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SESSÃO DE 25 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Continua a apresentação de requerimentos de differentes officiaes dos corpos do exercito a pedirem augmento de soldo. — Leu-se na mesa o decreto pelo qual Sua Magestade houve por bem nomear supplentes á presidencia, os srs. deputados visconde de Sieuve de Menezes e Luiz Frederico Bivar Gomes da Costa. — Presta juramento na qualidade de supplente á presidencia o sr. Bivar. — Nomeia-se a deputação que ha de apresentar a Sua Magestade a resposta, ao discurso da corôa. — Na ordem do dia continua a discussão sobre a moção da ordem do sr. Dias Ferreira, e fallam os srs. Manuel d'Assumpção, ministro das obras publicas e Thomás Ribeiro.

Presentes á chamada 46 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, Cunha Belem, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Carlos Testa, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Namorado, José Luciano, Ferreira Freire, Pereira Rodrigues, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpçâo, Pires de Lima, Mello e Simas, Miguel Coutinho (D.), Pedro Correia, Placido de Abreu, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Barão de Ferreira dos Santos, Conde da Foz, Conde da Graciosa, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Barros e Cunha, Matos Correia, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Moraes Rego, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Lourenço de Carvalho, Freitas Branco, Rocha Peixoto (Manuel), Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Franco, Pedro Jacome, Thomás Ribeiro, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Francisco Mendes, J. Perdigão, Cardoso Klerck, Figueiredo de Faria, Nogueira, Alves Passos, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — á uma hora e tres quartos da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando o decreto pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem nomear os srs. deputados visconde de Sieuve de Menezes e Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa para supprirem o eventual e simultaneo impedimento do presidente e vice-presidente da camara.

Foi mandado archivar.

2.° Do mesmo ministerio, acompanhando, cento e vinte exemplares das contas da gerencia d'aquelle ministerio, relativas ao anno economico de 1876-1877 e ao exercicio de 1875-1876.

Mandaram-se distribuir.

3.° Do ministerio da justiça, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, as copias das informações do procurador regio do Porto, ácerca da remoção de Augusto Lourenço Catharino, o Cassano, da cadeia de Vianna do Castello para a de Barcellos, e d'ali para a comarca immediata até Aveiro.

Remettidas para a secretaria.

SEGUNDA LEITURA

Projecto de lei

Artigo 1.° A pensão decretada pela carta de lei de 11 de abril de 1877 ás praças de pret que, pertencendo ao exercito libertador, desembarcaram nas praias do Mindello, começa a vigorar para aquelles infelizes servidores do estado desde a data da mesma lei, que a concede, como se praticou com a pensão votada por esta camara á duqueza e duque de Saldanha.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 21 de janeiro de 1878. = O deputado, Paula Medeiros.

Á commissão de fazenda.

O sr. Illidio do Valle: — Tenho a honra de mandar para a mesa dezesete requerimentos de officiaes do batalhão de caçadores n.º 7, e outros, aquartelados em Valença, pedindo melhoria nos seus vencimentos.

As considerações feitas por alguns illustres deputados, que apresentaram requerimentos analogos, são por tal fórma convincentes, que ocioso seria acrescentar quaesquer outras palavras em abono d'esta justissima pretensão.

O sr. Jeronymo Pimentel: — O nosso collega, o sr. Alves Passos, encarregou-me de participar á camara que, por motivos imprevistos e urgentíssimos, acaba de saír de Lisboa, e que por isso não póde comparecer á ultima sessão, nem póde comparecer a mais algumas.

O estado gravissimo de seu filho exige a presença do pae e os recursos do facultativo.

N'este sentido mando para a mesa uma participação.

O sr. J. J. Alves: — Mando para a mesa quatro requerimentos de officiaes de caçadores n.º 5, pedindo augmento de vencimento.

Peço a v. ex.ª que dê a estes requerimentos o devido destino.

O sr. Secretario (Alfredo Peixoto): — Chegou agora á mesa um officio do ministerio do reino acompanhando o seguinte:

Decreto

Tomando em consideração a proposta da camara dos senhores deputados da nação portugueza, e visto o disposto no artigo 1.° da carta de lei de 3 de setembro de 1842: hei por bem nomear aos deputados visconde de Sieuve de Menezes e Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa para supprirem o eventual e simultaneo impedimento do presidente e vice-presidente da mesma camara.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido e faça constar á mesma camara.

Paço da Ajuda, em 18 de janeiro de 1878. = Rei. — Marquez d'Avila e de Bolama.

O sr. Eduardo Tavares: — Peço a v. ex.ª a bondade de me dizer se já vieram para a camara alguns esclareci-

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mentos, que pedi pelo ministerio da justiça, relativos no actual administrador do concelho do Barreiro, ao prior da mesma freguezia e aos motivos pelos quaes não tem sido posta a concurso a igreja do Palhaes.

Estes esclarecimentos pedi eu ha mais de quinze dias o ainda não tiveram, que me conste, a resolução que deviam ter.

Peço pois a v. ex.ª que, no caso d'estes esclarecimentos ainda não terem vindo, me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino.

(Prestou juramento na qualidade de supplente á presidencia o sr. Bivar.)

O sr. Namorado: — Mando para a mesa treze requerimentos de officiaes de caçadores n.º 8, pedindo augmento de vencimento.

O sr. Luiz de Campos: — Mando para a mesa alguns requerimentos de officiaes do exercito, pedindo augmento de soldo.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da moção apresentada pelo sr. Dias Ferreira na sessão de 18 de janeiro

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Manuel de Assumpção.

O sr. Manuel d'Assumpção: — Sr. presidente, o ministerio não tem partido, porque não tem principios: não tem popularidade, porque não tem grandeza; não póde presidir aos destinos d'esta nação, porque não é liberal; não póde administrar o paiz, porque não cumpre a lei. E um ministerio que assim está em opposição com o espirito publico da nação, que não se póde harmonisar com as camaras que a representam legalmente, nem com a justiça cuja independencia ataca, nem com o exercito que põe de parte nas suas considerações, nem com a industria que pretende sobrecarregar de impostos, tem um unico recurso: ir pedir a sua demissão. (Apoiados.)

Isto creio eu que elle vae fazer. E deveria agora, se a minha musa se prestasse a assumptos funebres, recitar o necrologio do ministerio.

Na sessão passada, quando o sr. ministro das obras publicas fazia aquelle triste é plangente discurso, e os alliados e os amigos de s. ex.ª se retiravam tetricos e descontentes, emquanto que os seus adversarios se levantavam alegres o zombeteiros, fazia no meu espirito as seguintes reflexões.

Se a um homem ignorante na arte de navegar, encarregassem de commandar a manobra de um baixel em que fossem encerrados todos os nossos haveres, e guiado em longa derrota através do oceano, quer se apresentassem mares cruzados e altos de escarcéu, quer estivesse mar chão e com galerno vento; elle, que não sabia esperar as marés, nem conhecer as conjuncções, nem quando convinha vogar ou suspender o remo, nem observar a cariz do céu para mandar ferrar o panno ou içar até aos topes, de certo empenharia todas suas forças para se eximir á tal responsabilidade, considerando como louco quem o obrigasse a emprehender trabalho que seria ruina certa para nós e perda inevitavel para elle. Pois bem; d'esta nau do estado, que não se tem em si os productos dos nossos grangeios, os thesouros das nossas conquistas, os documentos das nossas glorias passadas, mas leva os materiaes com que havemos de architectar o templo das felicidades futuras, abrigo dos nossos filhos, não ha ninguem que se não presuma capaz de ser piloto. (Apoiados.)

Todos crêem, todos imaginam que no cerebro lhes referve áquella chamma divina que se chama a inspiração do genio. Depois, quando sobraçam as pastas de ministro e sobem ao cume do poder, onde os outros lhes pareciam pequenos pela distancia a que os contemplavam, se os não toma do repente vertigem fatal que os despenha, se têem presença de espirito bastante para não perderem a cabeça em taes alturas, vêem surdir de todos os lados difficuldades que nunca imaginaram, surgem obstaculos com que não contavam, e breve succumbem esmagados pelas resistencias que os seus antecessores mais habeis o mais previstos iam debellando. — (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Sr. presidente, quando o ministerio se apresentou a primeira vez ao parlamento, eu fui um dos que o saudaram manifestando o desejo de lhe dar o meu apoio, não incondicionalmente, mas sob certas restricções de que a camara talvez se não recorde, mas eu tenho bem presentes no meu espirito.

Bons desejos me animavam então.

Desconhecedor, como ainda bojo sou, d'essa sciencia occulta, que ensina a tactita e estrategia politica, vendo á frente do gabinete o sr. marquez d'Avila e de Bolama, sorriu-me a esperança de que o ministerio presidido por s. ex.ª não seria um governo executor dos planos politicos de qualquer partido, mas sim um governo que, estranho ás paixões partidarias e superior ás exaltações parlamentares, inspirando-se na imprescriptivel necessidade de prover aos interesses moraes e materiaes do paiz, afastando-se das formulas estreitas e das normas tortuosas traçadas por qualquer grupo, todo se empenhasse em dotar a nação com as leis e melhoramentos de que ella carece.

A boa politica, a rasão, a consciencia e o dever traçavam esta senda ao gabinete; e eu então dizia: que o paiz seja bem administrado, continuando-se ininterruptamente os grandes trabalhos emprehendidos e encetando se outros de novo; que a prerogativa regia seja bem resguardada; que os direitos dos cidadãos sejam bem garantidos o assegurada a sua liberdade; que seja acatada a justiça e respeitada a independencia do poder judicial, como arca santa em que não é dado focar sem caír fulminado; que a patria seja bem defendida para que não perigue a nossa autonomia e não se empane o brilho do nome honrado o glorioso de Portugal, e eu apoiarei o ministerio e o cobrirei de bençãos pelas boas obras que fizer. (Apoiados.)

Fôra o ministerio organisado em condições especialissimas; saíra de grupos oppostos e que rijamente se têem combatido; não podia pois representar no poder as idéas exclusivas de qualquer d'esses grupos.

Para reprimir os assomos de impaciencia progressista que podessem assaltar o sr. Barros e Cunha, contava com as doutrinas conservadoras do sr. presidente do conselho.

Previa, e não era ser propheta, que o sr. ministro das obras publicas havia de sentir desejos de com um passo percorrer a terra com aquellas divindades de que falla Homero; (Apoiados.) confiava porém que o sr. presidente do conselho, invocando aquelles esplendidos principios que formam a excellencia do partido conservador, e são o culto do direito e a perfeita probidade politica, teria, força, sufficiente para lhe sopear os impetos.

Era um ministerio nacional o que eu imaginava.

Assim como em a natureza da acção de forças contrarias resulta o maravilhoso e harmonico systema do universo, assim tambem esperava eu que o ministerio actual entre a força motora do sr. Barros e Cunha e a força resistente do sr. marquez d'Avila e de Bolama, caminharia plácida e tranquillamente, tendo como norma, só as verdades eternas e afastando para longe de si esses interesses transitorios, para não lhes chamar mesquinhos, que na sua duração de um dia servem só para causar perturbações temerosas e provocar descontentamentos que nunca mais se olvidam. (Apoiados.)

Era ensejo, como talvez não appareça outro, para um ministerio que bem comprehendesse a sua missão poder prestar ao paiz os mais relevantes serviços e formar uma situação forte o duradoura. (Apoiados.)

Os velhos partidos vieram agrupar-se em redor d'elle, um suffocando os seus principios, o que lhe fez perder a força, (Apoiados.), outro esperando ver continuada a sua obra, o que, lhe dava confiança. (Apoiados.)

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Se o sr. presidente do conselho, acceitando o apoio que lhe offereciam esses partidos, os podesse assimilar na vastidão da sua politica, empenhando-os na realisação de algum principio, na cooperação de algum melhoramento importante; se o governo podesse apresentar-se forte com as suas opiniões, escudado com doutrinas suas, e haurindo coragem de convicções bem determinadas, bem esclarecidas, convencesse o paiz de que tinha uma grande idéa que realisar, e para este fim muito senso nos seus conselhos, muita dignidade no poder, com certeza teria feito á nação um relevantissimo serviço. (Apoiados.)

Reconhecendo, porém, que isto era obra superior ás suas forças, e que entre os dois partidos não podia haver conciliação, estava naturalmente traçado o caminho que havia de seguir. O illustre presidente do conselho devia ter a nobre coragem de rejeitar o apoio que lhe offerecia o illustre partido progressista.

S. ex.ª sabia perfeitamente que o partido progressista, posto se diga agora seu amigo de nome, é e não póde deixar de ser seu inimigo de principios. (Apoiados.)

Se o sr. presidente do conselho se tivesse lembrado de que entre elle e o partido progressista não podia haver transacção que não fosse amesquinhadora, porque ou o partido progressista havia de fazer farrapos o programma que tinha apresentado, o que não era facil, porque os partidos não perdem assim a sua consciencia (Apoiados.), ou o nobre presidente do conselho havia de perder a sua individualidade, o que tambem não era facil, porque quero, como s. ex.ª, tem um passado que lhe fórma elevado pedestal de gloria, não póde vir em um dia pela ambição do poder, que mais julgo martyrio do que alegria, fazer pedaços todas essas tradições. (Apoiados.)

Se o sr. presidente do conselho, repito, se tivesse lembrado que as idéas que s. ex.ª sempre tem professado, e as doutrinas do credo progressista se excluem de modo que não póde entro os dois haver paz que não seja mentirosa, accordo que não seja entre opiniões mascaradas, teria francamente preferido apoiar-se em a nação que estava legitimamente representada pela maioria n'este parlamento. (Apoiados.)

Então, ainda talvez, a dupla influencia que existia no seio do gabinete se manifestasse em largos e uteis emprehendimentos; e conciliados os seus membros por mutuas e reciprocas concessões, organisassem um verdadeiro ministerio nacional, conservador o innovador, mantendo com um braço a estabilidade das instituições, a ordem, as nossas conquistas sociaes, sustentando e unindo a auctoridade e a liberdade, e com o outro retemperando no espirito do seculo o que fosse enfraquecendo o reformando ou innovando segundo as necessidades sociaes o exigissem. (Apoiados.)

Não o quiz assim o sr. presidente do conselho, preferiu uma politica de equilibrio que descontentou a todo o mundo. (Apoiados.)

Imaginou o ministerio que para recrutar um partido lhe bastava dispensar alguns favores, enganou-se. Os partidos querem bons governos, são os principios quem os recenseia e alista sob as suas bandeiras, as individualidades não supprem os systemas, os logares não substituem as doutrinas (Apoiados), os favores não fazem esquecer a logica, os despachos não apagam as idéas. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Os partidos apoiam os governos em que têem confiança, e v. ex.ª sabe que a confiança politica não se discute. (Apoiados.)

Feliz o governo que póde merecel-a, que ella é tão isenta e arisca, que se alguma vez se afasta nunca mais volta. (Apoiados.)

Os partidos querem bons governos, e governar é realisar; para realisar é necessario ter força. E o actual ministerio tom-n'a? De certo que não. (Apoiados.)

O espectaculo que até agora tem apresentado, mostra uma tal indecisão nos seus actos, tão pouca serenidade nas suas decisões, tanta incerteza nos seus planos, que podemos afoutamente afiançar, que o ministerio não tem força para realisar cousa alguma. (Apoiados.)

Succedem-se as portarias desmentindo-se. Agora assomos de coragem; logo desalentos de fraqueza. (Apoiados.)

Já a altivez do quem provoca ousado e intemerato a combate um partido inteiro; (Apoiados.) já as concessões parciaes de quem procura apoio. Uma agitação superficial e esteril encobrindo uma falta completa de recursos, e o paiz conhecendo a inacção que se esconda debaixo de todo o borborinho levantado pelo sr. ministro das obras publicas, enfastiou-se de esperar e lastima o tempo que perdeu. (Vozes: — Muito bem.)

O ministerio que ali está é um ministerio sem partido. (Apoiados.)

Imaginou que lhe bastava tomar para letra da sua divisa as duas grandes palavras — moralidade e economia — para que de todos os lados corressem soldados esforçados a agruparem-se em redor do pendão que hasteava.

Não se lembrou que a nação já aprendeu á sua custa, a conhecer que essas duas grandes palavras servem para mascarar as paixões que querem desforçar-se, as ambições que procuram satisfazer-se e que se reconhecem impotentes para com boas obras captarem a benevolencia dos povos. (Apoiados.)

A nação já se não deixa illudir com programmas nem arrastar com adulações; alistou-se no partido de quem melhor a serve; e fazendo consistir toda a sua ambição em que a ordem seja mantida para não soffrer interrupção nos seus trabalhos, em que se façam melhoramentos para augmentar o seu bem estar, em que velem pela sua segurança para que possa viver tranquilla, importa-se pouco com os clamores da vaidade ou da ambição; e rejeita do mesmo modo as caricias dos lisonjeiros e as promessas dos agitadores. (Apoiados.)

