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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

esse pequeno numero de homens desempregados e faltos de meios que ainda restam, que fizeram parte do exercito libertador que desembarcou nas praias do Mindello; é vergonha para a nação o velos pedir esmola, ou soffrer privações nos ultimos annos que lhes restam de uma infeliz existencia; o numero d'elles é limitadíssimo, e a maior parte Açorianos. Entendo ser isto uma divida sagrada que o governo e a camara devem attender. (Apoiados.)

Seja-me tambem permittido chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre a necessidade que ha de modificar a lei do recrutamento na parte em que se dá um intervallo indefinido entre o acto do sorteamento e o assentamento de praça; d'esta demora resulta que os mancebos que tiraram numeros baixos, muitas vezes clandestinamente se evadem e vão ser substituidos por aquelles a quem saíram numeros altos, quando se consideravam livres d'este tributo de sangue.

Talvez o meio de obstar a tão grande inconveniente, seria decretar que fosse feito em acto continuo o sorteamento e o assentamento de praça, dando-se apenas o tempo preciso para serem inspeccionados ou substituidos. Similhante medida obviava os muitos clamores e contrariedades que hoje existem e que é urgente remediar.

O sr. Toninhas Bastos: — Na sessão do dia 5 d'este mez tive a honra de mandar para a mesa um requerimento pedindo que, pelo ministerio da marinha, fossem ministrados a esta camara, não se dando inconveniente, quaesquer esclarecimentos que houvesse relativos a um facto, já hoje do dominio publico, e é o terem sido descobertas graves irregularidades na administração da fazenda publica na provincia de Angola.

Antes de proseguir, peço a V. ex.ª se digne de informar-me se já houve alguma resposta a este requerimento.

O sr. Presidente: — Vou mandar saber á secretaria. Se o sr. deputado quer póde continuar, que eu logo o informarei.

O Orador: — Creio que não veio ainda resposta alguma. Não me admira porque, tendo eu posto a condição de que fossem enviados esses esclarecimentos, não havendo inconveniente, por certo que ella foi immediatamente aproveitada.

O motivo que me obrigou n'essa occasião a mandar para a mesa o requerimento, e que me obriga ainda hoje a tomar a palavra, é um facto de alta gravidade; para mim elle não significa simplesmente a defraudação que soffreu a fazenda publica, mas um symptoma bem definido do estado cahotico em que se encontra a administração n'aquella provincia, e não sei mesmo se em todas as provincias ultramarinas; e eu não posso deixar de dizer á camara, servindo-me dos esclarecimentos e informações particulares que tive, e ao mesmo tempo de outras que já são do dominio publico e que têem vindo nos jornaes, o que sei a tal respeito.

Diz-se que n'um periodo, que não foi menor de quatorzo a quinze annos, a fazenda publica na provincia de Angola foi defraudada em quantias importantissimas.

Não quero nem posso fazer calculos n'esta occasião, mas creio que essas quantias ascendem a centenares de contos de réis, e representam um meio pelo qual alguns se locupletaram á custa dos rendimentos d'aquella provincia.

A maneira por que isto se realisava significa um meio engenhoso, descoberto, ou antes fundado no modo irregular por que se fazia, o se faz ainda hoje, a escripturação das despezas com o fornecimento para libertos, soldados e degredados, que são exactamente os que para sua alimentação têem o vencimento de uma certa medida de farinha. Essa medida era uma decima, e representava, não a decima parte, embora tivesse este nome, em relação a uma medida conhecida pelo nome de cazunguel, mas a vigesima parte.

Houve alguem mais arithmetico e purista que descobriu um dia que esta decima, ou antes esta medida que tinha tal nome não podia ser senão a decima parte do cazunguel, pois que a unidade só póde ter dez decimas, e como tal se começou a fazer a liquidação. A verdade é que esta medida fornecida a cada praça, cada liberto e cada degredado, era a vigesima parte da medida cazunguel, nome que já referi.

Assim, recebendo-se por vigésimos, e liquidando se por decimos, todos comprehendem facilmente até onde podia chegar esta verdadeira liquidação.

Mas, como se isto não fosse bastante, diz-se que durante este do curso de tempo, que, como já referi, anda por quatorze a quinze annos, quasi todas as arrematações foram feitas por preço muito superior ao do mercado, e ás vezes até pelo dobro!

Depois d'isto ainda ha um outro facto, que não ouso asseverar, não só porque tenho na maior consideração o caracter honrado do sr. conselheiro José Baptista de Andrade, governador da colonia, mas porque me faltam os fundamentos para a accusação. Diz-se que nos ultimos tempos se praticava na administração da colonia um grande erro, pagando-se 03 fornecimentos por meio de letras que venciam juro, quando existia dinheiro para pagar de prompto!

Nós vimos que o fornecimento de uma decima de farinha a cada praça ou degredado era representado pelo dobro na liquidação, ainda accrescentado por causa do preço da arrematação; e o pagamento vinha augmentar mais o custo, porque era feito por meio de letras que venciam juro!

Não venho pedir o castigo dos culpados, porque isso pertence aos poderes competentes; venho unicamente perguntar ao sr. ministro da marinha e das colonias, meu antigo mestre e amigo, a quem devo muitas provas de deferencia, contra o qual me não move animo hostil, se s. ex.ª tenciona tomar providencias que evitem a repetição d'este grave caso, que não significa simplesmente uma fraude occasional, mas vicios na administração.

Poderia notar desde já como é que na escripturação official de uma colonia, tão importante como Angola, se adopta o cazunguel e a decima, quando esta colonia pertence a um paiz que tem um systema legal de pesos e medidas!

N'estas circumstancias, repito, não venho pedir o castigo dos culpados, isso pertence aos poderes competentes. Entretanto, entendo que não é simplesmente culpado o homem que defrauda a fazenda; são culpados todos quantos pelo seu desleixo e incuria fazem com que chegue a este ponto a administração dos negocios do estado!

Não quero fazer accusação especial a qualquer governo; teria de accusar todos os homens que têem concorrido mais ou menos para este resultado.

Entendo que todos são culpados, porque quando se levanta um exactor da fazenda com parte dos dinheiros publicos, nunca se pergunta desde que tempo se não fiscalisaram as suas contas.

Não quero apontar especialmente outras faltas que se têem encontrado n'um ou n'outro empregado, cuja responsabilidade de fazenda não foi exigida em tempo competente e que abusaram porque muitas vezes as leis, aliás feitas na melhor intenção, prestam-se a que uns ou outros as venham sophismar, e até dão ensejo para que se pratiquem abusos.

Não sou eu, pois, que venho perseguir os culpados; venho simplesmente pedir ao sr. ministro da marinha se sirva informar a camara se realmente está disposto a tomar serias providencias a este respeito. E parece-me até chegada a occasião de dizer que a provincia de Angola e as outras provincias do ultramar exigem que se lhes faça um severo e rigoroso inquerito em todos os ramos de administração publica.

Tenho ainda de tratar de outro assumpto, e serei muito breve, porque não quero cançar a attenção da camara; as