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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sos da sciencia, contemplo com alegria e esperança como o espirito humano vae avassallando a natureza e voa altaneiro através da immensidade; adoro a liberdade que é a redempção dos povos, a sciencia que é a redempção das intelligencias, a industria que é a redempção da miseria; mas quando abro a historia do inundo, e comparando o passado com o presente, vejo como o grande martyr chamado povo por tanto tempo se arrastou pela via da amargura, vergado ao peso de enorme cruz, não posso deixar de acreditar tres vezes santa esta religião que primeiro pregou a emancipação do escravo. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Quando as maravilhas da industria moderna me assombram e me consolam, não posso deixar de bem dizer essa religião que primeiro abençoou o trabalho. (Apoiados.)

Quando abro os nossos codigos e vejo as conquistas sociaes que se têem alcançado, não posso deixar de amar esta religião que primeiro proclamou a igualdade. (Apoiados.)

Quando, finalmente, passam por diante dos meus olhos as dores, as miserias, as orphandades que vão por esse mundo, não posso deixar de adorar como divina essa religião que primeiro pregou a fraternidade, e foz da caridade o seu primeiro dogma, e do amor a grande redempção. (Vozes: — Muito bem.)

Sou christão e sou catholico, mas sou tambem liberal (Apoiados.); e na minha consciencia e na minha rasão, a religião e liberdade harmonisam-se tão bem, travam-se de tal modo que é indispensavel que se juntem, para que mutuamente se fortaleçam e se amparem uma pela outra.

Tenho para mim que as conquistas da sciencia sobre a natureza, e da liberdade sobre o despotismo, hão de cada vez mais gravar na consciencia do homem a prece de reconhecimento que elle envia ao Creador, e convencer os desnorteados, que sem religião não ha dignidade na vida, nem ha esperança na morte. (Apoiados.)

É tambem convicção profunda minha, que já hoje no mundo não ha poder capaz de fazer vergar a consciencia do homem perante o altar que não for o da sua fé.

Entre Deus e a alma do cidadão não póde ir interpor-se a mão do governo, porque seria uma impiedade inaudita forçar os labios do homem a confessar hypocritamente a fé em que não acreditasse, arvorando em obrigação imperiosa a impostura perante a sociedade e perante Deus. (Apoiados.)

Deixae a cada um o Deus da sua fé, o altar da sua consciencia, e cumpri o preceito da carta constitucional, que diz, ninguem póde ser perseguido por motivos de religião. (Apoiados.)

Não me causaram susto nenhum, creio que não causaram susto a homem nenhum liberal n'este paiz, os chamados enterros civis. Eu nem receio que o espirito do seculo apague os brandões do altar, nem que a cogula do monge venha offuscar a luz do progresso. Creio mesmo que ninguem se amedronta hoje com isso.

O que causa susto é a doutrina contraria. O que causa receio ao homem liberal é a doutrina apresentada aqui pelo nobre marquez d'Avila e de Bolama. O que causa espanto é vir um ministro da corôa, um presidente do conselho de ministros dizer na camara popular que os enterros civis atacavam a religião catholica, e que elle precisava defendel-a.

Defender a religião catholica! Pois a religião catholica invocou o braço secular do governo para a defender? Pois ella era atacada? Pois o governo é o defensor da religião?!... Defender a religião!...

Isso podia dizer-se em Hespanha no tempo de Filippe II; podia dizer-se em França no tempo de Carlos IX, podia dizer-se em Portugal nos tempos de D. João III ou de D. Manuel; não póde dizer-se hoje no tempo de D. Luiz I, o rei mais liberal que tem o mundo. (Muitos apoiados.)

Defender a religião catholica! Mas s. ex.ª não se lembra que foi em nome d'essa doutrina, que foi em nome d'esses principios que se fizeram os massacres de Cevenes e dos Albigenses, a Saint Barthelemy, e que se accenderam as fogueiras da inquisição (Apoiados.)