Ha porém um principio que este povo escreveu com sangue na sua constituição; que véla dia e noite como o seu thesouro mais querido, que defendo como a sua melhor conquista, que ama como a sua mais querida esperança de ventura. Este principio, este direito, este dever é a liberdade! (Apoiados.)

Pois bem, o ministerio que ali está é anti-liberal.

Sr. presidente, o poder judicial deve ser a sentinella vigilante do direito; arbitro dos litigios entre os particulares, e entre os particulares e o estado, perante elle se devem curvar os governos e os cidadãos, porque elle é a guarda natural da liberdade civil, a protecção dos fracos e o respeito dos valentes, a garantia do direito e o mantenedor da liberdade e da justiça. (Apoiados.)

Para que o magistrado judicial, cercado como está das paixões que supplice caterva leva todos os dias aos tribunaes, podesse manter-se na esphera da justiça, com rectidão e imparcialidade; para que os poderes politicos com as paixões que despertam as lutas em que andâmos envolvidos o não arrastassem para onde fosse o interesse d'elles ou os levasse o seu capricho, a lei declarou o magistrado inamovível, e investiu-o assim de um poder proprio de que só elle é senhor e sobera no, responsavel perante a lei e perante a sua consciencia.

Uma das mais bellas instituições que havia n'este paiz era o poder judicial, bella pela sua organisação hierarchico, bella pela independencia dos seus juizes, bella pela rectidão das suas decisões, e bella, finalmente, por essa instituição do ministerio publico que representa duas das mais sublimes aspirações da sociedade, a investigação desinteressada da justiça e a manutenção da ordem publica.

Com a nossa organisação judiciaria poderiamos dizer até hoje que tinhamos liberdade, porque tinhamos justiça. Poderemos dizer hoje o mesmo? Por certo que não. (Apoiados.)

O sr. ministro da justiça recordou-se talvez, com saudade, d’aquella lei do sr. conde de Thomar, que tornava amo-

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viveis os juizes de segunda instancia. Como, porém, hoje não é possivel apresentar tal doutrina, escolheu outro expediente, porque, emfim, ha muitos meios de atacar a independencia dos tribunaes. E quer V. ex.ª saber como? Se o governo, de quem, quasi exclusivamente da sua vontade ou do seu capricho, depende o entrar na ordem judiciaria e subir na sua hierarchia, não tiver em conta nenhuma a antiguidade, os serviços prestados, o merecimento e integridade do funccionario para fazer os despachos ou promoções; se o ministerio for abrir as portas á ambição, onde só deve existir o desinteresse, se estabelecer como norma o favoritismo onde só deve cumprir-se o dever, se foi despertar as impaciencias que aspiram às posições elevadas, e não tiver em conta alguma a probidade e a independencia moral dos magistrados; se o governo fizer como fez o governo actual, a promoção, com preterição de outros muito mais antigos com igual merecimento e melhores serviços, de um delegado de ha dois dias a juiz de direito (Apoiados.), e transferir da comarca de Lisboa para a de Montemór o Novo, o funccionario probo e honesto (Apoiados.}, que não se curvou ao nuto imperioso do ministro (Apoiados), digo que, quando tal systema se pratica no poder, acabou a independencia dos tribunaes judiciaes. (Apoiados.)

A politica invade o templo da justiça como os vendilhões invadiram o templo de Jerusalem. (Apoiados.)

O governo aniquilou a instituição que era a garantia da liberdade e da ordem, e vae domar a magistratura pela esperança, pela ambição e pelo medo. É que o governo não é um governo liberal. (Apoiados.)

É bem conhecida de todos a transferencia do sr. Cavalleiro de delegado do procurador regio de uma das varas de Lisboa para Montemór o Novo.

Este facto espantou-me; com grande assombro observei que vogava por este paiz uma idéa, que parece ser idéa do governo, o que me terrorisa.

Dizia-se e escrevia-se livremente n'um paiz livre, que o magistrado do ministerio publico não era mais do que um advogado do governo!

E esta theoria afiança-se que é a theoria do actual ministerio.

É para admirar que os bordados da farda do sr. ministro da justiça lhe fizessem esquecer a garnacha de desembargador. (Apoiados.)

Dizer-se que o governo, como o demandista chicaneiro, póde transferir o agente do ministerio publico, quando elle, cumprindo a lei e os mandados da sua consciencia, não obedece ao sou capricho, é doutrina que não póde admittir-se em parte alguma, que não seja, ou no governo absoluto quando um homem diz: L’état c’est moi, ou no governo da communa, quando se diz: «Tudo está aqui, tudo desapparece diante da vontade do poder central».

Mas n'um paiz livre, n'um paiz onde o estado não deve ser mais do que um systema de garantias para o exercicio da liberdade, não póde dizer-se tal heresia. (Apoiados.)

Pois um funccionario que foi creado para investigar desinteressadamente em nome da justiça, para perseguir o crime, sim, mas para empenhar tambem todas as suas forças em defender a innocencia; o magistrado que é o defensor da sociedade e dos individuos, que tem por missão estar sempre vigilante para que a lei se cumpra; estar de guarda ao dever, para que seja respeitado, e ao direito para que seja mantido, que não tem outra norma que não seja a lei, nem outro guia senão a sua consciencia e a rasão, póde este funccionario submetter-se de modo algum á vontade tantas vezes despótica dos srs. ministros?

Então os srs. ministros é que dão as ordens para se processar ou deixar de processar algum individuo? (Apoiados.)

Se tal theoria principia a correr mundo com o sêllo da auctoridade, d’aqui a pouco é o ministerio quem faz as petições de querella e lavra os despachos de pronuncia.

Se a theoria se levar às ultimas e logicas consequencias, não tardará que o ministerio decrete que o cidadão livre, que se chama jurado, seja um funccionario seu e ás suas ordens.

Se assim se estabelece a independencia do poder judicial, se o ministerio publico é um agente politico, nunca mais haverá liberdade civil nem segurança individual. (Apoiados.)

Ha de ser trabalhoso e engraçado quando o magistrado do ministerio publico, em Moncorvo, em Bragança ou nas ilhas, tiver de fazer uma promoção, ver-se forçado a dirigir-se ao sr. ministro da justiça a perguntar-lhe se lhe agrada ou não que elle promova. (Apoiados.)

Quando o juiz lavrar um despacho de despronuncia, tem primeiro de mandar os autos ao sr. ministro da justiça para perguntar se prefere que o despacho seja indiciando. (Apoiados.)

E isto faz-se! E isto diz se! E esta doutrina admitte-se, estando sentado na cadeira do ministro da justiça um desembargador! (Apoiados.)

E estas cousas parecem pequenas!

Trata-se apenas da transferencia de um delegado do procurador regio, e... agora ía a empregar um epitheto mais forte, mas de que não quero usar. Não ha questões pequenas quando é violada a justiça e atacada a liberdade. (Apoiados.)

Pela theoria que estabeleceu o ministerio, vae o sr. ministro da justiça levantar-se e esfarrapar a lei e todos os principios que são a garantia da ordem e da liberdade.

Nunca ha questões pequenas sendo d'esta ordem. Por esta occasião lembro-me de umas palavras engraçadas que proferiu um orador francez fallando da liberdade: — «Muitos deixam descuidados e alegres que lhe prendam um dedo, e só um dedo que importa; em seguida a mão; ainda é tão pouco; mas logo vão os braços, os membros todos, a cabeça emfim, e quando o que assim deixou ligar-se quer expandir-se, mover-se para o trabalho, caminhar para o futuro, está escravisado e agrilhoado de modo que fica inerte como um cadaver».

Velemos pela justiça, porque o grande principio das sociedades modernas é a liberdade civil. (Apoiados.)

Discutem-se todas as liberdades politicas, mas essas liberdades para mim não me servem senão como melo de alcançar ou de defender a liberdade civil.

A grande liberdade para os povos não é serem eleitores ou elegiveis, é poderem dar expansão á sua actividade, é terem livre o seu trabalho, caminharem livremente para toda a parte, apreciarem como entenderem os factos sociaes e as idéas da sciencia, os progressos do espirito, sendo livres no seu pensamento, livres nas suas palavras, livres na sua consciencia, (Apoiados.) e tendo só por limite a liberdade e os direitos dos outros.

Para todas estas liberdades da sociedade moderna ha apenas uma garantia, que é a independencia do poder judicial, e é essa garantia que o governo que ali está sentado quer destruir e aniquilar; é pois forçoso que se retire d'aquelle logar um governo que assim está em luta com a justiça. (Apoiados.)

(Pausa.)

Sou christão e sou catholico. N'esta fé nasci e n'ella hei de morrer.

Os brados do atheismo já chegaram aos meus ouvidos. As lutas em que anda empenhado o espirito humano e a philosophia moderna tambem já assaltaram o meu espirito. Li os sarcasmos de Voltaire, as ironias de Swif, as investigações de Renan, os desesperos de Shopenhauer; Hartman inventando religiões para o futuro, Buckener divinisando a materia.

Tudo isto, porém, não apagou na minha alma a doce esperança que n'ella lançaram aquellas palavras divinas, que dizem: «Bemaventnrados os que soffrem, porque elles serão consolados». (Vozes: — Muito bem.)

Admiro os trabalhos gigantes e os progressos assombro-

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sos da sciencia, contemplo com alegria e esperança como o espirito humano vae avassallando a natureza e voa altaneiro através da immensidade; adoro a liberdade que é a redempção dos povos, a sciencia que é a redempção das intelligencias, a industria que é a redempção da miseria; mas quando abro a historia do inundo, e comparando o passado com o presente, vejo como o grande martyr chamado povo por tanto tempo se arrastou pela via da amargura, vergado ao peso de enorme cruz, não posso deixar de acreditar tres vezes santa esta religião que primeiro pregou a emancipação do escravo. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Quando as maravilhas da industria moderna me assombram e me consolam, não posso deixar de bem dizer essa religião que primeiro abençoou o trabalho. (Apoiados.)

Quando abro os nossos codigos e vejo as conquistas sociaes que se têem alcançado, não posso deixar de amar esta religião que primeiro proclamou a igualdade. (Apoiados.)

Quando, finalmente, passam por diante dos meus olhos as dores, as miserias, as orphandades que vão por esse mundo, não posso deixar de adorar como divina essa religião que primeiro pregou a fraternidade, e foz da caridade o seu primeiro dogma, e do amor a grande redempção. (Vozes: — Muito bem.)

Sou christão e sou catholico, mas sou tambem liberal (Apoiados.); e na minha consciencia e na minha rasão, a religião e liberdade harmonisam-se tão bem, travam-se de tal modo que é indispensavel que se juntem, para que mutuamente se fortaleçam e se amparem uma pela outra.

Tenho para mim que as conquistas da sciencia sobre a natureza, e da liberdade sobre o despotismo, hão de cada vez mais gravar na consciencia do homem a prece de reconhecimento que elle envia ao Creador, e convencer os desnorteados, que sem religião não ha dignidade na vida, nem ha esperança na morte. (Apoiados.)

É tambem convicção profunda minha, que já hoje no mundo não ha poder capaz de fazer vergar a consciencia do homem perante o altar que não for o da sua fé.

Entre Deus e a alma do cidadão não póde ir interpor-se a mão do governo, porque seria uma impiedade inaudita forçar os labios do homem a confessar hypocritamente a fé em que não acreditasse, arvorando em obrigação imperiosa a impostura perante a sociedade e perante Deus. (Apoiados.)

Deixae a cada um o Deus da sua fé, o altar da sua consciencia, e cumpri o preceito da carta constitucional, que diz, ninguem póde ser perseguido por motivos de religião. (Apoiados.)

Não me causaram susto nenhum, creio que não causaram susto a homem nenhum liberal n'este paiz, os chamados enterros civis. Eu nem receio que o espirito do seculo apague os brandões do altar, nem que a cogula do monge venha offuscar a luz do progresso. Creio mesmo que ninguem se amedronta hoje com isso.

O que causa susto é a doutrina contraria. O que causa receio ao homem liberal é a doutrina apresentada aqui pelo nobre marquez d'Avila e de Bolama. O que causa espanto é vir um ministro da corôa, um presidente do conselho de ministros dizer na camara popular que os enterros civis atacavam a religião catholica, e que elle precisava defendel-a.

Defender a religião catholica! Pois a religião catholica invocou o braço secular do governo para a defender? Pois ella era atacada? Pois o governo é o defensor da religião?!... Defender a religião!...

Isso podia dizer-se em Hespanha no tempo de Filippe II; podia dizer-se em França no tempo de Carlos IX, podia dizer-se em Portugal nos tempos de D. João III ou de D. Manuel; não póde dizer-se hoje no tempo de D. Luiz I, o rei mais liberal que tem o mundo. (Muitos apoiados.)

Defender a religião catholica! Mas s. ex.ª não se lembra que foi em nome d'essa doutrina, que foi em nome d'esses principios que se fizeram os massacres de Cevenes e dos Albigenses, a Saint Barthelemy, e que se accenderam as fogueiras da inquisição (Apoiados.)

S. ex.ª não se lembra que essa doutrina, a doutrina de querer que a politica vá auxiliar a religião, de querer que o funccionario civil seja um espião das consciencias, deu em resultado a expulsão dos judeus de Hespanha e Portugal. (Apoiados.) Não se lembra que foi a intervenção da politica na religião que fez decretar a degolação dos innocentes, que fez morrer Christo n'uma cruz. — (Vozes: — Muito bem.)

Tal doutrina foi sempre perigosa apparecesse onde apparecesse, qualquer que fosse a religião que a acceitasse.

Na antiga religião da Grecia encheu a taça de cicuta, que matou a Socrates; na religião judaica causou o supplicio do Redemplor. Na Roma pagã construiu o circo e deu o espectaculo sangrento dos christãos lançados ás feras; na religião catholica fez accender as fogueiras onde foi queimado João Hus e Crammer, na religião protestante fez com que envenenassem Bunyam e apedrejassem Wesley. (Apoiados.)

Qualquer que seja a religião, qualquer que seja o povo, qualquer que seja a epocha, a defeza da religião feita ou ajudada pelo braço secular não deu ainda em resultado senão horrores. (Apoiados.)

Sabe v. ex.ª aonde leva a consequencia d'essa doutrina? É a apresentar a religião catholica, que deve ser alheia a todas as lutas, que deve acatar-se com todo o respeito devido aos seus preceitos, o instituição divina, a religião de paz e de amor, como estando em guerra com a sociedade, como sendo contraria aos progressos do espirito humano. Não quero isso, que sou catholico; não quero isso por interesse da religião que professo.

A religião catholica não está em luta com as diversas classes d'este paiz, a igreja portugueza ama a liberdade e prega continuamente que a religião de Jesus tem bençãos para todos.

Em nome de que principio prohibiu o sr. ministro do reino os enterros civis? Não foi em nome da liberdade, não foi em harmonia com os principios da religião.

Deixae conduzir os cadaveres para o cemiterio, que o tumulo é a arca da alliança, e a cruz que se ergue no topo do campo santo, e que aos nossos olhos parece pequena e estreita, é tão sublime e gigante que a haste vae da terra até ao céu, e os seus braços são bastantes para abarcar o inundo e resgatar a humanidade. (Vozes: — Muito bem.)

Mas eu que não me assusto com os enterros civis, tambem me não assusto com as irmãs da caridade. (Apoiados.) Não tenho receio de que o espectro do passado surja do pó dos sepulchros sem que rapido seja impellido entre apupos a sumir-se de novo no abysmo que lhe cavou a historia.

N'esta idade alta a que chegámos, o espirito humano cravou bandeira livre de conquistador, e soltou aos quatro ventos o brado de livramento, e já ninguem apaga a luz que irradia do cerebro do homem.

Não ha que receiar. Não temo de ver levantar-se o espectro de Torquemada, nem que se accendam de novo os fogos da inquisição no Rocio.

Não me amedronta a reacção ultramontana, e sobretudo n'este paiz onde o partido que se diz mais avançado, que pretende rasgar mais largos horisontes para as idéas liberaes, tem por seu chefe um bispo. (Apoiados.)

Fiquei comtudo espantado quando ouvi outro dia ao nobre presidente do conselho perguntar, creio que para o illustre deputado, o sr. Marçal Pacheco, o que era a reacção? Fiquei espantado de s. ex.ª perguntar isto, e não ver apressar-se logo o nobre ministro das obras publicas a responder, bradando: Eu digo o que é a reacção. Era em 1855, vi nos meus sonhos esse temeroso espectro de rojo pelo pó, entrar no convento do Varatojo e celebrar lá os seus grandes mysterios. Vi nas minhas visões tetricas os frades, os bispos, os arcebispos, os cardeaes, os legados do pontifice, os inquisidores caminharem um a um pela

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estrada disfarçados em carvoeiros, em arrieiros, vestidos de almocreves, e sem ninguem saber por onde desappareceram nem como tinham apparecido, deixando-me na alma o pavor que deve sentir quem vê a liberdade em perigo. (Riso.)

E já o sr. ministro do reino sabia o que era a reacção como o nobre ministro das obras publicas a descobriu nas suas visões magicas. (Riso.)

