhecedor da fórma do Governo Representativo, das suas regras, dos seus principios e das suas condições, não ha de considerar nem rasoaveis, nem admissiveis as consequencias desta singular theoria! Eu já disse, Sr. Presidente, que a dissolução de uma Camara importa a appellação do Governo para o Paiz; o Governo, pelo facto da dissolução de uma Camara vai buscar ao seio da Nação novos elementos de vida: mas se o Governo que, dissolvida uma Camara, continua a leste dos negocios, póde lançar na balança da eleição a sua espada, se quasi se lhe reconhece o direito de escolher nominadamente os Deputados, e recusar os que lhe não forem affeiçoados, então o Paiz onde tal acontecer tudo poderá ter a respeito de fórma de Governo menos Systema Representativo, menos Governo Constitucional; chamem-lhe o que quizerem; será mesmo uma cousa boa, um systema admiravel, mas Governo Constitucional não será de certo.

Sr. Presidente, estou cançado, e na verdade não tenho expressões com que possa agradecer aos dignos Membros da Junta a attenção summamente obsequiosa, e generosa que me tem liberalisado: em testimunho de que reconheço este favor e o agradeço, peço desde já a cada um, que se proferi alguma palavra pela qual algum se possa julgar offendido, o declare para eu immediatamente rectificar, ou explicar, porque nunca pôde ser, nunca será intenção minha offender nesta Casa pessoa alguma; e terminando, furei uma observação. Na vida particular o homem que conhece o mal e o segue, na maior parte dos casos, ou muitas vezes não prejudica senão a si proprio; elle e só elle é que soffre as consequencias desse errado caminho; mas na vida publica, o homem que conhece o mal, que conhece o erro, que sustenta o mal e defende o erro, não faz só mal a si, concorre para uma calamidade publica; e eu peço aos meus illustres Collegas que tenham bem em vista esta verdade. (Voes: — Muito bem)

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra simplesmente para explicar ainda outra vez o. procedimento do Governo ácerca de uma Circular, que tem sido o objecto da actual discussão por parte dos nobres Deputados do lado direito da Camara. Eu tive vontade de pedir a palavra, quando o illustre Deputado e meu amigo o Sr. Avila concluiu o seu discurso, para dizer algumas palavras, afim de mostrar a S. Ex.ª, que o Governo não estava em contradicção, como parecia deprehender-se das suas palavras, entre a disposição do artigo 136.º do Decreto Eleitoral, e a Circular a que se alludiu: mas eu gosto pouco de tomar tempo á Camara, e desejo que estes negocios da Verificação de Poderes sejam tractados independentes da voz do Governo, por isso me abstive de fallar n'essa occasião. Mas tendo o Sr. Corrêa Caldeira tocado outra vez sobre este objecto, vejo-me obrigado a dizer alguma cousa sobre este assumpto.

Primeiramente agradecendo no nobre Deputado o cavalheirismo com que tractou os Membros da Administração, direi, que as disposições consignadas na Circular, a que se alludiu, não são nada mais do que exaradas conforme a doutrina do citado artigo 136 º O Governo pois conforme a doutrina deste artigo, disse aos Empregados na Circular, a que se allude, que votassem ou deixassem de votar, não lhes disse que votassem neste ou naquelle individuo, e que influissem neste ou naquelle sentido; o Governo exigiu, como não podia deixar de exigir, que os Empregados de sua confiança não trabalhassem nas eleições contra o Governo, que não usassem da influencia, que o Governo lhes dava pela auctoridade, de que os tinha revestido, para empregarem a arma dessa mesma auctoridade contra o Governo, que lh'as tinha confiado. Se por ventura o Governo consentisse que os Empregados procedessem em sentido contrario, ao que eu acabo de expor, mostrava a sua inhabilidade para dirigir os negocios do Estado, e de certo se tornavam incapazes de occupar aquellas cadeiras. Por tanto esta doutrina que eu sigo, é a mesma que o Sr. Deputado Avila segue e seguirá, estando no Poder, porque é homem governamental, como elle mesmo disse.

