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192 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

no trabalho, não é de ordinario o mais efficaz ou conveniente para que o abrace com vontade; e quando, apesar de tudo, elle mostra essa vontade, não existe a mesma da parte do mestre, de crear de prompto e com perfeição um official do seu officio, o que em geral costuma traduzir-se por um inimigo.
Nos grandes centros de população, assim como nos grandes banquetes, ha sobras com que não se vive bem, mas sempre se vae passando, embora mal. Ha a caridade individual, sempre santa e respeitavel, ainda quando não olha a quem soccorre, porque corresponde ao mais nobre de nossos instinctos e sentimentos: ha mil empregos para os menores, vadios, onde elles ganham um pequeno salario, mas que, sem futuro, os impedem de se habilitarem para ganhar a vida quando forem homens.
N'aquellas idades abusa-se da vitalidade tenaz, dorme-se pelas escadas ou sob alpendres, comem se as sobras dos ranchos dos quarteis, e casas de guarda, partilha-se o passadio o a educação dos caes vadios e vive-se como elles; mas vive-se sem trabalhar.
O mal ficaria apenas individual, se não fossem as suas consequencias. Quaes estas sejam, sabem-n'o todos; para os que escapam á valla do cemiterio; succedem necessariamente á vadiagem o furto, o roubo violento com suas horrendas circumstancias, a cadeia, e o degredo que, embora para alguns seja a impunidade, é para muitos outros a pena do morto aggravada. Dados certos principios, as leis moraes cumprem-se com a mesma fatalidade das leis physicas.
O que deve então fazer a sociedade que deseje guiar-se pelos principios, não só da eterna justiça; mas do seu proprio interesse? Atalhar o mal emquanto é tempo; chamar a si, adoptar aquelles desgraçados, a quem chamâmos criminosos; dar-lhes a educação moral e a instrucção profissional que seus paes muitas vezes, sejamos justos, não poderem dar-lhes. Se então gastar mais, ainda que por pouco tempo, com o, pão do corpo e da intelligencia, gastará depois muito menos com as dietas no hospital, com as despezas nas cadeias com a policia, com os degredos, com os combates em suffocar revoluções, que vão sempre remexer e levantar aquelle lodo sem consciencia, que lucta pela vida, embora talvez não a mereça. Se ha casos em que o principio da prevenção é verdadeiro, justo, util para todos, e summamente pratico, é este um, se não o unico.
Mas o que deve ser uma casa de correcção?
Destinada a recolher e educar menores de dezoito annos, rarissimas vezes pervertidos ou de má indole, mórmente, entre nós, não deve ella ser uma cadeia, mas um estabelecimento de educação moral e de instrucção profissional, acompanhada da primaria elementar; onde se ensine e faça amar o trabalho, onde a hygiene regule o estrictamente necessario, e d'onde, sejam severamente banidas todas as necessidades facticias, e que os alumnos, em geral, não hão de encontrar depois no decurso da vida.
Não póde a casa de correcção ser uma cadeia; pois, como castigo, seria injusto. Onde estava o crime? Não deve tão pouco ser um collegio onde se ensine a instrucção litteraria com detrimento da profissional, porque fôra nocivo. Longe de satisfazer ao fim que se desejava, iria todos os annos lançar para fóra de si um enxame de moços que, não podendo continuar uma carreira em que os metteram caridosa mas imprudentemente, cheios de aspirações, as mais das vezes impossiveis do satisfazer, se tornariam outros tantos criminosos, ou iriam pelo menos augmentar o numero, já tão crescido, dos descontentes de sua posição social, os mais tenazes e irreconciliaveis inimigos da ordem publica, a quem a sociedade tinha aquecido e animado em seu seio; e, em vez de serem artistas optimos ou pelo menos soffriveis, cidadãos honestos e contentes, tornar-se-íam espiritos inquietos e reformadores sociaes; tanto mais inquietos e tanto mais reformadores, quanto menos instruidos e mais desgraçados pela incapacidade de ganharem a vida honradamente.