Mas eu creio que o sr. ministro não tem já as idéas tetricas. Os sonhos desappareceram, e com elles a reacção. Aquellas sombras eram filhas das perturbações e da phantasia ou resultado de uma noite mal dormida.

Agora porém caio em mim e me lembro de que talvez o nobre presidente do conselho considera as minhas doutrinas como doutrinas da internacional. Protesto que não são.

Eu declaro a v. ex.ª e á camara que detesto essa theoria composta de um romantismo absurdo e de um liberalismo bastardo, a que chama socialismo; e abomino esses pregadores de reformas sociaes que com o fim, dizem elles, de formar mundo novo de igualdade, atacam todas as condições de civilisação, pretendendo extinguir o capital que é o motor do progresso, a familia sacrario da ventura, a religião esperança da alma, a patria mãe sagrada e adorada de todos nós. (Apoiados.)

Considero como criminosos ou loucos esses homens que pretendem passar por sobre a sociedade o nivel da miseria, e edificar o templo do futuro á luz infernal dos incendios, tendo por obreiros a colera e a inveja, a raiva e a vingança. (Vozes: — Muito bem.)

Detesto o socialismo, o internacionalismo, sempre em toda a parte, e sob qualquer fórma que se apresente. Este creio que é tambem o pensar de todos os meus correligionarios. (Apoiados.)

Nós sabemos que essa doutrina chamada socialismo, não é mais do que um novo absolutismo mascarado pelo nome da liberdade; a mesma intolerancia, a mesma escravidão, que importa que seja do individuo ao rei ou á communa? É sempre a tutela publica arvorada em redempção e destruindo a liberdade civil do cidadão, e riscando todos os direitos e todas as garantias em nome de uma igualdade estupida e aniquiladora. (Apoiados.)

Repito, esta opinião creio que é a do partido regenerador e mesmo a dos seus alliados, sobre quem s. ex.ª parecia querer outro dia atirar a suspeita de que nós defendemos as doutrinas da internacional. Era injusta uma tal arguição.

Sr. presidente, se ha partido ao qual se não possa atirar tal injuria é o partido regenerador. (Apoiados.)

V. ex.ª sabe e todo o paiz que o partido regenerador no meio das convulsões que agitavam a Europa soube manter n'este paiz a ordem sem coarctar a liberdade. (Apoiados.)

V. ex.ª sabe que o partido regenerador, quando a Hespanha estava passando por todos os horrores causados pelos crimes da internacional e desvairamentos da republica, teve força para fazer com que taes idéas parassem nas fronteiras. (Muitos apoiados.)

V. ex.ª sabe que o partido regenerador teve sempre como inimigos intransigentes os homens que querem pôr escriptos no paço da Ajuda. (Muitos apoiados.)

V. ex.ª sabe e sabe todo o paiz que o partido regenerador nunca tentou ir investir com o rei. (Apoiados.)

V. ex.ª sabe e sabe todo o paiz que o partido regenerador quer sempre a ordem pela liberdade, o progresso fecundo das idéas pela redempção sublime do trabalho. Já vê v. ex.ª que no partido regenerador não podia haver internacionalistas. Creio mesmo que os não ha n'esta camara, que não ha aqui quem defenda os doutrinas da internacional. (Apoiados)

Mas ha muitos homens, que ou por uma aberração do seu espirito, ou por um desvio causado pela cegueira das paixões, ás vezes, sem o pensarem, estão pregando, executando o applaudindo as doutrinas da internacional. (Apoiados.) Sabe v. ex.ª quaes são esses? São os que estão a invocar todos os dias, todos os momentos a chamada tutela publica. (Apoiados.) Aquella tutela publica de quem o amigo de v. ex.ª, que a morte roubou ao paiz desgraçadamente para nós e desgraçadamente para a humanidade; fallo de Alexandre Herculano dizia: «Eu treino da tutela publica, porque á tutela publica é o ponto de união entre o absolutismo e o socialismo». (Apoiados.)

Ha muita gente, repito, que, sem o pensar, applaude o préga esta doutrina.

Querer substituir a acção do estado á iniciativa e liberdade individual, collocar a sua vontade superior á lei, dizer que não se importa com a legalidade, atacar de frente a justiça, não respeitar o poder judicial, não respeitar as garantias da ordem, não respeitar as garantias do trabalho, isto é que é ser socialista. (Apoiados.)

Como socialistas procediam os homens que desertaram da representação nacional e foram para a praça publica especular com as paixões populares, sem estremecerem diante dos horrores das revoluções. (Apoiados.)

Como socialista procedia o sr. ministro das obras publicas quando ía para o Casino abraçar-se com o partido republicano, pedindo-lhe auxilio para derrubar o partido regenerador. (Apoiados.)

Como socialista procedia o sr. ministro das obras publicas, quando desviando se da estrada que é alumiada pelo sol da justiça, tolerava que em seu nome se andasse angariando delatores de suppostos crimes para perseguição de innocentes (Apoiados), e se planeassem assaltos nocturnos á penitenciaria. (Apoiados.)

Como socialista procedeu o sr. ministro da justiça quando atacava a independencia do poder judicial e castigava o funccionario honesto que não calcou aos pés a consciencia para obedecer ao mandato ou ao capricho do governo. (Apoiados)

Como socialista e como absolutista procedia o sr. presidente do conselho, quando ligado ao sr. conde de Thomar atacava a liberdade de imprensa. (Apoiados.) Como socialista procedia o sr. presidente do conselho quando, arvorando a intolerancia em systema politico, atacava a liberdade do pensamento, a liberdade da palavra, mandando fechar as conferencias do Casino. (Apoiados.)

Como socialista, finalmente, procedia o sr. presidente do conselho, quando em 1852 estendendo a esquerda a Robespierre e a dextra a Narvaez, votava n'este parlamento contra a abolição da pena do morte nos crimes politicos. (Muitos apoiados.)

E o sr. Barros e Cunha na sessão anterior dizia com uma certa gloria, referindo-se ao meu illustre amigo e talentoso deputado o sr. Julio de Vilhena, que era a segunda vez que se encontrava na sua frente, uma quando combateu a pena de morte no codigo penal militar, e outra agora!...

Fez s. ex.ª d'isso um titulo de gloria, e não olhou para a sua direita, onde estava o sr. ministro da justiça, que votou a favor da pena de morte, nem para a sua esquerda, onde estava o sr. marquez d'Avila e de Bolama. (Apoiados.)

S. ex.ª viu apenas na sua frente um homem que pugnava pela disciplina militar, s. ex.ª viu apenas na sua frente um homem que quer que o exercito seja o defensor eficaz da independencia da patria, da liberdade e da ordem, e que não se quebrem n'uma occasião de terror ou n'um momento de allucinação os laços que prendem os heroes ao cumprimento dos seus sagrados deveres; e em face d'elle invocou as suas tradições, para que elle ficasse amesquinhado diante de tanta gloria.

Relembrou desvanecido o seu passado e declarou ufano que vinha da junta do Porto, que vinha d'onde se combatia pela liberdade. Eu lembrarei ao nobre ministro que, se

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vem da junta do Porto e está ao pé do sr. marquez d'Avila e do sr. Mexia, deve ir á sala da bibliotheca penitenciar-se diante do busto de Passos Manuel. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.

Repito, ouvi hontem o nobre ministro das obras publicas, e, quando elle terminou, vendo o desgosto que lavrava nos seus amigos e vendo a alegria dos seus adversarios, estive para lhe mandar em parodia a exclamação do poeta, dizendo-lhe: «Eu vos saúdo, sr. Barros e Cunha, ministro dos tristes destinos!» (Riso.)

Estranhou s. ex.ª que nós combatessemos a sua administração, e ao ver como o meu illustre amigo e talentoso deputado o sr. Julio de Vilhena, com a sua palavra brilhante e cortante como uma espada de Damasco, lhe ía retalhando as carnes, mostrou-se maguado o triste.

S. ex.ª não tem direito para estranhar estes ataques.

O homem que, como deputado, vimos levantar-se constantemente n'esta casa, atroando os ares com imaginarias accusações contra os ministros, procurando constantemente armar-lhes ciladas politicas e illaqueal-os, de modo que não podessem dar um passo, já impecendo-os em seus trabalhos, já dissaboreando-os com motejos; o homem que, como ministro ainda não se levantou d'aquella cadeira sem deixar caír dos labios uma insinuação que fosse ferir um cavalheiro ou atacar um partido inteiro, esse homem não tem direito a exigir que desviemos os escolhos onde esbarra, e muito menos póde-se consultar sereno a sua consciencia, enlevar-se na mentirosa esperança do que nos affadiguemos em colher mosqueias e minhonetes para lhe tecer corôas e escolher ramalhetinhos com que vaidoso se enfeite. (Apoiados.)

Não é sem perigo que se nutrem as paixões, não se desencadeiam impunemente as iras, ninguem pretenda depois de ter atiçado com furia um incendio que, quando as chammas estralam e cruzam labyrintando, as labaredas se despartam, afastem e formem arcaria luminosa, sob a qual atravesse victorioso o incolume. (Apoiados.)

O ministro recebe a paga que mereceu o tribuno! (Apoiados.)

Affligem-o as invectivas, são a paga da sua indiscrição; aborrecem-o as insinuações, são a recompensa da sua intolerancia; desgostam-o os repetidos ataques, são o premio da sua imaginação tão fertil em ardis de guerra; offendem-o as interpretações mais ou menos ousadas que dão ás suas palavras, são o galardão que não podia recusar-se a quem tanto se esforçou por transformar em virotes as palavras dos outros. (Apoiados.)

Aprenda agora o ministro quanta modestia carece, e caminhando por essa agra via, vá colhendo dos proprios desenganos a experiencia necessaria para não formar juizos temerarios das acções dos outros. (Apoiados.)

Queixava-se o sr. ministro das insinuações, e ao mesmo tempo que se queixava não fazia mais do que deixar caír insinuações sobre os outros, e sem respeitar cousa alguma, sem respeitar ninguem nem a verdade. (Apoiados.)

Todos nós estamos costumados, uns ha muitos annos, outros desde que principiou esta camara, a respeitar no sr. presidente o caracter probo e honesto, o homem honrado, o cavalheiro incapaz de commetter uma acção menos digna. (Apoiados.)

N'aquella cadeira não se senta o homem de partido, senta-se o presidente imparcial de uma camara livre. (Muitos apoiados.)

Pois bem, o sr. ministro, levantava-se hontem e deixava caír uma insinuação, que era tão injuriosa para a camara como para a presidencia.

A insinuação era que nós, a maioria regeneradora, tinhamos alcançado do sr. presidente que se não publicassem uns documentos que o sr. ministro tinha mandado para a mesa. E todavia esses documentos estavam publicados desde o dia 18 do corrente no Diario do governo!

Não sei se o sr. ministro os tinha visto, quero mesmo suppor que os não tinha visto; mas não se dizem cousas tão graves, assim de leve diante do parlamento. (Apoiados.)

Vamos, porém, a examinar as provas e argumentos com que o sr. ministro pretendeu hontem fulminar-nos.

O sr. ministro das obras publicas dizia, e foi o seu grande argumento, e muito applaudido, que, se tinha feito a rescisão do contrato com o sr. João Burnay para a cobertura metallica das obras da penitenciaria, era porque queria cumprir a lei, a qual determinava que nenhuns contratos feitos pelos directores das obras publicas, auctorisados pelo governo, com os empreiteiros ou fornecedores sendo superiores a 500$000 réis, se pozesse em execução sem serem previamente approvados pelo governo. É verdade que a lei dispõe isto; mas é verdade tambem que o que a lei manda se siga é o seguinte: o ministro manda ordem ao director das obras publicas para que faça um contrato qualquer; o director contrata com um empreiteiro, o contrato reduz-se a escripto, é remettido para o governo, e o governo tem de expedir uma portaria approvando-o definitivamente.

O sr. ministro disse-nos que no contrato feito com o sr. João Burnay não se tinha cumprido esta formalidade; houve apenas a ordem do governo ao director das obras para contratar, houve o contrato, mas o governo não o tinha approvado por portaria especial. Embora o governo tivesse cumprido pela sua parte as condições d'esse contraio, embora tivesse feito os adiantamentos necessarios, o sr. ministro das obras publicas não achava isto tudo prova bastante da approvação do contracto por parte do governo, porque não era a formula legal, e elle é o homem da legalidade!

Pois bem, aqui tenho eu um contrato feito por um director de obras publicas em virtude de uma auctorisação dada pelo actual sr. ministro, e feito com o mesmo João Burnay, de valor superior a 500$000 réis, porque a quantia do contrato é de 2:250$000 réis; (É o patriotico contracto do bate estacas), e vamos a ver como cumpriu a lei o ministro da legalidade.

Aqui está lavrado o documento authentico que determina que o contrato fica sujeito ás condições geraes das obras publicas: «17.ª condição: Igualmente fica sujeito ás clausulas é condições geraes de obras publicas, a que se refere a portaria de 8 de março de 1871». Agora pergunto eu ao nobre ministro. Cumpriu-se este contrato por parte dos dois contratantes? Cumpriu. Foi por s. ex.ª expedida portaria que desse a approvação do governo a este contrato? Não. Aonde está então esse amor á legalidade que tanto exalta o nobre ministro?

Aqui está o grande argumento do ministro, do homem da legalidade, aqui está o grande argumento que invocou para rescindir o contrato com o sr. Burnay para o fornecimento da cobertura metallica da penitenciaria, destruido pelo sr. ministro, aqui está elle commettendo as illegalidades que accusou. (Apoiados.)

Ainda tenho outro contrato feito com o mesmo sr. Burnay, porque o ministerio que atacou tanto o sr. Burnay, que deixou caír sobre elle tantas suspeitas, e que quiz fazer persuadir o paiz de que o sr. Burnay era um falsificador de contratos, homem com que se não podia contratar, não faz outra cousa mais do que contratar com o sr. Burnay! ((Riso.)

Este contrato foi feito pelo ministerio da guerra com o conselho central da fabrica da polvora para o fornecimento de transmissões para quatro engenhos de encascar. Este contrato tambem não teve portaria que o approvasse, e todavia cumpriu-se por parte do sr. Burnay e por parte do actual ministerio de guerra, e não se revoltou contra elle o ministro da legalidade. Aqui está a copia do contrato que póde ser por todos examinado.

Tenho ainda outro contrato feito pelo ministerio da marinha com o mesmo sr. Burnay para a cobertura metallica1 do hospital de Loanda, mas este é mais espantoso porque está feito simplesmente por uma carta!! Entretanto este

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contrato foi cumprido pelo sr. Burnay e acceito pelo ministerio da legalidade.

Mas diz-se, rescindiu-se o contrato feito com o sr. Burnay para as obras da penitenciaria, porque não tinha havido licitação em praça publica.

Mas aqui estão os tres contratos a que me referi, feitos com o sr. Burnay, em que não houve licitação em praça publica!

São todos feitos por este ministerio. (Vozes: — Ouçam, ouçam.)

Mas quiz insinuar o sr. ministro que tinha havido um grande escandalo, porque o ministerio passado fizera ao sr. Burnay adiantamentos a descoberto!

Eu fiquei maravilhado de ver que, quando o meu illustre amigo o sr. Avelino perguntou ao sr. ministro se tinha os documentos comprovativos de que os adiantamentos tinham sido feitos a descoberto, s. ex.ª titubeasse e dissesse: «parece-me!!»

O sr. presidente, quando só se póde dizer parece-me, não se fazem no parlamento asserções n'esta natureza. (Muitos apoiados.)

Se s. ex.ª não podia responder com documentos na mão e dizer, aqui está a verdade do que affirmo, então não se devia atrever a fazer tal declaração. (Muitos apoiados.)

Mas o pasmo não pára aqui. Ouviu a camara os clamores levantados pelo nobre ministro das obras publicas contra os suppostos adiantamentos feitos a descoberto?

Pois bem, aqui está o contrato a que me referi, feito com o ministerio da guerra, e que diz:

«A importancia total das transmissões dos transportes será feita em tres prestações; a primeira de 800$000 réis no acto da assignatura, etc.»

Aqui está um adiantamento feito no acto da assignatura do contrato.

É a coberto ou a descoberto? Sr. ministro das obras publicas. (Riso.)

Mas não sei se já disse, e se o disse repito-o, que todos estes contratos tinham sido feitos sem concurso, e que a rasão de não ter havido concurso, que o sr. ministro das obras publicas invocava para rescindir o contrato feito com o sr. Burnay ácerca da penitenciaria, não podia ser invocada nem por s. ex.ª, nem pelo ministerio que estava fazendo contratos iguaes aquelles. (Apoiados.)

É porem preciso que se diga, porque é inteira verdade, e todos sabem hoje que os concursos n'estes contratos, para estes fornecimentos, têem principalmente por fim salvaguardar a propriedade de quem contrata; não são garantia nenhuma, nem para a modicidade do preço, tem para a boa execução das obras; e senão diga-me o sr. ministro das obras publicas. S. ex.ª mandou que para o caminho de ferro do Douro se comprassem cento e sessenta mil travessas, acrescentando que este fornecimento fosse feito a concurso; abriu-se o concurso, fez-se a adjudicação, veiu o contrato e s. ex.ª não o approvou, o que resultou d'aqui? Pararam as obras.

