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á confiança do povo, no estudo e resolução das graves questões de economia e administração que importa esclarecer e decidir para honra da nação, para credito das instituições, para utilidade e engrandecimento da patria, para gloria e prosperidade do reinado de Vossa Magestade.

Sala da commissão, 12 de Janeiro de 1864. = Cesario Augusto de Azevedo Pereira, presidente = José Bernardo da Silva Cabral = Claudio José Nunes = João Antonio Gomes de Castro = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Antonio Ayres de Gouveia, secretario = Tem voto do sr. deputado Belchior José Garcez, relator.

O Sr. Antonio de Serpa: — Sinto ter de discutir a resposta ao discurso da corôa. Tencionava tomar parte na discussão da ultima operação financeira feita pelo actual governo; tencionava tomar parte n'ella quando se discutisse separadamente e quando viessem os documentos importantes que eu pedi ao governo ou por occasião da discussão financeira; mas a resposta ao discurso da corôa vem redigida de tal maneira, e de tal maneira vem redigido o projecto da resposta, que não é possivel aquelles que entendem que aquella operação foi desvantajosíssima e que n'ella se deram circumstancias que não podem passar sem reparo da parte da camara; que não lhes é possivel, digo, deixar passar um dos paragraphos da resposta ao discurso da corôa, sem que discutam o assumpto a que elle se refere.

O paragrapho diz que = o emprestimo de 2.500:000 libras nominaes, ultimamente levantado na praça de Londres, foi realisado em mais avantajadas condições do que as operações anteriores de igual genero =

Eu não quero suppor que o governo se queira prevalecer de uma votação da camara sobre este paragrapho, para evitar depois toda a discussão sobre similhante objecto; no entretanto entendo que se não póde deixar passar uma asserção que é contraria, não digo á minha opinião ou á opinião de alguns illustres deputados, meus collegas da opposição, mas que é completamente contraria aos factos. E por isso que tomei a palavra para tratar especialmente d'este objecto.

Era costume nos governos anteriores redigir a resposta ao discurso da corôa de maneira que evitasse o mais possivel a necessidade da discussão; e muitas vezes a opposição, imitando a cordura do governo, considerava a resposta como um cumprimento á corôa e deixava para mais tarde a discussão dos objectos especiaes, para evitar a perda de tempo e a duplicação das discussões; muitas vezes fez isto a opposição, e se não toda, muitos oradores deixavam por systema de tomar parte n'essa discussão.

Sinto portanto que o governo n'este ponto discrepasse de principios, que já estavam estabelecidos pela pratica, e que não traziam senão vantagem. O governo provocou, e parece, á vista da redacção do discurso da corôa e do projecto de resposta, deliberadamente a discussão d'este assumpto, e é impossivel fugir a ella.

Se o discurso da corôa não contivesse este paragrapho, não tomava parte na sua discussão, mas como tenho de fallar aproveito, a occasião para me referir, posto que mui ligeiramente, a outros objectos que fazem parte á este documento que temos presente.

Tambem o governo n'este discurso, discrepando do procedimento de quasi todos os governos anteriores, apresentou á camara uma ostentação extraordinaria dos seus meritos e trabalhos, e de projectos e medidas sobre assumptos importantes, que trahem pelo menos a pouca modestia; e por outro lado quando comparámos o discurso actual com o da sessão passada, ficam-nos poucas esperanças de que isto seja uma cousa séria, e que metade só d'estes esplendidos annuncios se possam realisar na presente sessão.

V. ex.ª sabe e a camara que no discurso da corôa da sessão passada se prometteu apresentar á discussão da camara, alem da questão importante do credito predial, a questão dos cereaes, a questão dos vinhos, a questão do ensino primario, a questão da saude publica, o enxugamento dos pantanos, a reforma geral da administração, a reorganisação ou antes a organisação da policia para todo o paiz, e outros assumptos que me não lembram agora; e de toda esta chusma de projectos só passou o do credito hypothecario, que eu reconheço que é importantissimo, e honro-me de ter pertencido a uma administração que primeiro a iniciou, sendo a proposta apresentada pelo meu illustre collega e amigo, o sr. Mártens Ferrão. Passou essa medida, e logo, mais tarde, me referirei a alguns factos que lhe dizem respeito; passou essa medida, mas tão mal, que hoje estamos sentindo os embaraços resultantes do modo por que passou (apoiados).

