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cia não vinha especialmente prevenido para a discussão. Será talvez abandono da minha parte, ou demasiada confiança, mas a rasão de assim descansar proveiu da convicção intima em que eu estava, de que este parecer não seria atacado; tanta era a certeza que eu tinha na procedencia e irrefragabilidade dos argumentos apresentados pela maioria da commissão. Confesso a v. ex.ª que não pensava, ainda que o admittia como possivel, que se atacasse um parecer d'esta ordem, e menos me lembrei que seria o meu illustre collega o sr. Freitas e Oliveira quem encetasse o debate; e vou dizer as rasões em que esta minha opinião assentava.
Apresentando eu no centro da commissão o meu voto, antes de redigir o parecer, e indagando a opinião dos meus illustres collegas, o sr. Freitas e Oliveira limitou-se a dizer que votava contra, mas não adduziu argumentos. Pedi a s. ex.ª, cujo talento respeito muito, e que é um deputado esperançoso e erudito, que me esclarecesse sobre as rasões que tinha, porque era possivel que eu estivesse em erro, o que o emendasse depois de esclarecido. S. ex.ª ou por falta de franqueza, ou por outra qualquer rasão, não se dignou explicar-me porque divergia, e limitou-se unicamente a dizer que votava contra, porque tinha escrupulo ou cousa similhante.
Só agora vejo as rasões que s. ex.ª tinha para assignar-se vencido, e como relator da commissão cumpre-me rebater essas rasões, o que não me parece muito difficil.
Não posso deixar de declarar com toda a ingenuidade que me caracterisa, que não tive na redacção d'este parecer a mais leve intenção facciosa, e os meus collegas que viram como andei na commissão, hão de fazer-me justiça (apoiados). Nunca fui faccioso (apoiados).
Respeito ambos os cavalheiros que se degladiaram n'este certamen politico, em que são partes legitimas todos os cidadãos elegiveis; respeito-os ambos por seus nomes, por suas virtudes, por suas excellentes qualidades, e demais, não sabendo faltar á alta confiança que a junta preparatoria em mim depositou, elegendo-me para membro de uma das commissões de verificação de poderes, não podia eu antepor aos deveres dá justiça meras considerações pessoaes. Respeito ambos aquelles cavalheiros, repito, e talvez
não se me leve Isto a mal, respeite ainda mais o vencido, homem Illustrado, um dos primeiros jornalistas d'este paiz, que merece toda a consideração, a qual eu jamais deixarei de tributar-lho. Asseguro pois a v. ex.ª, se as minhas convicções não fossem tão profundas, se eu achasse um meio plausivel e racional de concorrer para que a eleição fosse annullada, e se procedesse a novo escrutinio, não tinha repugnancia alguma em votar contra a sua validade.
Confesso-o no proprio parecer, impressionei-me deveras quando contemplei o resultado da eleição, e vi que, deduzidos os 106 votos, que aquelles eleitores disseram terem lançado na urna a favor do sr. Sampaio, do numero que obteve o sr. Faustino da Grama, e conheci que o resultado d'essa deducção (sommados os mesmos 106 votos aos que -aquelle tinha obtido), dava o empate da eleição, forcei a minha intelligencia para ver se conseguia achar um meio rasoavel, legal e logico para concluir pela nullidade da mesma eleição. Não pude porém chegar tão longe, e até agora ainda não se apresentaram argumentos alguns que preterissem ou fizessem vacillar aquelles que adduzi no parecer em discussão e que passo a desenvolver tanto quanto o minha intelligencia fraca e apoucados recursos o permittiram.
Antes porém de apreciar os considerandos tenho do responder aos argumentos apresentados pelo meu illustre collega que abriu o debate.
Disso s. ex.ª que a declaração dos 111 eleitores se deve suppor sincera, por ser feita contra o vencedor.
Peço perdão para dizer que esta rasão não colhe, tão sincera se devia reputar quando feita pelos eleitores a prol do vencido, como a prol do vencedor; porque nas questões do suborno vence mais quem mais dá, isto é logico. Não assevero que houve suborno, quero só mostrar ao meu illustre collega que a rasão que apresenta não tem fundamento solido. E sabe v. ex.ª mais o que podia acontecer? E que estes eleitores depois do terem servido o sr. Faustino da Gama, que já não dava mais, se prestassem a servir algum outro agente que mais desse ou promettesse. Repito, isto tendo só a mostrar que o argumento apresentado por p. ex.ª não procede, e é puramente hypothetico, nem tenho provas de que o suborno determinasse a declaração dos eleitores.