S. ex.ª ordenou que se comprassem para o caminho de ferro do Minho 20:000 travessas sem essa licitação, sem esse concurso, e o que resultou? O engenheiro, usando da auctorisação que s. ex.ª lhe tinha concedido, comprou 10:000 travessas, e d'ahi proveiu o adiantamento dos trabalhos de tal modo, que o caminho de ferro está a bater ás portas de Vianna.

Levantou aqui s. ex.ª como accusação que, na administração da penitenciaria tinha havido muitas irregularidades e uma d'ellas era o gasto enorme de cento e tantos contos de réis em tijolo!!

Um ministro da corôa que alem de fallar em seu nome falla em nome do Rei e da nação, tem obrigação restricta, quando falla ao parlamento e ao paiz, de ser claro o não occultar cousa alguma nas suas palavras, procurando sempre ser tão explicito, que todos possam comprehender de uma vez a sua idéa. (Apoiados.)

A phrase apresentada assim; dizer-se simplesmente — gastaram-se cento e tantos contos de réis em tijolo, — parece destinada a causar assombro. É tijolo de mais. Em telha não sei se gastou alguma cousa. (Riso.)

Mais acrescentou que se comprava o tijolo por um preço elevado, havendo quem o fornecesse por mais baixo preço.

S. ex.ª, porém, deve saber que as apreciações de factos d'esta natureza não se fazem por este modo. (Apoiados.)

O saber-se, se se gastou muito ou pouco, o avaliar-se do preço que elle custou, o conhecer-sc a rasão por que o director da obra preferiu o tijolo por um preço e não por outro, tudo isso depende do voto de uma commissão competente, de peritos que vão examinar as obras e ver se os materiaes empregados são ou não os que convem ao melhor acabamento de tão importante obra, (Apoiados.) É preciso saber se o tijolo que se offerecia mais barato era da mesma qualidade que o que era mais caro, emfim são indispensaveis tantas informações e dadas por pessoas competentes, que o sr. ministro não póde, sem se auctorisar com esses informações e sem nos habilitar a podermos julgar igualmente por ellas fazer no parlamento a exclamação de espanto com que nos fez estremecer. Gastaram-se cento e tantos contos em tijolo; seria muito, seria pouco, a obra ainda necessitará do mais, gastar-se-ía só o indispensavel, seria do boa qualidade, seria fraco? Tudo isto ha só um meio de o apurar, uma syndicancia feita por peritos. (Muitos apoiados.)

Mas a syndicancia, o exame ás obras, o exame ás contas não o quer o sr. ministro, que essa ía destruir pela base o edificio de accusações que tinha architectado, a rede de insinuações que tinha tecido. (Apoiados.)

O sr. ministro queria poder á vontade fazer exclamações. Tinha-lhe entrado na mente uma idéa fixa; não era o delenda Carthago, mas exprime-se por esta phrase: — Extinga-se o partido regenerador! — O sr. ministro que dizia que este ministerio era o ministerio da publicidade, fugia sempre a essa publicidade, (Apoiados.) o sr. ministro queria accusar sem replica, e por isso negou sempre a syndicancia que o honrado engenheiro exigiu de s. ex.ª. (Apoiados.)

O dignissimo e honrado engenheiro ex-director das obras da penitenciaria, com a sua probidade inconcussa, com o seu direito desassombrado, com a sua consciencia illibada, por tres vezes pediu ao sr. ministro uma syndicancia aos seus actos, á sua administração, mas o sr. ministro, o homem da publicidade, negou-lh’a sempre. (Apoiados.)

Quer então que os tribunaes judiciaes vão avaliar da qualidade do tijolo, ou que decidam se era preciso muito ou pouco; pretende que os tribunaes judiciaes vão conhecer se a areia era de boa ou má qualidade. (Apoiados.) Isto causa riso!

Ministerio da publicidade!...

E quando o sr. Lourenço de Carvalho procurava a s. ex.ª, e lhe requeria uma syndicancia aos seus actos como director da construcção dos caminhos de ferro do Douro, s. ex.ª, ministro da publicidade, o que fazia? Respondia-lhe com um indeferido!... (Apoiados.)

E isto porque era? Era porque s. ex.ª queria ficar a coberto com as suas insinuações, (Apoiados.) e illudir o parlamento e o paiz com as suas exclamações. (Muitos apoiados.)

Ministerio com taes ministros não póde existir em Portugal.

Repito, estou convencido de que o que devia fazer hoje aqui era um necrologio. O ministerio está morto.

Deu-lhe o primeiro golpe o talento assombroso do illustre deputado o sr. Dias Ferreira; deu-lhe tratos de polé, desconjuntou-o, rasgou-lhe o seu programma de moralidade e economias o sr. Lopo Vaz; esphacelou-o, lançou-o por terra, cavou-lhe aos pés o sepulchro e encerrou-o lá dentro o sr. Julio de Vilhena. (Apoiados.)

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Os ministros encontraram-se de frente com tres athletas; foram vencidos. Eu tinha só a entoar nenias tristes sobre o seu tumulo.

Esperava, como esperava toda a gente, que os srs. ministros já não apparecessem aqui. O espectaculo que têem dado n'estas ultimas sessões é de lastimar. Todavia o sr. presidente do conselho disse que julgava uma insigne cobardia retirar-se o ministerio d'aquellas cadeiras sem uma votação da camara, ou antes sem explicar os seus actos e sem se defender das nossas injustas e impoliticas accusações. E eu fiquei maravilhado de ver o ministerio com assomos de alegria quando foi apresentada a moção de censura.

Parecia que vinha ahi um gigante, e que nós íamos ser todos trucidados.

Principalmente annunciava-se lá fóra que o sr. ministro das obras publicas havia de fazer n'esta casa taes declarações, havia de mostrar taes documentos (Apoiados), que nós os regeneradores, ou haviamos de ser subvertidos, ou fugir espavoridos para onde mais vista de homens nos não podesse alcançar. (Apoiados.)

Apparece o gigante, o Golias vem a campo, blasonador e feroz, mas, cousa notavel, não é preciso que nenhum David lhe arremece a pedra com a sua funda. Elle cáe prostrado, só a vista do adversario lhe faz reconhecer a sua impotencia. (Vozes: — Muito bem.)

Nós é que ficámos de pé. Ninguem se submetteu; acceitámos a luta, e viemos alegres para o combate; traziamos por armas a rasão e por egide a justiça, não receiámos; topámos de frente com o sr. ministro das obras publicas, mas breve o vimos tremer, vacillar, caír, morrer! (Vozes: — Muito bem.)

Nós aqui estamos com a consciencia intemerata, com a fronte levantada, tranquillos, de animo desassombrado, porque nunca fizemos insinuações maldosas a ninguem, e porque nunca idéas reservadas nos atravessaram a mente; nós aqui estamos á espera do sr. ministro das obras publicas, e o sr. ministro das obras publicas a sumir-se, a sumir-se sempre! (Apoiados.)

Eu vos saúdo, sr. Barros e Cunha, ministro dos tristes destinos!

O sr. presidente do conselho tambem quiz chamar a repto a camara, tambem quiz discutir os seus actos para convencer o parlamento e o paiz de que nunca esta nação tivera um ministerio nem tão respeitador da legalidade, nem tão amigo das economias.

Eu pergunto á camara e ao sr. presidente do conselho, se com toda a habilidade que lhe reconheço, com todo o seu talento, que eu muitissimo respeito, com todos os seus recursos, que eu admiro, não tremeu, vacillou, titubeou, diante da vigorosa argumentação do meu illustre amigo o sr. Lopo Vaz?

Respondeu porventura o illustre ministro a alguma das tremendas accusações que o meu collega lhe fez?

Explicou s. ex.ª o que significavam os scrips empenhados em Londres; se significavam uma burla feita em Londres ou se significavam uma grande illegalidade feita em Portugal?

Explicou o nobre presidente do conselho o que foi aquelle celebre contrato feito com o banco de Portugal, em que o governo se desviou das prescripções da lei?

A este respeito, se bem me recordo, s. ex.ª apresentou uma theoria que nunca se ouviu no parlamento: disse que não tinha cumprido a lei, porque d'essa falta de cumprimento resultava para o thesouro um lucro de uns tantos pior, cento!

Ó, sr. presidente, pois o argumento de que o thesouro lucrou uns tantos réis, póde ser apresentado no parlamento para defender a violação da lei! (Apoiados.)

Então porque não dá o governo ordem aos empregados da alfandega para que augmentem á vontade as taxas dos impostos, pois que o thesouro lucra com isso!

Oh! que triste refugio, que desastrada defeza! (Apoiados.)

Disse, porventura o illustre ministro alguma cousa com referencia ao contrato feito com o banco Lisboa & Açores?

Disse qual foi a rasão por que deu pela quantia emprestada pelo banco 2 por cento de commissão, 1 1/2 por cento pelo dinheiro que o banco lhe emprestou, e ½ por cento para que aquelles que não tinham podido collocar o emprestimo cedessem da parte que não collocaram?

Explicou s. ex.ª a rasão por que tinha entregado o governo este paiz de punhos atados ao banco Lisboa & Açores?

Disse as rasões por que não emittiu ainda 2 1/2 milhões de libras que faltam emittir do emprestimo?

Nada disse a respeito d'estes importantes assumptos; e nós vimos com assombro que o parlamentar experimentado não tinha nem mesmo sophismas a que podesse soccorrer-se para por um momento ao menos defender aquelle seu programma, que desappareceu esfarrapado pela logica incisiva e vigorosa do meu illustre amigo o sr. Lopo Vaz.

O ministerio, pois, está morto! (Apoiados.)

E que larga vida tivesse, não podia estar aqui, porque não dá garantia á liberdade dos cidadãos, porque não sabe manter a ordem, porque não sabe desforçar a capital ultrajada em nome da auctoridade e pela força publica.

Na noite de 17 de junho de 1877 a população de Lisboa era acutilada ás portas do passeio publico. Cincoenta soldados de infanteria e vinte de cavallaria, no centro da cidade, acutilavam os cidadãos covarde e ferozmente e atropellavam as multidões. Não respeitavam nem os enfermos imbolles, nem os mancebos inermes, nem os velhos, que são a dignidade, nem as mulheres, que são a delicadeza, nem as creanças, que são a innocencia. Tudo ía adiante d'aquelles selvagens, que os clamores não detinham, que os gemidos não assustavam, nem o sangue horrorisava.

Fazia-se isto no seio da capital!

O sangue do povo era derramado feroz e covardemente pelos encarregados de manter a ordem, e todavia ainda hoje não se sabe quem é o criminoso!

Os velhos, as mulheres, as creanças eram acutilados, e ainda hoje está impune quem commetteu um tal delicto!

O sangue do povo era derramado nas ruas da cidade, não para defeza da patria, que por essa o dava todo, não em defeza da liberdade, porque lh'a tinham conquistado os nossos paes, mas sim pelo capricho de uma auctoridade, que esquecendo o respeito devido aos cidadãos, e a consideração pelos fracos, ordenava despoticamente que fossem acutilados os cidadãos portuguezes na capital de Portugal?

E que fez o governo diante d'isto? Como é que o governo procedeu em face de um tal attentado? Como vingou o povo, porque n'este caso é precisa a vingança? Demittiu o governador civil?

Perguntarei se o governador civil era o culpado? Era; então o governo não o castigou, porque não o demittiu, nomeou-o director, geral dos correios. (Apoiados.)

Quem são pois os culpados? Serão os commandantes da guarda municipal? Qual é o que está processado?

Foram os soldados da guarda municipal, que só por seu arbitrio, revoltados, cedendo a maus instinctos, acutilaram o povo? Quaes são os soldados expulsos, e quaes os remettidos ao poder judicial?

Foi talvez a camara municipal a unica culpada? Foi sobre a camara que caíram todas as iras, e ella era a unica que não tinha culpa, porque não fez mais do que apresentar á auctoridade competente um mandado da auctoridade judicial para que se cumprisse. (Apoiados.) Foi a camara municipal que soffreu o castigo, não para vingar o povo, nem para lavar as manchas que tinha deixado no sólo o sangue dos cidadãos indefezos, mas porque era contraria á politica do governo! (Apoiados.) O povo ficou inulto! (Apoiados.)

É assim que um governo no seculo XIX, que n'esta epo-

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cha, depois de tantas lutos em prol do direito, depois de tanto sangue espargido, depois de tanta orphandade, depois de tantas provações para conquistar a liberdade e garantir os nossos direitos e os dos nossos filhos, é assim que o governo consente que o povo seja acutilado e esmagado, e deixa impunes seus algozes! (Muitos apoiados.) Contra estes factos é que o povo se levanta! (Apoiados.) Contra esta falta de justiça é que o povo reclama, contra estes crimes dos governos é que o povo se revoluciona. (Apoiados.)

Um governo que assim procede, é que póde chamar-se revolucionario, não governo revolucionario pelo progresso, mas governo revolucionario pelo retrocesso, porque olha para trás o não tem medo do castigo da mulher de Loth. Um governo assim é que compromette a liberdade, que não respeita a justiça, faz perigar as nações, causando a perturbação da paz e da ordem. (Vozes: — Muito bem.)

Um governo assim só cuidadoso com os mortos, e deixando impunemente acutilar os vivos, que decreta como perigosa a liberdade de enterrar os mortos sem benção, e não acha perigosa a liberdade de acutilar o povo sem penas! (Apoiados.) É um governo impossivel e que devo desapparecer d'aquellas cadeiras, mas a quem na hora extrema da sua existencia quero ainda dizer: A liberdade é como a espada de Alexandre, corta todas as difficuldades, resolve todos os problemas.

As liberdades que se concedem ao povo, nunca são perigosas. Perigosas são as liberdades que em um momento de desespero o povo arranca pela propofencia da força á fraqueza dos governos. (Apoiados.) Perigosos são os ministros que obrigam os povos a expulsal-os do poder. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e muitos dignos pares que estavam, na sala.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Barros e Cunha): — De todas as vezes que eu n'este debate por parte do governo tenho usado da palavra, procurei manter a moderação mais completa emquanto o meu dever me obrigava a expor á camara nas instancias e provocações que me foram feitas pelos illustres deputados que apresentaram como politica esta questão, e para não deixar alguem em duvida sobre qual questão é, eu direi que não tratarei de outra cousa mais que a questão da penitenciaria. (Vozes: — Venha ella.)

V. ex.ª sabe que por todos os modos procurei levar a convicção ao espirito da camara, que estando este negocio affecto aos tribunaes me parecia que em todas as suas consequencias criminaes ou civis todos tinham n'esses tribunaes as garantias necessarias e indispensaveis para manter os seus direitos e justiça lhe fosse feita. Mas instado por todos os modos não tive outro recurso senão vir dizer á camara as rasões que me tinham movido, ao procedimento que tinha tido e os illustres deputados censuram.

Não procurei fazer insinuações, procurei ser discreto o reservado, como o dever me impõe que seja, e como sempre fui em assumptos d'esta natureza.

Não fui eu quem lançou nem fui lançar insinuações sobre a administração da penitenciaria central.

Entrei para o governo quando aquelle edificio já se achava em larga construcção, e as insinuações ácerca dos erros da sua administração existiam já, e eu vou mostrar a v. ex.ª e á camara n'um documento original acompanhado do testemunho mais authentico de um illustre deputado que se acha n'esta casa, em nome de um ministro que antecedeu o meu collega da justiça.

Em 8 de setembro de 1876 Antonio Manuel da Silva Junior dirigiu a Sua Magestade El-Rei, pela secretaria da justiça, o seguinte requerimento, pedindo certidões que já requerêra em março e lhe tinham sido negadas sobre abusos e roubos praticados n'aquella obra.

Este requerimento foi mandado com um officio que censura o procedimento do director.

Pois, sr. presidente, fique v. ex.ª e a camara sabendo, que quando entrei no ministerio ainda estas certidões se não tinham passado. O amor pela publicidade nasceu desde que tive a infelicidade de me encontrar face a face com este vergonhoso negocio; nasceu, desde que tendo procurado cumprir o meu dever, me vi forçado a dizer cousas que na realidade não deviam ser tratadas n'este logar.

O que eu fiz fazia-o qualquer ministro. Pois quando o pretendente que tinha requerido por varias vezes ás repartições publicas, que lhe passassem umas certidões sobre roubos que elle dizia existirem sobre fraudes que eram contrarias aos interesses do estado, queriam que eu fechasse os ouvidos e negasse essas certidões? Não podia ser (Apoiados.)

Eu não fiz mais que cumprir o meu dever. (Apoiados.) Não podia fazer outra cousa. (Apoiados.)