Este anno, não contente o governo das promessas passadas, que se não realisaram, apresenta outras, entre as quaes as mais importantes são — abolição e substituição da pena de morte, e correspondente modificação no codigo penal, refórma do codigo commercial na parte respectiva á fórma do processo e á da competencia, abolição do monopolio do tabaco, estabelecendo a liberdade do fabrico e venda no reino, e a da cultura nas ilhas da Madeira e Açores, melhoramento das condições sanitarias, reforma de varios ramos de instrucção, reorganisação da beneficencia publica, reorganisação dos consulados no imperio do Brazil, reforma da legislação de minas, reducção de tarifas no serviço telegraphico, reforma no serviço policial dos portos e costas, modificação do recrutamento maritimo, approvação de um banco nacional colonial, aposentação dos empregados do ultramar, proposta para avantajar as condições d'estes no serviço activo, diversas reformas concernentes á melhoria do serviço de instrucção publica n'aquellas possessões, organisação da procuratura em Macau, etc. etc.

Não tenho esperança de ver realisadas este anno, não digo estas medidas, mas nem mesmo metade das que foram pro postas o anno passado; e sinto, como deputado, ter de votar a resposta ao discurso da corôa, em que parece que a camara que a vota se deixa illudir por estas promessas.

O governo não só fez ostentação, d'estes differentes projectos, mas a respeito d'elles dá se uma circumstancia que eu reputo curiosa.

O governo, referindo-se aos projectos da sessão passada, nomeia especialmente os que se referem á policia e á administração, e esquece completamente dois projectos importantissimos, como são o dos vinhos e o dos cereaes.

Sinto não ver presente nem o sr. ministro das obras publicas actual, nem o sr. ministro das obras publicas passado, hoje ministro do reino, porque n'esta confusão de solidariedades não sei a quem deva pedir a responsabilidade d'este facto, e perguntar ao governo quaes são as suas idéas a este respeito, ou se entende que ha hoje motivo para retirar, a iniciativa d'aquelles dois projectos importantes; entretanto o sr. ministro da fazenda está presente, e está tomando apontamentos, de certo s. ex.ª, ou algum dos seus collegas, dará a este respeito as explicações que me parecem necessarias.

O governo gloriou-se dos seus trabalhos durante as ferias parlamentares; o governo codificou a legislação relativa á venda dos bens nacionaes, regularisou a contabilidade geral do estado... e a respeito de regularisar a contabilidade geral do estado tambem desejo dirigir uma pergunta ao sr. ministro da fazenda. Consta-me que esse regulamento geral da contabilidade não foi posto em execução pela junta do credito publico, na parte que lhe diz respeito, porque a junta se recusa a cumpri-lo, com o fundamento de que é illegal. Alem d'este facto, no qual creio que a junta tem rasão, porque se lhe tiram attribuições que por lei pertencem aos seus membros, attribuições importantes, vejo n'esse regulamento outras disposições regulamentares, nas quaes me parece que houve tambem exorbitancia de poder da parte dos srs. ministros, e entendo que a camara não póde deixar passar esse regulamento sem um severo exame, para que não fiquem n'elle disposições decretadas sem auctorisação ou consentimento da camara.

Decretou-se a reorganisação do exercito, e todos sabem o triste fim que teve esse improbo trabalho dos srs. ministros durante as ferias parlamentares.

Annuncia-nos tambem o governo que continuam os trabalhos da commissão nomeada para rever o projecto de regulamento geral da lei hypothecaria. É triste que, sendo a lei hypothecaria uma das mais urgentes, uma das mais reclamadas pelas necessidades publicas, o governo, depois de umas ferias de seis mezes, venha revelar á camara que nomeou uma commissão para fazer o seu regulamento. O governo não diz tudo; o governo fez mais que nomear uma commissão; o governo começou, segundo me consta, por dar 200 libras a um jurisconsulto, empregado publico, para que elle fizesse esse trabalho. Esse cavalheiro é muito competente, é um jurista abalisado, mas apresentava a circumstancia de ter sido auctor de um projecto de lei hypothecaria, em que vinham consignados principios em muita parte contrarios aquelles, que foram consignados na lei. E esse cavalheiro, naturalmente levado pelas suas idéas, que eram contrarias ás da lei que lhe cumpria regular, introduziu no regulamento que fez principios contrarios aquelles que na lai estavam estabelecidos, o que fez com que o governo, depois de ter o regulamento feito, tivesse de nomear uma commissão para o examinar e reformar. É a commissão, cujos membros são muito, competentes, e de alguns d'elles temos a honra de ser collegas n'esta camara, vê-se em embaraços na revisão d'esse regulamento feito debaixo de outros principios, vê se em maiores difficuldades do que se lhe fosse commettida a confecção de outro regulamento; e por outro lado encontra na lei taes difficuldades, que me consta que os seus membros estão dispostos a pedir ao governo que traga á camara uma nova proposta de lei para alterar a lei que votámos aqui na sessão passada.