Deve, pois, a casa de correcção ser um estabelecimento de educação, destinado na maioria dos casos para ministrar a filhos do povo a educação e instrucção que estes não quizeram ou não poderam receber na casa paterna. E dizemos «filhos do povo» sem a menor idéa de desprezo para com esta classe, da qual saem e se renovam necessariamente todas as outras dizemol o, porque é a verdade. Nem pôde deixar de haver taes estabelecimentos emquanto a numerosa classe popular não tiver ao seu alcance, e acommodados ás suas circumstancias especiaes, os meios de instrucção e moralisação que possuem as classes abastadas.
Ás classes desvalidas, longo de sobrar, mal chega o tempo para ganharem o pão; e, ainda quando o tempo sobrasse, nem sempre poderia haver a intelligencia e vontade necessarias para aquella inspecção activa e incessante que requer a educação da uma creança. Como hão de elles, ignorantes e pouco educados, e luctando com grandes privações, ter essa vontade e essa intelligencia de que os abastados com rasão se julgam incapazes, quando confiam a collegios a educação de seus filhos? Da falta d'estes collegios, adaptados ás classes pobres, é que nasce, como dissemos, em grande parte as necessidades das casas de correcção.
Entre nós foi reconhecida esta necessidade, e creada pela lei de 15 de junho de 1871 uma casa de correcção e detenção para os menores de dezoito annos, da comarca de Lisboa. Para aquelle fim destinou-se o arruinado edificio do extincto convento de Santa Monica, da ordem de Santo Agostinho, depois de feitas as obras indispensaveis para o adaptar ao novo serviço. A obra foi dirigida com superior intelligencia e inexcedivel zêlo pelo procurador régio junto da relação de Lisboa; o conselheiro M. P. de Faria e Azevedo, e a casa inaugurou-se em 20 de outubro de 1872.
Até então os menores do sexo masculino da comarca de Lisboa, a quem a miseria ou o desleixo de seus paes, ou ainda a má índole propria lançavam na vadiagem ou introduziam na senda do crime, eram condemnados á pena de prisão, cumprida no andar terreo da cadeia do Aljube, se ainda não tinham quatorze annos de idade, ou na enxovia do Limeiro, se já os tinham completado. No Aljube viviam em casas humidas, quasi sem luz, respirando um ar viciado, sem exercicio, sem trabalho, sem educação; na enxovia do Limoeiro, de envolta com faccinorosos, faltam expressões para dizer o que os aguardava!
Os resultados de similhante systema penal, se tal nome póde dar-se-lhe, são faceis de prever, são necessarios e fataes, nem é mister exageral-os para fazer sobresaír toda a sua immoralidade.
Uns saíam do Aljube, senão moral e physicamente peiores, pelo menos nas mesmas circumstancias em que para lá tinham entrado, e por isso aptos para continuar na carreira do vicio e do crime; os outros deixavam, a enxovia do Limeiro habilitados para ali voltar em breve, menos se, por milagre, não tivessem aproveitado assás n'aquella pessima escola.
E para que se impunha similhante pena a umas e outras creanças, quando, cumprida ella, voltavam para a rua no mesmo se não em peior estado?
Aterrados pelas consequencias da prisão na enxovia, ou convencidos da utilidade d'ella no Aljube, alguns juizes absolviam os vadios menores de dezoito annos; verdade é que depois de estabelecida a casa onde elles podiam regenerar-se, outros juizes têem tornado inutil a condemnação, em quanto, receiando impor pena muito severa a um crime leve, condemnam a prisão por curto praso, sem reflectirem que a supposta pena é um verdadeiro beneficio. Torna-se, pois, necessario, para acabar com taes escrupulos, reformar a lei penal no que respeita aos menores vadios.
Durava aquelle estado de cousas havia muitos annos; e