Eu não fiz outra cousa senão cumprir o meu dever; não podia proceder de outra maneira. (Apoiados.) E não accuso pessoa alguma de que essa certidão se não tivesse passado; não accuso o governo que me antecedeu, porque elle deu todas as providencias. Mas o que eu não posso de maneira nenhuma admittir é que, se aquelle governo não cuidava de se fazer obedecer pelos seus empregados, e de fazer observar os principios de moralidade e de justiça, se deva tornar-me tambem solidario n'esse precedente errado (Apoiados.), quando todos os dias os illustres deputados dão testemunho da tenacidade com que eu combatia n'esta casa durante o tempo da administração passada (Apoiados.)

Uma outra rasão ainda me moveu a olhar para os negocios da penitenciaria central.

Eu costumo estudar as questões. O edificio era attrahente pela sua fórma e belleza externa, e procurei saber a quanto montava o seu orçamento, quanto poderia custar a construcção, como estavam distribuidas as sommas e quanto custavam os edificios analogos nas nações que tambem possuem penitenciarias d'aquella natureza.

Procurando nos orçamentos da nação ingleza, encontrei que um edificio da mesma natureza para 520 cellulas custava 84:168 libras esterlinas, isto é, 378:000$000 réis, numeros redondos.

O edificio inglez tem 4 alas, emquanto que o nosso tem 6; o inglez tem 520 cellulas, emquanto que o nosso tem 600.

Não ha duvida que o orçamento que tinha sido votado entre nós era insufficiente para a nossa penitenciaria; e que, pelo menos, mais 50 por cento do custo da penitenciaria ingleza deveria ser o custo da penitenciaria portugueza.

É certo, porém, que quando eu entrei para o ministerio se tinham gasto mais de 700:000$000 réis, que hoje já estão gastos mais de 800:000$000 réis, e que segundo o calculo dos engenheiros áquella prisão não poderia ficar concluida com menos de 1.100:000$000 a 1.200:000$000 réis (Apoiados.) se eu não tivesse olhado por elle. Assim custará 900:000$000 a 1.000:000$000 réis.

Em presença d'isto procedi a investigar se por acaso as queixas que se levantavam eram verdadeiras, e se não seria possivel por alguma reforma n'aquella administração conseguir que a penitenciaria de Lisboa custasse pelo menos o mesmo que custava um igual edificio em Inglaterra, comquanto em Inglaterra o material e a mão de obra tenham preço muito mais elevado, como poderei mostrar á camara pelo desenvolvimento dos respectivos orçamentos.

Immediatamente chegou ao conhecimento do governo o que consta dos documentos mandados para a mesa, e eu não sei se effectivamente se publicaram os autos de investigação policial que tambem mandei. Mandei no relatorio dois autos de investigação, varios documentos e contas.

(Áparte da presidencia que não se ouviu.)

Peço perdão a v. ex.ª, eu estou certissimo de que v. ex.ª é tão recto e imparcial como a imparcialidade em pessoa, muitas vezes extravia-se um documento, ou os empregados

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não dão attenção a que elle seja publicado no logar devido. Não sei se se publicaram os autos de investigação policial; mas por elles se vê que as queixas que principalmente chegaram ao governo não eram contra o director da penitenciaria, eram contra uns certos homens ali empreiteiros geraes, que tratavam de executar aquellas obras, e que segundo se dizia não cumpriam ou cumpriam de mais os contratos mandando entrar por uma porta e saír por outra a pedra, a cal, a telha, os tijolos e muitas outras cousas que vão nos depoimentos que foram publicados, e de que o paiz já tem conhecimento.

Pergunto a v. ex.ª o que devia fazer depois d'estes factos chegarem ao meu conhecimento? (Apoiados.) Mandei proceder pela policia, A policia em toda a parte do mundo foi feita para estes casos. (Apoiados.) Eu que não queria levantar intempestivamente suspeita, pedi ao illustre presidente do conselho que mandasse pôr um commissario á minha disposição, não me cabendo de certo a responsabilidade dos meios que em preguei (Apoiados.) Só quero dizer á camara o que é puramente verdade.

O engenheiro Ricardo Julio Ferraz, sabendo que um commissario de policia tinha ido fazer investigações aquella localidade sobre o procedimento dos empregados que estavam debaixo da sua direcção, dirigiu-se ao nobre presidente do conselho para lhe dar parte d'esta offensa que elle dizia que eu tinha feito ao seu caracter, á sua probidade, e dirigiu-me um requerimento, dizendo que por motivos de dignidade pessoal pedia a sua demissão.

Fiz todo o possivel para convencer o sr. Ferraz de que aquella questão não tinha nada com elle. Pedi ao sr. marquez d'Avila e de Bolama que lhe fizesse saber isto mesmo. Encarreguei o director geral do ministerio das obras publicas para que lhe dissesse que no meu espirito e animo não existia a mais pequena suspeita da sua probidade e que lhe aconselhava que deixasse proseguir as investigações policiaes. Mas como o sr. Ferraz tornasse a insistir na sua demissão, não tive remedio senão conceder-lh'a.

O sr. Ricardo Julio Ferraz é verdade que pediu que mandasse fazer uma syndicancia (Apoiados); mas a esse tempo já os inqueritos, os autos policiaes estavam abertos no governo civil de Lisboa, perante o respectivo commissario. Entendi que devia deixar concluir os autos para depois deferir ou indeferir o requerimento do sr. Ferraz.

V. ex.ª sabe muito bem que tinha liberdade plena ou de mandar fazer aquella syndicancia, ouvir o procurador geral da corôa e a junta consultiva, ou mandar directamente para o poder judicial, conforme me parecesse mais conveniente,

Preferi o poder judicial, principalmente porque não se tratando só do engenheiro, mas sim de muitos outros individuos que não tinham nada que ver com a syndicancia feita pelo ministerio das obras publicas em relação á parte technica ou administrativa d'aquelle estabelecimento. Ora v. ex.ª e a camara comprehendem que tendo entrado nova administração para aquelle estabelecimento e tendo-se-me apresentado o estado em que estava a contabilidade, e a maneira dolosa como eram feitos e executados os contratos, eu não podia deixar de tomar resolução energica e radical, a fim de que a administração d'aquellas obras tivesse a reforma que devia ter.

Resultou d'aqui que se conheceu que o sr. Julio Ferraz era socio de um outro negociante d'esta cidade, chamado Mariano Augusto Choque, e que com elle tinha feito contratos.

Não sei se era ou não socio, mas isto consta dos depoimentos que se fizeram nos autos de investigação e das contas da penitenciaria.

Ora como o sr. Julio Ferraz tinha feito operações para fornecimentos d'aquelle edificio, comsigo mesmo, na sua propria firma, eu mando igualmente para a mesa a conta d’esses fornecimentos, na importancia de 24:000$000 réis.

Continuando nas investigações que foi indispensavel fazer, e isto responde cabalmente á provocação que me fez o illustre deputado que acabou de fallar, conheceu-se tambem que ali existiam contratos para o fornecimento do tijolo, a que já alludi n'esta camara, tendo sido contratado por um preço superior áquelle para que havia offertas mais baratas, o que dá um resultado lesivo para o thesouro de perto de 23:000$000 réis.

Comparando o fornecimento de tijolo que foi feito pelo sr. João Alves da Silva, que era o empreiteiro geral de tudo quanto se fazia n'aquelle estabelecimento, com a proposta do sr. Salazar, da villa de Alhandra, de quem este mesmo empreiteiro recebia o tijolo, teria lido o estado uma economia de 23:000$000 réis.

Mando tambem para a mesa este documento, que é copia fornecida pela repartição da contabilidade, para que os illustres deputados não alleguem que não faço as demonstrações, mas que só pretendo lançar no espirito publico insinuações desfavoraveis a alguem.

Acerca d'este empreiteiro geral, aconteceu que tendo elle contratado alvenaria por um certo e determinado preço, lhe foi posteriormente abonado um excesso de pagamento, como compensação em consequencia da allegação que fez de que ficava bastante prejudicado; esses preços foram todos augmentados até 1$000 réis os que pelos contratos eram inferiores, emquanto que actualmente pelos contratos que se fizeram em adjudicação publica a alvenaria de 1$000 réis é paga por 300 réis, a de 1$200 réis é paga por 500 réis, a de 1$500 por 600 réis.

Mandem os illustres deputados mais uma moção de censura.

Tudo isto consta dos documentos que estavam nos archivos da penitenciaria, de que mando igualmente copia.

Estou prompto a subscrever a qualquer syndicancia que a camara dos deputados queira mandar fazer, porque já declarei outra vez e declaro novamente á camara que todas as vezes que a camara dos deputados queira syndicar de qualquer repartição do ministerio das obras publicas, estou prompto a acceitar essa syndicancia.

Peço á camara que acredite que não é culpa minha, se os factos tão implacavelmente collocam alguem em situação desfavoravel.

E se os illustres deputados não tivessem trazido a questão para esta casa, se ella tivesse seguido o seu curso nos tribunaes, de certo não tinha eu a necessidade dolorosa de estar aqui a defender-me das insinuações que se me fazem, porque por estes actos não deveria ter sido accusado.

(Interrupção.)

Eu peço ao illustre deputado que me deixe continuar na defeza em que estou empenhado. (Apoiados.)

Os illustres deputados são uma legião numerosa; o illustre deputado que acabou ha pouco de fallar disse que eu estava completamente isolado e condemando pelos meus amigos e adversarios; peço portanto, que ao menos me deixem a liberdade de me defender. (Apoiados.) Eu não peço compaixão alguma.

Vozes: — Nem precisa.

O Orador: — Tenho por mim os factos e o juizo do paiz.

Os illustres deputados podem condemnar-me por unanimidade; mas tenham a certeza de que isso não impede a minha resolução de dizer a verdade. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, tudo n'aquelle estabelecimento era anormal por falta de fiscalisação unicamente. Acontecia até que o mestre geral da obra era fornecedor: tambem mando nota para a mesa. O homem que devia dirigir aquellas obras, o homem que devia fiscalisar os fornecimentos, era fornecedor tambem. (Vozes: — Ouçam, ouçam.) Veja v. ex.ª e a camara como as cousas corriam. Mas está-se-me afigurando que outras questões transportam o seu espirito a regiões nas quaes se não póde tratar da cal e da areia, materiaes indispensaveis para construir os edificios publicos que o parlamento tem votado.

João Pedro dos Santos, mestre geral, que era quem de-

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via fiscalisar os empreiteiros e fornecimentos, era elle mesmo quem fornecia a areia ao empreiteiro Marques! Aqui está o documento.

(Leu.)

N.° 15 «Recebi do Illmo. sr. João Alves da Silva Marques a quantia de 118$500 réis, importancia de 118m,50 de areia branca, que a rasão de 1$000 réis cada 1m,00 forneci para as obras da construcção da penitenciaria central de Lisboa, na quinzena finda em 15 do corrente.

Penitenciaria central de Lisboa, e escriptorio do empreiteiro, em 19 de fevereiro de 1876. — São R.s 118$500. = João Pedro dos Santos.»

V. ex.ª comprehende que esta anarchia não podia continuar. (Apoiados.)

Em logar de 1.100:000$000 a 1.200:000$000 réis, em que foi calculada a penitenciaria depois que eu conheci d'estas delapidações, feriamos de gastar talvez 2.000:000$000 réis, se se não pozesse um dique (permitta-me a camara que me esqueça um pouco do que estou n'este logar) a um bando de harpias, que depois de devorar ao sommas destinadas aquelle estabelecimento, acabaria por nos devorar a nós. (Apoiados.).

Eu affirmo novamente á camara que ella está n'um erro completo quando julga que da minha parte houve qualquer animadversão contra o sr. Burnay.

Peço-lhe que veja bem que o contrato que se diz que eu rescindi, não existia em relação aos factos a que as contas publicadas no Diario do governo se referem. Todas as negociações ácerca de obras metallicas, isto é, todas as sommas que o sr. Burnay tinha recebido e a que o contrato que submetteram a minha approvação parecia referir-se, eram anteriores á data do contrato. (Apoiados.)

Peço aos illustres deputados que tomem, isto em consideração. Hoje não ha desculpa para esta confusão em que se labora, porque os documentos estão publicados no Diario do governo.

Pois é possivel que fosse dar a minha approvação a um contrato que estabelecia fornecimentos para o futuro, em condições a executar para o futuro, quando me diziam que havia uma conta de 88:000$000 réis em relação ao passado, á qual o mesmo contrato se não referia? (Apoiados.)

Oh! Sr. presidente, pois os illustres deputados que me censuram por tudo...

(Interrupção que não se percebeu.)

Eu não comprehendo o argumento. O que quero dizer á camara é que não posso conceber como os illustres deputados dizem que não approvando eu um contrato que não tinha tido execução, o rescindi! (Apoiados.) Eu não podia deixar de reconhecer os factos. Havia um fornecimento de certas obras metallicas feito por um contratador que tinha recebido 88:000$000 réis do estado em troca d'essas obras.

Os factos existiam e eu não podia deixar de fazer a liquidação. Era o meu dever fazel-a, e saber se o estado devia ou se era credor aquelle individuo. Foi o que fiz, nada mais. (Apoiados.)

Não violei lei alguma. A unica cousa que fiz, foi não sanccionar o contrato que apresentaram á minha approvação, pelos factos que se tinham passado; pelo contrario, mandei que se fizesse um contrato conforme as condições e clausulas estabelecidas no ministerio das obras publicas, ficando ao sr. Bournay completa liberdade para poder concorrer como concorreram outros...

Eu disse igualmente á camara que n'aquelle edificio, tendo-se contratado o fornecimento do tijolo quebrado a 4$000 réis e o inteiro a 7$200 réis, se tinha pago o quebrado por 7$200 réis, como se fosse inteiro.

Verifiquei hoje na repartição de contabilidade do ministerio das obras publicas se estes factos eram verdadeiros. Estão os empregados d'aquelle ministerio a tirar as copias dos documentos pelos quaes se fez o pagamento de avultadas sommas, e que ámanhã trarei á camara.

Isto ainda é a pallida sombra da realidade. Roubou-se, roubou-se muito, roubou-se quasi tudo!

A camara póde censurar o governo, de que faço parte, por tudo quanto lhe parecer conveniente; a camara póde votar ao governo uma moção de desconfiança, póde dizer que o governo é reaccionario, póde fazer o que quizer; mas não tem direito, depois dos factos que acabo de apresentar, e á vista dos documentos que submetto á sua apreciação, de condemnar o procedimento que tive, porque um homem de bem não podia proceder de outro modo.

Vozes: — Muito bem.

Documentos a que se refere este discurso

Nota do pessoal auxiliar empregado na penitenciaria central de Lisboa, nos mezes de março e dezembro de 1877, com os seus vencimentos diarios

Em março de 1877

1 Mestre peral, João Pedro dos Santos — serviço na obra 2$000

2 Mestre, Luiz da (Vista — idem......................... $800

3 Apparelhador, João Martins Dias — idem................ 1$200

4 Encarregado (pedreiro), José da Costa — idem.......... $800

5 Dito (dito) Antonio Lopes — idem...................... $800

6 Dito (dito), João José Nogueira — idem................ $800

7 Dito (dito), José Candido — idem...................... $800

8 Dito (dito), Theodoro Maria Fonseca — idem............ $800

9 Dito (carpinteiro), Nicolau José — idem.............. 1$000

10 Dito (dito), Antonia Estanislau — idem............... $950

11 Dito (canteiro), David Francisco Antonio — idem...... $900

12 Dito (dito), Antonio Felix — idem..................... $850

13 Dito (estueador), Domingos Affonso de Oliveira — idem. $650

14 Dito (pintor), José Nunes — idem..................... $850

15 Dito (ferreiro), Florindo Antonio — idem.............. $850

16 Dito (dito), José Alves Matos — idem.................. $850

17 Apontador geral, Carlos João Neumayer— idem........... $700

18 Apontador, Henrique Luiz da Silva — serviço de secretaria em Lisboa. $500

19 Olheiro, Arthur Leitão — idem..................... $450

20 Dito, Manuel da Silva Nobre — idem................ $400

21 Dito, João Francisco Victor — idem................ $620

22 Dito, João Bernardino Reis — serviço na obra.......$500

23 Dito, Antonio de Campos Andrade — idem............ $500

24 Dito, Antonio Francisco Campos — idem............. $500

25 Dito, Antonio Lopes Branco — idem................. $500

26 Dito, Eduardo M. Sarmento — idem.................. $500

27 Dito, João José Nunes — idem...................... $500

28 Dito, Joaquim P. Chagas — idem.................... $500

29 Dito, Antonio Lino Alfaro — servindo de continuo...$420

30 Dito, Guilherme A. Ferreira — idem................ $400

31 Dito, Lazaro da Silva Vasques — ferramenteiro......$450

32 Dito, João Domingos Palermo — fiscal do material...$500

33 Dito, Ernesto Bruno — ajudante do ferramenteiro... $320

34 Dito, Antonio Sousa Tavares — guarda do material...$450

35 Dito, Francisco T. Salles — idem.................. $400

36 Dito, José da Cunha — serviço na obra............. $400

37 Dito, Gabriel Gouveia — idem...................... $400

38 Dito, Manuel H. Cordeiro — idem................... $400

39 Dito, Francisco Antonio Tavora — idem............. $500

40 Dito, José Osorio da Fonseca — idem............... $500

41 Dito, Antonio Maria Lopes — idem.................. $500

42 Dito, Manuel Victor de Oliveira — idem............ $450

43 Dito, Antonio Maciel - idem....................... $450

44 Dito, Alvaro F. Cabral — idem..................... $450

45 Dito, Alvaro Simões — idem........................ $450

46 Dito, José Maria Clemente — idem.................. $450

47 Dito, Luiz de Sousa — idem...................... $450

48 Dito, Thomás S. Arthur — idem................... $400

49 Dito, Manuel dos Santos — idem.................. $400

50 Dito, Bento José Vieira — idem.................. $400

51 Dito, Domingos Pires — idem..................... $400

52 Dito, Jeronymo Lucas — idem..................... $400

53 Dito, João Carvalho Lima — idem................. $400

54 Dito, Manuel Abreu — idem....................... $380

55 Dito, Antonio Diniz — idem...................... $360

56 Dito, José Lopes — idem......................... $360

57 Dito, Antonio Tavares — idem.................... $360

58 Dito, José Neves Loureiro — idem................ $360

59 Dito, Luiz Carlos Cysneiros — idem.............. $360

60 Dito, José Nunes Lapa — idem................... $360

61 Dito, Antonio Lopes — idem..................... $340

62 Dito, João Antonio — idem....................... $320

63 Dito, José Luiz de Araujo — idem................ $320

1 Chefe dos guardas, José Francisco — idem..........$550

2 Guarda, Joaquim Vieira — idem.................... $360

3 Dito, Antonio Manuel — idem...................... $360

4 Dito, Francisco Gonçalves — idem..................$360

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5 Guarda, Antonio José Moreira — idem.............. $360

6 Dito, Domingos Spinhola — idem................... $360

7 Dito, Francisco Ignacio — idem................... $360

8 Dito, Luiz Antonio — idem........................ $360

9 Dito, Francisco Antonio — idem................... $360

10 Dito, Balthazar Pereira — idem.................. $360

11 Dito, Vicente Duarte — idem..................... $360

12 Dito, Manuel Bernardo — idem.................... $360 - 39$790

Está conforme. — Secretaria da direcção das obras da penitenciaria central de Lisboa, em 14 de janeiro de 1878. = João Teixeira Doria, alferes em commissão.

