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SESSÃO DE 27 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Nomeação, pela mesa, da commissão especial encarregada de dar parecer sobre um projecto do sr. Barros e Cunha — Apresentação de notas de interpellação e representações — Explicações pedidas pelo sr. Barros e Cunha e dadas pelo sr. presidente do conselho, ácerca de uma noticia dada por um jornal inglez, relativa, a um novo emprestimo portuguez — Explicações do sr. ministro da fazenda, tambem sobre este objecto, e rssposta do sr. Barros e Cunha. — Ordem do dia: Continuação da discussão, que ficou ainda pendente, das propostas de adiamento do projecto n.º 20 — Prorogação da sessão para explicações, usando da palavra para este fim os srs. Rodrigues de Freitas, Freitas e Oliveira, presidente do conselho e ministro da marinha.

Chamada — 47 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Antonio Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Ferreira de Andrade, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Coelho do Amaral, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Van-Zeller, G. Quintino de Macedo, Barros Gomes, Freitas e Oliveira, Palma, Santos e Silva, Zuzarte, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Rodrigues de Freitas, Moraes Rego, Nogueira, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio Rainha, Luiz de Campos, Affonseca, Marques Pires, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Anselmo José Braamcamp, Pereira de Miranda, Antonio Augusto, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, A. M. Barreiros Arrobas, Pequito, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Eça e Costa, Augusto de Faria, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Pereira do Lago, Caldas Aulete, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Ulrich, Alves Matheus, Lobo d'Avila, Gusmão, Dias Ferreira, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Latino Coelho, Mello Gouveia, Mexia Salema, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Camara Leme, Paes Villas Boas, D. Miguel Pereira Coutinho, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór.

Não compareceram — os srs.: Alberto Carlos, Villaça, Santos Viegas, Francisco Beirão, Costa e Silva, Augusto da Silva, J. A. Maia, José Luciano, Almeida Queiroz, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Lopo de Sampaio e Mello, Luiz Pimentel, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio do reino, remettendo: 1.º, o mappa do movimento dos expostos e das sommas despendidas com este serviço; 2.°, o mappa das quantias votadas pelas juntas geraes para despezas dos respectivos districtos; 3.°, o mappa das contribuições directas e indirectas lançadas pelas camaras municipaes, com indicação dos generos sobre que estas ultimas recaíram; 4.°, os resumos da receita e despeza das camaras, tudo referido ao anno economico de 1866-1867.

Para a secretaria.

Representações

1.ª Da associação commercial de Braga, pedindo a promulgação de uma lei que elimine os emolumentos estabelecidos pelo codigo administrativo de 1842, para os escrivães das camaras municipaes pelos alvarás de licenças, e que confira aos escrivães de fazenda a obrigação de passarem, eas officio, as respectivas licenças.

2.ª De alguns proprietarios do concelho de Belem, representando contra as propostas do governo relativas á decima predial e pessoal.

3.ª Dos proprietarios das freguezias de Carnide, Odivellas e S. Sebastião da Pedreira, no mesmo sentido.

4.ª Dos correeiros de Lisboa, pedindo que a proposta do governo sobre contribuição industrial, não seja approvada, na parte relativa á sua classe.

5.ª Dos cordoeiros e vendedores de aprestes de navios, no mesmo sentido.

6.ª Dos guardas livros e primeiros caixeiros, representando contra a mesma proposta de lei.

7.ª Dos mercadores de couros curtidos, representando contra o excessivo augmento de contribuição industrial proposto para a sua classe.

8.ª Dos luveiros, no sentido da antecedente.

9.ª Dos photographos com estabelecimento, no mesmo sentido.

10.ª Dos fabricantes de instrumentos musicos de madeira, pedindo que o seu gremio seja incluido na 5.ª classe.

11.ª De alguns fabricantes de sedas, representando sobre a mesma proposta de lei.

12.ª Dos mercadores de tecidos de lã por miudo, pedindo que a taxa que pagam actualmente seja levemente augmentada, e não na porporção em que vem esse augmento na proposta do governo.

13.ª Dos fabricantes de chapéus de sol, pedindo que a taxa relativa á sua classe seja diminuida.

14.ª Dos canteiros e esculptores em pedra com estabelecimento, no sentido da antecedente.

15.ª Dos caixeiros de fóra e de escriptorio, pedindo que o seu gremio seja incluido na 5.ª classe.

16.ª Do banco lusitano, representando contra algumas disposições da mesma proposta de lei, e pedindo que as condições de todos os estabelecimentos de credito sejam niveladas pela extincção dos privilegios e isenções.

Foram todas enviadas ás respectivas commissões.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja mandada á camara copia da resposta dada pelos governadores civis de Villa Real e Bragança, á circular d'aquelle ministerio de 11 de fevereiro, que teve por fim satisfazer ao requerimento do sr. deputado Francisco de Albuquerque, feito na sessão de 7 de fevereiro proximo passado, sobre o imposto especial para estradas especiaes. = Julio do Carvalhal Sousa Telles, deputado por Valle Passos = Pereira Lago, deputado por Macedo de Cavalleiros.

2.° Requeiro que, do ministerio da guerra, sejam mandados para esta camara, para serem presentes á commissão de guerra, o requerimento e respectivos documentos do tenente reformado Francisco de Paula Soares Brandão, que para lá foram a informar = Julio do Carvalhal Sousa Telles.

3.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja exigida do honrado recebedor do concelho de Murça, e depois remettida a esta camara, uma nota exacta, que mostre quem são, os quinze maiores contribuintes do mesmo concelho, e n'elle residentes, contendo o nome de cada um e a contri-

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buição predial por bens no proprio concelho, que cada um pagou no anno proximo passado. Julio do Carvalhal Soma Telles.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada a esta camara uma conta comprovada de todas as despezas feitas com a expedição mandada para a Zambezia em 1869. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Desejo chamar a attenção do nobre ministro da marinha e ultramar, ácerca de alguns actos illegaes concernentes á administração da provincia de S. Thomé e Principe, e designadamente sobre a execução que o governador da mesma provincia tem dado aos decretos de 14 de dezembro de 1854 e de 28 de outubro de 1857, e sobre o respeito que a este funccionario mereceu a portaria de 27 de outubro de 1870, publicada no n.º 252 do Diario do governo de 8 de novembro do mesmo anno. = 0 deputado, A. Pedroso dos Santos.

2.ª Requeiro para ser inscripto quando se realisar a interpellação annunciada pelo sr. deputado pelo Fundão ao sr. ministro da marinha, a respeito de negocios da ilha de S. Thomé. = O deputado por Angola, Freitas e Oliveira.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

Declaração

Declaro que, por motivo justificado, não tenho podido comparecer a algumas das ultimas sessões d'esta camara.

Sala das sessões, em 24 de março de 1871. = O deputado por Pombal, Antonio José Teixeira.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Sendo de reconhecida utilidade publica a troca dos predios, descriptos na planta junta, por se acharem encravados uns nos outros, pertencentes á camara municipal de Lisboa e á santa casa da misericordia da mesma cidade;

Considerando que estas corporações estão de accordo na conveniencia reciproca da indicada troca;

Considerando que não se póde realisar esta transacção sem uma lei especial;

Vistos os documentos juntos, que provam authenticamente os considerandos acima expostos;

Tenho a honra de propôr o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São auctorisadas a camara municipal de Lis boa e a santa casa da misericordia da mesma cidade a trocar os predios, que possuem na rua da Inveja, travessa da Cruz e beco do Saco, em Lisboa, pelo modo que entre si concordarem.

Art. 2.º Fica revogada a Legislação em contrario.

Sala das sessões, 24 de março de 1871. — Augusto Saraiva de Carvalho —Manuel Thomás Lisboa — Antonio Augusto Pereira de Miranda — José Maria Latino Coelho = José Elias Garcia.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Projecto de lei

Senhores. — Nas côrtes de 1820 apresentou Borges Carneiro a seguiute proposta:

«Os fóros emphyíeuticos, que se pagam a pessoas ou corporações particulares, subsistirão até nova disposição que regule o contrato empnyteutico; ficam porém desde já extinctas as penas de commisse e as Juctuosas, e reduzidos os laudemios a 2 por cento do valor do predio, liquido das bemfeitorias que n'elle se houverem feito.»

São decorridos cincoenta annos depois da apresentação de tão notavel proposta, e apenas foi realisada, e em epocha recente, uma das differentes indicações que aquelle distincto progressista propunha para serem adoptadas conjunctamente, e desde logo.

Subsistem ainda nos emprazamentos as luctuosas e os laudemios, superiores á quarentena, e não está ajuda declarado se o laudemio deve ser computado com exclusão das bemfeitorias, sendo variada e contradictoria a jurisprudencia dos tribunaes a este respeito.

A reducção dos laudemios á quarentena foi já por duas vezes votada quasi por unanimidade n'esta casa pela camara que decretou as bases fundamentaes da extincção dos vincules, e pela que se seguiu aquella que tinha decretado a desvinculação completa.

Mas já não póde vingar esta idéa na lei de 22 de junho de 1866; e, ultimamente decretada pelo governo, não póde obter a confirmação legislativa, sendo aliás relativa só aos bens das corporações publicas, e conseguintemente muito mais restricta e menos avançada do que a de Borges Carneiro, que a queria applicar aos bens particulares, no interesse da liberdade da terra e do direito de propriedade.

Não é pois agora a occasião de renovar uma proposta já votada por quasi uanimidade pela camara popular em 1860 e 1865, e applaudida sobre bases ainda mais largas pelos liberaes e progressistas de 1820.

Mas o que não encontra as estipulações dos contratos, nem offende de certo as consciencias ainda as mais timoratas, é a idéa de computar o laudemio só com relação ao valor primitivo do predio emphyteuticado, com exclusão das bemfeitorias que n'elle houverem feito os foreiros.

Esta providencia ha de concorrer muito para o desenvolvimento da propriedade, e especialmente da propriedade urbana, principalmente na cidade do Porto, onde ha grande porção de terreno emphyteutico, onerado alem d'isso com laudemios violentos, em que o foreiro se não atreve a edificar, para não ver depois partilhado o producto dos seus capitães e dos seus esforços com o senhorio, que não contribuiu para as novas acquisições, que augmentaram ou constituiram na sua quasi totalidade o valor do predio.

Por outro lado, sendo omissa esta especie no codigo civil, e convindo declarar o direito que a deve regular, nada mais racional e justo do que providenciar no intuito de favorecer a liberdade da terra e de melhorar a posição do foreiro, cuja sorte é a todos os respeitos mais digna de contemplação.

Por estas rasões tenho a honra de submetter á apreciação e sabedoria da assembléa o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O laudemio será computado liquido das bemíeitorias que houverem sido feitas no predio.

Art. 2.° Fica assím interpretada a legislação existente.

Sala das sessões, em 17 de março de 1871. — José Dias Ferreira.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva. Projecto de lei

Senhores. — Os servidores do estado que arriscam as vidas pelo seu paiz, são aquelles que mais attenção lhe devem merecer, e no numero d'esses se contam por certo hoje os briosos militares que fazem parte das expedições mandadas em 1869 á Africa oriental, os quaes offerecendo-se voluntariamente têem soffrido com constancia todas as vicissitudes que ali se encontram e principalmente os rigores d'aquelle clima, e por isso é da mais alta importancia velar pela sua existencia, e cuidar de garantir lhes a vida para que em caso algum se sacrifiquem inutilmente.

Os decretos de 9 de novembro e 3 de dezembro de 1868 concederam differentes vantagens aos militares que foram servir na expedição da Zambezia. O artigo 8.° do ultimo dos mencionados decretos determina que aos individuos que fizerem parte da força expedicionaria, e que se impossibilitarem no serviço, e ás familias dos que falecerem por effeito de ferimento em combate ou molestia endémica, serão applicadas as disposições da carta de lei de 19 de janeiro de 1827.

A referida carta de lei comtudo só tratou de regular as pensões que se devem dar nos casos acima mencionados, mas não estabeleceu disposição alguma a respeito dos militares que se impossibilitarem de servir na provincia de Moçambique, ainda quando tenham quasi completado o seu tempo de serviço.

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É pois extremamente duro e injusto que os officiaes e praças graduadas das expedições que voluntariamente offereceram arriscar suas vidas, para combater a rebellião em tão inhospito clima, e que por effeito de ferimentos, ou me lestias endemicas, se impossibilitem, percam os postos a que foram promovidos, quando não possam continuar ali a ser vir, e tenham de recolher á patria, como determina o § unico do artigo 8.° do decreto de 9 de novembro de 1868.

Portanto, para remediar a total falta de providencia para áquelle caso, e evitar uma flagrante injustiça para com os officiaes e mais praças das expedições da Zambezia, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os officiaes, officiaes inferiores e mais praças das expedições que de Portugal e da India foram á Zambezia em 1869, e que se impossibilitarem de servir na provincia de Moçambique em consequencia de ferimentos recebidas em combate, defastre, ou molestias endemicas, e como taes julgados pelas respectivas juntas de saude, serão mandados para outras provincias de clima mais sadio, a fim de ahi concluírem o tempo de serviço que lhes faltar para regressarem á Europa ou á Asia, conforme os exercitos a que pertencem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 21 de março de 1871. — Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel,

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

O sr. Presidente: —A mesa nomeou os srs. deputados que devem compor a commissão encarregada de dar pare cer sobre o projecto do sr. Barros e Cunha, ácerca das attribuições das juntas geraes do districto com relação á distribuição dos impostos.

São os srs. José Luciano de Castro Pereira Côrte Real. João Gualberto de Barros e Cutíha. José Dias Ferreira. Henrique de Barros Gomes Adriano de Abreu Cardoso Machado. Joaquim Nogueira Soares Vieira. Francisco Antonio da Veiga Beirão.

O sr. Secretario (Adriano Machado): —Devo dizer que protestei contra a minha nomeação. Não me parecia conveniente por nenhum lado, nem pela competencia nem pela circumstancia de fazer parte da mesa, a quem a camara tinha incumbido o encargo da nomeação da commissão.

O sr. Freitas e Oliveira: — Sinto que não estejam presentes os nobres ministros das obras publicas e fazenda, porque as observações que tenho a fazer dizem respeito aos ministerios dignamente administrados por s. ex.ªs, todavia como o que eu disser ha de vir publicado no Diario da camara, s. ex.as poderão le-lo e responder-me na primeira sessão que o julgarem opportuno.

Quando foi ministro das obras publicas o sr. marquez de Angeja, nomeou uma commissão de inquerito ao correio. No dia seguinte a esta nomeação exonerou-se o illustre ministro do seu cargo, e foi nomeado para o substituir o meu illustre collega o sr. Camara Leme, que dissolveu aquella commissão, e nomeou outra para estudar as reformas necessarias na administração do correio e postas do reino.