Tambem s. ex.ª disso que estes eleitores tinham jurado as suas declarações, para dar-lhes anais força probatoria.
Não posso igualmente aceitar esta asserção do meu digno collega, o juramento não foi deferido a estes eleitores, com as formalidades legaes e por pessoas competentes. São pois simples declarações graciosas, as que apresentam no seu protesto, e não têem a categoria de depoimentos jurados.
Finalmente avançou o meu collega uma proposição que eu não sei d'onde nem por onde s. ex.ª teve d'ella conhecimento. Disse s. ex.ª que se acharam muitas listas com o nome do conselheiro Sampaio riscado, tendo por baixo o do sr. Faustino da Gama.
Não vi nenhuma lista n'estas circumstancias, nem as actas referem tal; por consequencia parece-me impossivel que s. ex.ª viesse aqui assevera-lo como cousa de que se tivesse conhecimento no seio da commissão, e se omittisse no parecer. Além de que, a circumstancia de terem apparecido listas com algum nome riscado, suppondo que se desse, em nada alterava o estado da questão, porque o proprio eleitor podia riscar intencionalmente, e estava no seu direito.
Posso declarar com toda a franqueza e com toda a sinceridade que vi o processo, e d'elle não consta que apparecessem listas n'estas circumstancias; e lamento que s. ex.ª, se teve conhecimento d'este facto por outro meio, o não declarasse na commissão (O sr. Freitas e Oliveira: — Di-lo o protesto.), porquanto, se se provasse que as listas tinham sido riscadas depois de entrarem na urna, outro seria o meu parecer.
Rebatidos assim, como me parece que ficaram, os argumentos apresentados pelo meu illustre collega, e se bem que desejo não roubar muito tempo á camara, não posso deixar de referir-me aos argumentos contidos nos considerandos do parecer, o que farei por modo succinto, tocando só os principaes.
Parece-me que todos os argumentos exarados no parecer são procedentes, mas ha um principalmente que me empenho em fazer sentir á junta, e é o seguinte: quando se estabelecer n'esta casa e n'este paiz o precedente de que as declarações posteriores ao acto eleitoral, feitas pelos eleitores, são capazes de fazer variar o resultado da eleição, não só deixará de haver eleição possivel, mas tambem soffreremos consequencias mais perigosas ainda. Se n'este paiz já se receia o suborno, a fraude e a violencia, a fraude, a violencia e o suborno hão de redobrar quando tal precedente estiver estabelecido (apoiados). Além d'isto a lei eleitoral e expressiva. Essa lei manda que a eleição seja por escrutinio secreto, e a aceitação das declarações posteriores ao acto eleitoral dá em resultado a eleição publica, eleição que é expressamente prohibida pela lei (apoiados).
Eu quizera que o meu illustre collega, ou quem atacasse esta eleição, mostrasse as rasões de suspeita fundada, de provada nullidade, que podessem deduzir-se contra a sua legalidade resultante do processo; mas quizera tambem que se não apresentassem argumentos de mera possibilidade, estribados apenas em hypotheses imaginosas, que os factos, como se passaram, não auctorisam a conceber. Ainda mais. A legalidade d'esta eleição, alem de resultar do que consta de uma acta por ninguem impugnada, tem ainda a seu favor circumstancias especialissimas, e uma dellas é a de tres eleitores, que no dia 22 apresentaram um requerimento para que a uma fosse removida para outro logar, por se não podér concluir o acto eleitoral n'aquelle dia, quando no seguinte foi aberta a uma, se darem por satisfeitos, desistindo de formular o protesto que intentavam formular, por não ter sido deferido o seu requerimento, com o fundamento de que não tinha sido viciada a uma, porque estava intacto o cofre dentro do qual ella tinha sido collocada, assim como estavam intactas as portas e janellas da casa em que se guardou o cofre com a mesma urna.
Diz o sr. Freitas e Oliveira que é possivel que, por uma extrema habilidade, fosse viciada a uma, apesar de todas as cautelas; mas então por que é que não havemos de suppor tambem que ella tenha sido viciada a respeito de todos os cavalheiros que aqui estão? Parece-me que com o mesmo fundamento se póde suppor isto.