A lei é urgente, é reclamada pelo paiz, mas infelizmente na sua discussão não houve aquella prudencia que me parece que é conveniente em objectos d'esta importancia, sobretudo objectos completamente estranhos á politica. Quiz-se aproveitar o tempo, não se deixou discutir convenientemente, e com se aproveitar o tempo gastou-se muito mais, porque se fez uma lei mal feita e que temos de reformar. Quiz-se mais do que isto; quiz-se, por um capricho mal entendido, não aceitar nenhuma proposta que viesse da opposição, e resultou d'aqui que não houve discussão como devia haver, e estamos como estavamos ha um anno. Gastámos uma grande parte do tempo na ultima sessão a discutir uma só das propostas mais importantes promettidas no discurso da corôa, e hoje estamos em termos de tornar a discutir esse projecto.

O sr. Silva Cabral: — Não é exacto o que o sr. deputado disse a respeito da commissão.

O Orador: — É o que me consta; consta-me que a commissão se tem visto em grandes embaraços (apoiados). Eu sei por membros da commissão que ella, pelos motivos que apontei, tem encontrado difficuldades; consta-me que a commissão encontra no projecto de regulamento doutrinas contrarias á lei; e consta-me que a commissão tencionava pedir ao governo que propozesse á camara a alteração de alguns pontos da mesma lei. Não sei se isto é exacto; mas é deploravel que seis mezes depois de votada a lei estejamos com uma commissão nomeada para rever um projecto de regulamento, quando o paiz reclama, e reclama instantemente, a sua execução (apoiados).

Diz a illustre commissão: «Todas as tendencias governativas destinadas a melhorar o serviço publico, verificadas pelo governo de Vossa Magestade, entre as quaes avultam a regularisação da contabilidade geral, providencia necessaria para melhorar a fiscalisação da gerencia financeira do governo e a organisação do exercito, merecerão a attenção da camara, que examinará com todo o cuidado se a organisação decretada satisfaz os fins que devia attingir, e estimará encontrar respeitados os principios da justiça, os preceitos da sciencia, e guardados os legitimos direitos adquiridos».

Eis-aqui um paragrapho em que a commissão usou de toda a reserva; mas sinto muito que os illustres membros da commissão não tratassem com geral reserva e circumspecção o paragrapho relativo ao emprestimo. Noto que estes objectos de que se trata no paragrapho que li são objectos — um d'elles publicado ha muito tempo, o outro que não demanda a apresentação de mais nenhum documento; e que a respeito d'estes objectos que não demandam novos documentos, e que facilmente se podem avaliar, os illustres deputados guardassem tal reserva; e a respeito de um assumpto, sobre o qual ha pedidos de documentos importantes na camara, um assumpto tão grave como é o emprestimo dos 2.500:000 libras, a illustre commissão tenha, antes do exame da camara, feito o seu juizo, e venha de sciencia certa, dizer á camara, como facto incontestavel, que esse emprestimo que se negociou foi um emprestimo feito em mais avantajadas condições do que os que se têem feito até agora.