Fui nomeado para essa commissão, que aceitei, porque, tendo recebido d'aquelle governo um logar retribuido, entendi que não era honroso rejeitar uma commissão gratuita.

O que é certo porém é que esta commissão nunca se installou, por isso não fez serviço algum.

Desejava que o actual sr. ministro, se entendesse que esta commissão era desnecessaria, a dissolvesse; mas se entende, como me parece, que ha alguma cousa a fazer na administração do correio e postas do reino, porque todos os dias estão apparecendo queixas de mau serviço, que por fórma alguma quero attribuir a pouco zêlo ou falta de intelligencia do cavalheiro que está á testa d'aquella administração, mas que podem resultar de motivos alheios á sua vontade, talvez em tal caso a commissão nomeada possa servir de alguma cousa, e é conveniente reuni-la.

Portanto se o nobre ministro quizer dar alguma explicação sobre este assumpto muito lh'o agradecerei.

Com relação ao sr. ministro da fazenda desejava prevenir um facto, que me parece que está prestes a realisar-se. Alludo á juncção da alfandega municipal á alfandega grande de Lisboa.

O sr. ministro da fazenda nomeou uma commissão para estabelecer o quadro geral das duas alfandegas, por consequencia parece-me que estão resolvidas todas as dificuldades até hoje existentes para a juncção projectada.

Houve differentes adiamentos. Todos os governos, depois de marcarem dia para a juncção, mas antes de findar o praso, publicavam portarias adiando, porque não estava ainda a materia estudada, e era necessario mais tempo de experiencia para se estabelecer a juncção.

Hoje parece que está tudo resolvido, e que as experiencias têem sido satisfactorias. Ora eu sei o contrario, como sei que o sr. ministro da fazenda, assim como todos os seus antecessores, têem sido iludidos por algum falso conselheiro dos que infelizmente existem na alta bureaucracia, e de ahi vem o desfavor da opinião publica contra os funccionarios do estado, padecendo por este desfavor a maior parte d'elles, que são honestos, que cumprem com os seus deveres, e que na governação publica só intervém com o trabalho que a lei lhes impõe, não illudindo os ministros, nem creando embaraços aos governos.

N'este facto da juncção das duas alfandegas creio que ha muitos fundamentos para acreditar que o espirito de vingança e o capricho pessoal lhe não é estranho; mas eu não venho aqui nem para advogar interesses de empregados, nem mesmo discutir agora a necessidade de juntar ou separar as duas alfandegas. Para o que pedi a palavra foi para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda sobre este assumpto, e sobretudo a dos illustres representantes do municipio de Lisboa.

Com a juncção das duas alfandegas perde a cidade de Lisboa a unica garantia que tinha de, n'uma epocha ainda que remota, quando as circumstancias do thesouro o permittissem, usufruir os rendimentos municipaes que lhe pertencem.

Depois da juneção nunca se poderá fazer uso d'essa garantia, porque ainda que eu julgo que as circumstancias do thesouro não estejam tão proximamente no estado de poder prescindir do auxilio que lhe dá a cidade de Lisboa; comtudo póde acontecer que a nossa administração financeira melhore, e que cheguemos a igualar a receita com a despeza, e n'esse caso a cidade de Lisboa com a juncção das duas alfandegas nunca poderá obter os rendimentos que lhe pertencem.

Eu não posso alongar-me em mais considerações, porque a ausencia dos srs. ministros deixa-me n'uma posição inconveniente para tratar este assumpto.

Aproveito tambem esta occasião para pedir a v. ex.ª que, quando o julgar opportuno, se digne dizer á camara alguma cousa a respeito do que se acha resolvido pela mesa, ou pela commissão administrativa, ou pela commissão de obras publicas, sobre um officio dirigido a esta camara pela commissão encarregada de levantar um monumento á memoria de José Estevão, e em que pedia á mesa que lhe permittisse que esse monumento fosse levantado no largo do palacio das côrtes.

Eu já entreguei o officio na sessão passada, e v. ex.ª por essa occasião dignou-se responder que este negocio tinha ido á commissão de obras publicas, e esta commissão declarou depois que tinha ido para a commissão administrativa.

Quando v. ex.ª julgue occasião opportuna de dar explicações a este respeito, eu muito lhe agradecerei.

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O sr. Secretario (Adriano Machado): — A commissão de obras publicas já deu o seu parecer, e a commissão administrativa não se demorará muito em apresentar o seu.

O parecer da commissão de obras publicas é favoravel, mas a commissão administrativa tem encontrado difficuldades, que espero se hão de resolver brevemente.

O sr. Freitas e Oliveira: — Agradeço ao sr. secretario as explicações que acaba de dar, das quaes farei sciente a commissão.

O sr. Santos e Silva: — Mando para a mesa duas representações contra a contribuição industrial. Uma é dos srs. mercadores de pianos, e outra dos srs. emprezarios de açougues na cidade de Lisboa.

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de lhes dar o destino conveniente, mandando-as publicar no Diario.

O sr. Falcão da Fonseca: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação (leu).

Como v. ex.ª sabe, eu já verifiquei uma interpellação a este respeito ao antecessor do actual sr. ministro da justiça, que era o sr. Saraiva de Carvalho.

S. ex.ª teve a bondade de dizer, que muito brevemente apresentaria á camara uma proposta, que tratasse de obviar a todas estas grandes difficuldades de que os povos se queixam; mas tendo s. ex.ª saído do ministerio, não póde apresentar esta proposta.

Não sei quaes são as idéas do actual sr. ministro da justiça; por conseguinte desejo que s. ex.ª, com a brevidade possivel, dê a esta camara as explicações que são necessarias. Escusado é dizer que tenho a maior confiança em s. ex.ª, porque o conheço ha muitos annos, sei quanto é solicito no desempenho dos seus deveres, e confio igualmente na sua muita illustração.

Mando tambem a seguinte nota de renovação de iniciativa (leu).

Mando igualmente para a mesa um requerimento de Francisco Romano, desenhador das obras publicas do districto de Evora, pedindo que seja igualado o seu vencimento aos dos seus collegas que fazem serviço na repartição technica do ministerio das obras publicas.

Parece-me de toda a justiça a pretensão do supplicante, e por isso peço a v. ex.ª se digne mandar o requerimento á commissão respectiva, a fim de dar parecer sobre elle.

Já que estou com a palavra, peço licença para perguntar a algum dos membros da commissão de instrucção publica pelo estado em que se acha uma proposta do governo sobre a creação de um agronomo em cada districto.

A camara sabe que esta proposta não importa despeza alguma, porque é facultativa, e estou persuadido de que, quando as commissões respectivas apresentarem o seu parecer, a camara o ha de receber com agrado, e ha de approvar a proposta do governo.

O sr. Coelho do Amaral: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Vouzella, que pede ser compensada da perda soffrida pala desannexação da freguezia da Bodiosa, do concelho de Vouzella.

Effectivamente o concelho de Vouzella, cuja capital é sede de comarca, mal poderá manter-se na categoria que tem actualmente e que sempre teve pela sua posição de centralidade e outras condições, sem que seja compensado da perda que soffreu.

Entendo que este pedido é justo na essencia, mas emquanto á fórma parece-me que tem inconvenientes, porque importa a reparação de uma perda á custa de perdas alheias.

O sr. Nogueira: — Mando para a mesa uma representação dos armadores de igrejas, contra o augmento do imposto industrial.

Igualmente mando para a mesa dois requerimentos, um de Henrique Tiberio de Magalhães Avellar, escrivão interprete da estação de saude de Ponta Delgada, pedindo augmento de vencimento, e outro de Manuel Maria Eloy da Cruz Sobral, tenente do exercito, pedindo que seja approvado o parecer que a commissão de guerra deu em 1868 sobre uma pretensão que elle tem affecta ao parlamento.

O sr. Barjona de Freitas: —Participo a v. ex.ª e á camara, que por falta de saude não compareci á sessão de 24 do corrente.

O sr. Elias Garcia: — Mando para a mesa duas representações, uma da classe dos ferreiros e serralheiros, o outra da classe dos alfaiates, ambas contra o augmento da contribuição industrial.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa tres representações, que me foram enviadas da cidade do Porto, sendo a primeira, dos caixeiros e marçanos, contra a excessiva taxa que lhe foi lançada na contribuição industrial; a segunda, dos merceeiros da mesma cidade, sobre o mesmo assumpto; e a terceira, dos tendeii os, queixando-se de não serem incluidos na tabella B, por isso que são considerados merceeiros, o que é injustiça, porque ha grande differença entre tendeiros e merceeiros. Na representação vão as rasões em que os supplicantes se fundam,

Peço a v. ex.ª que dê as estas representações o destino conveniente.

O sr. Barros e Cunha: —Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda, a fim de que s. ex.ª dê á camara explicações sobre um facto muito importante que se passa no ministerio a seu cargo.

Deu-se ordem um d'estes dias para suspender o pagamento das quotas do mez de fevereiro aos escrivães de fazenda do districto de Lisboa, exceptuando o escrivão de fazenda da comarca do Setubal e os escrivães de fazenda dos bairros da cidade, em consequencia de terem aquelles aos quaes a suspensão se referia a sua cobrança em um atrazo extraordinario.

v. ex.ª e a camara eomprehendem que, quando se está tratando de elevar as contribuições, a declaração de que as contribuições já votadas e devidas ao thesouro não entraram ainda nos cofres publicos, não é reconnnendaçâo para que o augmento de impostos seja muito bem recebido pelos contribuintes.

Não faço mais considerações, nem proponho voto de louvor aos escrivães de fazenda, que foram exceptuados d'esta punição paternal, porque sei que a camara não está resolvida a dar votos de louvor quando, dando-os, o louvor a uns possa involver censura de outros; mas em todo o caso censura está feita aquelles que estão prohibidos do receber os honorarios a que têem direito e que lhes são concedidos por lei. Repito, não faço mais considerações, porque desejo que o sr. ministro da fazenda se habilite para dar explicações que me satisfaçam e possam satisfazer tambem ao paiz, que é muito interessado em saber como corro a gerencia do dinheiro que lhe é exigido para as despezas que pertencem a todos. E realmente não é justo que uns estejam pagando, emquanto outros ficam com os dinheiros, sendo todos parceiros na associação que se chama «nação portugueza»; e havendo culpa nos empregados criminosos, muito é para admirar que se lhes imponha uma pena para que o governo não está auctorisado, e deixe de se proceder contra elles, como é de conveniencia para dar satisfação ao paiz, na conformidade das leis.

N'esta occasião, apesar de não estar presente o sr. ministro da fazenda, e a culpa não é minha, mas como está presente o sr. Marquez d'Avila, pessoa para a qual não póde ser ignorado o facto a que vou referir-me, direi a s. ex.ª que se annuncia nos jornaes de Londres que o governo portuguez trata de levantar ali novo emprestimo.

Não sei o fundamento de tal noticia, que vem publicada no observer de 19 de março d'este anno.

Por experiencia das epochas em que tenho residido em Londres, conheço que muitas vezes especuladores, pouco respeitaveis e menos honestos para serem intermediarios nas negociações do governo com aquella praça, espalham estas noticias, para especularem na bolsa com a subida e com a baixa dos fundos portuguezes. Felizmente congratulo-me

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de que n'esta momento não sejamos das nações da Europa a que esteja nas circumstancias de ser a mais lamentada; seria porém bom que, se por acaso o governo não trata de contratar qualquer emprestimo novo na praça de Londres, esta noticia seja immediatamente desmentida; porque, como é conhecido para todos, nunca se alcança um novo emprestimo sem que a cotação dos fundos soflra com isso, e mesmo quando ella venha a restabelecer-se, isso não impede que estas noticias sempre influam e sejam utilisadas pelos traficantes que jogam na alta e na baixa á custa do capital dos possuidores, de boa fé, da nossa divida publica. Tenho dito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): - O sr. ministro da fazenda responderá mais cabalmente ao illustre deputado; mas eu posso desde já assegurar ao illustre deputado, que sou tambem inimigo dos emprestimos (apoiados), e um novo emprestimo não o poderia o governo fazer sem vir pedir ás côrtes auctorisação para isso; e a camara n'essa occasião examinaria as condições, com as quaes elle deveria ser effectuado.

Ha uma divida fluctuante externa, que deve chamar muito a attenção do governo e a da camara (apoiados).

Essa divida foi contrahida em circumstancias pouco felizes, e por consequencia os encargos d'ella são pesados. Sei que o sr. ministro da fazenda mandou preparar alguns documentos, que sinto não ter á mão, para conhecimento da camara e do publico, que é a comparação dos encargos da divida fluctuante em 29 de outubro passado, quando se organizou a administração que está aqui representada, e os encargos da divida fluctuante de hoje; e afigura-se-me, que a apresentação d'estes documentos ha de ser agradavel á camara e ao paiz, porque elles hão de mostrar que temos obtido condições muito mais vantajosas nas reformas que temos feito d'esses emprestimos, do que aquellas com que esses emprestimos foram contratados.

Não quero fazer censura ás pessoas que contrataram esses emprestimos, não os fizeram mais vantajosos, porque não poderam. Tenho a convição intima, pela larga experiencia que possuo, como ministro da fazenda em epochas tão diversas, de que todos os ministros gerem a fazenda publica o melhor que podem. Quando não obtem condições mais vantajosas para qualquer emprestimo é porque lhes é absolutamente impossivel.

Mas o facto é que quando esses documentos forem apresentados pelo sr. ministro da fazenda, ha de a camara reconhecer as importantissimas e valiosas economias que se têem feito n'este ramo de serviço, sem fallar da influencia que estas economias produzem no credito publico.

Encontra-se, por exemplo, um emprestimo a juro excedente a 15 por cento, que tem sido reduzido a uma cifra comparativamente muito menor. Isto é uma economia importante, e não ha economia alguma no pessoal dos serviços, que se lhe possa comparar.

Eu já declarei n'outra occasião, e que com isto não quero dizer que se não façam todas e quaesquer economias, porque entendo que a economia é um bom principio, é um principio de moralidade, e nós não temos direito de gastar o dinheiro do paiz senão n'aquillo que for estrictamente preciso, mas quero dizer que as economias mais valiosas que se podem fazer são estas.

Venceu-se uma letra de uma somma importante, creio que da somma de 80:000 libras (peço ao sr. ministro da fazenda o favor de rectificar se eu não for exacto), o governo pagou. Dir-se-ha — mas o governo póde ter precisão ámanhã de levantar essa somma, ou uma somma inferior, é verdade; mas n'esse caso ha de levanta la já em condições mais vantajosas do que aquellas com as quaes se havia de effectuar a reforma.

