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SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Dá-se conta do seguinte expediente: dois officios, um do ministerio da fazenda e outro do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando documentos; dois projectos de lei, um do sr. José Victorino, para ser concedido á camara de Vizeu um terreno, e outro do sr. Beirão, para serem isentos de direitos os objectos destinados á subscripção nacional; e, finalmente, duas renovações de iniciativa do sr. Beirão. Projectos e propostas do renovação são admittidos.- Representação mandada para a mesa pelo sr. Eduardo Abreu.- Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Cancella, Fernando Palha, Avellar Machado, Soares de Castro e Ruivo Godinho.- Requerimentos de interesse particular enviados para a mesa pelos srs. Lacerda, Sarmento e Pedro Victor.- Justificação de faltas do sr. Avellar Machado.- Manda para a mesa um projecto de lei o sr. Simões Ferreira.- Perguntas e diversas considerações do sr. Cancella. Encarrega-se o sr. ministro da instrucção publica de as transmittir ao seu collega da guerra.- O sr. Cesario de Lacerda expõe as rasões que favorecem a pretensão constante dos requerimentos que manda para a mesa. - Presta juramento o sr. deputado eleito Costa Lereno.- O sr. Moraes Sarmento manda para a mesa tres pareceres da commissão de verificação de poderes, e pede a urgencia. Justifica em seguida o pedido dos requerimentos de interesse particular que apresentou.- Lê-se o parecer relativo á eleição pelo circulo de Moçambique (1.°), e, dispensada a impressão, é em seguida approvado.-É do mesmo modo approvado o parecer relativo á eleição do circulo de Barlavento de Cabo Verde.- É proclamado deputado o sr. João de Pousa Machado.- O sr. Eduardo Abreu dirige censuras aos membros do governo, e acompanha com diversas considerações a representação que mandou para a mesa.- Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- Prestam juramento os srs. João de Sousa Machado e Antonio Jardim de Oliveira.- Observações do sr. José de Azevedo Castello Branco, em nome da maioria, com referencia ás accusações do sr. Eduardo Abreu.
Na ordem do dia (primeira parte), continua em discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa, usando segunda vez da palavra o sr. Arriaga, em réplica ao sr. Manuel d'Assumpção: - Em seguida é votado o projecto por paragraphos, ficando prejudicada a proposta do sr. Arriaga.- Declaração do sr. presidente.
Na ordem do dia (segunda parte), elegem-se a commissão dos negocios estrangeiros e internacionaes, e a commissão de marinha.- Levanta-se em seguida a sessão.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 69 srs. deputados. São os seguintes:- Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo César Brandão, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Fialho Machado, Antonio José Arroyo, Antonio Maria Cardoso, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Carlos Lobo d'Avila, Conde do Côvo, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel do Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Feiisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, João Alves Bebiano, João Cesario de Lacerda, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, Jorge Augusto de Mello (D.), José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Domingos Ruivo, Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Greenfield de Mello; José Maria Pestana de Vasconcellos, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Cordeiro, Manuel d'Assumpção, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Pedro Augusto de Carvalho o Pedro Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Jalles, Arthur Hintze Ribeiro, Bernardino Pacheco Alves Passos, Conda de Villa Real, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Elvino José de Sousa e Brito, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João de Sousa Machado, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Elias Garcia, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga e Matheus Teixeira de Azevedo.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Adolpho Ferreira Loureiro, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Antonio José Ennes, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto, José Pereira Leite, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Frederico Ressano Garcia, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Pinto Moreira, Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro, José Bento Ferreira de Almeida, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Vieira do Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da fazenda, acompanhando um mappa indicativo de todos os contratos realisados por aquelle minis-

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terio, de valor ou preço superior a 500$000 réis, registados na direcção geral da contabilidade publica, desde 31 de dezembro de 1888, nos termos do artigo 67.° do regulamento da contabilidade publica de 31 de agosto de 1881.
Para a commissão de fazenda.
2.° Do ministerio dos negocios estrangeiros acompanhando 180 exemplares de cada uma das seis secções commerciaes do Livro branco, do anno corrente.
Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

enhores.- No intuito de acompanhar o espirito civilisador da epocha na sua tendencia a respeitar e conservar todas as obras de arte, ainda mesmo as que só se recommendam pelo cunho de antiguidade, venho pedir ao parlamento que salve de complete destruição um dos mais notaveis monumentos que ha no paiz, que tendo resistido á acção destruidora de muitos seculos não póde vencer a força do braço humano impellida pelo desvairamento febril de uma exploração vandalica.
Senhores. Existe em Vizeu a tão conhecida Cava de Viriato, fortificação romana, talvez a unica no seu genero que existe no paiz.
É uma alta muralha, toda construida de terra, de fórma quasi circular, mas tão bem feita que ainda hoje se conserva em muitos pontos era condições de se fazer um exacto juizo da sua construcção primitiva. A parte melhor conservada defronta com o Campo de Viriato e é apenas separada d'elle por uma pequena parcella de terreno chamada Horta dos Soldados, que se reconhece ser a continuação do fosso da fortificação primitiva.
Esta horta, chamada dos Soldados, porque durante alguns annos foi cultivada por praças do regimento estacionado n'aquella cidade, pertence ao ministerio da guerra, mas tem deixado de ser cultivada pelo regimento, porque a natureza do terreno não se presta a cultura que compenso o trabalho embora gratuito.
N'estas condições, segundo a lei, todos os annos é posto em praça o seu arrendamento, que as mais, das vezes não encontra licitantes, mas basta que um ou outro anno appareça algum para que, a camara municipal de Vizeu, que está na posse do resto do monumento, se veja na impossibilidade de, com os seus cuidados, mostrar a quem visita e admira aquella especimen da antiga arte de guerra que á inepcia ou o desmazelo não são a causa de um vandalismo sem igual.
N'este patriotico intuito apresento-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedida á camara municipal de Vizeu, para conservação do monumento historico de que faz parte, uma parcella de terreno chamada Horta dos Soldados, que separa a Cava de Viriato do campo do mesmo nome.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 12 de maio de l890. = José Victorino de Sonsa e Albuquerque, deputado por Santa Comba Dão.
Lido na mesa, foi admittido e enviada á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Existem nas alfandegas do reino alguns objectos remettidos, quer do estrangeiro, quer das nossas provincias ultramarinas para a subscripção promovida a favor das victimas sobreviventes do incendio do theatro Baquet do Porto.
Tem-se entendido ao que parece, que esses objectos não podem sair da alfandega sem por elles se haverem pago os direitos que se julgam devidos, e tanto assim, que segundo consta a respectiva commissão fôra avisada para os mandar satisfazer sob pena de se seguirem os termos legaes. N'estas circumstancias, attendendo ao fim caritativo a que aquelles objectos são destinados e era consideração até aos subscriptores que embora longe do local onde occorreu aquelle lamentavel sinistro não quizeram deixar de associar-se ao grande e generoso movimento que se levantou no paiz, parece de toda a justiça dispensar os mesmos objectos do pagamento de direitos aduaneiros.
Isto é o que venho propor-vos, certo que dareis a vossa approvação ao seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Poderão ser despachados livres de todos os direitos quaesquer objectos existentes nas alfandegas do reino e que houvessem sido remettidos com destino á subscripção promovida para as victimas sobreviventes do incendio do theatro Baquet, no Porto.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da camara dos deputados, em 12 de maio de 1890. = O deputado, Francisco Beirão.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa da proposta de lei sobre correcção de menores, apresentada em sessão de 4 de fevereiro de 1888, e que já teve parecer favoravel da respectiva commissão. - O deputado, Francisco Beirão.
Lido na mesa foi admittido e enviado ás commissões de legislação commercial e de fazenda.
A renovação refere-se á seguinte:

Proposta de lei

Senhores.- Tendo a honra de vos apresentar uma proposta de lei tendente a evitar, quanto possivel e a reprimir a criminalidade dos menores, seria fazer aggravo aos vossos sentimentos, e injuria á vossa illustração, pretender fundamentar uma providencia cuja falta no nosso regimen penal é de ha muito sentida, e cuja adopção por isso tem sido urgentemente reclamada. Deixo, pois, ao vosso levantado criterio a justificação, em principio, da proposta que apresento, certo que a não podia fazer melhor, nem que mais propicia fosse; quanto, porém, ao modo por que entendi dever occorrer no que reputo uma verdadeira necessidade publica, limitar-me-hei a apresentar o relatorio feito por um illustre magistrado, o sr. visconde de Santa Monica, como relator da commissão creada pelo decreto de 11 de março de 1875 para propor ao governo de Sua Majestade os meios de fundar uma ou mais colonias agricolas e casas de correcção para menores de dezoito annos, nas comarcas do reino e ilhas.
Adoptei, fundamentalmente, o projecto elaborado por aquella commissão, permittindo-me apenas fazer-lhe as modificações e os additamentos que o decurso do tempo, e as circumstancias actuaes tornavam necessarias ou convenientes.
Não devo, n'este ponto, omittir que para o meu proposito de levar por diante este projecto, contribuiu em muito um valioso trabalho que recebi do digno procurador regio perante a relação do Porto.
Comquanto qualquer despeza prudentemente feita para se pôr por obra a proposta que vos apresento seja mais do que justificada, devo acrescentar que a sua execução não trará sensiveis encargos ao thesouro publico.
De facto a casa de correcção de Lisboa já tem dotação no orçamento; a do Porto trará apenas, segundo os calculos do digno procurador regio, o encargo de 5:000$000 réis, para despezas de installação, devendo a de Ponta Delgada trazer ainda encargo inferior; quanto á escola de reforma Villa Fernando devida á iniciativa illustrada do actual presidente do conselho, é sabido que tem receito propria, e como tal inscripta no orçamento.