Parece-me pois que as disposições das Circulares do Governo não implicam em cousa alguma com as disposições do artigo 136.º do Decreto Eleitoral. O Governo disse aos Empregados: — Votai como quizerdes, pro ou contra, mas o que não podeis, é usar do emprego que tendes para trabalhar contra o Governo. — (Apoiados) Esta é a doutrina que o Governo sustenta ainda, e ha de sustenta-la o nobre Deputado, quando se achar neste logar.

Eu não fiz allusão ás duas Administrações passadas, nem a podia fazer, nem a quero fazer; não tenho precedentes nestas questões eleitoraes, porque em quanto fui Deputado não assisti a discussão alguma de Poderes Eleitoraes; por consequencia não tenho precedentes nestas questões, nem me podem combater com opiniões que tenha emittido a este respeito; não desejo mesmo ír buscar os precedentes de ninguem; o que desejo, é que todos se colloquem dentro do circulo dos principios e conveniencias do Systema Representativo; que se avaliem as questões com a imparcialidade e lealdade, de que todos são capazes, e se decida se acaso o Governo exorbitou nas expressões que consignou nas suas Circulares.

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Houve Administradores de Concelho que se excederam? Houve Auctoridades que não comprehenderam o pensamento do Governo! Se as houve, são dignas de censura. Mas pergunto eu: qual foi a época em que se não deu similhante cousa. Não duvido que não houvesse alguns casos; mas não hei de ser eu que collocado nestes logares, approve o procedimento das Auctoridades, que não cumpriram com os. seus deveres,.commettendo algum excesso ou violencia. Não nego que houvesse algum facto menos conveniente; mas podem os nobres Deputados do lado direito da Camara dizer, com a mão na consciencia, que quando forem Poder, as Auctoridades hão de sempre em tudo e por tudo, cumprir fiel, exacta e completamente o pensamento da Administração que então gerir os negocios publicos? Não por certo. E póde por ventura a Administração actual fazer-se responsavel por todas essas irregularidades, que se diz terem sido commettidas em algumas partes, uma vez que isso não fim de morte a essencia do Systema Representativo, ou que vá influir na Representação Nacional? Parece-me que não.

A respeito da pergunta que fez o Sr. Corrêa Caldeira, e que foi um pouco mais severo, como é sempre, mas eu aprecio as suas qualidades, e sei que as suas intenções são sempre muito rectas, sobre se os Escrivães de Fazenda e os Recebedores de Concelho são Empregados de confiança, direi, que me parece não poder declarar-se positivamente que estes Empregados são Empregados de confiança; mas se estes Empregados têem meios de exercer uma infancia immensa sobre os animos dos povos, e quando elles abusem da Auctoridade que lhes dá o seu emprego para fazer pagar aquelle que não deve pagar, ou pagar menos do que deve, ou deixar mesmo de pagar aquelle que deve pagar, para deste modo fazer triunfar na eleição um candidato opposto ao Governo, ou ainda a favor do Governo, o Governo não hesita em as demittir. (Apoiados) E nesta parte accusa-se o Governo de pouco tolerante! Eu posso dizer ao nobre Deputado que nas Repartições a meu cargo existem individuos de opiniões inteiramente oppostas ás minhas; o neste ponto escolheu o illustre Deputado em terreno escorregadio: nós, Governo, não olhamos para a Politica dos individuos (deixe-nos ter este pequeno desafogo) olhamos, unicamente para a sua capacidade, e para os seus serviços; e sabe o Sr. Deputado muito bem que algumas nomeações de Empregados podia eu mencionar neste momento para justificar a asserção que acabo de avançar.