O resultado d'este facto foi que muitas propostas têem sido feitas ao sr. ministro da fazenda. S. ex.ª tem discutido algumas d'ellas commigo, são propostas que são muito mais vantajosas do que aquellas que estavamos habituados a receber. É possivel que os homens, que têem feito estas propostas, tenham espalhado que se trata de levantar um novo emprestimo na praça de Londres.

A divida fluctuante externa monta ainda hoje a uma cifra importante. Supponha o illustre deputado que o governo faz uma operação, por meio da qual paga essa divida, fazendo logo uma reducção de 3 ou 4 por cento nos seus encargos. Essa operação de credito dá logar a uma economia importante, e essa operação não tem o inconveniente dos emprestimos a que o illustre deputado se referiu. Pôde haver alguma cousa no sentido que acabei de indicar.

O sr. Barros e Cunha: — Peço a palavra: eu não me referia a emprestimo nenhum. Estimava que s. ex.ª explicasse o facto a que alludi, porque como o caso é publico o paiz lucra em que s. ex.ª diga aquillo que julgar conveniente.

O Orador: — Seja dito em boa paz, pareceu me que s. ex.ª se referia ao que dizia um jornal.

O sr. Barros e Cunha: — Disse que se annunciava um emprestimo em Portugal, que é o peior de todos os annuncios.

O Orador: — Não digo que não. Mas ha casos, por exemplo, em que com um emprestimo feito em condições favoraveis se póde amortisar uma divida feita em condições muito desfavoraveis. (O sr. Barros e Cunha: — Apoiado.) N'esse caso ha uma economia para o thesouro, ha uma operação, de que ha de resultar um melhoramento do credito.

Não era contra estas operações que o illustre deputado se podia pronunciar (O sr. Barros e Cunha: — Certamente.) Eu comprehendi o pensamento do illustre deputado; nem podia attribuir a nenhum outro motivo as considerações que s. ex.ª fez.

Por esta occasião direi, que me constou tambem que n'um jornal se tinha dito que o governo queria pagar os juros da divida externa em tres prestações annuaes, isto é, de quatro em quatro mezes. Não me consta que o sr. ministro da fazenda tivesse manifestado a ninguem esse pensamento. O que sei é que s. ex.ª pensou fazer pagar os juros de um semestre da nossa divida externa em duas prestações trimestraes. Os interessados entenderam que não tinham vantagem em receber assim, entretanto é minha opinião que o governo, que fez esta proposta, se collocou n'um terreno vantajoso, mostrando que tinha meios para effectuar antecipadamente o pagamento de um trimestre nos encargos d'aquella divida.

A impressão que deixa uma proposta d'esta natureza deve ser vantajosa para o credito de Portugal.

Peço desculpa á camara de ter tomado a palavra n'esta questão, mas não estava presente o sr. ministro da fazenda. S. ex.ª entrou, e naturalmente dará explicações mais cabaes, porque é um negocio da sua repartição.

O sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao sr. deputado que a tem segundo a ordem da inscripção.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento da Silva): — Lembro a V. ex.ª que talvez seja bom continuar este incidente. Trata-se do credito publico, e é sempre conveniente dar todas as explicações possiveis a este respeito.

A camara annuiu a esta indicação.

O sr. Barros e Cunha: — Creio que tenho obrigação de me dar por satisfeito com as explicações que o sr. presidente do conselho acaba de me dar. S. ex.ª negou que da parte do governo houvesse nenhum principio de contrato de emprestimo ou annuncio de emprestimo de Portugal; confessou porém que havia propostas para se fazer um emprestimo, e que essas propostas podiam ser vantajosas para remir uma parte da divida fluctuante que paga juros muito elevados, ainda que muito menos elevados do que aquelles que pagava quando o actual gabinete entrou para a gerencia dos negocios do estado. Eu não tenho nada a dizer ácerca d'essas negociações, que tão expontaneamente concorrem a solicitar o governo.

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Está positivamente negado que o governo trate de fazer um emprestimo, e affirmado que muitas propostas se offerecem ao governo para melhorar a situação da nossa divida fluctuante...

(Interrupção do sr. presidente do conselho que se não percebeu.)

Algumas propostas, uma se V. ex.ª quizer. Creio que eu tinha prevenido esta hypothese, porque disse já á camara que pela minha pratica de observar o que se passa na praça de Londres em relação aos negocios de Portugal, sei que muitas vezes ha corretores tão solicitos dos interesses d'este paiz, que se promptificam a ser intermediarios de emprestimos para o salvarem. Creio que tivemos um bom exemplo do desinteresse e credito de taes banqueiros na operação que nos custou 50:000 libras, e sobre a qual tenho pedido esclarecimentos que ainda não pude obter. Ora basta-me essa prova do que valem estes especuladores, que tão generosamente offerecem dinheiro e credito ao governo portuguez, para eu julgar que não é conveniente de maneira nenhuma deixar que taes especuladores, que não têem credito nem capacidade para os seus proprios negocios, estejam a pairar sobre a necessidade que Portugal poderá ter de levantar emprestimos para reduzir os juros aggravados da sua divida fluctuante. Velemos com mais cautela sobre estes generosos senhores; porque já aconteceu com a companhia do caminho de ferro do sul e sueste, contra cujas exigencias me insurreccionei por muitas vezes, a qual pretendia até ter o direito de fechar o stock-exchange á co tação dos nossos fundos. Fui eu que n'uma carta, que fiz publicar no Jornal do commercio, vim negar que a companhia tivesse esse poder, porque a affirmativa d'ella corria sem correctivo da parte do governo nem dos seus agentes. Depois d'isso fiz mais. Quando se principiaram as negociações para o emprestimo com a casa Groschen, allegou-se que a falta de accordo do governo com a companhia podia prejudicar o credito de Portugal; isto foi escripto tambem sem ser contrariado por parte dos agentes officiaes do governo portuguez; eu neguei o facto na imprensa ingleza. O Daily Netos publicou um artigo meu affirmando que toda e qualquer connexão ou ligação do governo portuguez com a companhia do caminho de ferro de sueste só podia prejudicar o credito de Portugal. Mas, não obstante isso e as advertencias que foram feitas aos ministros d'aquella epocha, de que taes banqueiros não podiam fazer tão importante negociação, ella fez-se, e nós pagámos 50:000 libras! (réis 258:000$000). Depois fez-se o emprestimo; e qual foi o resultado? Que auxilio nos prestrou a famosa companhia do caminho de ferro de sueste, á qual pagámos uma indemnisação de perto de dois milhões esterlinos?!

Sendo ella a culpada do nosso precario estado, porque nos faltou aos pagamentos estipulados, não tendo cumprido nenhuma das condições do seu contrato?

Lá temos ainda quasi tres milhões e meio de libras do emprestimo de 1869 para collocar!

Que se repitam factos d'estes é que eu quero evitar, e por isso desejo que estas cousas se digam no seio do parlamento, que é o logar onde ellas se devem dizer. E que os ministros as expliquem, porque são esses os competentes para isso.

(Interrupção do sr. presidente do conselho de ministros, que se não percebeu.)

Não tenho nada contra s. ex.ª Sou de um temperamento que não me permitte ficar insensivel a tudo que diz respeito ao credito do meu paiz, e muito mais quando infelizmente assisti na court of chanceler ao julgamento de causas em que a nação portugueza era ré arrastada ali por individuos que realmente tinham pouca respeitabilidade. E eu ouvi-os, n'aquelle tribunal, a infamarem uma nação honrada que tem cumprido sempre, tanto quanto tem podido, as Suas obrigações, e ha de fazer outros tantos sacrificios para ser igual ás necessidades a que muitas circumstancias, em que eu sou innocente, a tem conduzido.

Estimei muito ter opportunidade de dizer tudo isto, que não prejudica negocio algum que o governo possa ter em monte, porque a noticia está publicada com a perfidia conveniente, laconica, curta, incisiva, da maneira por que estas noticias se publicam sempre para que os especuladores que as lançam no publico possam d'ellas tirar partido. Depois de fazerem a noticia do estado dos fundos em todas as nações dizem: A new portuguese loan is spoken of. Falla-se n'um novo emprestimo portuguez.

S. ex.ª satisfez-me completamente, creio eu. Não preciso ouvir o sr. ministro da fazenda; mas se o sr. ministro da fazenda quizer dar-me novas explicações, de certo que ellas não prejudicam de maneira alguma o credito do paiz, nem o conhecimento que todos devemos ter dos negocios que o governo tem em mente fazer, e dos que elle não tenta realisar. N'estas explicações ganha o credito da nação e só perdem os especuladores de má fé.

Direi agora tambem que, por maiores que sejam as reducções e economias que o sr. ministro da fazenda tenha feito ácerca da divida fluctuante, essas reducções e economias não podem ser maiores que as que fez o sr. Anselmo Braamcamp durante a epocha em que geria a pasta da fazenda, que actualmente se acha a cargo do illustre ministro o sr. Carlos Bento da Silva.

O sr. Anselmo Braamcamp não só reduziu o numero infinito de credores da divida fluctuante, mas reduziu tambem os juros de 23, 25 e 30 a 6, 7, 8 e 9 por cento, desfazendo a engrenagem dos corretores da 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem, para concentrar a divida fluctuante na mão de banqueiros de 1.ª classe! Serviço immenso! E quando veiu 19 de maio, já tinha uma proposta para reduzir a 10 por cento o contrato mais elevado que ainda restava para reformar, que era o que tinha sido feito com Northewstoke bank. Não quero dizer com isto que o actual sr. ministro da fazenda não tenha grande merecimento, e que se não tenha dedicado a este importante ramo da nossa administração; direi porém que seria de grande utilidade, que os documentos, de que nos fallou o illustre presidente do conselho e que o meu illustre amigo o sr. Carlos Bento já tinha feito o obsequio de mencionar em uma conversação que teve commigo, fossem publicados, porque é necessario que por uma vez se conheça bem quaes são os ministros que se tornam dignos d'esse nome (apoiados), e qual é a craveira por que nós devemos medir os homens que se propõem a administrar a fazenda do paiz (apoiados).

Por consequencia se não houver n'isto inconveniente peço que se publiquem com a maior brevidade possivel esses documentos, porque nós todos precisâmos d'estes elementos de estudo e comparação, e carecemos sobretudo de pôr um dique á torrente de financeiros que invade os conselhos da corôa, e para pasta tão importante como a fazenda nas circumstancias em que nos achâmos, pessoas que não têem absolutamente nem a competencia, nem a capacidade, nem a consciencia do encargo importante que sobre si tomam.

E a nação é que o paga.

O sr. Ministro da Fazenda: — Ninguem avalia melhor do que eu as intenções louvaveis do illustre deputado quando dirigiu perguntas ao governo a respeito de assumpto de tanta importancia como aquelle de que s. ex.ª se occupou.

Tambem me dóem as injustiças que por mais de uma vez no estrangeiro se têem commettido a nosso respeito, fazendo-se exigencias que nós não mereciamos; mas parece-me que o melhor meio de reagir contra essas exigencias não é tanto condemnar o procedimento dos individuos que no-las fazem, como mostrar-nos habilitados para não depender d'elles (muitos apoiados).

Esta habilitação é o verdadeiro meio de as combater; acredite-o o illustre deputado e a camara inteira (apoiados).

(O sr. Barros e Cunha pede a palavra com vehemencia.)

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O illustre deputado não deve ver allusão alguma, em condemnação do seu procedimento parlamentar, nas palavras que eu proferi, quando me parece que ellas deixam salvas as suas benevolas intenções; no que, não só fui de accordo com as exigencias da exactidão dos factos, como com as necessidades do sentimento geral da camara (apoiados).

Quando eu disse que era necessario, para podermos reagir contra as exigencias injustas d'aquelles de quem temos estado dependentes, estabelecer a nossa independencia financeira, creio que não disse inconveniencia alguma, nem sobretudo faltei á exactidão dos factos (apoiados).

Eu por mim tenho empregado todos os meios necessarios para que modifiquemos um certo habito de subscripção, do qual mais de uma vez temos sido victimas, e eu o primeiro; vem a ser — o de confiarmos demasido nos saque sobre Londres.

É necessario não confiar tanto nos saques sobre Londres, recurso condemnado, mas frequentemente explorado por todos os ministros da fazenda (apoiados).

Acredite a camara que a facilidade que os ministros da fazenda têem encontrado de, com a subscripção de uma tira de papel, levantar centos de mil libras esterlinas, é a mais deploravel facilidade que se póde dar para as finanças de um paiz (apoiados).

Não ha nada tão agradavel, a não se pensar nas consequencias de similhante acto, como levantar uma somma tão importante, sem nenhuma reclamação no momento em que se levanta. Porém, mais tarde as pobres victimas que, no logar que eu agora occupo, têem de satisfazer aos encargos d'esse levantamento de fundos, lamentam forçosamente a situação que foi creada pelos seus antecessores (apoiados). O ministro que contou demasiado com as facilidades de crear dinheiro por esse meio, esse, quando a sua conscincia é superior ás difficuldades ulteriormente resultantes, póde passar momentos agradaveis. Creou recursos para um momento dado, e passou por um grande ministro (apoiados). Alguem tem depois de expiar os erros alheios.

Ha sempre uma satisfação de necessidades, a que ninguem póde faltar, como é o pagamento em dia dos vencimentos dos servidores do estado e o dos juros da divida publica. E quando se satisfazem estas necessidades, sem se reduzirem as despezas e sem se pedirem impostos, a posição do ministro é agradavel. Mas é uma posição que traz comsigo tristes consequencias (apoiados). E as operações financeiras que se fizeram são pagas muito caro quando se satisfazem os encargos que se contrataram, e ainda mais caro se sobreviesse impossibilidade de se satisfazerem (apoiados).

Não se trata de fazer emprestimos, mas de completar o que se contratou. Não podemos occultar a situação financeira em que nos encontrâmos. O illustre deputado menos que ninguem e todos nós não ignoramos que ha 3.000:000 libras esterlinas do emprestimo contrahido pela administração anterior, que ainda não estão realisados.

Por consequencia, não se trata de fazer um emprestimo novo, trata-se de realisar o emprestimo que já existia, ou de o substituir na sua importancia real por operação mais conveniente.

O illustre deputado não póde sustentar, nem a camara, que o governo já não precisa hoje de realisar o emprestimo que ha um anno era indispensavel.

O sr. Barros e Cunha: — Mas falla-se em um emprestimo novo.