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Tenho, porém, ainda fundada esperança de que, especialmente para a colonia agricola perto de Lisboa, a iniciativa particular concorrerá em muito para alliviar o estado do respectivo augmento de despeza. O despendio annual com ordenados será modico e qualquer outro entrará nas despezas prisionaes.
Isto posto, conto que não recusareis a vossa approvação ao intuito que a proposta pretende realisar, e que, examinando-a com a costumada reflexão, a melhorareis e a aperfeiçoareis quanto possivel.
Secretaria d'estado pos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de fevereiro de 1888. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Documento a que se refere o presente relatorio

«No congresso internacional reunido em Londres a 13 de julho de 1872; para conferenciar ácerca da prevenção e repressão da criminalidade, e da organisação e regimen dos estabelecimentos, penaes e penitenciarios, o major E. F. du Cane, que ali representava a Inglaterra e que, alem de outros cargos, exercia-o de inspector geral das cadeias civis e militares, apresentou reflexões, que por sua sensatez é pela auctoridade do apresentante sobre taes materias, adquirida durante quarenta annos de pratica, devem por certo merecer a seria attenção de quantos se occuparem de similhantes assumptos.
As investigações por elle feitas e a sua longa experiencia indicavam-lhe varias categorias em que podem ser classificados os criminosos. Cinco lhe pareciam ser estas:
1.ª A dos individuos que foram creados sem cuidado ou educação alguma muitos d'elles vivendo desde a mais tenra idade em companhia de paes, ou de outros individuos, criminosos.
2.ª A dos que, estando em circumstancias de ganhar subsistencia honrada, cedem por acaso á tentação criminosa.
3.ª A dos que, estando em circumstancias iguaes áquellas, preferem a carreira do crime, já por gosto ou inclinação natural, já por acharem diminutos os proventos de uma occupação honesta.
4.ª A dos que, por incapacidade physica ou intellectual, acham tão difficil ganhar a vida honradamente, que se lançam na carreira do crime.
5.º Finalmente, a d'aquelles que são levados á pratica de crimes violentos pelo, impulso de suas paixões ou por habitos ruins.
A lei diz o digno inspector, para estancar a fonte da 1.ª classe de criminosos deve providenciar, como em certo modo tem feito, que as creanças em perigo de entrar n'ella sejam tiradas a seus descuidados ou immoraes protectores, e educadas á custa do estado: e demais, que os magistrados não possam impedir, a acção benefica da lei.
Com relação ás classes 2.ª, 4.ª e 5.ª, julga remedios efficazes um systema de disciplina severa e intimidadora, e a educação moral.
Quanto aos individuos da 3.ª classe, pouca, ou nenhuma esperança nutre a respeito da sua emenda. Reconhecida a má indole d'elles depois de uma ou duas reincidencias, entende que o melhor caminho a seguir é impor-lhes a pena de prisão por periodos largos, a fim de proteger a sociedade contra a sua malvadez, e impedir que contaminem os outros:, são a escoria, social, que, á similhança de certas molestias, incuraveis, se encontra mais ou menos em todas as classes da sociedade.
Se analysarmos a opinião de auctoridade tão competente, acharemos que, exceptuada a 3.ª classe de criminosos, podem todas as causas da criminalidade filiar-se, mais ou menos directamente, na falta de educação moral e de instrucção profissional. E dizemos «profissional» e não «litteraria»; porque erradamente, a nosso ver, á falta d'esta se costuma quasi sempre attribuir a criminalidade. Nasce o engano de que a instrucção litteraria acompanha ordinariamente a educação moral, e d'aquella, quando bem encaminhada, ser um dos grandes meios de adquirir esta; e tambem de não se notar que, sendo insufficiente ou mal dirigida, ou mal applicados os meios que fornece, de nada serve ou, longe de moralisar, produz effeitos inteiramente contrarios.
A instrucção litteraria, assim secundaria como superior, alem de poder servir como meio de educação moral, é tambem efficaz para se ganhar com honra a subsistencia; e esta circumstancia já por si ha de afastar do crime os individuos que ainda não estiverem pervertidos: A instrucção primaria, mórmente a que póde ordinariamente alcançar um individuo das classes menos abastadas de pouco lhe, serve, em regra, para a sua educação moral; e de nada, só por si, para lhes ministrar meios de subsistencia. Sabendo ler, um individuo torna-se melhor sómente quando, tendo tempo para tanto, se applica a boas leituras torna-se, porém, necessariamente peior, se as leituras forem más; e só com esta habilitação e com a de escrever e contar, embora correntemente, difficil lhe será ganhar a vida. Não póde negar-se a necessidade de alliar a instrucção litteraria com a profissional; mas, a ter de optar-se, parece, n'aquellas circumstancias indubitavelmente preferivel a profissional e em relação ás classes laboriosas deve ella merecer muito maior attenção.
Estes principios, que nos parecem de eterna verdade, são, muitas vezes, e com as melhores intenções, infelizmente desprezados na pratica.
Se pois a educação moral e a instrucção profissional e litteraria elementar são os meios mais efficazes para combater o crime nas classes da sociedade onde este mais abunda, corre á sociedade o dever de acudir com elles aos desvalidos da fortuna, conciliando assim o interesse individual o social; e assiste-lhe tambem o direito de impor a todos a obrigação de adquirirem aquelles recursos assim facilitados, mórmente com relação aos individuos da 1.ª classe, a que allude o digno inspector inglez, empregando até os meios coercitivos por elle indicados. E nem o patrio poder, ou o amor de familia, sagrados, quando reaes e sufficientemente esclarecidos, podem invocar-se aqui; nem tão pouco a commiseração mal entendida, a que allude o mesmo inspector quando falla dos magistrados que, muitas vezes, não comprehendem ser o castigo apparente um verdadeiro beneficio.
N'estas circumstancias a unica objecção, aliás especiosa, que póde apresentar-se contra as casas de correcção, é ser necessario o crime ou, antes, o procedimento irregular para lhes abrir as portas; e servirem os guardas, muitas vezes, mais para prohibir a entrada do que para impedir a saída. Santo defeito este! Que mostra evidentemente o que ainda esta por fazer para completar ás caridosas instituições das creches e dos asylos de infancia, desvalida, creando-se collegios municipaes onde os filhos dos pobres e os dos menos abastados possam obter a educação e instrucção litteraria, e sobretudo a profissional, convenientes ao estado que hajam de ter na sociedade contribuindo os paes com aquillo que cada um possa, ou nada absolutamente, quando nada poderem.
Voltando, porém, a fallar da casa de correcção, torna-se ella tanto mais necessaria nos grandes centros de população quanto maior é a falta, que alli se sente do collegio municipal a que alludimos.
Pintemos o quadro sem exageração e só com a triste verdade, qual tantas vezes se vê infelizmente. A pobre mãe, emquanto o filho que já não frequenta o asylo, não tem idade para ser collocado em casa de um mestre, enxota-o para a rua, se elle para lá não foge espontaneamente, porque em casa torna-se-lhe um estorvo insupportavel. Na rua começa elle a aprendizagem de vadio; e para lá volta todas as vezes que póde, ainda, depois de estar na casa do mestre como aprendiz. Se o seguirmos aqui, raras vezes ficaremos satisfeitos. O modo como querem inicial-o

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no trabalho, não é de ordinario o mais efficaz ou conveniente para que o abrace com vontade; e quando, apesar de tudo, elle mostra essa vontade, não existe a mesma da parte do mestre, de crear de prompto e com perfeição um official do seu officio, o que em geral costuma traduzir-se por um inimigo.
Nos grandes centros de população, assim como nos grandes banquetes, ha sobras com que não se vive bem, mas sempre se vae passando, embora mal. Ha a caridade individual, sempre santa e respeitavel, ainda quando não olha a quem soccorre, porque corresponde ao mais nobre de nossos instinctos e sentimentos: ha mil empregos para os menores, vadios, onde elles ganham um pequeno salario, mas que, sem futuro, os impedem de se habilitarem para ganhar a vida quando forem homens.
N'aquellas idades abusa-se da vitalidade tenaz, dorme-se pelas escadas ou sob alpendres, comem se as sobras dos ranchos dos quarteis, e casas de guarda, partilha-se o passadio o a educação dos caes vadios e vive-se como elles; mas vive-se sem trabalhar.
O mal ficaria apenas individual, se não fossem as suas consequencias. Quaes estas sejam, sabem-n'o todos; para os que escapam á valla do cemiterio; succedem necessariamente á vadiagem o furto, o roubo violento com suas horrendas circumstancias, a cadeia, e o degredo que, embora para alguns seja a impunidade, é para muitos outros a pena do morto aggravada. Dados certos principios, as leis moraes cumprem-se com a mesma fatalidade das leis physicas.
O que deve então fazer a sociedade que deseje guiar-se pelos principios, não só da eterna justiça; mas do seu proprio interesse? Atalhar o mal emquanto é tempo; chamar a si, adoptar aquelles desgraçados, a quem chamâmos criminosos; dar-lhes a educação moral e a instrucção profissional que seus paes muitas vezes, sejamos justos, não poderem dar-lhes. Se então gastar mais, ainda que por pouco tempo, com o, pão do corpo e da intelligencia, gastará depois muito menos com as dietas no hospital, com as despezas nas cadeias com a policia, com os degredos, com os combates em suffocar revoluções, que vão sempre remexer e levantar aquelle lodo sem consciencia, que lucta pela vida, embora talvez não a mereça. Se ha casos em que o principio da prevenção é verdadeiro, justo, util para todos, e summamente pratico, é este um, se não o unico.
Mas o que deve ser uma casa de correcção?
Destinada a recolher e educar menores de dezoito annos, rarissimas vezes pervertidos ou de má indole, mórmente, entre nós, não deve ella ser uma cadeia, mas um estabelecimento de educação moral e de instrucção profissional, acompanhada da primaria elementar; onde se ensine e faça amar o trabalho, onde a hygiene regule o estrictamente necessario, e d'onde, sejam severamente banidas todas as necessidades facticias, e que os alumnos, em geral, não hão de encontrar depois no decurso da vida.
Não póde a casa de correcção ser uma cadeia; pois, como castigo, seria injusto. Onde estava o crime? Não deve tão pouco ser um collegio onde se ensine a instrucção litteraria com detrimento da profissional, porque fôra nocivo. Longe de satisfazer ao fim que se desejava, iria todos os annos lançar para fóra de si um enxame de moços que, não podendo continuar uma carreira em que os metteram caridosa mas imprudentemente, cheios de aspirações, as mais das vezes impossiveis do satisfazer, se tornariam outros tantos criminosos, ou iriam pelo menos augmentar o numero, já tão crescido, dos descontentes de sua posição social, os mais tenazes e irreconciliaveis inimigos da ordem publica, a quem a sociedade tinha aquecido e animado em seu seio; e, em vez de serem artistas optimos ou pelo menos soffriveis, cidadãos honestos e contentes, tornar-se-íam espiritos inquietos e reformadores sociaes; tanto mais inquietos e tanto mais reformadores, quanto menos instruidos e mais desgraçados pela incapacidade de ganharem a vida honradamente.
Deve, pois, a casa de correcção ser um estabelecimento de educação, destinado na maioria dos casos para ministrar a filhos do povo a educação e instrucção que estes não quizeram ou não poderam receber na casa paterna. E dizemos «filhos do povo» sem a menor idéa de desprezo para com esta classe, da qual saem e se renovam necessariamente todas as outras dizemol o, porque é a verdade. Nem pôde deixar de haver taes estabelecimentos emquanto a numerosa classe popular não tiver ao seu alcance, e acommodados ás suas circumstancias especiaes, os meios de instrucção e moralisação que possuem as classes abastadas.
Ás classes desvalidas, longo de sobrar, mal chega o tempo para ganharem o pão; e, ainda quando o tempo sobrasse, nem sempre poderia haver a intelligencia e vontade necessarias para aquella inspecção activa e incessante que requer a educação da uma creança. Como hão de elles, ignorantes e pouco educados, e luctando com grandes privações, ter essa vontade e essa intelligencia de que os abastados com rasão se julgam incapazes, quando confiam a collegios a educação de seus filhos? Da falta d'estes collegios, adaptados ás classes pobres, é que nasce, como dissemos, em grande parte as necessidades das casas de correcção.
Entre nós foi reconhecida esta necessidade, e creada pela lei de 15 de junho de 1871 uma casa de correcção e detenção para os menores de dezoito annos, da comarca de Lisboa. Para aquelle fim destinou-se o arruinado edificio do extincto convento de Santa Monica, da ordem de Santo Agostinho, depois de feitas as obras indispensaveis para o adaptar ao novo serviço. A obra foi dirigida com superior intelligencia e inexcedivel zêlo pelo procurador régio junto da relação de Lisboa; o conselheiro M. P. de Faria e Azevedo, e a casa inaugurou-se em 20 de outubro de 1872.
Até então os menores do sexo masculino da comarca de Lisboa, a quem a miseria ou o desleixo de seus paes, ou ainda a má índole propria lançavam na vadiagem ou introduziam na senda do crime, eram condemnados á pena de prisão, cumprida no andar terreo da cadeia do Aljube, se ainda não tinham quatorze annos de idade, ou na enxovia do Limeiro, se já os tinham completado. No Aljube viviam em casas humidas, quasi sem luz, respirando um ar viciado, sem exercicio, sem trabalho, sem educação; na enxovia do Limoeiro, de envolta com faccinorosos, faltam expressões para dizer o que os aguardava!
Os resultados de similhante systema penal, se tal nome póde dar-se-lhe, são faceis de prever, são necessarios e fataes, nem é mister exageral-os para fazer sobresaír toda a sua immoralidade.
Uns saíam do Aljube, senão moral e physicamente peiores, pelo menos nas mesmas circumstancias em que para lá tinham entrado, e por isso aptos para continuar na carreira do vicio e do crime; os outros deixavam, a enxovia do Limeiro habilitados para ali voltar em breve, menos se, por milagre, não tivessem aproveitado assás n'aquella pessima escola.
E para que se impunha similhante pena a umas e outras creanças, quando, cumprida ella, voltavam para a rua no mesmo se não em peior estado?
Aterrados pelas consequencias da prisão na enxovia, ou convencidos da utilidade d'ella no Aljube, alguns juizes absolviam os vadios menores de dezoito annos; verdade é que depois de estabelecida a casa onde elles podiam regenerar-se, outros juizes têem tornado inutil a condemnação, em quanto, receiando impor pena muito severa a um crime leve, condemnam a prisão por curto praso, sem reflectirem que a supposta pena é um verdadeiro beneficio. Torna-se, pois, necessario, para acabar com taes escrupulos, reformar a lei penal no que respeita aos menores vadios.
Durava aquelle estado de cousas havia muitos annos; e