Em dezembro de 1877

1 Encarregado (carpinteiro), Melitão Antonio Rodrigues — serviço na obra................................. 1$000

2 Dito (pedreiro), Theodoro Maria Fonseca.......... $800

3 Dito (carpinteiro), Constantino dos Santos....... $800

4 Dito (pedreiro), Antonio Maria Roziers........... $900

5 Dito (dito), Luiz da Costa....................... $800

6 Dito (dito), José da Costa....................... $800

7 Dito (carpinteiro), Antonio Estanislau........... $950

8 Dito (dito), Manuel José de Sá................... $850

9 Dito (canteiro), José Maria Moreira.............. $850

10 Dito (dito), Bazilio dos Santos................. $850

11 Dito (serralheiro), Joaquim Pedro Monteiro...... 1$250

12 Dito (estueador), Domingos Affonso de Oliveira... $800

13 Apontador geral, Carlos João Neumayer............ $700

14 Apontador de 2.ª Henrique Luiz da Silva.......... $450

15 Apontador, José Maria Clemente................... $450

16 Dito, Antonio Luiz de Sousa...................... $450

17 Apontador de 3.ª, Eduardo José Maria Sarmento.... $400

18 Dito, Antonio Maria Lopes........................ $400

19 Dito, Domingos Pires............................. $400

20 Dito, Antonio Maciel............................. $400

21 Fiei de armazem, Lazaro da Silva Vasques......... $500

22 Empregado eventual, Antonio Francisco de Campos — secretaria.... $500

23 Empregado eventual, Joaquim Pinheiro Chagas — idem $500

24 Dito, João José da Silva Nunes — idem............. $400

25 Dito, Luiz Carlos Cysneiros — idem................ $400

26 Servente, Mauuel Vicente Oliveira — serviço de secretaria... $400

27 Dito, Guilherme A. Ferreira — idem................ $400

28 Dito, Manuel Antonio Alves — serviço de obra....... $360

29 Olheiro, Bento José Vieira......................... $360

30 Dito, João Antonio................................. $360

31 Dito, Manuel de Abreu.............................. $360

32 Dito, Antonio Pedro Teixeira....................... $360

33 Dito, Francisco Thomás Salles...................... $360

34 Dito, Manuel José da Silva Nobre................... $360

35 Chefe dos guardas, José Francisco.................. $550

36 Guarda, Joaquim Vieira............................. $360

37 Dito, Domingos Spinkola............................ $360

38 Guarda, Luiz Antonio............................... $360

39 Dito, Vicente Duarte............................... $360

40 Dito, Francisco Antonio............................ $360

41 Dito, Manuel Bernardo.............................. $360

42 Dito, João José Pereira............................ $360 - 22$990

Resumo

Pessoal existente em março de 1877

1 Mestre geral..................................... 2$000

15 Mestres e encarregados.......................... 12$850

47 Apontadores, empregados e olheiros.............. 20$430

12 Guardas......................................... 4$510 - 39$790

Pessoal existente em dezembro de 1877

12 Encarregados.................................. 10$650

22 Apontadores, empregados e olheiros............. 9$270

8 Guardas........................................ 3$070 - 22$990

Está conforme. — Secretaria da direcção das obras da penitenciaria de Lisboa, em 14 de janeiro de 1878. = João Teixeira Doria, alferes em commissão.

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N.º 1

Mão de obra de alvenaria, beton e reboco pago a João Alves da Silva Marques desde 31 de janeiro de 1874 até 6 de abril de 1876

[Ver Diário Original]

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N.º 3

Telha, cal, chumbo, grude e assentamentos de cantaria pagos a João Alves da Silva Marques desde 29 de agosto de 1874 até 3 de março de 1876

[Ver Diário Original]

N.º 4 Madeiras pagas a João da Silva desde 15 de agosto de 1874 até 2 de novembro de 1876

N.º 5

Materiais diversos pagos a João Alves da Silva Marquez desde 11 de abril de 1874 até 29 de dezembro de 1876

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Resumo das coutas n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, pagas a João Alves da Silva Marques

N.° 1 Mão de obra de alvenaria, beton e rebocos.... 18:861$829

N.º 2 Escavações, demolições, arranco e arrumação de pedra.. 14:796$824

N.º 3 Telha, cal, chumbo, grude e assentamento de cantaria.... 3:354$023

N.° 4 Madeiras differentes........................ 4:904$729

N.° 5 Materiaes diversos.......................... 2:845$126 - 44:762$531

Fornecimento de tijolo e de areia................. 101:762$059 - 146:528$590

Secretaria da penitenciaria central de Lisboa, 14 de janeiro de 1878. = João Teixeira Doria, alferes em commissão.

Quadro comparativo dos preços elementares e importancia dos tres lotes de obras de ferro arrematadas em 22 de dezembro de 1877

[Ver Diário Original]

Direcção das obras da penitenciaria central de Lisboa, em 26 de dezembro de 1877. = O engenheiro director, José de Oliveira Garção de C. C. de Andrade.

Esta conforme. — Repartição central do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em de janeiro de 1878. = Viriato Luiz Nogueira.

COPIA

Ministerio das obras publicas — Repartição central — Direcção das obras da penitenciaria central de Lisboa — N.° 147. — Illmo. e exmo. sr. — Cumpre-me passar ás mãos de v. ex.ª o incluso processo da arrematação que no dia 3 do corrente mez teve logar na administração do concelho de Belem, com respeito á construcção da estructura metallica da capella da penitenciaria central.

Tendo sido apresentadas no concurso publico duas propostas, uma do gerente da fabrica industrial social, offerecendo o abatimento de 5 por cento sob condições de que lhe seriam acceites sem modificação alguma os desenhos de execução que apresentaria opportunamente, e a outra por parte de Theotonio José Xavier, com officina de serralheria na rua do Jardim do Tabaco, offerecendo o abatimento de 20 por cento e sujeitando-se ás condições e desenhos presentes no acto da arrematação, rogo a v. ex.ª se digne submetter esta ultima proposta á approvação de s. ex.ª o ministro, para no caso de ser concedida, se lavrar o respectivo contrato.

Deus guarde a v. ex.ª — Direcção das obras da penitenciaria central, em 4 de janeiro de 1878. — Illmo. e exmo. sr. director geral das obras publicas e minas. = O engenheiro director, José de Oliveira Garção de C. C. de Andrade.

Está conforme. — Repartição central do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em de janeiro de 1878. = Viriato Luiz Nogueira.

Ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça — Direcção geral dos negocios de justiça. — 2.ª Repartição. — Illmo. e exmo. sr. — Encarrega-me o exmo. ministro o secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, de remetter a v. ex.ª o incluso requerimento, em que Antonio Manuel dos Santos Junior insta por que lhe sejam mandadas passar differentes certidões ácerca das obras da cadeia penitenciaria central de Lisboa, por elle pedidas nos requerimentos que com officio d’este ministerio foram enviados a v. ex.ª em 8 do mez proximo preterito, e de rogar a v. ex.ª se sirva de informar o que se lhe offerecer a tal respeito.

Deus guarde a v. ex.ª — Secretaria d’estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de setembro de 1878. — Ilmo. e exmo. sr. engenheiro Ricardo Julio Ferraz. = Thomás Ribeiro, director geral.

Senhor. — Diz Antonio Manuel dos Santos Junior, que havendo requerido pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em data de 2 de agosto ultimo, varias certidões que deviam ser passadas pela direcção da penitenciaria central, certidões que ainda não foram passadas até esta data, e parecendo haver conveniencia (ao supplicante) em que se não possa dizer que as referidas certidões se não passam, porque a isso se oppõem interesses particulares, pois que é de todo o ponto conveniente que para todos se erga sempre incolume e acima de todas as suspeitas a responsabilidade e independencia de todas as repartições publicas, ainda as de mais inferior categoria; por isso o supplicante de novo pede a Vossa Magestade a graça de mandar passar as referidas certidões, pelo que E. R. M.ce

Lisboa, 1 de setembro de 1876. = Antonio Manuel dos Santos Junior.

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[Ver Diário Original]

Está conforme. Secretaria da direcção da penitenciaria central de Lisboa, em 24 de janeiro de 1878. = João Teixeira Doria, alferes em commissão.

Repartição de contabilidade do ministerio das obras publicas, commercio e industria, 12 de julgo de 1877. = Pedro Roberto Dias da Silva.

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[Ver Diário Original]

Observações

1.ª Anteriormente ao contrato se pagaram ao mesmo individuo diversas verbas para terraplanagens e vedação da eira destinada à fabricação de tijolo, com como a despeza feita com a construcção de furos, tanques, etc., e bem assim pelo fornecimento da agua consumida no mesmo fabrico. Estas verbas não são mencionadas.

2.ª Está lançada a cargo da conta do tijolo inteiro uma grande porção de tijolo partido, pago pelo preço do primeiro, e que, segundo consta dos documentos, não era fabricado nos fornos da obra, mas vinha de fóra.

3.ª Na columna do tijolo partido deve descontar-se a quantidade de 63:391 tijolos que, por um documento datado de maio de 1877, passou a ser considerado como inteiro, pagando-se por esse documento o excesso do preço.

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Ministerio das obras publicas, commercio e industria — Repartição central — Exm.o sr. — Attendendo á grande porção de tijolo de Alhandra que a obra da penitenciaria a cargo de v. ex.ª precisa, proponho-me a fornecel-o pelos seguintes preços:

Tijolo inteiro, posto na obra, livre de toda a despeza, por cada milheiro 6$000 réis.

Traçado em dois bocados, com as mesmas condições, 3$500 réis.

Estes preços são com a condição que o consumo do tijolo inteiro não será muito superior ao do tijolo traçado.

Sendo esta minha proposta acceitavel, posso desde já pôr á disposição de v. ex.ª 500 milheiros entre um e outro.

Aproveito tambem a occasião para propôr a v. ex.ª que me obrigo a fornecer toda a telha de Alhandra que for necessaria para a dita obra.

Pedia a v. ex.ª que me désse a resposta com urgencia para meu governo.

Lisboa, 1 de julho de 1875. Sou, com toda a consideração o respeito, de v. ex.ª muito attento venerador e orçado. — Luiz Salazar Junior. (Rua dos Fanqueiros, 296.)

Está conforme. — Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 24 de janeiro de 1878. = Viriato Luiz Nogueira.

copia

Ministerio das obras publicas, commercio e industria — Repartição central. — Aos 30 dias do mez de janeiro do anno do nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo, na secretaria da direcção das obras da penitenciaria central de Lisboa, em Campolide, estando presentes o engenheiro director o exmo. sr. Ricardo Julio Ferraz e o conductor chefe da secção João Francisco Cardoso dos Santos, e commigo Francisco de Assis Lobato Pires, amanuense da contabilidade, e as testemunhas Augusto Antonio de Almeida Grillo e Ernesto Borges Bicudo, amanuenses, todos empregados da mesma direcção, compareceu presente João Alves da Silva Marques, para, em conformidade das convenções estabelecidas com elle, proceder ao contraio definitivo do fornecimento de tijolo para a construcção do edificio da penitenciaria central de Lisboa, debaixo das seguintes condições:

1.ª O empreiteiro é obrigado a fornecer o tijolo pelas dimensões que lhe forem dadas, satisfazendo a todas as necessidades da construcção, ainda que tenha de se abastecer fóra quando não produza o sufficiente para o consumo, sem que por isso tenha direito a indemnisação alguma;

2.ª Os fornos, telheiros e quaesquer utensilios pertencentes á direcção, ficam ao serviço do empreiteiro e á sua responsabilidade; o que porém de futuro lhe for mister para o desempenho do seu trabalho, será provido por sua conta, á excepção dos fornos e agua;

3.ª A escolha do barro o a execução do fabrico ficam ao arbitrio do empreiteiro, devendo comtudo sujeitar-se ás indicações que superiormente lhe forem intimadas, quando as conveniencias do serviço o exijam;

4.ª Só se acceita ao empreiteiro o tijolo bem cozido, podendo ser sujeito ás experiencias usadas para se reconhecer a boa qualidade, e n'estas condições, e quando inteiro, será pago a 7$200 réis o milheiro;

5.ª O tijolo de alvenaria que estiver partido em dois pagar-se-ha a 4?$000 réis o milheiro, admittindo-se porém na proporção de um por dois do inteiro;

6.ª O tijolo rejeitado não dará entrada nos armazens, e se houver necessidade dos pequenos fragmentos, o empreiteiro sujeitar-se-ha a um preço arbitral em vista das suas condições especiaes;

7.ª O tijolo será recebido ao empreiteiro nos depositos que se lhe indicarem dentro do recinto da obra, onde deve estar presente á contagem um empregado seu, aliás não terá direito a reclamações, e quando por acaso tenha de as fazer só poderão ter logar immediatamente a qualquer liquidação. Não as fazendo logo, entende-se que se conforma com a contagem;

8.ª O empreiteiro não poderá distrahir para o consumo particular o tijolo fabricado para esta obra e no recinto d'ella;

9.ª Alem d'estas condições o empreiteiro é obrigado a sujeitar-se a todas as estabelecidas nos regulamentos em vigor e leis de empreitadas;

10.ª Quando por conveniencia do serviço for necessario sustar o fornecimento do tijolo, será o empreiteiro prevenido com um mez de antecedencia, e não poderá allegar o direito a indemnisação.

E para constar se lavrou o presente auto, que, depois de ser lido e julgado conforme, vae assignado por todos que n'elle tomaram parte, e por mim Francisco de Assis Lobato Pires, que o escrevi e subscrevo.

Campolide, 30 de janeiro de 1875. = O engenheiro director, Ricardo Julio Ferraz = O conductor chefe da secção, João F. Cardoso dos Santos — O empreiteiro, João Alves da Silva Marques = As testemunhas, Augusto Antonio de Almeida Grillo Ernesto Borges Bicuda = O amanuense da contabilidade, Francisco de Assis Lobato Pires.

Está conforme. — Repartição central do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 21 de janeiro de 1878. = Viriato Luiz Nogueira.

O sr. Thomás Ribeiro: — Antes de tomar a palavra n'esta assembléa desejo que a camara manifeste claramente se eu o posso fazer.

Ha dias, quando vi que alguns srs. deputados se inscreviam sobre a ordem, julguei que me iam preterir na ordem da inscripção, e pedi a v. ex.ª que riscasse o meu nome. Não sei se o fez, mas sei que o pedi. Agora v. ex.ª faz-me o favor de dar-me a palavra, mas pelo que acabo de dizer entendo que não posso usar della, sem que a Camara me conceda licença.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, e por isso peço licença para ler a minha moção.