S. ex.ª não se lembra que essa doutrina, a doutrina de querer que a politica vá auxiliar a religião, de querer que o funccionario civil seja um espião das consciencias, deu em resultado a expulsão dos judeus de Hespanha e Portugal. (Apoiados.) Não se lembra que foi a intervenção da politica na religião que fez decretar a degolação dos innocentes, que fez morrer Christo n'uma cruz. — (Vozes: — Muito bem.)

Tal doutrina foi sempre perigosa apparecesse onde apparecesse, qualquer que fosse a religião que a acceitasse.

Na antiga religião da Grecia encheu a taça de cicuta, que matou a Socrates; na religião judaica causou o supplicio do Redemplor. Na Roma pagã construiu o circo e deu o espectaculo sangrento dos christãos lançados ás feras; na religião catholica fez accender as fogueiras onde foi queimado João Hus e Crammer, na religião protestante fez com que envenenassem Bunyam e apedrejassem Wesley. (Apoiados.)

Qualquer que seja a religião, qualquer que seja o povo, qualquer que seja a epocha, a defeza da religião feita ou ajudada pelo braço secular não deu ainda em resultado senão horrores. (Apoiados.)

Sabe v. ex.ª aonde leva a consequencia d'essa doutrina? É a apresentar a religião catholica, que deve ser alheia a todas as lutas, que deve acatar-se com todo o respeito devido aos seus preceitos, o instituição divina, a religião de paz e de amor, como estando em guerra com a sociedade, como sendo contraria aos progressos do espirito humano. Não quero isso, que sou catholico; não quero isso por interesse da religião que professo.

A religião catholica não está em luta com as diversas classes d'este paiz, a igreja portugueza ama a liberdade e prega continuamente que a religião de Jesus tem bençãos para todos.

Em nome de que principio prohibiu o sr. ministro do reino os enterros civis? Não foi em nome da liberdade, não foi em harmonia com os principios da religião.

Deixae conduzir os cadaveres para o cemiterio, que o tumulo é a arca da alliança, e a cruz que se ergue no topo do campo santo, e que aos nossos olhos parece pequena e estreita, é tão sublime e gigante que a haste vae da terra até ao céu, e os seus braços são bastantes para abarcar o inundo e resgatar a humanidade. (Vozes: — Muito bem.)

Mas eu que não me assusto com os enterros civis, tambem me não assusto com as irmãs da caridade. (Apoiados.) Não tenho receio de que o espectro do passado surja do pó dos sepulchros sem que rapido seja impellido entre apupos a sumir-se de novo no abysmo que lhe cavou a historia.

N'esta idade alta a que chegámos, o espirito humano cravou bandeira livre de conquistador, e soltou aos quatro ventos o brado de livramento, e já ninguem apaga a luz que irradia do cerebro do homem.

Não ha que receiar. Não temo de ver levantar-se o espectro de Torquemada, nem que se accendam de novo os fogos da inquisição no Rocio.

Não me amedronta a reacção ultramontana, e sobretudo n'este paiz onde o partido que se diz mais avançado, que pretende rasgar mais largos horisontes para as idéas liberaes, tem por seu chefe um bispo. (Apoiados.)

Fiquei comtudo espantado quando ouvi outro dia ao nobre presidente do conselho perguntar, creio que para o illustre deputado, o sr. Marçal Pacheco, o que era a reacção? Fiquei espantado de s. ex.ª perguntar isto, e não ver apressar-se logo o nobre ministro das obras publicas a responder, bradando: Eu digo o que é a reacção. Era em 1855, vi nos meus sonhos esse temeroso espectro de rojo pelo pó, entrar no convento do Varatojo e celebrar lá os seus grandes mysterios. Vi nas minhas visões tetricas os frades, os bispos, os arcebispos, os cardeaes, os legados do pontifice, os inquisidores caminharem um a um pela

Sessão de 25 de janeiro de 1878