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sempre assim, fôra, apenas interrompido no reinado da Senhora D. Maria I por iniciativa do intelligente Manique, que, se nos não enganâmos, foi quem creou no castello a casa pia de correcção, a qual, depois de tempos prosperos e de varias vicissitudes, veiu a dar na actual casa pia, com destino hoje muito diverso.
Existe, pois, em Lisboa uma casa de detenção e correcção, que, melhorada com as modificações que a experiencia tem mostrado necessarias, póde servir de norma para as demais que hajam de crear-se em Portugal.
As ruinas de um convento, que a sciencia official condemnára como inaproveitaveis, tornaram-se sob a direcção de uma vontade energica e intelligente, e com tão modica despeza (6:000$000 réis), que causou espanto no parlamento que a votou, tornaram-se, diziamos, em casas alegres e asseiadas, e que de cadeis só têem o nome: a cerca, antes abandonada e coberta de silvas e entulhos, vestiu-se de arbustos e de flores; e n'aquella verdadeira casa de saude moral e physica encontram as pobres creanças mais, extraviadas do que criminosas, o que a maior parte não tinha em casa de seus paes; o sustento sadio, a instrucção, o trabalho, a ordem e a moralisação; encontram guardadas as devidas proporções, e tendo em vista as suas necessidades especiaes, o que os paes abastados procuram para seus filhos quando os collocam em collegios por não poderem dar-lhes em suas casas a instrucção que os habilite para entrarem na grande lucta da vida.
Ás Monicas (com este nome baptisou o povo aquelle estabelecimento) concorre immensa gente todos, os dias santificados, e não acha uma cadeia, mas uma casa de caridosa educação; não vê luxo, que ali fôra prejudicial, mas o estrictamente necessario, e a ordem que deve acompanhar a pobreza para não degenerar em miseria. Ali ouve a missa dita para os menores em modesta e decente igreja, ao som da musica por elles mesmo executada; visita depois o estabelecimento e compra flores ou os artefactos fabricados por aquellas mãos que, ainda ha pouco, apenas sabiam estender-se á esmola ou ensaiar-se no roubo; pasma, e a unica màgua que ás vezes manifesta é não poderem todos os filhos dos pobres entrar em similhantes estabelecimentos se não pela porta odiosa do vicio.
Os menores ali detidos respiram o ar mais puro, effeito das optimas condições hygienicas da casa; gosam da luz do sol, vivem no asseio, que não, é incompativel com a pobreza, recebera educação moral e religiosa, têem os exercicios convenientes para conservarem e desenvolverem as forças physicas, aprendem a ler, a escrever e a contar, e alguns tambem a musica; e trabalham em diversos officios com que ao depois poderão ganhar honradamente o seu
pão.
O que hoje é a casa de correcção de Lisboa deprehende-se do relatorio apresentado pelo conselheiro procurador regio, em 31 de dezembro de 1876, ao ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça; o que ainda lhe falta póde deprehender-se tambem do mesmo relatorio, e foi para procurar remedio a essa falta, que a presente commissão redigiu tambem este seu trabalho.
Duas são as alterações que ella julga indispensaveis:
1.ª augmentar a capacidade do estabelecimento, mórmente se for destinado a receber os menores das comarcas de todo o districto da relação de Lisboa, conforme a commissão indica no artigo 1. ° do seu projecto de lei; 2.ª reformar a lei penal relativa aos menores, nos termos dos artigos 8.° e seguintes do mesmo projecto.
O augmento da capacidade do estabelecimento não é coisa difficil nem despendiosa, se attendermos a que ha proximo terreno de facil acquisição, e se nas obras que hajam de fazer-se continuar a seguir-se o mesmo systema já adoptado nos trabalhos de adaptação do antigo edificio, isto é, a estricta economia, procurando só o necessario e o util, e aproveitando o trabalho dos presos da cadeia civil, muito mais barato e, seja dita a verdade, mais proficuo do que geralmente se obtem.
O timbre e gloria d'aquelle estabelecimento é a pobreza, pois d'esta provém, em grande parte; a sua utilidade e efficacia. Muitos estabelecimentos magnificos e sumptuosos, assim publicos como particulares, se têem fundado em Portugal; mas em nenhum nos consta que se fizesse e conseguisse tanto com tão poucos meios é caso commum em paizes estrangeiros, novo porém em o nosso.
Não censurâmos as boas intenções de nossos maiores nem de nossos contemporaneos; lastimâmos sómente ver muitas vezes desperdiçadas forças que poderiam ter proveitosa applicação. E isto é principalmente lamentavel em estabelecimentos de educação para as classes pobres, pois não ha então sómente o desperdicio das forças, torna-se tambem a educação ruim em vez de proveitosa.
A reforma da lei penal relativa aos menores, nos termos do artigo 8.° e seguintes, é a outra necessidade; sem ella a creação da casa de correcção, comquanto fique sempre um grande passo no caminho da moralidade e da justiça, é de pouco proveito, para a maior parte, dos menores. Condemnar a mezes e até a dias de reclusão um menor vadio, e isso repetidas vezes, quando elle não tem quem o possa ou queira educar, toca as raias do absurdo, para não dizer do ridiculo!
A reclusão na casa de correção póde considerar-se ou como castigo e beneficio juntamente, ou como beneficio só.
É castigo e tambem beneficio para os menores vadios que tiverem as habilitações litterarias e profissionaes sufficientes; castigo, porque não querem usar d'ellas, tendo-as; benéficio, porque durante o tempo da detenção podem adquirir, o habito do trabalho regular. Para estes taes a detenção de seis mezes a um anno pela primeira vez, deve ser sufficientes provado que o não seja, prolongue-se-lhes o castigo e o beneficio.
É sómente beneficio, para os menores vadios que não tiverem as habilitações litterarias e profissionaes sufficientes, e para estes o minimo da detenção não póde ser inferior a tres annos, e isto, porque se entende que a aprendizagem por tres annos dentro do estabelecimento equivale á de cinco ou seis em casa de um mestre, visto como ali se não dão a perda de tempo, quando menos o indispensavel para ir lá e voltar depois á casa paterna, e outras distracções que não se encontram na de correcção, onde o ensino é necessariamente mais regular e desinteressado.
Mas o menor póde ser condemnado por outro crime que não seja o de vadiagem, e a pena ser inferior a tres annos; n'este caso, se elle tem as habilitações sufficientes, cumpra só a pena a que foi condemnado; é se não as tem, é muito provavel que a vadiagem o tenha conduzido ao crime, e é certo que lá o há de arrastar; é por isso, cumprida que seja a pena, fique sob a tutela do estado, se não a, tiver natural ou legal que seja idonea, para ali adquirir as mesmas habilitações. Se for condemnado a pena de prisão por tres annos ou mais, poderá durante esse tempo alcançar as habilitações que lhe faltem.
Pareceu justo e conveniente que o menor, condemnado por qualquer crime que não seja o de vadiagem, quando chegue á maioridade antes de cumprir toda a pena, seja conservado na casa de correcção até o inteiro cumprimento da mesma ou recolhido á respectiva cadeia civil, segundo o seu comportamento na dita casa. A prudencia aconselha evidentemente um ou outro d'estes procedimentos.
Tambem não pareceu menos justo que o menor, detido como vadio e que se habilite e regenere antes de cumprir a pena, se estabeleça fóra da casa de correcção sob a tutela do procurador regio, indo pernoitar no estabelecimento se tanto for necessario; os proventos do seu trabalho for-

l Artigo 1.ª e seguintes da proposta.