Este paragrapho como está creio que a camara não o póde votar. Pois a camara ha de ir examinar se a organisação do exercito satisfaz aos fins que deve attingir, se respeita os principios e preceitos da sciencia? Para quê? Então a camara ha de occupar-se de um objecto completamente inutil? Pois esse projecto não foi, não digo já retirado, não digo já revogado, mas annullado completamente na ultima proposta do governo? De certo não podemos votar este paragrapho. Os membros da commissão hão de certamente substitui-lo por outro, que desde já creio que me posso comprometter a votar. Mas sobre este assumpto não posso deixar de fazer algumas considerações, e sinto ter de as fazer. Ninguem ignora que por causa da reforma do exercito dois ministros da corôa, que ainda o eram ha quinze dias, deixaram de se sentar n'aquellas cadeiras (apontando para as cadeiras dos srs. ministros). Veiu a esta casa o nobre presidente do conselho de ministros declarar que um d'aquelles cavalheiros tinha pedido a sua demissão, e qual era o outro que o substituia; e sendo interrogado sobre a solidariedade do governo a respeito d'aquelle assumpto, porque todos sabem, e foi confessado pelo proprio governo, que os motivos da saída dos ministros não eram mais nem menos do que a má aceitação pelo paiz ou pela camara d'aquella reforma, o sr. presidente do conselho de ministros disse a esta camara que ninguem era solidario por factos de que não tinha tido conhecimento. E eu n'este ponto estou completamente de accordo com s. ex.ª Nem ministro nem ninguem póde ser responsavel por actos de que não tem conhecimento. Mas poder-se-ha applicar este principio quando se trata de um acto que tinha sido commettido, não ao sr. ministro da guerra ou ao sr. ministro do reino, mas que tinha sido commettido ao governo? (Muitos apoiados.) Se ha acto grave e importante na vida constitucional do governo, é o desempenho de uma auctorisação dada pelo parlamento (apoiados); porque não é um acto meramente proprio do executivo, mas é o acto de legislar por uma delegação da camara, e legislar sobre quê? Sobre a reforma mais importante que se póde fazer (apoiados), sobre todo o ministerio da guerra, que é de todos aquelle cujo emprego de sommas é o maior; é aquelle cujos assumptos dizem respeito á segurança publica, á defeza do paiz, a numerosas classes, a estabelecimentos importantes, e a interesses publicos e particulares que demandam a mais séria attenção. Aqui estão os inconvenientes das auctorisações illimitadas em objectos tão graves (muitos apoiados).' Ha objectos que pela sua natureza são circumscriptos, e sobre os quaes uma auctorisação illimitada não póde ter grandes inconvenientes; mas sobre a organisação de uma tão importante despeza publica, maior de 3.000:000$000 réis, sobre a reforma do exercito, sobre administração e interesses importantes, desde 1834 para cá, a não ser em alguma epocha de perturbações civis, creio que não ha memoria de se ter concedido ao governo uma auctorisação tão ampla. Ora o governo desempenhou esta auctorisação por meio de decretos assignados pelo sr. visconde de Sá e pelo sr. Braamcamp. Publicou-os, e o governo no discurso da corôa, pelo qual todos os srs. ministros n'essa epocha são solidarios, e ainda os que ultimamente entraram, annunciou á camara aquella medida, e gloriou se d'ella. E não são solidarios? Em que epocha, em que paiz estamos nós? Pois o sr. presidente do conselho e os outros srs. ministros entendem que não são solidarios n'aquelles factos? O que eu sinto é que na declaração do sr. presidente do conselho viesse envolvida uma censura grande e offensiva, uma censura no meu entender immerecida, a um cavalheiro distinctissimo (apoiados), ao sr. visconde de Sá, homem que todos nós respeitâmos e respeitaremos sempre, seja qualquer que for o campo politico em que nos encontrarmos n'esta casa. Pois o governo recebeu uma auctorisação para legislar sobre um objecto importante. O governo legisla. O documento é publicado na folha official. Começa a executar se. Os ministros gloriam-se d'elle no discurso da corôa; e agora inculcam que o sr. visconde de Sá publicou esse decreto sem dar conta aos seus collegas, sem o apresentar em conselho de ministros. Oh! Sr. presidente! É um acto de leviandade, que eu estou disposto a não acreditar. Acredito, isso sim, que o sr. presidente do conselho e os seus collegas deram voto de confiança ao sr. ministro da guerra, e até certo ponto não é para estranhar que o fizessem.

Emquanto a probidade, honradez e cavalheirismo a ninguem se podia dar mais affoutamente; emquanto a sciencia militar, de certo que não haverá n'este paiz muitos outros que com elle se possam comparar. E não quero dizer que não podesse errar, como creio que errou. Mas dar o voto