O Orador: — Se eu podér alcançar ámanhã o emprestimo d'esses 3.000:000 libras esterlinas nominaes por uma operação mais vantajosa, póde considerar-se isso um emprestimo renovado, mas não póde chamar-se um emprestimo novo; isto é, não são dois emprestimos, e é necessario que se comprehenda bem isto.

A collocação do emprestimo de 3.000:000 libras esterlinas, para que o governo está auctorisado, depende de uma nova operação financeira; mas podem aceitar-se propostas que melhorem a condição da collocação dos 3.000:000 libras esterlinas nominaes por uma operação mais vantajosa para o thesouro.

Ora o que é verdade é que, dentro dos limites apertados que a gerencia da situação financeira impõe aos governos, é difficil administrar a fazenda publica, porque devemos empregar todos os meios para não aggravar as circumstancias em que nos achâmos collocados, e não comprometter o futuro.

Pela minha parte parece-me que, tanto quanto posso, na minha gerencia financeira não tenho compromettido a posição dos meus successores.

Eu já fóra d'este logar fiz esta observação de que em circumstancias financeiras difficeis o cargo de ministro da fazenda é um cargo de sua natureza amovivel; e agora, que estou aqui, não me póde ser estranhada a repetição. E digo mesmo, em relação ao sr. presidente do conselho, a cuja lealdade politica eu faço plena justiça, e creio que o paiz inteiro lh'a faz, que não se illuda s. ex.ª suppondo que é uma necessidade, por um principio de lealdade e camaradagem, não admittir a impossibilidade de ser amovível sem inconvenientes o ministro da fazenda.

Agora o que julgo muito importante é que o parlamento e o paiz empreguem todos os meios para que certos principios sobrevivam ás vicissitudes da ephemera existencia dos ministros, e estes principios são os que acabou de expor o sr. presidente do conselho.

Nós temos conseguido que uma das condições financeiras mais desvantajosas para o nosso paiz (vê-se que fallo da divida fluctuante externa) tenha sido diminuida consideravelmente.

E devo dizer ao illustre deputado, que me precedeu, que o governo não se recusa a publicar documentos n'este ponto. O governo impoz-se o dever de publicar mensalmente a situação da divida fluctuante, e a publicação mensal d'esse documento é a satisfação dada ás justas exigencias do illustre deputado.

A importancia da divida fluctuante externa, que era em 31 de janeiro de 1871 de 5.361:000$000 réis, era em 28 de fevereiro de 4.700:000$000 réis, e segundo as disposições já tomadas póde ser no fim de abril 3.700:000$000 réis.

Ora, creio que a differença que vae de 3.700:000$000 réis para 5.361:000$000 réis mostra que tem havido um grande progresso na diminuição da nossa divida fluctuante no estrangeiro, e esse progresso é uma circumstancia financeira favoravel que deve ser muito apreciada.

E eu tenho tido a fortuna de, n'estes ultimos tempos, poder substituir o systema dos saques pelo das remessas em relação á agencia financial de Londres. E sabe a camara o que tem resultado d'aqui? Em primeiro logar um espanto dos contratadores de adiantamentos, e em segundo logar uma mudança de condições; não é o nosso agente que tem andado agora atrás dos que emprestam, são os que emprestam que andam atrás do nosso agente.

Não me illudo porém. Emquanto houver um desequilibrio consideravel entre a receita e a despeza, quaesquer que sejam as modificações favoraveis que tenhamos conseguido, não está resolvido o problema; desapparecerem alguns maus symptomas não é ter debelado a doença.

Não me illudo. E, a dizer a verdade, o logar de ministro da fazenda não é aquelle que encaminha mais para a illusão; é, pelo contrario, aquelle que mais approxima dos desenganos. Mas declaro que não reputo desesperada a nossa situação financeira.

Acredito que todos estão de accordo em fazer cessar um estado, cuja continuação offerece os maiores perigos para nós; e que embora alguem entenda que nem todos os impostos são aceitaveis em todos os casos, as propostas de lei de contribuições hão de, depois de se lhes fazerem as modificações convenientes, ser aceitas, por se convencerem os

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contribuintes de que é necessario contribuírem com mais receita para sairmos das difficuldades em que nos encontrâmos.

Eu pela minha parte, como ministro da fazenda, sou o primeiro que reconheço a possibilidade de fazer ainda reducções na despeza; e os meus collegas e eu estamos de accordo n'este ponto.

Póde haver, quando se está fóra do ministerio, a idéa da conveniencia da reducção da despeza; porém quando se é ministro da fazenda não ha ninguem a quem a despeza faça impressão mais desfavoravel. Pois quando a despeza é imprevista, ninguem tem uma surpreza mais desagradavel do que o ministro da fazenda!

O ministro da fazenda está sempre de accordo com os que sustentam a diminuição das despezas, e tem uma certa complicidade com elles.

Confesso em publico que é esta a minha situação.

Dizem uns que nós devemos augmentar a receita, outros que devemos diminuir a despeza, e todos têem rasão. Mas para o que eu peço a cooperação de todos é para que não continuemos a fazer operações financeiras tão desgraçadas como algumas a que todos ou quasi todos nos temos visto obrigados a sujeitar-nos (apoiados).

O paiz póde dentro de limites, sem prejuizo das faculdades contributivas, augmentar a receita; o paiz póde exigir que se diminua a despeza; mas o que todos devemos exigir é que não se façam operações de credito em tão larga escala como têem sido feitas.

Em vez de suppor que os grandes emprestimos elevam o nivel moral de uma nação, pelo contrario devemos convencer-nos de que as nações, com limites mais modestos, não podem aspirar á verdadeira importancia moral senão regulando os seus negocios em condições de não estarem, a todos os instantes, para a satisfação das suas necessidades ordinarias, a recorrer a recursos extraordinarios.

A Belgica, nação cujas condições de grandeza são muito inferiores ás de Inglaterra, tem os seus fundos em condições iguaes ou quasi iguaes aos fundos de 3 por cento inglezes, assim como tem instituições liberaes nada inferiores ás d'esta nação. Pois bem: nós que possuimos igualmente instituições liberaes como a Belgica, saibamos como ella regular as nossas condições financeiras, de maneira que o nosso credito venha a achar-se em circumstancias de analoga vantagem. Conclu.

O sr. Barros e Cunha: - Não tenho nada a acrescentar ás palavras com que mostrei estar de accordo com as explicações que tinha dado o sr. presidente do conselho; tenho porém a exprimir á camara, que ouvi com certo sentimento que o sr. ministro da fazenda dissesse que não era com a exageração dos males que podiam provir dos emprestimos, mas sim com a votação de medidas que podessem fazer face aos nossos encargos, que o credito havia de crescer, S. ex.ª disse que era votando medidas de fazenda e fazendo economias, e disse mais que o costume dos saques sobre Londres era o peior de todos os expedientes. Estou tambem de accordo com isto; comquanto, repito, o não esteja com as consequencias que se poderiam tirar destas observações sobre as palavras que eu proferi. Parece-me que, quem pede que se esclareça a camara sobre se ha idéa de fazer novo emprestimo, não concorda com o systema dos saques sobre a agencia financial em Londres, a que o sr. ministro da fazenda se referiu.

Devo porém dizer que não é á iniciativa individual dos deputados unicamente que compete propor economias, porque os governos estão acostumados a não respeitar essa iniciativa, a não fazer caso d'ella: essa iniciativa pertence principalmente aos homens que estão á testa do poder executivo, e que dirigem os partidos politicos e as escolas economicas. São elles que devem trazer á consideração do parlamento e do paiz medidas perfeitamente definidas e classificadas, para que possam conciliar em seu favor a opinião e boa vontade do paiz contribuinte, porque ha dois paizes — um que recebe e outro que paga. N'esta parte o sr. ministro da fazenda claramente poz diante de nós a situação.

O sr. ministro disse: «Os impostos ahi estão e as economias proponham-as os senhores, que o governo aceita as que propozerem, comtanto que estejam de accordo com as necessidades dos serviços publicos». Mas o governo para ser coherente e estar perfeitamente na regra que nos apresentou o sr. ministro da fazenda como devendo ser adoptada, devia ter trazido, não digo com antecipação, como pedem muitos contribuintes que têem má vontade de pagar, mas ao mesmo tempo que os impostos as reducções e economias que entendesse possiveis fazerem-se (apoiados).

Dizendo isto, eu não declino a obrigação de propor essas economias, e hei de propo-las; e ao sr. ministro da fazenda principalmente devo o favor de me ter dado auctorisação amplissima, para nas repartições que estão a seu cargo poder obter os esclarecimentos que me forem necessarios.

Tambem o sr. ministro da fazenda deu a entender que eu lhe attribuia reluctancia em publicar certos documentos, e já vê pela confissão que acabo de fazer, que tal idéa não podia coexistir no meu espirito com os factos. Eu referia-me aos documentos que s. ex.ª tem sobre o aggravo da divida fluctuante depois de 19 de maio, e que são mais desenvolvidos do que aquelles que se publicam no Diario, os quaes unicamente resumem o acrescimo ou diminuição da divida, e desejava estes esclarecimentos, porque é muito honroso para s. ex.ª que estes factos se conheçam; podendo o illustre ministro ter por certo que eu desejo só que todos tenham a vantagem que eu tenho de o poder bem apreciar.

É muito honroso para s. ex.ª que isto venha a ser do dominio de todos; porque não está na minha mente fazer injustiça ao il!ustre ministro da fazenda, nem ao governo; pelo contrario estou prompto a concorrer, tanto quanto possa, para o seu credito, quando elle esteja ligado aos interesses do paiz. E posto que não pertença nem á seita, nem á tribu dos competentes, que costumam ser consultados antecipadamente para se elaborarem as medidas de fazenda, nas quaes o proprio governo, depois de apresentadas ás côrtes, declara que tem menos confiança do que eu, comtudo hei de trabalhar e esclarecer-me sobre estes assumptos, que tocam de perto a todos, tanto quanto podér para auxiliar o governo.

Ora, a proposito das representações que têem sido dirigidas a esta camara, tem-se verificado o facto importante, e que sem duvida deve influir muito no credito nacional, e é que todas as classes que representam não dizem que representam contra o augmento do imposto mas sim contra a desigualdade das taxas e da alteração das classes; representara contra uma reforma que talvez tenha mais alcance do que pensam as pessoas que representam contra a desigualdade que d'ahi resulta ás differentes categorias dos contribuintes. E ha grande vantagem em fazer sentir isto a toda a gente. Esta feição da opinião publica deve de certo conduzir a um futuro mais prospero. Mas não significa tambem que aquelles que adoptam essa opinião, e que dizem que estão de accordo com a augmento das contribuições, não protestam contra o principio arbitrario de que — o povo póde e deve pagar mais.

Infelizmente o povo não tem remedio senão pagar mais, porque as circumstancias em que se acha hão de leva-lo á bancarota se não pagar, quer possa quer não possa. Para poder viver ha de pagar.

(Interrupção do sr. Teixeira de Vasconcellos, que se não ouviu).

Isso é uma verdade. De nada, nada se faz. Quem não póde pagar não paga. Mas o sr. marqueis d'Avila e de Bolama, que é governador do banco hypothecario, póde dizer ao erudito deputado e meu mestre e amigo, quem póde pagar ou quem não póde pagar; porque devendo o imposto saír unicamente da renda dos contribuintes, no banco hy-

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pothecario se demonstra como ha muitos contribuintes a quem o imposto sáe do capital. E isto é a ruina do paiz.

A proposito vem dizer que eu, sem nenhum desejo de tornar difficil a situação do illustre ministro da fazenda em relação ás observações que s. ex.ª fez quando se dirigiu a mim; digo que eu fiquei inteiramente surprebendido quando ouvi s. ex.ª declarar a esta camara, que não tinha idéa de additar á contribuição industrial os 40 por cento de viação. Realmente, olhando para as taxas antigas e fazendo a comparação com uma taxa de 1.ª ordem e de 1.ª classe, que era pela antiga tabella de 80$000 réis, com 50 por cento que faz 40$000 réis de contribuição extraordinaria, e mais 32$000 réis de 40 por cento de imposto de viação, vê-se que essa taxa realmente produz 152$000 réis. Ora pela declaração do sr. ministro, votando se mesmo a taxa que elle propõe, e que é de 140$000 réis, demonstra-se uma diminuição de 12$000 réis, e isto na 1.ª classe.

Ora como é que s. ex.ª pretende fortalecer o credito, levantando, por meio da contribuição industrial, uma somma que possa influir nas dificuldades do thesouro, não sei eu; mas não é meu intento antecipar a discussão que deve ter logar n'esta casa quando vierem as propostas de lei, e para essa occasião me reservo.

O sr. Ministro da Fazenda: — O illustre deputado ao terminar o seu discurso referiu se á formação de uma tabella, que ainda ha de ser discutida e apreciada pela camara, e n'essa occasião s. ex.ª receberá as explicações que tenho a dar em relação ás duvidas que elle tem sobre este assumpto. O que posso assegurar desde já ao illustre deputado é não ser inteiramente conveniente estar a antecipar a discussão de um negocio tão importante como este. Espero que s. ex.ª annuirá ao meu pedido, que ninguem dirá não ser justo e rasoavel.

O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos administradores de pharmacias, reclamando contra a proposta de lei de contribuição industrial.

Já que estou com a palavra, aproveito a para mandar tambem para a mesa, por parte da commissão de fazenda, o parecer sobre a proposta de lei a respeito do pagamento dos direitos da carne em Lisboa.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu tinha pedido a palavra para dirigir uma pergunta ao sr. presidente do conselho de ministros.

Em 11 de abril de 1863 foi publicado um decreto sobre o commercio de cereaes; em março de 1870 foi publicado outro decreto que elevou o direito sobre as farinhas; em fevereiro de 1871 foi publicado o decreto que prorogou o praso para o registo dos fóros; ainda ha poucas semanas o sr. ex-ministro das obras publicas e actual presidente do conselho de ministros permittiu á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste que collocasse rails de 35 kilogrammas em vez de rails de 37 kilogrammas; e tambem ainda ha muito pouco tempo foram publicadas as pautas de Cabo Verde, sem intervenção do parlamento.

Eu sei que o artigo 15.° do acto addicional permitte que em casos urgentes o poder executivo dê as providencias que julgar necessarias ácerca das nossas possessões, mas sei tambem que outro artigo do acto addicional obriga o governo a trazer á camara, logo que estiver reunida, o relatorio do que praticou, e a proposta para que o decreto tenha força de lei.