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marão o seu peculio, unico admittido no presente trabalho.
O peculio n'outras circumstancias tem para o menor mais inconvenientes que vantagens; Perfeitamente sustentavel em these, ha de na maioria dos casos ser funesto ao individuo inexperiente que recupere a liberdade, tentado por companheiros e infelizmente, ás vezes, pelos proprios paes, em breve o dissipará; mau principio de uma vida que se. pretende regenerar!
Em vez do peculio pareceu mais conveniente uma pequena retribuição, para estimular o zêlo e o aperfeiçoamento no trabalho e tornar este agradavel e attractivo; e mais que tudo crear commissões de protecção, complemento indispensavel da educação dos menores detidos nas casas de correcção; commissões de que adiante se fallará, depois das colonias agricolas, a cujos alumnos são tambem applicadas.
As diversas causas, principalmente a vadiagem, que tornam indispensavel a creação de casas de correcção nos centros de grandes povoações quasi não se dão nas disseminadas e agricolas; aqui o movimento da criminalidade dos menores é muito pequeno, e o da vadiagem quasi nullo.
Por isso, aquelles estabelecimentos quasi que não têem rasão de ser, se não tomarem a feição de collegios, onde se recebam alumnos nos termos dos n.ºs 5.° e 6.° do artigo 29.° do projecto, e em conformidade, do indicado no decreto que creou a presente commissão.
Assim podem elles tornar-se utilissimos, bem como não necessarios para os raros criminosos ou menores vadios, por que não convem chamar para as cidades os individuos pertencentes a povoações agricolas, já natural e demasiadamente inclinadas a essa emigração, o que em nossa opinião é um verdadeiro mal; assim como nos parece uma utopia o querer applicar a esta hypothese o celebre dito: melhorar a terra pelo homem, e o homem pela terra; pois não nos podemos capacitar de que os menores vadios, de Lisboa ou do Porto com a educação se tornem lavradores, alterada totalmente a sua constituição physica e perdido o instincto, que n'elles julgâmos geralmente invencível, de voltarem para a terra onde nasceram.
Pareceu, porém, pelo menos prudente, que se comece pelo estabelecimento de uma colonia, como se fez com a casa de correcção de Lisboa; e, passado o tempo necessario para se adquirir a experiencia, se proceda ao estabelecimento das demais colonias, no caso de se mostrarem indispensaveis. Para este ensaio bastará que o governo lance mão de algum edificio publico perto de Lisboa. Qualquer cerca, ainda que pequena, póde servir para o estudo de trabalhos agricolas; quem sabe plantar dez bacellos ou dez oliveiras, planta vinhas e olivaes.
Se porém o terreno for demasiadamente reduzido, poderá tomar-se de renda alguma porção de outro fóra do estabelecimento, como se tem feito nos paizes estrangeiros. As despezas para a adaptação do edificio ao seu novo destino serão insignificantes, quando se adopte o systema acima indicado para augmentar a capacidade da actual casa de correcção.
Quanto ás commissões de protecção, necessarias ou uteis em geral para toda a classe de individuos que, tendo cumprido a pena a que foram condemnados, desejem obter trabalho para ganhar a vida, julgâmol-as indispensaveis para os individuos que estiverem detidos nas casas de correcção ou nas colonias agricolas. Sem ellas corria-se o risco de perder em poucos dias o trabalho e fadigas de annos. Os individuos d'esta classe precisam de protecção contra a inexperiencia propria e contra a tentação, infelizmente, muitas vezes d'aquelles mesmos que por natureza eram obrigados a dar-lhes bons exemplos e a servir-lhes de guia.
Julgâmos ser o systema de commissões adoptado o mais facil, o mais economico e mais util. Em França as commissões de protecção não officiaes só têem dado bons resultados no departamento do Sena. Duvidâmos que entre nós o effeito d'ellas podesse em alguma parte ser comparavel ao das commissões officiaes que propomos».

Proposta de lei

TITULO I

Da reclusão e prisão dos menores

Artigo 1.° A reclusão de tres a cinco annos será imposta ao menor de dezoito annos, condemnado como vadio, que não tiver habilitações litterarias e profissionaes; se as tiver, a reclusão será de seis mezes e um anno.
§ 1.° Para os effeitos d'este artigo entender-se-ha:
1.° Que é vadio o menor de dezoito annos que, não tendo bens do fortuna, viver sem occupação alguma que o habilite ou possa vir a habilitar para alcançar honestamente meios de subsistencia;
2.° Que são habilitações litterarias sufficientes: ler, escrever e contar correctamente; e habilitações profissionaes as sufficientes para se poder obter trabalho remunerado em algum estabelecimento publico ou particular.
§ 2.º O tempo da reclusão será graduado segundo a idade do menor e o grau de sua instrucção litteraria e profissional, de modo que possa adquirir as habilitações que lhe faltarem para exercer proveitosamente alguma profissão.
§ 3.º A reclusão nunca será imposta por tanto tempo que o menor não a possa cumprir até completar vinte e um annos de idade.
§ 4.° Findo o tempo da reclusão antes do menor chegar aos vinte e um annos de idade, e não possuindo ainda elle então as habilitações de que trata o n.° 2.° do § 1.° d'este artigo, ficará entregue ao respectivo procurador regio, para lh'as continuar a proporcionar na casa de correcção.
§ 5.° No caso de reincidencia a reclusão do menor só acabará aos vinte e um annos de idade.
Art. 2.° O menor de dezoito annos condemnado por qualquer crime, que não seja o de vadiagem, a pena de prisão por menos de tres annos, e que não possuir ao tempo da condemnação, ou não adquirir durante o cumprimento da pena, as habilitações de que trata o n.º 2.° do § 1.° do artigo 1.°, e não tiver pae, tutor ou protector em circumstancias de o reclamar, ficará entregue ao respectivo procurador regio para lhe proporcionar aquellas habilitações na casa de correcção.
Art. 3.° A detenção de que tratam o artigo 2.° e o § 4.°. do artigo 1.°, cessará completamente quando o réu tiver vinte e um annos de idade.
Art. 4.° O menor de dezoito annos condemnado por qualquer crime, que não seja o de vadiagem, a pena de prisão por mais de tres annos, se não tiver acabado de a cumprir quando completar vinte e um annos de idade, poderá continuar a permanecer na casa de correcção até a cumprir toda, ou ser recolhido á cadeia civil respectiva, segundo o seu bom ou mau comportamento na dita casa.
Art. 5.° O menor de dezoito annos condemnado a reclusão só por vadiagem, e que se habilitar antes do cumprimento total para grangear meios de honesta subsistencia, e for de comportamento exemplar, poderá ser collocado pelo respectivo procurador regio em algum estabelecimento publico ou particular durante o tempo que faltar para o dito cumprimento.
§ 1.° Se o menor não poder pernoitar convenientemente fora da casa de correcção, deverá recolher-se ali todas as noites ás horas marcadas no respectivo regulamento.
§ 2.º Os salarios d'este menor serão recebidos pela administração da casa, que os conservará como peculio d'elle, deduzindo uma percentagem para as despezas do vestuario e outras que com elle fizer.
Art. 6.° O cumprimento da reclusão ou da pena de

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prisão imposta a qualquer menor de dezoito annos começará com isolamento dos demais reclusos, detidos ou presos.
§ unico. O isolamento nunca será inferior a tres dias, nem superior a quinze, segundo as circumstancias do menor, ouvido sempre o respectivo facultativo.
Art. 7.° O menor de dezoito annos, detido recluso ou preso, que commetter alguma infracção dos regulamentos ou se mostrar por qualquer modo remisso ou desobediente, será punido com isolamento durante as horas de trabalho e descanso.
§ unico. O isolamento não excederá a quarenta e oito horas pela primeira culpa, nem a oito dias por qualquer reincidencia.

TITULO II.

Das casas de correcção

Art. 8.° Haverá tres casas de correcção para individuos do sexo masculino menores de dezoito annos, que forem:
1.° Processados e não afiançados nas comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada.
2.° Presos á ordem da auctoridade administrativa nas ditas comarcas;
3.° Condemnados a reclusão ou pena de prisão no contigente do reino e ilhas adjacentes;
4.° Detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.° n.° 12, do codigo civil, pertencentes aos districtos administrativos de Lisboa, Porto e Ponta Delgada.
§ unico. Nas mesmas casas serão recolhidos os menores que só acharem nas circumstancias previstas no artigo 49.° do codigo penal.
Art. 9.° Uma das casas será situada em Lisboa e servirá para os menores das comarcas do districto da relação de Lisboa, os quaes, pela sua occupação ou na falta d'esta, pela de seus paes, tutores ou protectores, não pertençam á classe agricola; as outras serão situadas nas cidades do Porto e de Ponta Delgada, e servirão para os menores, em identicas circumstancias, das comarcas do districto das relações respectivas.
§ unico. O procurador regio promoverá ou mandará promover, segundo as circumstancias indicadas pelos respectivos delegados, a classificação dos menores condemnados, para os effeitos d'este artigo e do anterior.
Art. 10.° Para casa de correcção do districto da relação de Lisboa, servirá a que se acha actualmente estabelecida.
§ unico. Para satisfazer aos fins d'este artigo, será a mesma casa ampliada e reformada em harmonia com as disposições d'esta lei.
Art. 11.° Para casas de correcção dos districtos das relações do Porto e Açores fica o governo auctorisado a adaptar algum edificio dentro das cidades do Porto e Ponta Delgada ou, muito proximo d'ellas e, no caso de os não haver a construil-os.
§ unico. Emquanto estas casas não estiverem estabelecidas, servirá a do districto da relação de Lisboa tambem para os menores dos districtos das relações do Porto e dos Açores, indicados no n.° 3.° do artigo 8.º
Art. 12.° As casas de correcção devem ter capella ou oratorio, casas para aulas, dormitorios, refeitorios, casa de banhos, as officinas e accommodações necessarias, segundo o movimento da criminalidade dos menores, o um terreno adjunto susceptivel de jardinagem.
§ unico. Haverá em cada casa de correcção duas enfermarias, pelo menos, sendo uma reservada para o tratamento de doenças contagiosas.
Art. 13.° As casas de correcção ficam dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, o qual nomeará os respectivos empregados.
§ unico. A administração d'estas casas será immediatamente sujeitados respectivos procuradores regios, sendo-lhes applicavel o estabelecido com relação ás cadeias civis das comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, nos pontos em que esta lei não providenciar especialmente.
Art. 14.° O pessoal empregado em cada uma das casas de correcção compor-se-ha de:
l director;
l sub-director;
l capellão;
5 guardas;
§ 1.° Se os menores, recolhidos na casa de correcção, excederem o numero de 100, poder-se-ha, sob proposta do respectivo procurador regio, nomear um guarda por cada 20 ou fracção de 20 a mais.
§ 2.° Os empregados residirão dentro do estabelecimento e receberão os vencimentos declarados na tabella que faz parte d'esta lei.
§ 3.° O serviço de saude será feito pelos facultativos das cadeias civis das comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, ficando o governo auctorisado a organisar especialmente este serviço, quando as circumstancias o exigirem.
Art. 15.° O logar de director será provido por meio de concurso documental.
§ unico. Os candidatos apresentarão certidão de um curso completo de instrucção secundaria, e de approvação em construcções civis, desenho linear, de ornato e architectonico.
Art. 16.° As casas de correcção ficam consideradas como qualquer asylo de mendicidade o estabelecimento pio e de beneficencia, ou educação gratuita, a fim de terem parte no beneficio das doações, legados ou heranças, que forem deixados aos estabelecimentos d'essa ordem.