Se s. ex.ª diz que não approva esta eleição porque é possivel que com uma delicadeza do grande artista a uma tenha sido viciada, parece-me que tambem póde haver suspeitas contra a legalidade da eleição do meu illustre collega que me precedeu e da eleição de quantos aqui se acham, porque n'esse caso é mesmo possivel que as listas, quando saíssem das urnas, não fossem verdadeiramente aquellas que para lá tivessem sido lançadas.
Não desejo fazer um longo discurso, nem tenho aspirações a orador; quiz simplesmente esclarecer a materia por dever de relator. Os argumentos que se podem invocar estão adduzidos no parecer, e por consequencia, e emquanto outras causas me não obrigarem a tomar novamente a palavra, nada mais direi, agradecendo á junta preparatoria a benevolencia com que se dignou ouvir-me.
O sr. Freitas e Oliveira: — A memoria do meu nobre collega o sr. Calça e Pina não corresponde á sua illustração. Eu não disso no seio da commissão que assignava vencido este parecer simplesmente por escrupulos, as mesmas rasões que dei aqui, ha excepção de uma, foram as que apresentei na commissão. O que eu disso na commissão foi que, desde o momento em que me provassem, que os 111 eleitores, que declararam ter votado no candidato vencido faltaram á verdade, desde esse momento, tinham-me apresentado uma rasão forte, a unica rasão concludente, a unica rasão que podesse ser facilmente opposta ao meu argumento. Mas é isto exactamente que s. ex.ª não provou, porque não póde provar.
O illustre deputado disse que aquelles 111 individuos podiam ter sido subornados para fazerem aquella declaração, e eu digo-lhe que o não foram. Prove-me s. ex.ª o contrario. Em todo o caso a sua asserção é uma opinião e não uma rasão.
Tambem eu disso no seio da commissão que, desde o momento em que, para a minha consciencia, era não só possivel, mas muito provavel que aquelles eleitores fallassem verdade, o dependendo d'isto o resultado da eleição, eu não podia approvar este parecer. Mas, acrescentei mais aqui, dizendo que os homens que declararam ter votado no sr. Sampaio, eram de tão boa fé, que tinham retirado o seu requerimento quando julgaram que a uma estava intacta. Que as listas tinham o nome do sr. Sampaio riscado, não é novidade para o illustre relator, porque esta declaração esta no protesto que s. ex.ª leu á commissão.
Diz-se-me que isto é um subterfúgio, e que d'este modo todas as eleições podiam estar viciadas, inclusivamente a minha. Podia ser, e talvez muita gente tivesse desejo d'isso, mas o facto é que não appareceu nenhum protesto contra ella.
Mas ainda ha mais. Se os eleitores que vieram declarar que tinham votado no sr. Sampaio, fossem homens subornados por elle para fazerem esta declaração, tendo aliás votado no sr. Faustino da Gama, então este senhor, vendo que com aquelle protesto podia ser annullada a eleição, elle que se tinha servido de tantos meios para angariar os votos d'esses homens antes da eleição, angariava-os tambem depois, porque quem se deixa subornar uma vez, suborna-se duas, tres ou quatro vezes. Estes é que são os verdadeiros argumentos.
Em conclusão. Podem provar-me que os 111 eleitores que fizeram aquella declaração faltaram á verdade? Se podem prova-lo, eu declaro-me convencido e voto o parecer. Mas não me apresentam argumento nenhum n'este sentido, e portanto, emquanto não o fizerem, eu não posso votar o parecer que se discute.
O sr. Ferreira de Mello: — Pedi a palavra unicamente por ter ouvido ao nobre relator da commissão figurar a hypothese de que tinha havido n'esta eleição suborno, e que era até certo ponto provavel que os eleitores que fizeram a declaração, a que se refere o parecer da commissão, tivessem votado no candidato vencedor, mas quizessem ver depois se o vencido lhes dava alguma recompensa.
Confesso a v. ex.ª e á junta que senti o rubor subir-me ás faces, e que foi grande a minha indignação quando, no primeiro dia em que entro no parlamento, ouço, similhante injuria feita aos eleitores de um circulo do paiz.
Depois o nobre relator da commissão foi pouco a pouco modificando a sua asserção, com aquella habilidade que todos lhe reconhecem, e chegou a dizer que não apresentava aquelle argumento senão como uma hypothese. Mas eu nem por hypothese o admitto.