Escuso de acrescentar mais palavras para que s. ex.ª conheça que eu, como respeitador das prerogativas parlamentares, desejo que o sr. presidente do conselho diga á camara se está ou não disposto a traser aqui, não só as propostas que são necessarias para serem convertidos em leis os decretos a que me referi, mas tambem a que é indispensavel para que seja approvado o acto praticado por s. ex.ª contra a clausula expressa do contrato com a companhia dos caminhos de ferro do norte e de leste.

S. ex.ª já aqui nos disse, e a meu ver com alguma rasão, que havia praticado aquelle acto mais por interesse do paiz do que por interesse da companhia, ou melhor, que o tinha praticado exclusivamente por interesse do paiz, e porque não queria tomar a responsabilidade dos sinistros que por má ventura viessem a succeder se a companhia tivesse de proceder á compra dos carris de que falla o contrato; pois que se s. ex.ª lhe ordenasse o estricto cumprimento das condições d'elle, os carris de 37 kilogrammas não podiam estar em Lisboa senão decorridos uns poucos de mezes.

É claro que nas palavras que acabo de proferir não ha a menor intenção de fazer offensa a s. ex.ª, ou de pôr em duvida o seu respeito ás prerogativas parlamentares; no que acabo de dizer não me refiro a actos unicamente d'este governo, mas sim a actos de outros ministerios. Já V. ex.ª vê e a camara que não intento atacar o gabinete, mas sim peço que seja cumprido o que ordena a carta constitucional e o acto addicional. Espero a resposta de s. ex.ª

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Tinha direito a considerar as perguntas que o illustre deputado me dirigiu como uma interpellação que devia seguir os tramites ordinarios; mas a respeito de algumas d'ellas estou habilitadissimo para responder desde já ao illustre deputado.

S. ex.ª fallou, creio eu, no decreto de 11 de abril de 1865, que abriu os portos aos cereaes estrangeiros.

Com relação a este decreto devo declarar á camara que esse acto não é de nenhuma das administações de que tenho feito parte.

Esse decreto foi promulgado por uma administração presidida pelo sr. duque de Loulé (apoiados). Poucos dias depois da promulgação d'esse decreto, houve uma crise ministerial, de que resultou a nomeação de um ministerio presidido pelo sr. marquez de Sá, de que eu fiz parte.

O primeiro acto d'esse ministerio foi trazer exactamente á camara esse decreto. Isto é, foi vir pedir á camara um bill de indemnidade por esse excesso que o governo tinha praticado.

O illustre deputado ha de lembrar se de que uma das arguições que se fez ao governo, quando se discutiram os actos da dictadura de 1870, foi de não haver exemplo de vir um ministerio pedir ao parlamento um bill de indemnidade por actos de uma dictadura, pelos quaes elle não era responsavel, e eu respondi n'essa occasião, ou n'esta ou na outra casa do parlamento, de que havia dois exemplos d'esse genero, em duas administrações, a que eu tinha pertencido, e citei expressamente esse. Por consequencia esse decreto foi já submettido ao parlamento. Se o parlamento não quiz tomar uma resolução a esse respeito, a culpa não é do ministerio.

Repito, em 1865, não posso agora dizer a data em que essa proposta veiu á camara, o que é muito facil de verificar, mas assevero á camara que o primeiro acto do ministerio presidido pelo sr. marquez de Sá, de que eu fazia parte como ministro da fazenda e dos estrangeiros, foi vir pedir á camara um bill de indemnidade por um acto que outro ministerio tinha praticado, e esse acto foi o decreto de 11 de abril d'esse anno.

Por esse lado a administração actual não tem nada que fazer. E uma proposta que foi submettida ao parlamento, e de que o parlamento póde tomar conhecimento quando julgue conveniente, e se não o fez até agora a camara sabe os motivos que teve para isso.

Com relação á concessão que fiz da substituição provisoria, note-se bem, provisoria, dos carris arruinados de 34 kilogrammas de peso, por carris novos de 35 kilogrammas, não entendo que tivesse violado a lei. O illustre deputado já pediu esses documentos; e quando elles aqui vierem, o illustre deputado póde pedir que vão mesmo á commissão de infracções, se assim lhe parecer; e a commissão dará a sua opinião á camara sobre o acto que pratiquei. Mas s. ex.ª comprehende que não posso deixar de repetir as explica-

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ções que já dei no parlamento a esse respeito, porque me parece que é um acto que, em logar de censura, merecerá a approvação da camara.

A companhia de caminho de ferro tinha obrigação na segunda collocação dos carris de substituir os de 34 kilogrammas de peso por carris do peso de 37 kilogrammas.

A companhia representou ao governo, dizendo que desejava poder substituir os carris de 34 kilogrammas de peso por carris de 35 kilogrammas, allegando, que estes eram hoje tão solidos como eram os de 37 kilogrammas na occasião em que se fez o contrato. Este requerimento foi mandado ao conselho de obras publicas; e o conselho de obras publicas foi de opinião que o governo podia conceder á companhia, a titulo de experiencia, a importação de algumas mil toneladas de carris de 35 kilogrammas, afim de se ensaiar se effectivamente podiam substituir os de 37 kilogrammas. E eu indeferi este requerimento, porque entendi que o deferimento d'elle equivalia a estabelecer um precedente, de que se podia tirar partido para se requerer depois a substituição de todos os carris por carris de 35 kilogrammas de peso. Entendi que a lei era clara e terminante, e exigia carris de 37 kilogrammas de peso, da melhor qualidade, e que por consequencia eu não podia a titulo de ensaio fazer similhante concessão á companhia.

A companhía representou-me de novo, não fallando na admissão d'esses carris a titulo de ensaio, mas dizendo que uma porção dos carris estava arruinada e era urgente substitui-los, e ella não podia obter carris do peso de 37 kilogrammas tão depressa como podia obter, por exemplo, duas mil toneladas de carris do peso de 35 kilogrammas para substituir os carris arruinados, e por consequencia pedia que fosse permittido importar desde logo duas mil toneladas, de carris do peso de 35 kilogrammas para aquelle fim. E eu fiz-lhe essa concessão, declarando-lhe, que como a companhia tinha obrigação de substituir a linha toda por carris de 37 kilogrammas de peso, essa concessão era provisoria, e a companhia devia habilitar-se desde já a cumprir o seu contrato, fazendo para isso em tempo as necessarias encommendas.

Por consequencia bem longe de ter eu violado o contrato, declarei á companhia, que era indispensavel, que ella o cumprisse; mas que em attenção a que a companhia não podia obter duas mil toneladas de carris do peso de 37 kilogrammas tão depressa como podia obtê las de carris do peso de 35 kilogrammas, como consta dos documentos que o illustre deputado pediu e que eu sei que se estão preparando no ministerio das obras publicas para serem remettidos para a camara, e entendendo eu, que não devia tomar a responsabilidade dos desastres que podiam occorrer no intervallo que decorresse entre a chegada dos carris com o peso de 35 kilogrammas e a dos carris com o peso de 37, fazia essa concessão; repito, com a declaração expressa de que a companhia havia de cumprir o seu contrato, e de que devia preparar-se, fazendo as encommendas, para substituir os carris de toda a linha por carris do peso de 37 kilogrammas, satisfezendo assim ás condições do mesmo contrato.

O que eu peço portanto á camara é que espere os documentos, que não hão de tardar, e que em vista do exame d'elles resolva o que entender, isto é, se eu violei a lei, ou se a não violei. Eu estou convencido de que não a violei, e entendo que o meu procedimento deve merecer a approvação da camara.

Com relação ás medidas que dizem respeito ao ministerio da marinha, farei conhecer ao meu collega os desejos do illustre deputado, e elle não terá duvida em vir submetter ao exame do parlamento aquelles actos que careçam da sua approvação.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação dos empregados do governo civil do Porto, pedindo que seja approvada a disposição do artigo 38.° da proposta do governo sobre admininistração civil. E peço que esta representação seja remettida á commissão de administração publica.

Mando tambem para a mesa um requerimento.

O sr. Pedro Franco: — Eu e os meus collegas, os srs. Pinto Bessa e Faria Guimarães, fomos encarregados pelo centro pharmaceutico, estabelecido na cidade do Porto, de apresentar a esta camara uma representação d'aquelle centro, a fim de que a camara attenda as suas supplicas. O centro pharmaceutico representa contra o excessivo augmento de contribuição industrial, cujas quotas foram elevadas a 600 por cento.

Não faço por agora considerações algumas. Reservo-me para quando a respectiva proposta de lei vier á téla da discussão.

O sr. Sovereíra Zuzarte: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Borba, ácerca do projecto de lei apresentado pelo sr. ministro do reino.

Peço que seja publicada no Diario do governo.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa varias representações, que dizem respeito á proposta de lei ácerca da contribuição industrial.

Estas representações, como todas as que têem vindo ao parlamento, são redigidas nos termos os mais convenientes, e mostram da parte dos contribuintes o desejo de encaminhar á solução mais agradavel a questão de fazenda.

A primeira representação é dos fabricantes de esteiras; a segunda dos mercadores de ferragens novas; a terceira dos droguistas; a quarta da companhia das carruagens lisbonenses e proprietarios de trens de aluguer; a quinta da associação commercial de Coimbra; e d?esta devo dizer que fôra enviada ao sr. Alberto Carlos, deputado pelo circulo de Coimbra, que, achando-se em Portalegre, e não podendo apresentar-se na camara antes do fim d'este mez, me pediu que a apresentasse; a sexta dos commerciantes de tecidos de algodão; a setima dos caixeiros de balcão, contendo setecentas o oitenta e cinco assignaturas; a oitava e ultima dos confeiteiros e refinadores de assucar.

Mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal de Campo Maior, chamando a attenção do governo e do parlamento para differentes pontos importantes da administração municipal, e pedindo, nomeadamente, aos poderes publicos, que hajam de fazer alterações na lei de 6 de junho de 1864, que destinou verbas para a viação municipal, e collocou as camaras municipaes na impossibilidade de attenderem a outras urgentes necessidades do serviço dos seus concelhos.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Mando para a mesa varias representações de diversas corporações industriaes ácerca da proposta de lei da contribuição industrial apresentada a esta camara pelo governo. A primeira é da corporação dos encadernadores; a secunda dos fabricantes de objectos de cobra de pequenas dimensões; a terceira da classe dos capellistas sem objectos de modas; a quarta do gremio dos ourives da prata; a quinta do gremio dos fabricantes e mercadores de moveis de ferro; e a sexta dos commissarios de mercados publicos.

Peço que, como se tem feito com outras, se mandem publicar na folha official.

O sr. Antunes Guerreiro: — Mando para a mesa um requerimento do sr. Manuel Taveira de Magalhães, alferes de caçadores 3, em que pede que se modifique a lei que regula o monte pio official, na parte em que o inhibe de entrar para esse monte pio, por ter mais de quarenta annos de idade.

Mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal de Chaves, que peço licença para ler (leu).

N'esta representação, que é dirigida a esta camara, pede-se que se nomeie uma commissão a fim de esclarecer, interpretar e corrigir a lei de 22 de junho de 1866, que tem sido o flagello dos povos que foram vassallos dos srs. duques de Bragança.

A camara municipal do concelho de Chaves, advogando

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os interesses de seus administrados, pede que aquella lei se esclareça, a fim de que o povo saiba o que deve, e que a serenissima casa de Bragança saiba o que póde e deve exigir dos povos que foram foreiros. Esta é a questão.

Aquelles povos têem mandado differentes representações a esta casa no mesmo sentido, e não é justo nem rasoavel que estejam ha tanto tempo representando a esta camara contra aquella lei, que está sendo o seu açoite, sem que tenham sido attendidos.

Todos nós sabemos como se constituiu a casa de Bragança. Todos sabemos que ella se formou na sua maxima parte de bens que lhe foram doados pela corôa e que eram da corôa, o que estes bens dados assim por titulos genericos, têem passado de uns para outros successores, desde a doação feita por D. Nuno Alvares Pereira a sua filha D. Brites Alvares Pereira, casada com D. Affonso, 1.° duque de Bragança.

Todos nós sabemos que os bens doados ao condestavel por D. João I pertenciam á corôa, e lhe foram dados por titulo generico, e que, se alguns dos bens doados aos srs. duques de Bragança não tinham essa natureza, passaram a te-la em virtude do processo que condemnou o sr. D. Fernando, duque de Bragança, e do confisco dos seus bens para a corôa.

Pergunto, estão ou não estão estes fóros abolidos pela carta de lei de 22 de junho de 1866?

Ninguem póde duvidar que estão, em vista das disposições da mesma lei.

Portanto, se a lei não está clara, não se póde duvidar que a serenissima casa de Bragança vexa os povos foraleiros com as demandas e execuções que tão violentamente lhes move.

Um dos pontos mais importantes e capitães d'esta representação é aquelle que se refere aos cabeceis. O procedimento havido pela casa de Bragança contra os cabeceis é inexplicavel; custa a acreditar. A casa de Bragança chamando cabecel a um homem, o que é que faz...

Uma voz: — Isso é com os tribunaes.

O Orador: — Não é só com os tribunaes, é tambem com a camara dos deputados, porque a esta cumpre reformar as leis que não estejam claras. De mais o que se pratica é uma illegalidade, porque a lei acabou com os cabeceis e com os serviços pessoaes, e a casa de Bragança obriga estes homens a trabalhos e despezas que lhes não pertencem.

Portanto, isto não é com os tribunaes, e se é com os tribunaes, tambem é com a camara dos senhores deputados, ninguem o póde negar.

Qual seria o particular que se atrevesse a levar aos tribunaes um cabecel? Nenhum. Não havia tribunal que o recebesse e julgasse, e não acontece outro tanto quando se trata da casa de Bragança, porque é senhora poderosa. Se não fosse isto não se fallava já em cabeceis, porque a lei é clara quando diz no artigo 3.° que os cabeceis e serviços pessoaes estão extinctos.

E como estão então extinctos os serviços pessoaes, se a casa de Bragança chama estes homens aos tribunaes, escolhendo os a capricho, e diz-lhes = haveis de pagar vós tudo quanto devem os vizinhos! = Isto não póde ser, porque obriga um homem que podia pagar de pensão annual 120 réis, ou tudo quanto devesse com meia duzia de corôas, obriga-o a pagar, digo, centos de mil réis e até contos de réis. D'onde lhe hão de elles vir? Quem lhe ha de reparar este prejuizo de ser obrigado a pagar o que devam os outros? E que direito tem a casa de Bragança para fazer uma extorsão d'esta ordem? Dá-lh'a porventura a lei de 22 de junho?

Sr. presidente, infelizmente o que eu digo é a verdade; sabe V. ex.ª como se instauram os processos n'aquelles almoxarifados da casa de Bragança, contra os devedores por fóros de antigos casaes?