TITULO III

Da instrucção e tratamento dos menores na casa de correcção.

Art. 17.° A instrucção dada aos menores presos ou reclusos, será:
Quanto á parte moral, doutrina christã e praticas religiosas do respectivo capellão; quanto á parte litteraria, ler, escrever e contar; quanto á parte profissional a aprendizagem de um officio dos que ali se poderem ensinar e praticar, desenho linear e musica (pratica) para aquelles que para ella mostrarem aptidão.
Art. 18.° Haverá nas casas de correcção os, exercicios militares e gymnasticos proprios para desenvolver as forças physicas dos menores.
Art. 19.° Haverá todos os dias, exceptuados os domingos e dias santificados, aulas do instrucção moral e litteraria e ensino profissional, segundo for determinado no respectivo regulamento.
Art. 20.° A aula de desenho linear será regida pelo director; a de musica, pelo sub-director; as de ler, escrever e contar, pelo capellão; este ensinará a doutrina christã, assistirá ás orações da manhã e da noite, e fará uma pratica religiosa aos menores todos os domingos e dias santificados.
Art. 21.° Todo o menor preso ou recluso, é obrigado á instrucção moral, litteraria e profissional, e aos exercicios militares e gymnasticos, nos termos dos artigos 15.°, 16.° e 17.° d'esta lei.
§ unico. Se o menor tiver habilitações litterarias ou profissionaes superiores ou differentes das que se alcançam na casa de correcção, poderá auxiliar- os respectivos mestres, ou occupar-se em separado da sua profissão.
Art. 22.° Os mestres dos edificios serão contratados para esse fim por meio de um vencimento certo, ou de uma percentagem do producto de trabalho, segundo o permittirem as circumstancias e for mais conveniente para o estabelecimento.
Art. 23.° O producto da venda dos artefactos será applicado á compra de materias primas para as officinas e a gratificações aos alumnos que se distinguirem, por sua as-

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siduidade e pericia no trabalho; havendo remanescente, reverterá a favor da casa.
Art. 24.° O menor preso ou recluso será vestido á custa do estado, tratado em suas doenças e alimentado como os presos das cadeias civis de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, tendo porém tres refeições ao dia.
§ unico. O menor que tiver meios de subsistencia será vestido com o uniforme da casa pago á sua custa, e alimentado tambem á sua custa, tendo as suas refeições em casa separada do refeitorio commum, ou n'este, se o pae ou tutor pagar para que elle seja alimentado como os demais.
Art. 25.º O individuo que deixar a casa de correcção por ter cumprido a pena de prisão ou de reclusão, ou acabar o tempo da detenção nos termos do artigo 10.° d'esta lei, e for pobre, sairá vestido convenientemente e á custa do estado, segundo a occupação ou profissão a que se dedicar, e terá a protecção das commissões creadas por esta lei.
§ unico. A protecção das commissões será concedida ainda quando o individuo tenha pae ou tutor, se estes a requererem.
Art. 26.° São applicaveis aos menores indicados em os n.ºs 1.° e 2.° do artigo 8.° d'esta lei as disposições dos artigos 17 e sou paragrapho, 21.º e seu paragrapho e 24.° e seu paragrapho.
§ 1.º Se o menor não tiver conhecimento algum litterario ou profissional, será dispensado da respectiva instrucção, o empregado exclusivamente no serviço da casa ou n'outro qualquer que não exija aprendizagem.
§ 2.° O menor não terá direito a vestuario, salvo o caso de absoluta necessidade.
§ 3.º Se o menor tiver meios de subsistencia, poderá ser-lhe applicado, a requerimento de seus paes ou tutor, o disposto no artigo 25.° d'esta lei.
§ 4.° É applicavel ao menor o disposto no § unico do artigo 27.° d'esta lei.
Art. 27.° Os menores detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.°, n.° 12 do codigo civil, estarão na casa de correcção, separados dos demais em cumprimento de pena ou detidos, e uns dos outros, cada um em seu quarto, quanto possa ser.
§ 1.° O menor que tiver meios de subsistencia será sustentado e tratado á sua custa, assistirá á missa e á pratica religiosa em logar separado dos outros menores, e ser-lhe-ha applicado o disposto no artigo 19.° d'esta lei, se seu pae ou tutor assim o determinarem.
§ 2.° O menor que não tiver meios de subsistencia será sustentado e tratado â custa do estado, assistirá á missa e á pratica religiosa separado dos outros menores, ser-lhe-ha applicado o disposto no artigo 21 d'esta lei.
§ 3.º É applicavel a estes menores o disposto no artigo 7.° e seu paragrapho.
Art. 28.° Dos registos das casas de correcção não se passará certidão alguma relativa a menores que ahi residam ou tenham residido, excepto a de obito.

TITULO IV

Das colonias agricolas

Art. 29.º É creada, nas vizinhanças de Lisboa, uma colonia agricola, onde serão recebidos individuos menores de dezoito annos, que por sua occupação ou, na falta d'esta, pela de seus paes, tutores ou protectores pertençam á classe agricola, e sejam:
1.° Processados e não afiançados na comarca de Lisboa;
2.° Presos á ordem da auctoridade administrativa no comarca de Lisboa;
3.º Condemnados a reclusão ou a pena de prisão nas comarcas do districto administrativo de Lisboa;
4.° Detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.°, n.° 12.°, do codigo civil no districto administrativo de Lisboa;
5.° Pensionistas, a requerimento dos respectivos paes, tutores ou protectores, pertencentes ao mesmo districto;
6.° Expostos e demais menores a cargo das camaras municipaes do mesmo districto, nos termos dos artigos 284.° e 294.° do codigo civil, a requerimento das respectivas camaras.
§ l.° Na mesma colonia serão recolhidos os menores que se acharem nas circumstancias prescriptas no artigo 43.º do codigo penal.
§ 2.º Para a colonia agricola poderão tambem ser transferidos os reclusos ou presos nas casas de correcção, que tiverem reconhecida vocação para a vida agricola, e aquelles que, tendo dado provas de regeneração moral o de aproveitamento tanto litterario como profissional, assim o requererem.
Art. 30.° O respectivo delegado do procurador regio promoverá, segundo as circumstancias indicadas, a classificação dos menores condemnados.
§ unico. Se o permittir a capacidade do estabelecimento, poderão ser admittidos na colonia agricola os menores indicados nos n.ºs 3.° e 5.° do artigo 29.° pertencentes aos demais districtos administrativos do continente do reino.
Art. 31.° É o governo auctorisado a adaptar para o estabelecimento da colonia agricola algum edificio e terreno contiguo, pertencentes ao estado e, na sua falta, a adquiril-os.
Art. 32.° A colonia agricola constará, alem de um terreno susceptivel de cultura, de um edificio contendo capella, casa para aula, dormitorios, refeitorio, casa de banhos e as officinas e acommodações necessarias com relação ao numero de menores que ali tenham de ser detidos ou recebidos, e aos trabalhos agricolas.
§ 1.° Se o terreno contiguo ao edificio que se escolher não for bastante extenso para o ensino pratico da agricultura, poderá o governo arrendar algum terreno adjacente que possa convir para o mesmo fim.
§ 2.° É applicavel á colonia agricola o disposto no artigo 12.º d'esta lei, relativamente ás enfermarias das casas de correcção, bem como o disposto no artigo 13.° e seu paragrapho d'esta lei, quanto á sua dependencia, nomeação de empregados e administração.
Art. 33.° O pessoal empregado na colonia agricola compor-se-ha de:
l director;
l sub-director;
l capellão;
5 guardas.
§ 1.° Se os menores presos ou detidos, excederem o numero de cem, nomear-se-ha um guarda para cada vinte, ou fracção de vinte a mais.
§ 2.° Os empregados residirão no estabelecimento, e receberão os vencimentos declarados na tabella que faz parte d'esta lei.
§ 3.º O serviço de saude da colonia agricola será contratado com o medico do partido do concelho respectivo, ou como melhor convier.
Art. 34.° Os logares de director e de sub-director serão providos por meio de concurso documental.
§ 1.° Os candidatos a director apresentarão diploma do approvação nas disciplinas do curso de agronomos do instituto geral de agricultura, ou de qualquer curso que comprehenda as mesmas disciplinas.
§ 2.° Os candidatos a sub-director deverão provar que sabem bem ler, escrever e contar (incluindo o systema metrico), e apresentarão attestados de pratica de mais de tres annos de trabalhos ruraes como quinteros ou fazendeiros.
Art. 35.° São applicaveis aos menores, reclusos ou preses na colonia agricola, as disposições dos artigos 1.° e