É a seguinte:

«A camara tendo ouvido as explicações do governo, e certa de que a sua gerencia se desviou das normas legaes e dos principios da tolerancia politica ha tantos annos mantida com proveito e applauso do paiz; e tendo em consideração que para resolver a questão de fazenda, as medidas apresentadas, são votos de confiança tão amplos e incondicionaes que o parlamento votando-os abdicaria das faculdades que a lei só a elle confere, e observando que na applicação dos dinheiros publicos o governo deixou sem dotação a obra mais importante do paiz, segundo elle mesmo reconheceu, não póde continuar-lhe a sua confiança politica, e passa á ordem do dia.»

Eu não podia tomar a palavra em circumstancias apparentemente mais embaraçosas.

A camara que desde a sua installação, que desde o principio d'esta sessão, tem pedido constantemente, e por todos os modos, ao sr. ministro das obras publicas, a graça especial de lhe mandar todos os documentos que tivesse em seu poder, e dos quaes podesse resultar qualquer desaire para o engenheiro que dirigiu as obras da penitenciaria, recebo em cada dia uma parte d'esses documentos, exigindo-se-lhe que responda, como se todos já lhe fossem apresentados, o que é absolutamente impossivel.

Por que motivo não apresentou o sr. ministro das obras publicas ha mais tempo os documentos a que hoje se referiu? Ainda ficarão de reserva alguns, depois da allocução que fez hoje para apresentar os que mandou para a mesa?

Peço em nome da dignidade da camara, em nome da dignidade de um deputado que está profundamente ultra-

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jado pelas declarações de um ministro, que venham por uma vez a esta casa todos os documentos que s. ex.ª porventura conserve ainda na algibeira. (Apoiados.)

Não se trata simplesmente de um desacato na fórma, mas tambem de um desacato na essencia.

Esta questão da penitenciaria, sr. presidente, pela qual eu vou principiar, visto que me é forçoso que desde já eu diga alguma cousa do que sinto ao illustre ministro das obras publicas; esta questão da penitenciaria, que é inadmissivel pela fórma por que foi intentada, e pelo modo por que tem sido defendida, vae-se tornando mais inadmissivel ainda pela fórma por que acaba de sustental-a o illustre ministro das obras publicas. (Muitos apoiados.)

A que vem esta hypocrisia de se dizer todos os dias, quando se falla no nome do nosso collega, que a honra d'elle está acima de todas as suspeitas, que o seu caracter é superior a todas as imputações, e dizer-se ao mesmo tempo por palavras na camara, como já se tinha dito ao paiz pelas insignes portarias, que elle está associado com um homem que fazia fornecimentos para a penitenciaria?!... (Muitos apoiados.)

Que quer isto dizer?!...

Quer dizer clara e terminantemente que o sr. Ferraz se locupletava com as encommendas que eram feitas para a penitenciaria. (Muitos apoiados.)

Pois quem tem a coragem das insinuações, tenha a coragem da accusação franca e aberta. (Muitos apoiados.)

O sr. ministro das obras publicas leva tão longe o seu respeito pelo caracter d'este cavalheiro, que nos acaba de dizer que tinha entendido dever seguir o caminho do poder judicial, porque este poder está acima de toda a suspeita; que entendeu dever seguir este caminho, principalmente porque não se entendia nada com o sr. Ferraz, mas que o não entregou aos tribunaes.

Que quer dizer este principalmente!!...

Pois, quando um ministro trata de justiça, e quando a carta constitucional nos diz que são todos iguaes perante a lei, ha almas perdidas que appellam para o poder judicial, e não se entrega a esse poder o sr. Ferraz, se elle é o falsario ou o delapidador que s. ex.ª quer dar a entender que é?!... (Muitos apoiados.)

Pois tem privilegio o sr. Ferraz, que contratou absurdamente cantaria que hoje se paga a 600 réis, e que no tempo da sua gerencia se pagava a 1$000 réis, ou a 1$200 réis, ou a não sei quanto? (Muitos apoiados.)

Pois isto não é uma delapidação da fazenda publica?!... Como é então que s. ex.ª, que é seu fiscal, diz agora que o salvava dos tribunaes, porque sabia que a sua consciencia estava limpa! (Muitos apoiados.)

Como estava limpa?!... Sr. ministro das obras publicas, toda a franqueza perante o parlamento. (Muitos apoiados.)

Sabe s. ex.ª de que accusa o antigo director das obras da penitenciaria? De ladrão; por consequencia submetta-o aos tribunaes, como submetteu os miseraveis que entendeu que podiam servir de repasto ás disposições mais cruas do codigo penal. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

E digo tambem. Quer s. ex.ª que decida a camara uma questão principalmente technica? (Apoiados.)

Uma voz: — Então para que a trouxeram?

O Orador: — Porque a trouxemos? Porque nos aggravava (Apoiados), porque lançava sobre um partido inteiro uma suspeita terrivel. (Muitos apoiados.)

Uma voz: — Por isso se foi para os tribunaes.

O Orador: — Mas fossem para os tribunaes preparados, mas fossem todos e não houvesse excepções.

E o que fez o governo a um engenheiro distincto, a um homem que preza a sua honra e a sua dignidade, a um homem de bem? (Apoiados.)

Quando um dia elle entrava na penitenciaria, cujas obras dirige, dizem-lhe que um ministro da corôa, o qual tem á sua disposição todos os meios legaes para fazer syndicancias, lhe mandára para lá os beleguins da policia! (Muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Nunca desceu tão baixo o poder executivo no meu paiz! (Muitos apoiados.)

O que fez o ministro? Demitte ou suspende o director de quem desconfia e manda immediatamente syndicar? Não. (Apoiados.) Mais ainda. Como respondeu o sr. ministro das obras publicas, quando o desgraçado, que não tem mais nada, apesar de ser da firma Choque & Ferraz, do que a sua honra para deixar a seus filhos, lhe entrou arrastado pela porta dentro o pediu uma syndicancia ao seu procedimento? Como respondei!? Respondeu negando a syndicancia.

Pois a syndicancia para elle, que era victima de accusações e suspeitas envenenadas, era toda a sua defeza. Se lh'a concedessem não iria á penitenciaria uma commissão de engenheiros, de homens technicos e competentes para decidirem dos seus actos, e não o absolveriam? (Apoiados.)

O procedimento que houve, e a fórma por que isso se fez é que o deshonrou. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, não póde nenhum ministro mandar invadir nenhuma repartição por nenhum esbirro. (Muitos apoiados.)

Eu prezo-me de ser um homem de bem, um funccionario fiel, mas se ámanhã o sr. ministro das obras publicas se lembrar de dizer a meia duzia de espiões que entrem na minha secretaria, hei de consentil-o de boamente, hei de ficar deshonrado? (Apoiados.) A meia duzia de espiões a quem se offereçam logares, para acharem aquillo que se não sabe que lá está. (Muitos apoiados.)

Pois é d'este modo que se trata da honra de um funccionario publico? E vem depois dizer-se: «Eu sou muito justo!»

Eu conheço pouco o sr. Ricardo Julio Ferraz, conheço-o apenas pelo contacto em que estive com elle, como director geral da justiça e elle director da penitenciaria, que então corria sob as vistas do ministro da justiça. E sabe v. ex.ª o que vi? Posso dizel-o francamente, porque n'isto não offendo ninguem. O governo tinha pressa de acabar a penitenciaria, recommendava todos os dias aos seus agentes subalternos que andassem depressa nas obras, e o sr. Ferraz era incansavel em satisfazer os seus desejos. E, porque, ás vezos, fallava uma formalidade, que o sr. ministro das obras publicas por si, e para si, tão facilmente dispensa, vem s. ex.ª declarar á camara: «Eu fiz isto, e mais isto, louvem-me, platéas!»

S. ex.ª quer tanta benevolencia para comsigo, por calcar a lei, e para com um empregado subalterno faz isto? Diz a um homem de boa fé que faça fornecimentos e vem depois dizer que esses fornecimentos estavam já pagos antes de estarem completos! Não é possivel argumentar assim.

Eu não sei se foi cara a cantaria que se comprou, não sei a distancia a que estava, não sei as difficuldades que havia para ella ser posta na penitenciaria, sabem-no os technicos. (Apoiados.)

Eu não sei se o tijolo que se obtem mais barato é peior do que o que se comprou mais caro; sabem-no os technicos.

Mas o que digo é que em uma obra, que, segundo a opinião do sr. ministro das obras publicas, ha de importar em 1.200:000$000 réis approximadamente, cento e tantos contos de tijolo não são para admirar.

Não sei se v. ex.ª e os meus collegas visitaram já aquelle estabelecimento; não sei, mas o que sei é que não ha um bocado de madeira empregado n'aquelle edificio; todas as paredes, todos os revestimentos, todas as abobadas, todos os pavimentos são, em grande parte, feitos de tijolo; não ha nada ali em que não entre o tijolo como principio. Então para uma obra de tanto vulto, que chega a 1.200:000$000 réis de preço, acha s. ex.ª muito que haja 120:000$000 réis ou 150:000$000 réis de tijolo? Não se póde argumen-

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tar assim. Era preciso que s. ex.ª dissesse: — chamei homens competentes, mandei avaliar o que estava feito (Apoiados.), mandei ver as qualidades dos materiaes fornecidos, — e só depois é que poderemos decidir afoitamente se foi, ou não, boa a administração nas obras da penitenciaria. (Apoiados.)

Sabe v. ex.ª o que vejo em tudo isto? É que o ministerio não quer a penitenciaria.

O sr. presidente do conselho já declarou positivamente que não sympathisava com a penitenciaria, já disse que tinha medo de construir aquelle edificio, e se s. ex.ª tem medo, não é de certo porque os seus crimes o possam levar lá; é que não gosta d'ella.

Quero querer que na penitenciaria houvesse menos boa administração (Apoiados.), mas tambem creio, e não tenho duvida nenhuma em o dizer, que s. ex.ª podia chegar ao conhecimento de tudo sem empregar a corrupção e o escandalo. (Apoiados.)

Mas sabe v. ex.ª o que quer o governo com tudo isto? Sabe v. ex.ª o que elle entende? Entende que é muito melhor que nós continuemos por muitos largos annos, emguanto forem ministros estes senhores, a ter como prisão crestado o Limoeiro, que é um verdadeiro pantano, uma lagoa, d'onde emanam todos os miasmas moraes! (Apoiados.) Toda a gente sabe o que são as actuaes cadeias, todos sabem que os que n'ellas entram, saem de lá peioros do que entraram; saem perdidissimos! (Apoiados.)

O governo sabe adiar as obras da penitenciaria, mas não se lembra, como era do seu dever n'um caso d'estes, de apresentar ao parlamento um projecto de modificação da penitenciaria, ou de outro edificio que substitua o d'aquelle systema! Não, não é d'este modo, não é assim, que se póde fazer adiar uma lei do estado, que manda construir a penitenciaria, quando é certo que para a sua construcção e o seu acabamento estamos empenhados nós todos, e comnosco o paiz inteiro, porque é uma necessidade publica. (Muitos apoiados.)

Estou muito cansado e tenho muita cousa a dizer...

Vozes: — Descanse, descanse.

(Orador descansou alguns momentos, dominado pelo vigor com que tinha exposto as suas reflexões entre os applausos da maioria.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Avila e de Bolama): — Emquanto o illustre deputado descansa, peço a v. ex.ª que tome nota da declaração que faço, de que Sua Magestade recebe ámanhã, pela uma hora da tarde, no paço da Ajuda, a deputação da camara que lhe ha de apresentar a resposta ao discurso da corôa.

O sr. Presidente: — A deputação que ha de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa é composta, alem da mesa, dos seguintes srs.:

Telles de Vasconcellos.

Sousa Lobo.

Conde de Bretiandos.

João Maria de Magalhães.

Jeronymo Pimentel.

Pereira Rodrigues.

Francisco de Albuquerque.

Van-Zeller.

José Guilherme.

Luiz Bivar.

Visconde de Guedes Teixeira.

Peço aos srs. deputados que foram nomeados para formar essa deputação, que tenham a bondade de comparecer ámanhã no paço da Ajuda, pela uma hora da tarde.

O sr. Thomás Ribeiro (continuando): — Ainda a respeito da penitenciaria vou dizer alguma cousa, mas elevando menos a voz, aliás não chegarei ao fim do que tenho a dizer.

O illustre ministro levou ao poder judicial a questão da penitenciaria, e argumentou-nos com uma parte do processo que foi instaurado, com esta desgraçada questão da inquirição feita pela policia!!

Prasa a Deus, que se as ondas da politica, que ás vezes são traiçoeiras e maleficas, levarem o illustre ministro a ponto de naufragio, nunca s. ex.ª se veja a braços com outro espirito de tal fórma visionario como o de s. ex.ª, nem com um processo de tal fórma escandaloso, como foi aquelle a que se procedeu na policia de Lisboa.

Entre os processos da inquisição de odiosa memoria e os processos da gloria e honra do actual gabinete, inventados n'esta epocha, prefiro aquelles; ali ao menos havia a recompensa do céu, aqui havia uns poucos de empregos na alfandega e nos consulados, e não sei se algum habito de Christo, e foi, creio eu, o que excitou o zêlo pharisaico de meia duzia de homens sem grande conceito, a vir denunciar, por interesse proprio, aquillo que podiam não ter encontrado.

O sr. Ministro da Fazenda: — Para a alfandega não despachei ninguem.

O Orador: — Creio que mesmo n'essa parte o sr. ministro das obras publicas prometteu e não cumpriu.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Nem prometti.

O Orador: — Pois correu isso como certo, e creio que até está nos depoimentos publicados.

Vozes: — Está, está.

O Orador: — Tenha paciencia, sr. ministro das obras publicas, v. ex.ª argumenta-nos com os depoimentos, ha de soffrer-lhe as consequencias. (Apoiados.)

Mas n'esta parte ninguem está em peiores circumstancias para poder fallar, do que eu, que tenho de restringir-me muito a uma simples declaração que vou fazer.

Se o governo na sua soberana e augusta imparcialidade entendeu que devia fazer do poder judicial juiz d'este tenebroso pleito, devia confiar inteiramente n'elle; (Apoiados.) e não levar a sua intervenção até ao ponto de se poder imaginar que elle tinha interesse n'uma ou outra decisão do mesmo poder. (Apoiados.)

O sr. ministro das obras publicas apresentou aqui os depoimentos que se levantaram na policia, e creio que houve outros depoimentos que decidiram o despacho do juiz. (Apoiados.)

A camara comprehendo perfeitamente que não posso ir alem d'isto, quando trato da intervenção do poder judicial n'este negocio.

Vozes: — Pôde, póde. Não é aqui director geral, é deputado.

O Orador: — Assim é, mas deixem-me com a minha consciencia.

Dou por findo este incidente provocado pelo sr. ministro das obras publicas com a apresentação de novos documentos, que eu espero agora que sejam os ultimos.

Fallemos n'um tom mais moderado a respeito de outras considerações com que vou terminar o meu discurso, se o estado em que me acho m'o deixar concluir, como desejo.

Agora supponho que a não ser a questão dos caminhos de ferro do Minho e Douro, que ainda está por tratar, e que o ha de ser por orador de mais competencia do que eu, as contas que a camara tinha que ajustar com o governo vão quasi findas!

Não é minha intenção protellar o debate, e já vejo que não posso adduzir novos argumentos para elucidar as questões que têem sido ventiladas.

Foram proficientemente tratadas as questões de fazenda. Foi brilhantemente tratada a questão da penitenciaria. Foram perfeitamente tratadas as questões do futuro, isto é, das propostas que o governo nos apresentou. Emfim, foi tudo tão completamente tratado e discutido que a mim me cabe simplesmente, como epilogo do que tinha a dizer, fazer uma breve resenha dos motivos pelos quaes esta camara, considerada velha e decrepita, vae retemparar-se no voto popular, como ha pouco tempo nos foi annunciado pelo no-

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bro presidente do conselho, não em termos tão explicitos, mas de um modo que se comprehendeu perfeitamente.

Temos quatro annos de existencia.

Estes quatro annos têem sido bem trabalhados.

Tivemos a fortuna, nós os regeneradores, de chegarmos ao fim sem perdermos nenhum dos nossos amigos. O partido regenerador póde gloriar-se d'isto.

Estamos em vesperas de uma dissolução devidamente annunciada, primeiramente pela imprensa do governo, e ha poucos dias pelo nobre presidente do conselho, o parece-me que o que nos cumpre agora é fazer penitencia e prepararmos-nos para bem morrer.

Quando se levantou pela primeira vez a idéa do que nós íamos ser dissolvidos, tive curiosidade dever as circumstancias em que este golpe de estado, porque é um golpe de estado uma dissolução, se tinha dado entre nós, e achei que sempre este facto tinha sido produzido por motivos ponderosos.

Por exemplo, a revolução de setembro de 1836, que obrigou a fazer uma nova constituição.