Escolhe-se um homem á vontade da casa de Bragança, escolhe-se esse homem para victima expiatoria, chamando-lhe cabecel; esse homem manda-se citar pela totalidade dos fóros em divida desde 1832; e nos tribunaes, apesar da clareza do artigo 3.° da lei de 22 de junho de 1846, aceitam-se os taes cabeceis, e estes vêem-se de um momento para o outro condemnados em sommas enormes. E são executados atroz e violentamente, empregando se até força armada, para mais os atemorisr e levar á obediencia!

Esta é que é a verdade. Desde 1832 ate 1846 não se pediam fóros a ninguem. Depois da lei de 22 de junho de 1846, feita unica e exclusivamente para satisfazer ás exigencias da casa de Bragança, ainda se passaram muitos annos sem que a casa de Bragança tivesse pedido esses fóros. Tal era a consciencia que ella tinha com relação ao direito que a elles tinha!

Os povos vêem-se constantemente perseguidos, e não encontram protecção nos tribunaes, nem inclusivamente encontram advogados que queiram aceitar as suas procurações! Os jurisconsultos sabem que da luta não resulta vantagem alguma para os povos, e dizem: os povos têem rasão; mas nós não vos podemos defender porque a vossa contendora é muito poderosa. De maneira que os povos rudes, faltos de recursos, isentos de protecção, deixam correr as suas causas á revelia, e um dia, como por encanto, acham-se condemnados a pagar centos de mil réis, e contos de réis, quantia que elles não podem pagar, que não têem e que não devem.

Isto assim não póde continuar.

Sr. presidente, é preciso que não deixemos passar, como axioma, que as leis vão para onde querem os réis! É preciso fazer leis claras. Se as que ha o não são, a camara dos deputados é a competente para as esclarecer.

Estes povos ha dois annos que estão reclamando, por minha intervenção e por intervenção de mais alguem n'esta casa, e ainda até hoje não se lhes deu uma resposta.

Sr. presidente, para aquelles povos foraleiros do almoxarifado de Chaves e Barroso, a serenissima casa de Bragança é uma praga, porque não ha meio possivel de se livrarem d'ella, tem todos os recursos á sua disposição, exerce a influencia do seu grande poderio, e não ha meio algum de se libertarem d'ella! Basta dizer se — lá vem citar-nos pelos fóros da casa de Bragança, que é o mesmo que o papão para os meninos, fogem todos; em se dizendo lá vem um official de justiça intimar-nos para os fóros da casa de Bragança, fogem todos, abandonam as suas casas, as suas propriedades e fogem para os montes, como unico meio de resistencia que podem empregar.

(Interrupção do sr. Falcão da Fonseca, que não se percebeu.)

Póde ser, mas não sou en. Se quer alludir a mim, engana-se; e rejeito completamente a allusão.

O sr. Falcão da Fonseca: — Dá me licença que o interrompa?

O Orador: — Pois não!

O sr. Falcão da Fonseca: — É ou não facto que são prevenidos quando se trata de os intimar? O illustre deputado que é escrivão deve sabe-lo.

O Orador: — Não sei se sim, se não. Não sou vigia de ninguem, e por isso rejeito de novo a allusão; nem elles carecem dos meus avisos, porque são todos por um e um por todos, e por consequencia avisam-se uns aos outros. O illustre deputado sabe perfeitamente que não precisam dos meus avisos.

Sr. presidente, isto não póde ser! Estarem aquelles povos constantemente aterrados com as execuções da casa de Bragança, não tem logar algum! E não póde ser, porque os povos estão na convicção de que não devem pagar, e não pagam, ou pelo menos fogem quanto possivel de os pagar, emquanto a lei não os obrigar.

É necessario portanto que a camara attenda a estas rasões, que tome conhecimento de quaes as que actuam para a constante contenda entre o povo e a casa de Bragança.

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Ha de haver necessariamente uma rasão. Qual ella será não sei, se não é a obscuridade da citada lei.

O Que é certo é que ha muitos annos que ha uma luta empenhada entre os povos e os agentes da casa de Bragança por causa dos fóros que ella lhes pede.

Os povos têem conhecimento da lei de 22 de junho e decreto de 13 de agosto; têem consultado os melhores jurisconsultos do paiz, e estes têem-lhes dito, que á vista de uma e outra lei, os povos que possuem bens que pertenceram n'outro tempo á corôa, e de quem os houve por titulo generico, não têem que pagar os fóros porque estão extinctos, e por consequencia os povos recusam se a paga-los.

É pois necessario que esta camara tenha em consideração a luta que se dá ha tanto tempo entre os povos e a casa de Bragança, e tome conhecimento d'estas representações.

Não póde admittir-se que elles estejam constantemente a mandar representações á camara dos deputados para ficarem nos archivos da secretaria e não se fazer caso d'ellas.

O sr. Falcão da Fonseca: — A camara que lhe agradeça.

O Orador: — É preciso que o sagrado lemma da carta constitucional não seja uma ficção entre nós. É preciso que a lei signifique a verdade, é preciso que a lei seja igual para todos, porque não succede assim! Ha um donatario da corôa que se atreve a ir ao tribunal pedir ao povo os fóros que n'outro tempo se lhe pagavam, por um foral, e esse povo é obrigado a pagar-lho?s, porque esse donatario tem grande poder. Vae um pequeno donatario aos tribunaes pedir tambem os fóros que seus antepassados recebiam, e nega-se-lhé o direito a elles. A rasão salta aos olhos!

O D. Prior de Cedofeita ainda ha pouco tempo foi condemnado na 1.ª e 2.ª instancia por exigir fóros que n'outro tempo se pagavam á sua collegiada; e com um cavalheiro da cidade do Porto, o sr. Padilha, tambem se deu o mesmo caso; disse-se-lbes nos tribunaes: « Esses fóros eram pagos no tempo dos vossos maiores, porém agora estão extinctos pela carta de lei de 22 de junho e pelo decreto de 13 de agosto!» De maneira que esses fóros estão extinctos para os pequenos donatarios, mas não o estão para a casa de Bragança!! Esta differença na applicação da lei é que escandalisa os povos.

Repito, é preciso que a lei seja igual para todos, e não póde ser que a lei de 22 de junho seja unicamente lei para a casa de Bragança!! (Apoiados.)

O illustre deputado que me interrompeu, o sr. Falcão da Fonseca, que é

vice-administrador da casa de Bragança, e que é conhecedor d'este assumpto, devia tambem levantar a sua voz n'esta questão, e pedir, como eu peço, para se esclarecer a lei, porque isso tambem deve quere-lo a serenissima casa (apoiados).

Estou convencido de que as difficuldades com que luta a serenissima casa de Bragança desapparecerão desde o momento em que a lei se torne clara e intelligivel para todos (apoiados).

O sr. Falcão da Fonseca: — Peço a palavra.

O Orador: — A camara dos senhores deputados é competente para tomar conhecimento d'essa lei; e por consequencia espero que, tomando em consideração as repetidas reclamações dos povos, nomeie uma commissão especial para tomar conhecimento d'ella e apresentar um parecer seja elle qual for.

Mando para a mesa a representação, e peço a V. ex.ª que a mande á commissão de legislação.

O sr. Presidente: — Peço desculpa de não ter chamado o illustre deputado á questão.

Esta materia não estava em discussão (apoiados), e eu não podia permittir que o sr. deputado tomasse tanto tempo á camara discutindo-a, porque não só prejudicou os outros srs. deputados que estavam inscriptos, mas até preteriu a ordem do dia.

Entretanto, por motivos que são obvios, entendi que não devia chamar o sr. deputado á ordem, e peço d'isso desculpa á camara.

O sr. deputado Falcão da Fonseca pediu a palavra para um requerimento para antes de se fechar a sessão.

O sr. Falcão da Fonseca: — O meu requerimento é para que V. ex.ª consulte a camara sobre se me concede a palavra, porque serei muito breve e não abusarei da sua benevolencia.

Vozes: — Falle, falle.

Consultada a camara, foi approvado o requerimento.

O sr. Falcão da Fonseca: — Agradeço a benevolencia da camara em me conceder a palavra.

Sr. presidente, tendo eu a honra de exercer, ainda que immerecidamente, o logar de vice-administrador da serenissima casa de Bragança, não podia, como V. ex.ª ha de reconhecer e a camara, ficar silencioso desde que o sr. deputado que acaba de fallar dirigiu á administração d'essa casa tão fortes arguições, arguições estas altamente injustas e menos convenientes; e a camara de certo repararia se eu não pedisse immediatamente a palavra a V. ex.ª para repellir taes accusações.

Protesto contra a asserção do sr. deputado quando diz que a casa de Bragança tem feito grandes vexames aos povos da comarca de Chaves. Ao contrario, sr. presidente, este sr. deputado devia ser o primeiro a dar testemunho pleno e claro de que isso não é exacto.

O sr. Antunes Guerreiro: — Mas não dou.

O Orador: — Dê ou não dê, o que eu peço ao sr. deputado é que me não interrompa.

O illustre deputado que occupa muito dignamente o cargo de escrivão do juizo de direito d'aquella comarca, em cujo escriptorio transitam alguns dos processos a que s. ex.ª se referiu, sabe perfeitamente que a serenissima casa de Bragança não tem feito vexame algum aos seus foreiros. Se os emphyteutas têem ouvido os seus advogados, a administração geral tambem tem ouvido os seus, e é só depois de ouvir jurisconsultos muito conspicuos, e depois de esgotados todos os meios suasorios e de brandura, que se tem recorrido ao ultimo extremo, isto é, aos meios judiciaes.

E v. ex.ª sabe, e sabe a camara, que desde que estas questões são submettidas ao poder judicial, o qual é tão independente como o poder legislativo, devemos deixar livre a este poder do estado o exercicio das suas attribuições, e confiarmos na illustração e integridade dos meritissimos juizes, e não estarmos aqui a fazer apreciações menos justas e menos prudentes.

Esta é que é a verdade, e é necessario que para haver inteira e perfeita harmonia entre os poderes do estado, o poder legislativo e o poder judicial se respeitem mutuamente.

Diz o sr. deputado que a casa de Bragança tem pedido trinta e tantos annos de fóros!!

Esta asserção é tambem menos verdadeira e menos exacta. Como é que o sr. deputado avança similhante proposição, se ainda em data de 23 de julho do anno passado se promulgou um decreto, que depois foi confirmado pelo parlamento, pelo qual foram perdoados todos os fóros que se devessem á casa de Bragança? Como é pois que o illustre deputado tem a lembrança de vir aqui dizer á camara, que a administração da casa de Bragança pede a um foreiro trinta e tantos annos de fóros?!...

Sr. presidente, s. ex.ª fez, ainda ha pouco, algumas reflexões aliás muito judiciosas, como era de esperar, e que eu muito respeito, e por isso não desejo abusar da benevolencia com que a camara me tratou, alongando-me nas muitas considerações que sobre o assumpto poderia e deveria talvez fazer.

Repito, se pedi a palavra a v. ex.ª, fui levado a isso pela posição que occupo na administração da casa de Bragança, e não podia deixar ficar de pé a asserção do illustre deputado, de que a casa de Bragança estava praticando vexames para com os povos, quando taes vexames não

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existem, e anter, pelo contrario, se tem empregado sempre a maior moderação, e usado para com os foreiros toda a equidade. (apoiados). É portanto menos exacto o que o illustre deputado acaba de dizer.

Ora, dito isto, resta-me pedir á camara desculpa de lhe ter tomado este tempo; e aproveito o ensejo para pedir (e n'esta parte acompanho o illustre deputado) ás respectivas commissões se dignem dar o seu parecer ácerca das representações a que alludiu o sr. deputado, e tem dado entrada n'esta camara, pois é justo e conveniente que se esclareça o espirito publico sobre a verdadeira interpretação das nossas leis, as quaes só devem ser interpretadas de um unico modo.

Agora do que não concordo com o illustre deputado, é que estas representações vão a uma commissão especial. Para que? Não temos nós a commissão de legislação composta, toda ella, de membros muito illustrados e competentes no assumpto? Para que havemos de desconsiderar os nossos collegas?

Por consequencia, se nós temos a commissão de legislação, escusa de nomear-se uma commissão especial; esta é a minha humilde opinião.

Concluo portanto pedindo a v. ex.ª que attenda ao pedido do sr. deputado, determinando que esta representação, e as mais que o mesmo sr. deputado apresentou sobre o mesmo assumpto, sejam remettidas com urgencia á commissão de legislação, a fim de sobre ellas dar o seu parecer, pois que, com este parecer, s. ex.ªs não só fazem um serviço a esta camara, mas ao paiz, porque esta discussão não póde estar constantemente a vir aqui, preterindo questões importautissimas de que a camara tem de se occupar. E note-se bem, que com isto não quero dizer que este assumpto não seja importante, porém é certo que ha outros muito mais importantes que não devem ser prejudicados (apoiados).

Peço pois á illustre commissão de legislação que, com a maior brevidade possivel, dê, sobre este negocio, um parecer, e vejamos se por uma vez podemos pôr termo a estas sabatinas. Se a lei é clara sujeite-se a ella o illustre deputado, e sujeitemo-nos todos nós, emquanto não for revogada ou alterada; se não é clara, o parlamento é o unico poder competente para a interpretar.

Tenho dito.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Estavam em discussão os adiamentos propostos ao projecto n.º 20; continua com a palavra o sr. Rodrigues de Freitas.

O sr. Faria Guimarães: — Eu tinha pedido a palavra para mandar algumas representações para a mesa.

O sr. Presidente: — Os senhores que têem representações a mandar para a mesa podem manda-las.

O sr. Faria Guimarães: — Então mando para a mesa uma representação da associação commercial do Porto, outra dos marceneiros da mesma cidade, e outra dos caixeiros menores de escriptorios, a respeito da proposta de lei da contribuição industrial.

O sr. Arrobas: —Também mando para a mesa uma representação dos padeiros da cidade de Setubal, ácerca da contribuição industrial. E por esta occasião não posso deixar de dizer que respeito muito a opinião d'esta classe, que ainda ha pouco tempo acabou de dar uma prova de que é conscienciosa, porque, tendo-se elevado o imposto sobre o trigo para consumo em 30 réis o alqueire, os padeiros não levantaram o preço do pão, e só o levantaram agora quando o trigo em Lisboa subiu muito de preço. Por consequencia com muita satisfação mando para a mesa a representação d'esta classe, porque o acto por ella praticado ha pouco tempo me dá a certeza de que não deseja eximir-se a contribuir para as despezas publicas, mas tem a convicção de que é um pouco exagerada a exigencia que se lhe faz.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 20

O sr. Rodrigues de Ereitas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa uma declaração do sr. Bernardo Machado Faria e Maia, ácerca do objecto que está em discussão.