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seus paragraphos, 2.°, 3.°, 4.°, 6.° e seu paragrapho, 7.º e seu paragrapho, 24.° e seu paragrapho, e 25.° e seu paragrapho, d'esta lei.
Art. 36.° A instrucção dada aos menores presos ou reclusos na colonia agricola será:
Quanto á parte moral, doutrina christã e praticas religiosas do respectivo capellão;
Quanto á parte litteraria, ler, escrever e contar, escolhendo-se para texto de leitura algum tratado elementar de agricultura, e aula de agricultura para menores que d'ella se posam aproveitar;
Quanto á parte profissional, aprendizagem de um officio, ligado com a agricultura, dos que ali se possam praticar, ou o ensino pratico d'ella.
Art. 37.° Os menores que não se occuparem de trabalhos agricolas terão diariamente exercicios proprios para lhes desenvolverem as forças physicas.
Art. 38.° O director, alem das outras obrigações a seu cargo indicadas no regulamento respectivo, será incumbido da regencia de uma aula de agricultura theorica onde serão admittidos e conservados só os menores mais intelligentes e que mostrarem aproveitamento.
Art. 39.° O sub-director, alem das outras obrigações a seu cargo, será incumbido, sob a inspecção do director, da direcção dos trabalhos agricolas, auxiliado por homens praticos, escolhidos de entre os guardas do estabelecimento.
Art. 40.° O capellão, alem das outras obrigações proprias do seu ministerio, será encarregado da instrucção moral e litteraria dos menores, assistirá ás orações da manhã e da noite, e lhes fará uma pratica todos os domingos e dias santificados.
Art. 41.° Quando a estação o permittir, predominará para os menores, que se empregarem nos trabalhos agricolas, o seu ensino pratico; no caso contrario, o da instrucção litteraria.
Art. 42.° São applicaveis aos menores, reclusos ou presos, as disposições do artigo 19.° e seu paragrapho d'esta lei, no que for compativel com as do artigo 36.°
Art. 43.° É applicavel ás officinas da colonia agricola o disposto no artigo 22.° d'esta lei.
Art. 44.° O producto da venda dos artefactos será applicado á compra de materias primas para as officinas; o rendimento dos productos agricolas, á compra de sementes, utensilios e outros accessorios ruraes; e o remanescente em ambos os casos, tiradas as gratificações que se concederem a alumnos em premio de sua assiduidade e pericia, reverterá á beneficio da casa.
Art. 45.° São applicaveis aos menores indicados nos n.ºs 1.º e 2.° do artigo 29.° d'esta lei, as disposições do artigo 26.° e seus paragraphos.
Art. 46.° São applicaveis aos menores indicados no n.º 4.° do artigo 29.° as disposições do artigo 27.° e seus paragraphos.
Art. 47.° São applicaveis aos pensionistas de que trata o artigo 29.° d'esta lei as disposições dos artigos 7.° e seu paragrapho, 21.° e seu paragrapho, e 24.° § unico.
§ 1.° Os paes, tutores ou protectores requererão ao procurador regio perante a relação de Lisboa a admissão dos pensionistas, instruindo o requerimento com os documentos seguintes:
1.° Certidão de idade, provando que o menor tem menos de dezoito annos;
2.º Attestado do medico, declarando que o menor foi vaccinado e não padece molestia contagiosa;
3.° Obrigação, em fórma legal, de satisfazer ás despezas que se fizerem na colonia com o menor.
§ 2.° O menor entrará com o enxoval determinado no regulamento.
Art. 48.° A aprendizagem do pensionista acaba aos vinte e um annos, ou antes, se seus paes, tutores ou protectores assim o determinarem.
Art. 49.° O pensionista será expulso da colonia á terceira reincidencia em qualquer contravenção do regulamento, a que seja applicado o maximo do castigo.
Art. 50.° São applicaveis aos expostos e demais menores, admittidos na colonia a requisição das camaras municipaes, as disposições dos artigos 7.° e seu paragrapho, 21.° e seu paragrapho, 24.° § unico (in fine), artigos 25.° § unico, 47.° § 1.º, n.ºs 1.° e 2.°, e § 2.°
§ unico. As camaras concorrerão para as despezas da alimentação, vestuario e instrucção dos expostos e demais menores admittidos na colonia, com o que são obrigadas a despender com a educação dos mesmos menores, sendo esta verba inserida no respectivo orçamento, e com elle approvada como despeza. obrigatoria.
Art. 5l.° São applicaveis á colonia agricola as disposições dos artigos 28.° e 16.° d'esta lei.
Art. 52.° Passados tres annos depois da abertura da colonia agricola do districto de Lisboa, o governo, fundando-se na experiencia adquirida, apresentará ás cortes uma proposta de lei ácerca da creação de novas colonias agricolas, se ellas se mostrarem necessarias.
Art. 53.° Os procuradores regios perante as relações de Lisboa, Porto e Açores, farão subir ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, até o fim de janeiro de cada anno, relatorios circumstanciados ácerca das casas de detenção e correcção, acompanhados de mappas estatisticos e das respectivas contas.
§ 1.° Similhante relatorio fará subir o procurador regio perante a relação de Lisboa ácerca da colonia agricola.
§ 2.° Estes relatorios serão immediatamente publicados no Diario do governo.
Art. 54.° A escola agricola de Villa Fernando, será, considerada como colonia agricola, para os effeitos d'esta lei, e regulada nos termos d'ella, em tudo quanto se não acha prevenido na lei de 22 de junho de 1880.
Art. 55.° O governo fica auctorisado a dar qualquer instituição particular, que se proponha aos fins exigidos n'esta lei, caracter official, accordando, porém, com os respectivos instituidores as condições do seu funccionamento, em harmonia com as prescripções legaes.

TITULO V

Das commissões de protecção

Art. 56.° É creada em cada uma das comarcas do continente do reino e das ilhas adjacentes uma commissão auxiliadora das casas de detenção e correcção, das colonias agricolas para menores, e protectora dos individuos que saírem dos mesmos estabelecimentos.
Art. 57.° A commissão será composta, nas comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, do respectivo procurador regio, presidente; do provedor da santa casa da misericordia, dos administradores dos bairros, ou do concelho, e dos parochos das freguezias urbanas.
§ 1.° As determinações d'esta commissão serão validas, estando presentes cinco de seus membros.
§ 2.° Os administradores dos demais concelhos e parochos das outras freguezias da comarca serão membros correspondentes da commissão e executarão as deliberações por ella tomadas na parte que lhes pertencer.
Art. 58.° A commissão de qualquer comarca fóra de Lisboa, Porto e Ponta Delgada será composta do respectivo delegado do procurador regio, presidente; do administrador do conselho sede da comarca, do provedor da respectiva misericordia e dos parochos das freguezias da mesma sede.
§ unico. Os administradores dos demais concelhos, provedores de misericordias e parochos das outras freguezias da comarca serão membros correspondentes da commissão, e executarão as determinações por ella tomadas na parte que lhes pertencer.
Art. 59.° As commissões nomearão vice-presidentes e

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thesoureiros, podendo estes ser escolhidos de entre individuos estranhos a ellas.
Art. 60.° Os fundos das commissões serão arrecadados na recebedoria da comarca á ordem do respectivo presidente.
Art. 61.° As commissões empregarão todos os esforços para alcançar auxilios de qualquer natureza a favor das casas de correcção dos districtos das relações de Lisboa, Porto e Açores, e das colonias agricolas.
Art. 62.° As commissões protegerão os individuos que saírem das casas do detenção e correcção, e que para aquelle fim lhes forem recommendados pelo respectivo procurador regio, a quem ficam subordinadas, promovendo collocal-os de modo que possam alcançar meios honestos de subsistencia, e soccorrendo-os em caso de doença ou falta de trabalho.
Art. 63.° A protecção das commissões acaba:
1.° Completando o protegido vinte e cinco annos de idade;
2.° Pela vontade do protegido maior de vinte e um annos, ou por sua desobediencia ás ordens da commissão, ouvido n'este ultimo caso o respectivo procurador regio;
3.° Pela vontade do pae ou tutor do protegido menor de vinte e um annos, ouvido o respectivo procurador regio;
4.° Pela saída do protegido para fóra do continente do reino e ilhas adjacentes, emquanto durar a sua ausencia;
5.° Pela pronuncia do protegido por qualquer crime, emquanto durarem os seus effeitos;
6.° Assentando o protegido praça, ou tendo sido apurado pare o serviço militar ou naval, emquanto servir;
Art. 64.º As commissões darão conhecimento da sua constituição ao respectivo procurador regio, e, alem da correspondencia annual indispensavel, remetter-lhe-hão até o fim de janeiro de cada anno o relatorio dos seus trabalhos durante o anno antecedente, acompanhado das respectivas contas e mappas estatisticos.
Art. 65.° Os procuradores regios perante as relações de Lisboa, Porto e Açores, farão subir, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, até o fim de fevereiro de cada anno, relatorios, acompanhados das respectivas contas e mappas estatisticos, ácerca dos trabalhos das commissões durante o anno antecedente.
§ unico. Estes relatorios serão immediatamente publicados no Diario do governo.
Art. 66.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de fevereiro de 1888. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Tabella dos vencimentos dos empregados de cada uma das casas de detenção e correcção, ou colonias agricolas.

Artigo unico. Terão de vencimento annual:

O director. 600$000
O sub-director. 400$000
O capellão. 400$000
Cada um dos guardas. 180$000

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de fevereiro de 1888, = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Proposta para renovação de Iniciativa

Renovo a iniciativa da proposta de lei sobre aposentação de parochos, apresentada na sessão legislativa de 1889.= O deputado, Francisco Beirão.
Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões de negocios ecclesiasticos e de fazenda.
A renovação refere-se á seguinte:

Proposta de lei

Senhores. - Venho submetter á vossa, apreciação uma providencia, que é aconselhada pelos principios de justiça, porque tem por fim conceder a uma respeitavel classe de funccionarios, que prestam importantes serviços á Igreja e á sociedade, o mesmo beneficio de que gosam outros servidores do estado.
Refiro-me ao clero parochial.
Tendo sido devidamente contemplado nas differentes reformas dos ultimos tempos o pessoal de outros ramos de administração publica, não é menos justo que os parochos canonicamente instituidos encontrem tambem nas leis alguma disposição que lhes garanta uma recompensa quando pelos annos ou por enfermidades se impossibilitam do desempenho das funcções do seu ministerio.
Pelas circumstancias do thesouro publico, e talvez pela necessidade de attender-se em differentes epochas a outros serviços igualmente importantes, não póde ainda ser votada uma medida legislativa que proveja á melhor sustentação dos ministros do altar, e ao maior esplendor do culto externo da nossa religião; e pelas mesmas considerações não posso ainda n'esta sessão, mau grado meu, submetter ao vosso exame e approvação uma proposta de lei completa sobre a dotação do culto e clero.
Comtudo, por não poderem ser presentemente superadas as dificuldades praticas, que se oppõem á realisação do meu desejo, não devo deixar de propor-vos desde já que se torne extensiva ao clero parochial a concessão do direito de aposentação, com o qual muito se melhora a sorte de uma classe que exerce inquestionavelmente a mais salutar influencia na ordem social.
As disposições que de certo prenderão mais a vossa attenção são as que se acham consignadas nos artigos 2.°, 3.° e 13.°
Pelo decreto de 19 de setembro de 1836 e pelas cartas de lei do 20 de julho de 1839 e 8 de novembro de 1841 foi o governo auctorisado a conceder soccorros provisorios, nunca inferiores á terça parte da congrua, aos parochos que pela sua idade ou molestias não podessem desempenhar as funcções do seu ministerio.
Não poderá talvez affirmar-se que ficasse assim legalmente constituido o direito dos parochos á sua aposentação; mas é certo que foi por aquelle modo reconhecida a sua necessidade, assim como a obrigação que têem os poderes publicos de fornecer os meios necessarios para a docente sustentação dos que se impossibilitarem de continuar a prestar os seus serviços á sociedade, tanto na ordem religiosa como na civil.
Alem d'isto, a conveniencia do serviço publico e os principios por que deve ser regulada uma boa administração parochial exigem que sejam substituidos, por quem possa satisfazer aos importantes deveres de cura de almas, os parochos que na extrema velhice ou por enfermidade grave e incuravel não possam exercer as funcções respectivas; sendo de justiça que em taes circumstancias se lhes conceda uma pensão igual á sua congrua, para que no ultimo quartel da vida não soffram privações e possam conservar a sua dignidade.
Por estas considerações parece-me que se acha justificada a disposição do artigo 2.° da proposta, comquanto seja o fim principal d'esta tornar extensivas ao clero parochial as prescripções do decreto com força de lei, n.° l de 17 de julho de 1886.
Pareceu-me tambem igualmente justo que os parochos, que são modestissimamente retribuidos, fiquem dispensados de contribuir para a caixa das aposentações, sem que por este facto percam o direito de aposentar-se quando reunirem as outras condições para este effeito indispensaveis.
É incontestavel que os parochos, cujas congruas não excedem a 100$000 réis, mal podem sustentar-se com a dignidade e decencia que o seu estado requer; e por isso, obrigal-os a concorrer com qualquer quota para a caixa das aposentações, seria aggravar a sua situação. Já que por emquanto não podem ser elevadas aquellas congruas,