Nós não podemos estar todos os dias a fallar em suborno eleitoral, visto que os partidos politicos não acharam esse suborno, e nem os tribunaes judiciaes disseram que elle existisse.
Ouvi tambem figurar a hypothese, que eu repillo, de que todas as nossas eleições podiam estar viciadas. Pois nós havemos de dizer no seio da representação nacional, ainda que não seja senão por hypothese, que todas as nossas eleições podem estar viciadas? Não vejo que eleitor algum reclamasse contra a eleição, e se queixasse de que se tinha viciado a uma, e desde o momento em que ninguem declara isto, como havemos de suppor que existiu suborno?
Mais alguma cousa: se o suborno existisse, a obrigação dos eleitores do partido vencido que tivessem conhecimento do suborno, era denuncia-lo, chamar aos tribunaes os que o tinham praticado, e depois de apparecer o suborno julgado o clarissimo é que podiamos dizer: ali houve suborno.
Repito: satisfazem-me alguma cousa, mas não plenamente, as declarações do digno relator, porque entendo que precisâmos de nos apresentar perante o paiz como deputados legitimamente eleitos, os que o fomos legitimamente, e a respeito das eleições que apresentam alguma duvida precisâmos discutir e decidir com toda a imparcialidade o justiça. Antes de principiarmos a fazer leis mostremos que somos incapazes de as infringir. Não pensemos que pelo facto de que a uma nos trouxe uma vez a esta casa, estamos seguros para poder lançar injurias ás faces dos eleitores. Não estamos; é necessario acreditarmo-nos por actos de coherencia, legalidade e justiça; é preciso comprovarmos que as eleições foram legalmente feitas, e que assim como os eleitores são dignos de uma boa escolha, nós somos dignos da escolha que fizeram.
Era apenas estes pontos que eu queria explicar.
O sr. Calça e Pina: — O meu digno collega o sr. Freitas e Oliveira laborou n'um equivoco. O meu fim a respeito da declaração dos eleitores não foi outro senão provar que ella não podia invalidar a verdade que resulta da acta legal da eleição.
Com respeito ao resentimento que mostrou o meu collega o sr. Ferreira de Mello parece-me que s. ex.ª não teve rasão. Eu fui conveniente, convenientissimo até na maneira por que apresentei a minha hypothese. Eu fallei em suborno por, hypothese, O sr. Freitas e Oliveira tinha dito que estes eleitores fallaram verdade, e eu respondi que não acreditava que elles fallassem verdade, e que julgava a declaração d'elles officiosa, e n'este sentido apresentei a hypothese de ter-se dado suborno, ou empregado quaesquer meios de seducção para com os eleitores, no intuito do accederem a firmar o protesto, unica esperança depois de conhecida á votação. Mas só como hypothese fallei de tão nefando crime, que ataca a liberdade, e destroe pelo alicerce o systema representativo (apoiados). Deus me livre do o representar como facto consummado, ou julgar que existiu o suborno. E declaro a v. ex.ª e á junta, que se eu tivesse meio de provar que tinha havido suborno ou por parte do sr. Faustino da Gama, ou por parte do sr. Sampaio, ía aos tribunaes denunciar esse crime contra a liberdade e a pureza da uma, e fazer com que se impozesse a pena correspondente aos delinquentes. Eu não concorri nunca para que se viciasse a uma, e nunca consentirei que outrem a vicie (apoiados).
Portanto parece-me ter dado ao illustre deputado eleito as explicações sufficientes ácerca da maneira por que apresentei esta idéa, pela qual não devo ser arguido, e creio que nem a junta nem ninguem me levará a mal apresentar aquella hypothese, aliás muito possivel de realisar-se, e direi bem alto, que se terá realisado n'este paiz por muitas vezes, o que todos nós lamentámos (apoiados). E conceber a hypothese de dar-se o suborno n'uma eleição não é inconveniencia que fim a susceptibilidade de ninguem, porque a propria lei a concebe, e prescreve penas aos auctores d'este delicto.
Concluo, sr. presidente, e peço a v. ex.ª e á junta que me relevem se abusei da sua bondade.
O sr. Ferreira de Mello: — É unicamente para declarar que estou satisfeitissimo com as explicações dadas pelo illustre relator da commissão. Concordo perfeitamente com o seu modo de pensar, mas a minha doutrina tinha uma differença muito sensivel da que o illustre relator estabeleceu.