Digo pois, que se fôr Ministro em outra occasião em que houver eleições, hei de fazer o mesmo; gosto sempre de precisar bem as minhas opiniões, para que se fiquem intendendo. Houve 3 ou 4 Empregados de Fazenda que foram demittidos; mas não posso dizer se o foram todos por motivos eleitoraes; mas a maior parte delles não foi; algum póde ser que o fosse, porque eu não sou capaz de negar aquillo que practiquei. O nobre Deputado ao menos faça-me esta justiça; faça-ma toda: não sou capaz de negar aquillo que practiquei. Quando eu soubesse que n'um Concelho estava um Recebedor, ou um Escrivão de Fazenda, que abusava do seu logar; que abusava da auctoridade, que lhe dá o seu emprego para fazer pagar aquelle que não deve pagar, deixar de pagar aquelle que devo pagar, ou pagar menos do que deve, para deste modo fazer triunfar um candidato opposto ao Governo, e nem que fosse a favor, o Governo não hesitava em o demittir immediatamente, e demittia-o porque elle abusava: abusava em uma questão eleitoral, mas abusava, e eu demittia-o por abuso de emprego. Se ámanhã, se para o anno, se daqui a mais alguns annos eu tornar a ser Ministro, torno outra vez a practicar este mesmo systema. Eu gostei muito de precisar sempre a minha Politica, e as minhas opiniões, para que se fiquem bem intendendo.

Ora houve abusos de auctoridade: fallou-se em Piães, e appellou-se até para o meu proprio testimunho. Eu disse que tinha havido excessos em Piães, mas não sei officialmente o que houve. Eu tenho visto, porque tenho lido, que effectivamente alguns individuos se queixam de se terem practicado excessos neste Concelho; se os houve, disse eu, o Governo ha de puni-los; e deve, mesmo em desempenho dos seus deveres, castigar os culpados. Mas isto não é dizer que estes factos que se dizem practicados, sejam verdadeiros; e o illustre Deputado ha de me fazer a justiça de acreditar que eu não posso saber de tudo, nem posso saber detalhadamente o que se passa no Ministerio do Reino, nem tudo o que dizem os Jornaes: digo a v. Ex.ª e ao illustre Deputado, que nem sempre os leiu; e ha tempo a esta parte que não os leiu, senão muito pouco, porque em quanto uma parte da Imprensa, que eu muito respeito, como uma bella instituição, e como uma garantia da liberdade, discutia os meus actos como Ministro, eu lia os Jornaes todos os dias, e algumas vezes tirava proveito delles; mas depois que vi que uma parte da Imprensa não tractava de outra cousa, senão de me injuriar, eu tenho estado a pensar quem é que se cança mais, se são aquelles que me dirigem as injurias, se eu em as não ler, e em despresar.

A Administração, disse o illustre Deputado, não é um Partido; é um Poder, mas por isso mesmo que não é Partido e sim Poder, é que os homens que occupam os elos dessa cadeia administrativa não combalem os proprios elementos de que ella se compõe: é por isso que esses homens que fazem parte desse Poder, devem proceder de maneira que satisfaça mais ás condições do Systema Representativo, e ás necessidades do Paiz.

N'uma palavra, Sr. Presidente, eu não tive em vista senão rectificar o que tinha dicto em relação á Circular publicada pelo Sub-Inspector Geral dos Correios: escusa o illustre Deputado de se cançar nos elogios que faz ao Sub-Inspector dessa Repartição, que ninguem reconhece mais do que o Governo a sua imparcialidade e rectidão de caracter. O Governo toma toda a responsabilidade pelo acto que este Empregado practicou: o Governo toma toda a responsabilidade desse acto, porque elle procedeu em virtude das ordens do Governo, e o Governo está prompto a ser julgado por elle. (Apoiado, muito bem)

O Sr. Presidente: — A hora está bastante adiantada; fallam apenas alguns minutos para as quatro horas, por consequencia a ordem do dia para ámanhã é a continuação da mesma. Está levantada a Sessão. — Eram. quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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