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suppra-se ao menos a deficiencia, concedendo aos parochos que as percebem o beneficio de, gosarem do direito de aposentação sem deducção nos seus escassos rendimentos. E convém notar que com a disposição do artigo 3.° será pouco onerado o fundo especial que se constituir na caixa das aposentações para pagamento das pensões aos aposentados em taes circumstancias, por se acharem annexadas ou providas por simples encommendação muitas das parochias que apenas têem aquelle rendimento, e tambem por terem de ser descontados das pensões os soccorros. provisorios que houverem sido concedidos, como se estabelece no artigo 5.°
Achando-se já determinado pela carta de lei de 4 de abril de 1861, que os bens que constituirem propriedade ou dotação dos conventos supprimidos sejam destinados â sustentação do culto e clero, e tendo sido tambem estabelecido por decreto com força de lei de l de dezembro de 1869 que os bens das colegiadas que se supprimirem tenham igualmente aquella applicação; julgo acertado e em completa harmonia com aquellas disposições que urna parte dos rendimentos dos referidos bens venham a constituir na caixa das aposentações um fundo especial destinado exclusivamente, ao pagamento das pensões dos parochos que, forem aposentados, como indica o artigo 13.°
É por estas considerações espero que vos dignareis approvar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° O direito de aposentação concedido aos empregados e funccionarios civis pelo decreto com força de lei, n.° l, de 17 de julho de 1886, é, nos mesmos termos, ampliado aos parochos canonicamente instituídos nas igrejas parochiaes do continente do reino e das ilhas adjacentes; salvas, porém, as declarações e alterações prescriptas nos artigos seguintes.
Art. 2.° E facultada a aposentação ordinaria:
1.° Aos parochos que tiverem completado setenta e cinco annos de idade, sem dependencia de qualquer outra condição para obtel-a.
2.° Aos parochos que, contando mais de sessenta annos de idade e trinta de serviço effectivo, se mostrarem impossibilitados, physica ou moralmente, de continuarem no exercicio do ministerio parochial.
§ 1.° Se os parochos que estiverem nas circumstancias declaradas n'este artigo não solicitarem a aposentação, poderá o governo determinal-a sobre parecer e proposta do prelado da respectiva diocese.
§ 2.° Aos parochos aposentados nas condições referidas, serão concedidas pensões iguaes á importancia das suas congruas.
Art. 3.° Os parochos, cujas congruas não estiverem taxadas em quantia superior a 100$000 réis, ficam dispensados de contribuir com qualquer quota para a caixa das aposentações, sem que por este facto deixem do ter igual direito a serem aposentados quando reunirem as outras condições indispensaveis para a aposentação ordinaria ou extraordinaria.
Art. 4.° As pensões de aposentação concedidas aos parochos das freguezias do continente serão computadas em proporção das congruas arbitradas ás respectivas igrejas, emquanto não for decretada por outra fórma a dotação do clero parochial; devendo observar-se a este respeito as mesmas regras fixadas no citado decreto para as pensões dos funccionarios civis aposentados.
As dos parochos das freguezias das dioceses das ilhas adjacentes serão calculadas era proporção das congruas que percebem pelo cofre do estado.
Art. 5.° Os soccorros provisorios que tiverem sido concedidos aos parochos aposentados serão encontrados nas pensões que houverem de receber nos termos do artigo antecedente.
Art. 6.° A impossibilidade physica ou moral será verificada nas sedes das dioceses, por tres facultativos para esse fim nomeados pelo ordinario, o qual depois enviará os respectivos processos de aposentação com o seu parecer ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, para seguirem os devidos termos.
Art. 7.° Cessando a impossibilidade, e verificado este facto pelo modo estabelecido no artigo antecedente, terminará o pagamento das pensões aos parochos aposentados logo que estes sejam apresentados e collados em outras igrejas parochiaes, ou nomeados para quaesquer outros beneficios ou empregos.
Art. 8.° Para o effeito da aposentação não será contado o tempo em que os parochos estiverem suspensos das ordens sacras ou do exercicio do seu ministerio, nem aquelle em que deixarem de residir em seus beneficios sem legitimo impedimento ou auctorisação competente. Será, porém, levado em conta todo o tempo de serviço no exercicio das funcções parochiaes, como collado ou encommendado, e o que tiverem prestado em alguma commissão de serviço publico devidamente auctorisada.
Art. 9.° Decretada a aposentação, ou por determinação regia ou por solicitação dó interessado, não se effectuará o pagamento da pensão concedida, emquanto o parocho aposentado não renunciar o seu beneficio, e não apresentar a necessária certidão do termo da renuncia, e emquanto não tiver cabimento dentro do fundo de que trata o artigo 13.°
Art. 10.° Quando o parocho aposentado se recuse a renunciar voluntariamente o seu beneficio, ou não possa por qualquer circumstancia verificar a resignação, o prelado diocesano o removerá do exercicio do ministerio parochial, e nomeará para o substituir um encommendado; percebendo este a congrua arbitrada á respectiva igreja, e aquelle á pensão que lhe tiver sido concedida.
Art. 11.° O pagamento das quotas com que contribuirem os parochos das freguezias do continente para a caixa das aposentações será feito nas recebedorias dos concelhos respectivos, visto não, terem vencimento pago pelo cofre do estado, para que a importancia das mesmas quotas seja remettida por aquellas repartições á sobredita caixa, pela qual serão satisfeitas as pensões aos parochos aposentados.
§ unico. As quotas dos parochos das dioceses das ilhas adjacentes serão descontadas nas folhas das congruas pagas directamente pelo estado.
Art. 12.° Os parochos das freguezias do continente que tiverem de contribuir para a caixa das aposentações, e não pagarem as suas quotas nos devidos prasos, ficarão sujeitos ás mesmas prescripções comminatorias dos §§ 4.° o 7.° do artigo 7.° do decreto de 14 de outubro de 1886.
Art. 13.° Pelo ministério dos negocios da fazenda será entregue á caixa das aposentações uma subvenção annual de 20:000$000 réis, proveniente dós rendimentos dos bens das corporações religiosas extinctas ou supprimidas, para ali se constituir um fundo especial destinado exclusivamente ao pagamento das pensões aos parochos que forem aposentados nos termos dos artigos 2.° e 3.° d'esta lei.
Art. 14.° O governo dará as providencias que julgar necessarias para a execução d'esta lei.
Art. 15.° Ficam assim ampliadas as disposições do decreto com força de lei, n.° 1, de 17 de julho de 1886, e revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 10 de maio de 1889. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

REPRESENTAÇÃO

Dos proprietarios, agricultores, industriaes, negociantes, trabalhadores, e representantes de todas as artes e profissões liberaes do concelho da Guarda, pedindo que não serem approvadas as novas medidas tributarias.
Apresentada pelo sr. Eduardo Abreu, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

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REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da justiça, seja enviada a esta camará copia das ultimas informações mandadas para a secretaria pelo presidente do supremo tribunal de justiça, presidentes das relações, juizes e delegados do continente e ilhas adjacentes ácerca dos emolumentos recebidos annualmente.
Sala das sessões, 13 de maio de 1890. = José Paulo Monteiro Cancella.
Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara toda a correspondência telegraphica e não telegraphica, trocada a respeito do ultimo empréstimo, desde o dia 15 do mez passado, entre o mesmo ministerio e os contratadores do emprestimo, entre o mesmo ministerio e o director geral do thesouro, e entre esto e os referidos contratadores.
Sala das sessões, em 13 de maio de 1890. = O deputado pelo circulo n.° 70, Fernando Palha.
Mandou-se expedir.

Roqueiro quo seja enviada novamente á commissão, que sobre ella deve dar o seu parecer, a representação dos professores da academia real de bellas artes de Lisboa, pedindo lhes seja abonada gratificação de exercicio como aos professores dos demais institutos de ensino.
A referida representação foi apresentada a esta camará em 1889 e tem o n.° 122. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.
Enviado ás commissões de instrução superior e de fazenda.

Requeiro que, pelo ministerio do reino me sejam enviados com a brevidade possivel os documentos seguintes:
1.° Copia da relação do todos os devedores á misericordia do Fundão (originários ou seus herdeiros), declarando-se a data dos contratos de mutuo, quantias em debito, capital e juros, devendo estas vir separadas com referencia a cada anno a que respeitam;
2.° Copia de todas as actas das sessões da mesa da misericordia do Fundão, desde 20 de outubro de 1889 ato á eleição da mesa quo foi dissolvida por alvará do governador civil do Castello Branco;
3.° Copia de todas as actas das sessões da referida mesa dissolvida desde que tomou posse até que lhe foi intimado o alvará de dissolução, e bem assim copia de todos os officios do presidente da mesma mesa dirigidos quer ao administrador do concelho do Fundão, quer ao medico do hospital, dr. Delphim Pinto do Carvalho;
4.° Copia de toda a correspondencia trocada entre o governador civil de Castello Branco e o administrador do concelho do Fundão, desde o acto da posse da mesa, depois dissolvida, até ao dia cm que a esta foi intimada a dissolução;
5.° Copia do requerimento apresentado no tribunal administrativo de Castello Branco pelo facultativo do hospital da misericordia do Fundão pelo facto de ter sido demittido do logar quo occupava no referido hospital;
6.° Copia do requerimento de varios irmãos da misericordia do Fundão solicitando do governador civil de Castello Branco a dissolução da mesa da misericordia referida;
7.° Copia do relatório da actual commissão administradora da referida misericordia do Fundão, enviado ao governador civil de Castello Branco, e bem assim de quaesquer documentos enviados por aquella commissão a este funccionario, respeitantes á gerência, estado e administração anterior d'aquelle pio estabelecimento;
8.° Copia dos officios trrocados entro o administrado do concelho do Fundão e o presidente da junta de parochia do triennio anterior, respeitantes á posse dos vogaes da junta, ultimamente eleita. = O deputado, José Augusto Soares Ribeiro de Castro.
Mandou-se expedir.