O sr. Freitas e Oliveira: — Não fallarei sobre o contrato que está em discussão, mas se v. ex.ª quer mandar ler a declaração que acaba de ser enviada para a mesa, póde ser que isso influa alguma cousa (apoiados),

O sr. Presidente: — Vae ler-se a declaração.

Leu se, e é a seguinte:

«Senhores deputados da nação. — Diz Bernardo Machado de Faria e Maia que, havendo-se espalhado calumniosamente o boato da sua desistencia do contrato de concessão de ostreiras, obtido por concurso publico em 15 de junho de 1870, precisa acudir em defeza da sua honra e dos seus legitimos interesses, declarando solemnemente perante a camara dos senhores deputados:

« 1.° Que não desistiu nem desiste de cumprir com fidelidade as obrigações do seu contrato, e n'este proposito solicita a sancção legislativa de que carecem algumas disposições do mesmo contrato;

«2.° Que são prova cabal das suas honradas intenções as instancias empregadas pelo supplicante para conseguir que o seu contrato fosse submettido á approvação das camaras, como consta de um requerimento do supplicante que deve existir no ministerio das obras publicas;

«3.° Que iguaes instancias empregou o supplicante para abreviar os tramites por que o seu contrato tem de passar até ser submettido á discussão, instancias que constam de um requerimento dirigido anteriormente á camara dos senhores deputados, mas que até agora não têem sido coroadas de feliz exito, pois que o contrato do supplicante existe ha mezes detido, e porventura esquecido em alguma das commissões por que tem de passar.

«N'estas circumstancias o supplicante pede respeitosamente á camara dos senhores deputados haja de lhe fazer justiça, mandando abreviar os tramites por que tem de correr o seu contrato, e submette-lo á discussão. — E R M.cê

«Lisboa, 27 de março de 1871. = Bernardo Machado de Faria e Maia.»

O sr. Freitas e Oliveira: — Lembro a v. ex.ª que a hora está a dar, faltam apenas quatro minutos, e por mais resumido que seja nas considerações que tenha a fazer, não poderei deixar de ir alem da hora. E se apesar d'isso v. ex.ª me consente eu começarei.

O sr. Presidente: — O sr. deputado póde fallar, porque ainda não deu a hora.

O Orador: — Disse já que não fallaria a respeito do contrato a que se refere o parecer da commissão que se discate, limitar-me-hei a vota-lo em silencio como em 1868 votei um contrato analogo, deixando aos illustres deputados naturalistas, que têem fallado sobre o assumpto, o resolverem sobre se será principio contrario á liberdade o negar-se um monopolio ao digno par o sr. marquez de Niza, tendo sido concedido monopolio similhante ao illustre professor o sr. dr. Bocage. Fallarei só contra o adiamento.

Mas antes d'isso, permitta me v. ex.ª que me congratule, com a patria, e requeira para que o dia de hoje seja marcado nos almanaks futuros como um dia de regosijo nacional, e eu explico já os motivos d'este jubilo.

Quando París arde no fogo da anarchia, quando a França toda veste luto pelas suas enormes desgraças e pelas suas grandes humilhações, quando a Allemanha está preoccupada por uma luta eleitoral, vendo vencidas nas assembléas eleitoraes de Berlim as candidaturas dos illustres generaes que ganharam tão assignaladas victorías, quando a Hespanha luta com dificuldades de tal ordem que os mi-

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nistros do rei Amadeu precisara andar escoltados para escaparem aos trabucos dos conspiradores, quando a propria Inglaterra está assustada pelos preparativos bellicos da Russia, quando o summo pontifice estremece pela tiara e todo o catholicismo está ancioso pela sorte do seu pastor, nós discutimos pausada e tranquillamente, ha duas sessões, a importantissima, a, saborosa e doce questão das ostras. (Apoiados. — Riso.) E caso para nos felicitarmos.

Diziam os espiritos funebres e agoureiros que a bancarota estava proxima, que o estado das nossas finanças era assustador, que a administração publica era um cahos, que o exercito sem disciplina e sem armamento deixava indefeza a independencia da patria, que a marinha sem navios e tem marinheiros não garantia a posse das nossas colonias, que a instrucção publica estava descurada, que havia maus professores e as escolas estavam desertas, que legavamos ás gerações futuras a ignorancia para abrir as portas do despotismo, que a viação publica tão caro comprada estava sendo hoje um precipicio para a vida dos que jornardeavam!

Tudo mentira, tudo falsidade, tudo agoiro. O nosso estado é o mais prospero, as finanças são as melhores da Europa, ja está equilibrado o orçamento da receita com o da despeza, o exercito está organisado, a marinha é conveniente para sustentar as nossas colonias, a instrucção publica está diffundida em todo o reino, nas ilhas, nas colonias e sobretudo em Ambaca (riso). Ha muitos e bons professores, ha exercito, ha viação, ha marinha, ha administração, ha credito, ha tudo; o que nós não temos, o que nos falta, são ostras (riso). É isto que está dizendo esta discussão, que conta dois dias, e ainda hoje se pede o adiamento!

Voto contra o adiamento. Todos estamos esclarecidos sobre o assumpto, e temos já o nosso voto determinado. Uns, muitos escrupulosos sobre a liberdade do commercio e industria, desejam uma lei geral para a creação e engorda das ostras, e por isso votam pelo adiamento; outros, porque têem por constituintes alguns povos da beira mar, que a ignorancia leva a representar contra um contrato que em nada os prejudica, tambem votam pelo adiamento; outros, que por coherencia deram ao sr. Bocage um monopolio por ser pequeno, negam no ao sr. marquez de Niza porque o monopolio é grande, e votam tambem pelo adiamento. Ha finalmente os que sympathísam com o sr. marquez de Niza, e vêem que s. ex.ª está empenhado n'isto, e reconhecem ao mesmo tempo que se não prejudica o thesouro publico, nem se prejudica interesse algum particular, votam a favor do contrato e contra o adiamento. Isto está tudo determinado.

Por consequencia o adiamento, salvo o respeito devido ás boas intenções do todos os cavalheiros que o têem proposto, e que eu respeito muito, parece-me uma hypocrisia, e eu, que voto contra todas as hypocrisias, voto contra elle.

Realmente gastar tres ou quatro sessões tratando de ostras, creio que é a resposta menos conveniente que se póde dar aos peticionarios, que ás chusmas têem vindo a esta camara pedindo que se resolva a questão de fazenda (apoiados).

Por isso, se da resolução da questão das ostras ha de saír a resolução das grandes questões que o governo e os partidos prometteram tratar n'esta sessão, peço que ella continue a discutir se largamente, e sejam ouvidas todas as commissões sobre o assumpto. Mas, se a questão de fazenda precisa de resolução urgente, parece-me que o melhor é resolver esta das ostras e ir depois mais confortado tratar da outra (apoiados).

É o que tinha a dizer, e peço perdão á camara de ter abusado da sua paciencia.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Pedia a v. ex.ª consultasse a camara sobre se me permitte dar algumas explicações.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Devo informar a camara de que as explicações não são permittidas senão na hora da prorogação da sessão, e é necessario que a camara declare que quer prorogar a sessão para se dar a palavra ao sr. deputado.

Agora quem se segue com a palavra é o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Pedi a palavra para rectificar umas expressões que um illustre deputado me attribuiu.

S. ex.ª não percebeu bem o meu pensamento quando disse que eu tinha declarado á camara, que nas representações apresentadas contra este projecto não se produziam rasões nenhumas que o impugnassem.

Eu direi a s. ex.ª que, não tendo lido essas representações, não podia dizer o que me attribuiu. O que disse, e sobre que insisto ainda hoje, é que não julgo que a camara queira approvar de leve o projecto; o que, se acaso queria obter informações, estava no seu plenissimo direito; que, se era essa a rasão em que se fundava o adiamento, fazia muito bem em o votar, e que o governo não podia intrometter-se, nem se intromettia n'essa questão. Mas que era tambem minha opinião que, se a camara lançava mão d'esse recurso, como um expediente para adiar indefinadamente a questão, eu entendia que esse adiamento não era conveniente.

Aqui está o que eu disse, e ponho a questão n'estes termos, bem clara, para que ninguem possa julgar que ha antinomia entre o procedimento do sr. presidente da conselho e o que eu tinha dito perante a camara. Não me farei cargo de aproveitar contra o illustre deputado alguns erros ou inexactidões que muitas vezes se dão n'estas exposições, e que se deram. Tambem na de s. ex.ª, como, por exemplo, o seu equivoco quando se referiu á exportação de um milhão de metros cubicos de ostras em um navio, o que não abona muito os conhecimentos do illustre deputado em materia de medição da capacidade de um navio. Confundíu uma ostra com aquellas que podem caber dentro de um metro cubico.

E por agora não me occorre dizer mais nada.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara se me concede a palavra para explicações.

A camara annuiu.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Rodrigues de Freitas: —Pedi a palavra para dar algumas explicações ácerca do discurso proferido pelo illustre deputado o sr. Freitas e Oliveira, e aproveito a para responder tambem ao sr. ministro das obras publicas; estimei muito que s. ex.ª fallasse d'este projecto. Agrada-me sempre ouvir o nobre ministro, cuja illustração eu respeito, não menos que o seu talento. Custa-me até estar combatendo o projecto, porque maior vontade tinha de dar o meu fraco apoio a s. ex.ª do que oppor lhe a minha debil argumentação.

Dito isto, responderei ao sr. Freitas e Oliveira.

S. ex.ª fez á camara a censura de que ella estava gastando duas sessões com este assumpto, e que se deliberava por motivos meramente particulares; mas s. ex.ª tinha começado por, pedir que se lhe reservasse a palavra para ámanhã! (Áparte.) Eu sei que o illustre deputado acabou o seu discurso, mas tambem sei que tinha pedido ao sr. presidente que lhe reservasse a palavra, porque faltavam só quatro ou cinco minutos para dar a hora.

O sr. Freitas e Oliveira: — Eu não disse isso.

O Orador: — Se o não disse, eu retiro o que avancei.

O sr. Freitas e Oliveira: — Eu disse ao sr. presidente que faltavam quatro ou cinco minutos para dar a hora; que por pouco que eu tivesse a dizer, sempre iria alem d'ella, e que me desculpasse portanto se assim acontecesse.

O Orador: — Assevero ao illustre deputado que tinha

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outra idéa ácerca do que s. ex.ª disse; mas ouvida a sua declaração, eu retiro o que proferi.

O que é certo porém, e isto é o mais importante, é que s. ex.ª disse que, salvo o respeito devido aos seus collegas, estava convencido de que a camara votava por considerações pessoaes com o sr. marquez de Niza.

Pois eu declaro que em tudo quanto disse não tive a menor intenção de offender o sr. marquez de Niza. Que vontade nutrirei de combater um contrato ácerca de um collega nosso, porque o sr. marquez de Niza tambem é legislador?

O sr. Freitas e Oliveira disse que respeitava muito os deputados auctores das propostas de adiamento, mas foi acrescentando que havia aqui pretensões de circulos interessados n'esta questão, o que influia tambem no voto de varios deputados; quando é certo que um dos adiamentos foi proposto por um cavalheiro que se senta d'aquelle lado da camara, e que é representante de um dos circulos que mandaram representações a esta casa. Então em que ficámos? Respeita o individuo que propoz o adiamento, ou censura aquelles que vem aqui obedecer de um modo indigno ás exigencias de seus constituintes?

A s. ex.ª, que ha pouco nos descreveu tão pavorosamente o estado da Europa (embora em tom que deixava ver a sua ironia); a s. ex.ª peço licença para lhe dizer que respeite um pouco as instituições parlamentares, as quaes podem concorrer poderosamente para que este paiz não cáia no abysmo de que não está muito afastado.

Cada um de nós deve respeitar a consciencia dos seus collegas (apoiados). Eu não me deliberei, assim como não me tenho deliberado até hoje, em circumstancias mais difficeis da minha vida, nem pelo sr. marquez de Niza nem por outro qualquer marquez ou por qualquer plebeu, mas pela minha consciencia; e por isso tenho direito a que o illustre deputado me respeite.

Digo mais...

O sr. Freitas e Oliveira: — O illustre deputado está fazendo castellos no ar.

O Orador: — Estimo que o sr. deputado diga que estou fazendo castellos no ar; assim me prova que as suas palavras de certo excederam as suas intenções.

S. ex.ª disse que esta camara está discutindo ostras, se ha de engordar ou emmagrecer as ostras. Não é essa porém a questão que nós tratamos; mas sim a de saber se é mais conveniente o monopolio ou a concorrencia; e a respeito d'esta questão importantissima fallou s. ex.ª, não sei bem por que da nossa marinha. Pois na marinha podem prestar serviços os homens que se arriscam aos combates com o mar; e alguns d'estes estão entre os que representaram a esta camara contra o projecto em discussão.

Não merece censuras esta camara, que já tem dado provas de que tem muito a peito contribuir para o bem estar da nação.

Aqui por exemplo não se levantaram questões politicas. Deixâmo-las para a camara dos pares; e comtudo se esta inversão de attribuições, segundo os habitos dos nossos corpos legislativos, póde depor contra alguem não é de certo contra nós.

Nós temos ficado silenciosos, por causa das circumstancias do paiz, ante o que se passou nas cadeiras ministeriaes. Não sabemos o que está aqui. Não sabemos se isto é conservador, se liberal. O que sabemos é que n'um dia o sr. ministro da fazenda vem á camara e diz: «aqui estão as tabellas da contribuição industrial», e n'outro dia diz que = não tinha a menor intenção de contar os 40 por cento para a viação =, descontados os quaes algumas classes mais favorecidas da fortuna pagariam menos do que até agora pagavam! E faz-se esta declaração á pressa, porque as representações do paiz não são as representações das camaras municipaes offendidas com o projecto hoje discutido.

Nada mais tenho a dizer, unicamente quiz levantar as expressões do sr. Freitas e Oliveira, o qual eu muito respeito; mas não o respeito mais do que a mim mesmo, nem s. ex.ª tal me podia exigir.

Não devia deixar de levantar as phrases aqui proferidas, maiormente estando n'esta sala o sr. marquez de Niza, diante do qual digo que me parece procedi de modo, que s. ex.ª ha de reconhecer que da minha parte ha vontade de votar conforme entendo.

Tive a franqueza de dizer a s. ex.ª que combatia o contrato.