Depois a de 25 de fevereiro de 1840. Todos conhecem a escandecencia dos partidos, progressista e conservador, que determinou este golpe de estado. Depois a de 10 de fevereiro de 1842, determinada pela restauração da carta. A de 23 de maio de 1846, provocada pela revolução do Minho, conhecida pelo nome de Maria da Fonte. A de 25 de maio de 1851, determinada pela victoria da regeneração. A de 24 de julho de 1852, provocada pela opposição do parlamento ás medidas financeiras do ministerio d'aquella epocha, e pela votação do acto addicional á carta. A de 26 de março de 1858, em que na camara dos pares obteve o governo um voto só de maioria, e a da camara dos deputados era sempre vacillante por causa do grupo dos eclecticos. A de 29 de março de 1861, em que o governo perdeu uma votação só por quatro votos. A de 15 de maio de 1865, determinada pela fusão de dois partidos historico e regenerador. A de 14 de janeiro de 1868, determinada pelo movimento de janeiro, circumstancia que lhe deu o nome. A esta seguiram-se a de 23 de janeiro de 1869 e a de 20 de janeiro de 1870.

Nenhuma d'estas camaras dava certeza de maioria para o governo ou para a opposição.

Encontrâmos depois a de 21 de julho de 1870, a que deu causa a celebre emboscada de 19 de maio.

Todos estes acontecimentos pareceram e parecem realmente bastante graves para determinarem as respectivas dissoluções.

A respeito d'esta, e se ella se der, vamos a ver quaes são os motivos que a podem aconselhar.

Temos em primeiro logar uma das portarias do sr. ministro das obras publicas, em que s. ex.ª concedo uma prorogação do praso, ou antes diremos um favor, á companhia do caminho de ferro do norte para concluir a 5.ª secção do mesmo caminho.

O sr. ministro das obras publicas concorda em que effectivamente não era de justiça, mas diz que era de equidade; e assegura que, assim como fez essa, teria feito outras, só por seu arbitrio, e por meio tão inconstitucional, que nem mesmo a sua imprensa o póde defender. (Apoiados.)

Isto quer dizer que o parlamento não vale de nada, e que as leis não servem para cousa alguma; isto é, que tudo está ao arbitrio do governo. (Apoiados.)

Será para santificar este procedimento, e para fazer vigorar esta doutrina, que se pede a dissolução da camara?

Em segundo logar: apparece preterido um dos maiores melhoramentos para este paiz.

Refiro-me ao caminho de ferro da Beira Alta (Apoiados), o qual teria as seguintes vantagens:

O percurso até Bayona, desde Lisboa, seria de 1:055 kilometros, emquanto de Lisboa a Madrid por Badajoz são 1:510; assim, o correio de França, isto é, da Europa, vindo directamente de Medina de Campo, chegaria a Lisboa á hora em que agora parte de Madrid para esta capital, o que vem a dizer que se adiantariam para nós trinta e seis horas.

Para os paquetes transatlanticos esta linha ferrea directa adiantaria dois dias á via maritima, o que, para o commercio e viagem do occidente, faria do porto de Lisboa o que, para o commercio o viagem do Oriente, são hoje Marselha, Brindisi e Trieste.

E noto v. ex.ª que fallo do tempo sem fallar dos preços.

Tambem passo em silencio que a Beira tem 62 habitantes por kilometro quadrado, emquanto o Alemtejo e o Algarve tem 15 a 18, e que o rendimento bruto do caminho de ferro do norte é de 3:600$000 réis por kilometro, emquanto o dos caminhos de ferro do sul é de 1:200$000 réis.

Será para honrar e glorificar esta administração, e este modo de comprehender os interesses do reino, que se pede a dissolução da camara?

Será para honrar o procedimento do governo em relação á penitenciaria, desde o emprego da policia assalariada, até á negação accintosa da syndicancia requerida, e á invasão do poder judicial pelo poder executivo?

Temos ainda outro fundamento poderoso para a dissolução, e vem a ser o seguinte:

Não existindo vago um logar para o qual se deseja despachar um pretendente que fôra demittido pelo ministerio anterior, mas dando-se o caso de ser n'essa occasião preciso desfeitear o chefe de um partido respeitavel, contra lei, e contra todos os principios da justiça e da decencia, o sr. ministro das obras publicas fez um despacho, que teve a sua apotheose nos cegos e gaiatos de Lisboa, que apregoavam espalhando os supplementos, em que elie vinha noticiado, como prova da grandeza d'alma d'este governo moralissimo.

Será em honra d'este grande feito que se pede a dissolução da camara?

Será para se sanccionar a doutrina de que o governo deve desprezar os conselhos do seu advogado nato, não consultando, ainda nos mais graves assumptos, o procurador geral da corôa, como actualmente se está praticando? (Vozes: - Muito bem.)

O sr. ministro das obras publicas ainda póde auctorisar o pedido da dissolução nos seus actos com respeito aos caminhos de ferro do Douro e Minho, a que só de passagem quero referir-me.

S. ex.ª póde dizer que teve vontade de desfeitear dois illustres engenheiros, cujos nomes são garantia bastante da sua honradez, do seu zêlo e do seu saber. (Apoiados.)

Felizmente a opinião publica tambem n'este ponto não quiz acompanhar a ferocidade do nobre ministro.

Ha ainda outro fundamento: é a portaria de 16 de novembro de 1877, em que o nobre ministro das obras publicas, a proposito de um requerimento em que se lhe pediam pagamentos de encommendas para a penitenciaria, se lembrou de indeferil-o, não em simples despacho para o livro da porta, o que era sufficiente, mas em portaria que fez publicar no Diario do governo, no intuito de lançar mais uma insinuação envenenada contra o ex-director da penitenciaria, que estivera ás portas da morte por causa do procedimento inaudito que com elle se usou.

Pois não será justo que se premeie tão virtuoso intuito com a dissolução da camara?

Será talvez argumento em favor do golpe de estado que se premedita a celebre portaria do mesmo ministro, que tem a data de, 3 de setembro de 1877, na qual o sr. Barros e Cunha se illustrou pelo emprego de mais infeliz dos adverbios, quando estabelecia a doutrina de que as secções do caminho de ferro deviam construir-se successiva e não simultaneamente; portaria que só teve por fim censurar ineptamente a direcção do sr. Lourenço de Carvalho, que fóra encarregado da construcção do caminho de ferro do Douro? Por mais que procurei, sr. presidente, não achei

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outros feitos que podesse commemorar na infeliz gerencia do sr. ministro das obras publicas.

Eu commetti, talvez, uma indelicadeza parlamentar, de que peço desculpa. Eu fallei primeiro dos actos do sr. ministro das obras publicas, devendo começar pelos do sr. ministro do reino e presidente do conselho.

Mas, em verdade, embora isso possa melindrar o animo de um homem a quem, na verdade, sou devedor de muita estima e consideração, fallo do nobre presidente do conselho, entendi que quem imprimia caracter no ministerio era só e exclusivamente o sr. Barros e Cunha (Apoiados.); portanto, entendi que devia ser a s. ex.ª a quem devia offerecer as minhas premissas. — A tout seignheur toute honneur.

Penitenciei-me, e venho agora fallar de alguns actos que conheço devidos especialmente iniciativa do sr. ministro do reino. Apparece-me antes de todos a dissolução da camara municipal de Lisboa. Seguiu-se a este acto a nomeação de uma commissão composta de cavalheiros das duas parcialidades progressista e regeneradora, mas em que a preponderancia era toda dada ao partido progressista, Seguiram-se duas eleições successivas; na primeira fez o governo guerra acintosa ao partido regenerador, na segunda e sem que se possam adivinhar os motivos, são convidados e solicitados pelo governo para acceitarem cadeiras de vereação, cavalheiros da camara dissolvida e que tinham sido guerreados com toda a força na primeira eleição! (Apoiados.)

Será em nome d'esta coherencia politica, d'esta unidade de pensamento, d’esta firmeza de convicções, que se ha de conceder ao governo o golpe d’estado que nos ameaça?

Ha ainda outros factos, e sinto dizel-o; mas não tenho outro remedio, e é preciso fazer a narração fiel do que se tem passado.

Não estavamos costumados ha muitos annos a que nenhum governo tomasse para si caprichos de bachá, e se lembrasse, como nos tempos da antiga cavallaria, de offerecer senhorios aos seus capitães ou aos seus validos. Pois deu-se isso com esta administração.

Sr. presidente, um dia acordou o ministerio com uns bons humores e a necessidade de os manifestar por algum acto magnanimo. Chamou os seus partidarios intimos o disse-lhes: «Acho-me hoje contente, e chegou a occasião de poder manifestar este meu contentamento entregando-vos á discrição alguns districtos do meu reino. Escolhei á vontade; escolhei os districtos e escolhei as auctoridades».

No dia seguinte eram entregues esses districtos, para se fazerem experiencias in anima vili, na mão dos validos do ministerio, e que o tinham ajudado na vespera a vencer não sei que eleição.

Sr. presidente; pareceu-me que n'esta parte o governo tinha ido buscar ao passado, mas a um remotissimo passado, exemplos que ha muito tempo se não viam felizmente, mas tambem felizmente as experiencias saíram ao avesso. Sabe agora v. ex.ª o que acontecia por aquelles districtos?

Nós temos estado no meio de uma atmosphera tão tenebrosa, a discutir com uns ares tão tetricos, que é preciso amenisar um pouco esta discussão.

Vou dizer a v. ex.ª como as pessoas encarregadas de fazer esta experiencia administrativa se conduziram, ou antes, o que resultava da sua administração.

Um dia fez-se um discurso n'um arraial pouco mais ou menos como vou dizer. Estava-se em vesperas da eleição municipal, subiu um tribuno sertanejo a um carro, onde havia uma pipa, accionava com a mão direita e descansava a esquerda sobre o batoque. «Meus amigos, dizia elle, meus eleitores, voltâmos outra vez aos tempos de D. Manuel, o venturoso; mas não penseis que é para descobrir novos mundos nem para os conquistar. Não! é para esfolar os judeus, é para os empalar, e para vender a sua carne barata a todos os que concorrerem á eleição». (Riso.)

Aqui tem v. ex.ª o que se dizia na occasião de se fazerem experiencias in anima vili.

Sr. presidente, o governo ainda tem mais que levar á presença do poder moderador para obter a dissolução da camara, e é, por exemplo, o resultado das ultimas eleições a que se procedeu no paiz. (Apoiados.) Nós estamos velhos, cansados, é verdade, mas a uma está a dar-nos rasão. (Muitos apoiados.) Os nossos partidarios triumpham em toda a parte em que o governo entendeu que devia travar luta. (Apoiados.)

Ainda não acaba aqui. O catalogo é grande. Pode argumentar-se em favor da dissolução com o amor que os nobres partidarios do governo têem ás celebres suspeições politicas (Apoiados.) que já fizeram a vergonha d'este paiz. (Apoiados.)

Já se pediram em altos brados as suspeições politicas para o conselho d'estado. Pois dissolvam a camara se querem ter quem lh'as apoie, porque para similhante feito com esta maioria não póde contar ninguem. (Apoiados.)

Quer-se a dissolução da camara para que? Para se conceder, n'um districto do norte, a um partido já hoje extincto e morto, a sua resurreição, concedendo-lhe, segundo é fama, algumas candidaturas para que um grupo de cavalheiros pertencentes ao partido realista venha illustrar as discussões d'esta camara na futura legislatura? Será para conseguir, emfim, que se chegue a construir o celebre e decantado cemiterio neutro? (Riso.) Pareceu-me sinceramente que tem sido este o maior empenho do sr. presidente do conselho em todo o tempo da sua gerencia; e a proposito da questão religiosa só duas palavras.

Nós fomos aggredidos pelo sr. marquez d’Avila, dizendo que lhe parecemos partidarios da internacional; e isto a proposito do que lhe havia dito o sr. Dias Ferreira.

A questão religiosa não se póde tratar de leve, necessita algum tempo, mas, não obstante o adiantado da hora, direi alguma cousa.

A questão religiosa não está nos conegos, e peço perdão a todos os que se assustaram com a nomeação dos conegos. Mais meia duzia de conegos ou menos meia duzia, creiam que não resolve a questão religiosa.

Eu dou de boa vontade ao sr. ministro da justiça os conegos que já despachou e os que quizer despachar, mas com uma condição, e é que nos seminarios onde elles vão doutrinar, ensinem e façam aprender bem aos padres futuros de Portugal o seguinte: Que o chefe da igreja é Sua Santidade o Papa o está em Roma; que o cheio do padroado da igreja portugueza é o governo portuguez e está em Portugal. (Muitos apoiados.) Não peço outra cousa.

Quero encontrar o patriota debaixo da batina, e confesso a v. ex.ª que tenho a convicção de que a maior parte do clero portuguez sabe ser patriota. (Apoiados.) Educal-o, é esse o meu desejo; leval-o á altura em que deve estar, é o desejo do partido regenerador, a que tenho a honra de pertencer. (Apoiados.)

O clero portuguez tem as tradições mais nobres de todo o mundo.

O paiz que póde contar S. Francisco Xavier, na India, D. Frei Caetano Brandão, no Pará, e D. Frei Bartholomeu dos Martyres no arcebispado de Braga, póde levantar a cabeça diante do clero de todo o mundo, mas para isso é preciso educal-o, dar-lhe os meios necessarios e não o aviltar, porque hoje quem se lembrar de que o clero portuguez póde levantar difficuldades ao governo, engana-se. O nosso clero não segue politicamente as pisadas do clero de outros paizes da Europa.

A nossa questão religiosa é com Roma, e tem-n'o sido em todos os tempos.

Folgo n'este momento de dar testemunho de que de todos os Pontífices que têem occupado a cadeira de S. Pedro em Roma, talvez o que nos tenha levantado menos difficuldades seja o actual Papa, Pio IX.

O nosso padroado do Oriente, que é immenso, que abrange o vastissimo paiz que vae da Africa até aos confins da China, disperta de longa data as ambições mani-

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festas, e não interrompidas, do que se chama Associação da propagação da fé.

Imagina muita gente em boa fé, christãos e catholicos tão bons, ou melhores do que eu me prezo de ser, que esta associação, que tem a sua sede em Roma, anda effectivamente beneficiando pela India as igrejas que edifica do novo e aquellas que nos vae tomando ao nosso padroado; e é certo que muita gente mesmo em Portugal está subsidiando esta obra de religião sem saber que esta fazendo mal a si propria.

Sabe v. ex.ª o que se vê na India? Os nossos missionarios tiveram de transigir com as castas para fazerem os primeiros christãos, lembrando-se de que successivamente os poderiam ir melhorando; e tinham para isto a doutrina de Jesus Christo, que dissera: Omnibus omnia factus sum ut omnes facerem salvos.

Mas apesar d'isso conseguiram que as castas desapparecessem diante do altar, e d'este modo, quer fosse brahamine o padre, quer sudro, quer chardó, nenhuma distincção lhe dava a sua casta no exercicio do seu sagrado ministerio.

Sabeis o que tem feito a associação Propaganda fidei, não só respeitou o absurdo das castas fóra do templo, mas para lisonjear, ganhando com isso, estas aberrações que maculam a christandade no Oriente, concederam-nas aos padres nativos, mesmo no exercicio das suas sagradas funcções! De modo que, se n'um acto religioso concorrem tres sacerdotes de castas differentes nas igrejas da propaganda, o brahamine canta a missa, o chardó o evangelho, e o sudra a epistola.

Esta associação luta constantemente, quer no Oriente pelos meios que acabo de expor, quer em Roma perante o santo padre para haver todo o nosso padroado, e Pio IX tem resistido constantemente a estas solicitações, respondendo que o padroado pertence aquelles que lá implantaram a fé e a fecundaram com o seu sangue.

Porém é certo que em todos os tempos as nossas maiores difficuldades na questão religiosa nos tem vindo de Roma.

Resta-me fallar dos enterros civis que eu vi aqui stygmatisados por um dos mais illustres oradores d'esta casa, e tambem pelo nobre presidente do conselho, que tirou da sua pasta uns estatutos, que s. ex.ª para não nos assustar não chegou a ler.

Sabe v. ex.ª quem são os livres pensadores entre nós? São os pobres que não têem com que comprar uma mortalha, nem para pagar ao sacerdote o acompanhamento dos seus mortos. (Apoiados.)

Quer o sr. ministro acabar por uma vez com os enterros civis?

Faça reduzir às taxas dos acompanhamentos parochiaes, e a dos enterramentos nos cemiterios.

O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado.

O Orador: — Queria tambem fallar a respeito das questões do exercito. Ainda queria fallar sobre as questões de fazenda, sustentando assim a minha moção de ordem. Queria fallar de outros objectos que já estão mais ou menos tocados; mas termino aqui o que tinha a dizer, porque se é certo que nós vamos a ser dissolvidos, não vale a pena continuar n'estas questões que irritam o debate á hora da nossa morte.

Entendo, pois, que o que nós nos cumpre é restringir quanto podermos de hoje por diante as considerações que houvermos de fazer, e votar se sim ou não temos confiança no governo.

Disse.

(Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

(O orador foi felicitado por grande numero de srs. deputados.)

O orador não reviu o seu discurso.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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