Dei estas explicações por amor das minhas crenças, por amor das instituições liberaes, as quaes creio hão de produzir para este paiz muito melhor fructo do que as dictaduras dos revoltosos.

Nada mais digo; e peço ao sr. Freitas e Oliveira, que acredite que em tudo quanto fallei não ha falta de respeito por s. ex.ª, quiz sómente refutar asserções que de certo não é util apresentar n'esta casa, nem são proprias para serem lançadas contra uma instituição, da qual fazemos parte, e a qual somos obrigados a respeitar.

O sr. Presidente: — Consulto a camara sobre se quer que dê a palavra aos senhores que a têem pedido depois da prorogaçao, e são os srs. presidente do conselho e Freitas e Oliveira, bem como aos que a pedirem. Os senhores que assim o approvam queiram levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Creio que o sr. Freitas e Oliveira tem mais necessidade de fallar do que eu, e então peço que se dê a palavra primeiro a este sr. Deputado.

O sr. Freitas e Oliveira: — Creio que toda a camara, á excepção do sr. Rodrigues de Freitas, comprehendeu as minhas palavras, e que só s. ex.ª, talvez perque não me ouviu bem, lhe deu uma interpretação que ellas não tinham.

Quando eu disse que votava contra o adiamento, porque suppunha que todos tinhamos a nossa opinião formada, disse que alguns votavam, e eu era um d'elles, por contemplação e por deferencia para com o sr. marquez de Niza, que estava interessado n'este negocio, visto que o contrato não prejudicava interesses do paiz, nem de particulares. Confesso o meu peccado e constituo-me réu para com o parlamento, se n'estas palavras póde ter havido algum crime.

O homem susceptivel e meticuloso, o nobilissimo tribuno, o eloquentissimo parlamentar, o homem que estremece pela patria e pela liberdade se a questão das ostras for ou não resolvida, pronunciou estas palavras ha poucos minutos: «Não temos tratado das questões politicas, temo-las deixado á camara dos pares para nos occuparmos de questões importantes». Então um membro da camara electiva deixa á camara dos pares o apresentar a questão politica e não a levanta n'esta casa? Vê apresentar-se uma falsa organisação de finanças sem systema e sem base politica, e está mudo, guarda silencio em todas as questões politicas, que só julga proprias da camara dos pares, e no desprendimento de todos os principios, em virtude dos quaes podemos ser homens publicos e formar juizo politico, baseia o seu eclectismo e e a sua seriedade! E é este homem que julga desconsiderado o parlamento com as minhas palavras! Desconsiderado está elle em toda esta sessão, porque ainda nenhuma questão, nem nenhuma palavra a favor dos interesses publicos foi levantada por parte do illustre deputado, que podesse servir de exemplo para todos nós, e de fundamento ás tetricas considerações que fez na sessão passada com relação ao abysmo que temos aberto aos nossos pés, e onde desde muito o illustre deputado vê o paiz a despenhar-se.

Sr. presidente, esta questão de ostras, declaro que por maior respeito que tenha pelo illustre deputado, e pelo seu nobre caracter, como pelo de todos os nossos collegas, não a posso levantar á altura de uma questão importantissima: para mim é uma questão pequena. Votei um contrato similhante ao sr. Bocage, entendendo que não prejudicava a patria, que não offendia interesse algum particular, que

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não feria as liberdades publicas, e fazia um favor a um amigo particular. Confesso que votava agora do mesmo modo.

Mas quero ver quando se levantar aqui uma questão de principios, uma questão sobre igualdade ou desigualdade do imposto, eu quero ver se o illustre deputado respeita mais as immunidades parlamentares do que eu respeito, se s. ex.ª tem mais consideração pelo parlamento do que eu tenho.

Não sei, por isso não assevero, mas fallo por mim, se s. ex.ª já votou auctorisações para legislar a algum governo; pois está faltando diante de um homem que não dá importancia á questão das ostras, mas que não votou nunca auctorisações d'essa ordem a governo nenhum, nem aquelle onde estavam os seus amigos pessoaes.

S. ex.ª acabou o seu discurso, que fez mais com o fim de forçadamente alcançar um adiamento, do que para levantar uma offensa que ninguem lhe fez, referindo-se com reticencias ás dictaduras e aos dictadores.

Se os parlamentos não servissem senão para dar proporções d'esta ordem a questões como a que discutimos, as dictaduras que os fechassem seriam dictaduras abençoadas.

Esta questão é pequena, por mais que o illustre deputado a queira fazer grande. E ainda que a sua eloquencia e o seu talento sejam para muito, não chegam para levantar á altura de questão importante o monopolio de uma industria que até hoje ninguem explorou em Portugal e que não ha de explorar; de um monopolio que não prejudica o thesouro, nem pessoa alguma, e que só incommoda os sentimentos liberaes do illustre deputado depois que existe em discussão este contrato, e que o não incommodou quando em 1868 se concedeu monopolio similhante a outro individuo.

Eu não offendi o parlamento dizendo que nós todos tinhamos a nossa opinião formada sobre esta questão; uns por firmeza de principios, outros levados pelos dictames da sua consciencia, outros por conveniencia dos seus constituintes, e todos por motivos nobres e dignos.

Eu é que declaro que voto por affecto pessoal, visto que ninguem ainda me demonstrou que dando este voto á amisade, prejudicava os intereses do meu paiz, atacava as instituições liberaes, ou prejudicava interesses legitimos de qualquer especie.

Posso com a responsabilidade d'esta declaração, e respondo por ella agora e sempre.

Tenho concluido.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não pretendo azedar o debate, nem é essa a minha missão (apoiados).

Confesso francamente que me admirou ouvir ao illustre deputado, a quem sempre tratei com toda a cortezia, voltar-se para este banco e dizer «não sei se isto que aqui está é conservador ou liberal».

O illustre deputado fallava inquestionavelmente do ministerio.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Não o nego.

O Orador: — Eu tinha direito de perguntar ao illustre deputado que differença faz entre conservador e liberal, ou, mais claramente, se entende que o conservador não é liberal?

Se entrassemos n'esta questão parece-me que alguma cousa podia eu dizer ao illustre deputado, que lhe não seria agradavel.

Quando o illustre deputado pronunciou esta phrase «não sei se isto que aqui esta é conservador ou liberal», phrase cuja urbanidade a camara apreciará, acrescentou logo, para que se não podesse duvidar que se referia aos ministros «eu não teria vindo n'um dia apresentar aqui umas tabellas da contribuição industrial, e declarar no outro dia que essa contribuição não era sujeita ao imposto de viação».

Onde está aqui a contradicçao?

Não temos nós declarado constantemente que estamos promptos a aceitar todas as modificações que sejam pedidas pelos interessados e que sejam justas. O illustre deputado acha nisto uma contradicçao, que possa justificar a maneira pouco cortez por que fallou do gabinete?

Eu faço votos para que o illustre deputado venha quanto; antes para estas cadeiras, e que possa demonstrar ao paiz que é mais capaz do que nós para o salvar das difficuldades com que luta, que é mais capaz do que nós para o livrar do abysmo em que está prestes a caír, segundo asseverou o illustre deputado.

O illustre deputado deu-nos esta noticia aterradora: o paiz está a caír n'um abysmo. Protesto contra esta phrase (apoiados).

Eu entendo que isto não se póde dizer n'esta camara; entendo que a nessa obrigação é empregar todos os meios, para evitar que o paiz não cáia n'esse abysmo. Esta é a obrigação do governo e dos srs. deputados.

Desejaria que o illustre deputado usasse da sua iniciativa, e apresentasse os projectos de lei, com os quaes entende que se deve salvar o paiz do abysmo em que está a caír. Só assim é que o illustre deputado faria uma opposição proficua ás propostas do governo, em logar de se limitar a condem na las sem lhes substituir cousa alguma.

O illustre deputado vê o paiz a caír no abysmo, e limita se a fazer os bellos discursos que nós acabamos de ouvir, sem nos indicar os meios efficazes para o salvar d'essa grande catastrophe! Para isso é que a iniciativa foi concedida aos membros do parlamento pela carta constitucional. Assim é que se prova a incapacidade dos ministros e a superioridade d'aquelles que se propõem a substitui-los.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Devo declarar que me passou completamente o calor que tomei ha pouco, proferindo as breves palavras que proferi.

Folgo por ter dado logar a que o sr. Freitas e Oliveira dissesse que da parte d'elle não tinha havido allusões, que unicamente dissera que votava por amisade, e que se havia culpa era sua e não a queria indicar nos seus collegas.

Disse s. ex.ª que eu pretendia servir de exemplo n'esta casa. Não o quero ser, nem deixar de o ser; não penso n'ísso; singelamente digo o que entendo, e n'isto não ha que censurar.

Agradeço as palavras demasiadamente benevolas que s. ex.ª proferiu a meu respeito, mas sei que a minha posição é humilissima, dou-me perfeitamente com ella, conheço que não tenho qualidades para occupar outras mais valiosas, e tambem esta é a mais commoda.

Fui accusado de não levantar questões de importancia politica! No mesmo dia em que foi adiado o parlamento, sr. presidente, eu proferi a tal respeito algumas palavras que nada valiam, mas que não destoavam certamente da dignidade d'esta casa. E ainda ha pouco fiz algumas perguntas ao sr. presidente do conselho, concernentes a questões politicas constitucionaes, e não d'esta politica menos elevada que me parece tem desprestigiado alguns dos nossos homens publicos; perguntei a s. ex.ª por que não trazia ao parlamento propostas para dar força de lei a decretos relativos a negocios importantes? Porque as pautas do ultramar eram feitas na ausencia do parlamento, sem que me parecesse que no acto addicional houvesse auctorisação para tanto? E não ha, por não se referirem ellas a negocio urgente; e demais o acto addicional é claro, ordena que logo que as côrtes estejam abertas o governo dê conta d'esBes actos, e s. ex.ª não a deram ainda.

Parece-me por consequencia que, na esphera da minha humildade, tenho feito quanto me é possivel (até porque tenho pouca saude, o que é de consideração importante, pelo menos para mim); tenho feito o possivel para que as instituições parlamentares não desmereçam no conceito publico.

Peço desculpa se, n'algumas phrases que proferi ácerca de uma questão politica ventilada na camara dos dignos pares, não procedi de modo muito parlamentar; mas não

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se exija do mais insignificante orador d'esta casa que, no calor de uma discussão delicada, proceda com aquella prudencia que observaria se tratasse um negocio em que o entendimento podesse manter toda a sua placidez.

O sr. presidente do conselho, encanecido nas lutas parlamentares, e cujas qualidades eu respeito, julgou-se muito offendido, porque eu, fallando ácerca d'estas cadeiras (as do ministerio), lhes chamei isto. Ora, eu achava-me um pouco embaraçado para me explicar; via só dois dos srs. ministros, e quatro cadeiras; as quatro cadeiras parece que influenciaram mais na minha vista do que a presença de s. ex.ªs; eu não havia de dizer — os srs. ministros, porque não havia de compara-los ás cadeiras; se eu tivesse visto todos os collegas de s. ex.ª presentes, teria dito — os srs. ministros.

Mas se s. ex.ª se julga offendido pelas palavras com que procurei o mais chegadamente possivel traduzir minhas intenções, eu declaro perante a camara que as não pronunciei com idéa offensiva; emfim, se para conseguir que os nervos de s. ex.ª não continuem feridos for preciso retirar as minhas palavras, eu as retiro; depois d'isto cuido que não póde considerar se que injuriei s. ex.ª, a quem respeito, embora muitas vezes, e infelizmente quasi sempre, discorde da sua politica, discordancia que não infirma o respeito que tenho por s. ex.ª

Emquanto a s. ex.ª dizer que eu devia usar da minha iniciativa para apresentar á camara propostas melhores do que as que s. ex.ª apresentou, devo ponderar que essa accusaçãò seria muito fundada se eu porventura já tivesse occupado a cadeira de ministro; mas como nunca estive n'esses logares, não posso ser censurado por tal falta (apoiados).

Tambem não me satisfez o que s. ex.ª fez favor de me responder sobre não trazer ao parlamepto a proposta para dar força de lei ás pautas do ultramar, bem como ácerca dos motivos por que o sr. ministro respectivo não submettia á deliberação da camara a concessão feita á companhia do caminho de ferro de norte e leste; assim será mais difficil á camara apreciar esse negocio conforme entender em sua sabedoria (apoiados). Disse s. ex.ª — os papeis hão de vir e se o illustre deputado quizer, requeira que sejam mandados á commissão de infracções! De maneira que basta responder que eu posso requerer á camara que se mandem aquella commissão os documentos que pedi! Para s. ex.ª a veneração á carta constitucional se resume n'isto, e só os deputados devem velar pela observancia d'ella! Mas se a carta constitucional não vale nada...

(Interrupção que se não percebeu.)

S. ex.ª podia não querer dizer isto, mas fui esta a maneira por que me respondeu.

Sinto-me cansado e peço desculpa á camara de lhe ter tomado este tempo; mas a camara conhece de certo que não podia deixar de lh'o tomar, desde que entendi que havia offensa, mas que estimo não tivesse havido, como prova a exposição que o sr. Freitas e Oliveira nos fez das suas intenções (apoiados).

O sr. Ministro da Marinha: — Pedi a v. ex.ª me inscrevesse quando o illustre deputado, que me precedeu, estranhou que se não tivesse já apresentado a proposta para dar força de lei ás pautas do ultramar.

Devo dizer perante a camara, que de certo faz justiça aos sentimentos liberaes que animam o governo (apoiados), que eu e todos os meus collegas somos altamente respeitadores d'esses principios, e que não havemos de faltar em nenhum dos nossos actos aos preceitos e ás regras que se devem ter em vista na observancia da boa doutrina (apoiados).

Se ainda não foi presente á camara a proposta para dar força de lei ás pautas do ultramar, é porque têem havido difficuldades no expediente da secretaria relativo aos documentos necessarios para acompanharem essa proposta; porém o preceito da lei ha de ser cumprido, e será o mais breve possivel submettida ao exame da camara (apoiados).

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara.

Respondendo ao sr. Freitas e Oliveira, devo dizer para conhecimento do publico, que o projecto de que se trata veiu á discussão quando já não havia proposta alguma de mais importancia para se discutir (apoiados), tendo eu sempre alem d'isso preferido aos projectos de interesse particular os de interesse geral.

E o sr. deputado tambem não tem rasão quando diz — que com a discussão d'este projecto se tem consumido muitas sessões! Porque unicamente se tem gasto duas ou tres horas, se tanto, com a sua discussão.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da discussão do projecto n.º 20, a do projecto n.º 3 e a apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

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