Requeiro seja enviada a esta camara copia do processo da tomada de contas sobre o cumprimento do testamento com que falleceu João Marcellino da Costa, e a que se procedeu o anno passado na administração do concelho de Castello de Vide.
Igual requerimento em relação ao cumprimento do testamento com que falleceu Joanna Ruivo Godinho, cujas contas se tomaram pela mesma administração do concelho já este anno.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 12 de maio de 1890. = O deputado, Ruivo-Godinho.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Dos officiaes reformados da provincia de Angola, Antonio Joaquim do Castro e Francisco de Brito Freire, pedindo que lhes sejam mandados pagar os seus vencimentos, na conformidade da lei de 25 de junho de 1889.
Apresentados pelo sr. deputado João Cesario de Lacerda e enviados á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda,

Dos officiaes reformados da guarnição de Moçambique, João Francisco, e do exercito de Africa occidental Manuel Cabral Pereira Lapa, fazendo igual pedido.
Apresentados pelo sr. deputado Moraes Sarmento e1 enviados á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

Do major reformado José Fortunato Barreto, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. deputado Sousa Menezes e enviado á commissão do ultramar, ouvida a do fazenda.
Do vice-almirante reformado D. Carlos Frederico Botelho de Vasconcellos de Mello e Matos de Noronha, pedindo que lhe sejam extensivas as disposições do artigo 11.° § 2.º da carta de lei de 18 de julho de 1889.
Apresentado pelo Sr. deputado Pedro Victor e enviado ás, commissões de marinha e de fazenda.

Do major reformado Joaquim Guilherme da Costa, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Moraes Sarmento e enviada á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Participo a v. exa. é á camara que, por motivo de serviço publico, tenho faltado a algumas sessões. = Avellar Machado.
Para a secretaria.

O sr. Simões Ferreira: - Tenho a honra de mandar para a mesa um projecto de lei sobre a reforma concedida aos parochos. Este projecto e resultado da proposta do sr. Francisco Beirão do anno passado, cuja iniciativa foi renovada por s. exa. na sessão de hontem, e pelo sr. ministro da justiça actual. É, pois, um documento quo pertence á camará, e entendi do meu dever apresentar-lh´o
A proposta apresentada pelo sr. Beirão teve ainda no anno passado o andamento que pôde ter. Foi apresentada e discutida na commissão dos negocios ecclesiasticos, de que tive a honra de fazer parte. Foi bem recebida quanto á intenção e ás bases essenciaes d'ella, mas estabelece-

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ram-se divergencias quanto a pormenores mais ou menos importantes.
Devi á commissão a honra de ser encarregado por ella de rever a proposta, modificando-a onde o podesse ou devesse ser, segundo as idéas que vogavam na commissão, ou de modo que melhor e mais conveniente parecesse. Isto de accordo com o sr. Beirão, que assistiu á reunião onde se tratou do; assumpto. Isto passava se em junho, quando a sessão parlamentar estava- adiantada, e a commissão dos negocios ecclesiasticos não tornou mais a reunir-se para lhe apresentar officialmente o meu trabalho, porque já não estava em numero em Lisboa.
Não apresento, pois, o projecto com a auctoridade de ter sido approvado pela commissão, mas apenas com a de ter tido o assentimento de alguns meus collegas d'esse tempo, e, em todo o caso, como um documento para estudo, e como affirmação do interesse que tomo na resolução d'este problema de administração social, que se está impondo como uma necessidade urgentissima.

ó quem conhece, como eu conheço, as apertadas circumstancias em que vive o clero parochial em algumas, se não em todas as nossas provincias, avalia a urgencia, de prover de remedio para o caso de só achar impossibilitado de exercer as funcções do seu ministerio. Ha muito parocho que não tem para as necessidades diárias, quanto mais para prevenções de futuro.
Não aprecio os pontos em que o meu projecto differe da proposta do sr. Beirão, o hoje do governo, porque espero ter occasião de fazel-o quando o assumpto aqui venha, e segundo a fórma como vier.
E que venha é, o meu desejo, o meu maior empenho. Com a proposta convertida em projecto, como o meu projecto, ou com qualquer outro que redija a commissão parlamentar, que venha é o essencial. E, pela minha parte desde já prometto e me comprometto a não perder o assumpto do vista, e a instar por elle na actual sessão e nas l sessões a seguir, se for preciso, emquanto tiver voz n'esta casa; Mando o projecto.
O projecto ficou para segundo, leitura.

O sr. Cancella: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento, pedindo, pelo ministerio da justiça, copia das ultimas informações recebidas do presidente do supremo tribunal de justiçai dos presidentes das relações, dos juizes, e dos delegados do continente e ilhas adjacentes, ácerca dos emolumentos recebidos annualmente.
Peço a v. exa. queira dar-lhe o destino competente.
Aproveito a occasião para dizer que pedi hontem a palavra, quando sé achava presente, o sr. ministro do reino, e dizem que da guerra, para lhe fazer umas perguntas. Consta-me, por noticias particulares, que para Obidos foram mandadas ha dias quarenta praças de infanteria n.° l; que chegaram no dia 10 sete policias de Lisboa, havendo-a em Leiria, que é o districto a que pertence aquelle concelho, e que se espera mais uma força de caçadores n.º 6.
Como não está presente o sr. ministro do reino, e se acha o sr. ministro de bellas artes, eu pedia-lhe o obsequio de communicar ao sr. presidente do conselho as perguntas que vou fazer.
Eu não sei qual a rasão, quando o paiz está n'um socego perfeitamente patriarchal, a não ser que o governo ande a inventar pavorosas, por quo ò governo faz este apparato de força.
O governo quiz certamente ir por lá dispondo a opinião publica com as forças que mandou, visto estar proximo o julgamento do processo da eleição das Caldas, para obter um resultado mais favoravel, se a eleição for annullada.
Quando eram mandadas recolher, porque o foram, todas as praças que estavam com licença, e para estranhar que para uma povoação tão insignificante, como é Obidos, concelho onde por occasião das eleições não houve uma unica desordem, o sr. ministro do reino, e dizem que da guerra, mandasse agora para lá uma força tão importante, mandando até policias de Lisboa quando os havia em Leiria, districto a que pertence aquelle concelho.
Espero quo s. exa. explicará um tão desusado movimento de forças publicas que foram distratadas dos exercicios por s. exa. ordenados e onde essas forças deviam instruir-se.
Continuo ainda no uso da palavra para dirigir ao governo outra pergunta.
Dá-se um facto que não teça precedentes politicos nem entre nós, nem em nenhuma outra nação.
Se porventura este facto só tivesse dado quando se sentaram n'essas cadeiras os ministros progressistas, a maioria, então opposição, teria levantado grande barulho e o sr. ministro da instrucção publica e bellas artes cora o seu pulso vigoroso teria, talvez, destruido algumas cadeiras (Riso) porque o facto é bastante importante.
Por um decreto datado do 14 de janeiro ultimo foi nomeado ministro da guerra o general Vasco Quedes de Carvalho e Menezes.
O decreto diz o seguinte:

«Attendendo aos merecimentos e mais partes que concorrem na pessoa do general Vasco Guedes de Carvalho e Menezes, do meu conselho, governador geral do estado da India: hei por bem nomeal-o ministro e secretario d´estado dos negocios da guerra.
«O presidente do conselho de ministros assim o tenha entendido e faça executar. Paço, em 14 de janeiro de 1890. = REI. = Antonio de Serpa Pimentel.»

Ha outro decreto de 17 de janeiro que diz o seguinte:

«Attendendo ao que me representou o general Vasco Guedes de Carvalho e Menezes, do meu conselho, governador geral do estado da India, pedindo ser escusado do cargo de ministro e secretario d'estado dos negocios da guerra, para que fura nomeado por decreto de 14 do corrente mez: hei por bem exoneral-o do referido cargo, cujas honras me apraz conservar-lhe.
«O presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios do reino, assim o tenha entendido e faça executar. Paço, em 17 de janeiro de 1889.= REI = Antonio de Serpa Pimentel.»

Vejo que em data de 14 de janeiro foi o sr. presidente do conselho nomeado interinamente ministro da guerra durante a ausencia do general Vasco Guedes.
Por isso ou disse ha pouco que dizem que s, exa. é ministro da guerra.
Em 17 do mesmo mez foi exonerado do cargo de ministro da guerra aquelle general.
Não vi decreto algum que tornasse a nomear, o sr. presidente do conselho interina ou definitivamente ministro da guerra.
E sendo assim pergunto eu com que direito põe o sr. presidente do conselho o penacho de commandante das. forças portuguezas como ministro da guerra?
Como é que o sr. presidente do conselho que tinha servido interinamente durante a ausencia do general Vasco Guedes se arroga o direito de vir n'um paiz liberal e constitucional, sem sor por meio de um decreto que o nomeasse, fazer promoções, exonerar generaes e augmentar a despeza publica n'umas dezenas de contos de réis?
Como é que o sr. presidente do conselho faz tudo isto sem ser ministro da guerra, porque eu não vejo que ainda exista a ausencia do sr. ministro da guerra, Vasco Guedes?
Ou o ministro da guerra foi exonerado, e por consequencia acabou a interinidade do sr. presidente do conselho como ministro da guerra, ou continua este interinamente e então tomos de considerar ainda ministro da guerra o sr. general Vasco Guedes, apesar de ter sido exonerado; e póde

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dizer-se que a interinidade do sr. Vasco Guedes, como general, não acabou, porque não morreu; mas por isso que a interinidade não era para o general Vasco Guedes, mas unicamente para emquanto elle fosse ministro e cá não estivesse, teriamos de concluir que, se porventura elle continuar a permanecer na India durante muitos annos, tendo sido nomeado interinamente o sr. presidente do conselho, emquanto existir o general Vasco Guedes nós teremos o Sr. Serpa ministro da guerra per omnia secula, seculorum. Por isso eu pedi a palavra hontem quando vi o sr. presidente do conselho, que dizem que é ministro da guerra, para saber com que direito s. exa. arroga a si esse titulo, quando não vejo esse facto manifestado por decreto algum. S. exa. não foi ainda nomeado effectiva nem interinamente ministro da guerra depois da demissão do sr. Vasco Guedes Carvalho e Menezes.
Infelizmente, entre nós, embora por toda a parte seja proclamada a igualdade perante a lei, vejo que nem assim mesmo essa igualdade é conservada.
Vejo ahi uma lei que prohibe as reuniões publicas, umas certas manifestações da imprensa, uma lei vulgarmente chamada lei das rolhas, feita com todo o vagar pelo ministerio durante o interregno parlamentai. Pergunto eu, se essa lei tem sido applicada a tantas cousas insignificantes que por ahi ha, e que são considerados crimes, porque rasão se não applicará a lei ao sr. presidente do conselho tambem?
Pois v. exa. não está commettendo um crime arvorando-se em ministro da guerra sem decreto que o nomeasse?
O artigo 236.° do codigo penal diz o seguinte:
«Aquelle, que, sem titulo ou causa legitima, exercer funcções proprias de um empregado publico, arrogando-se esta qualidade, será punido com a pena de prisão de um até tres annos, e multa correspondente, sem prejuízo das penas de falsidade, se houverem logar.»

Por conseguinte, não sendo o sr. presidente do conselho ministro da guerra, porque o não é, parece-me que o sr. ministro da justiça, se porventura prezasse a justiça, teria já dado ordem aos seus delegados, assim como a tem dado para os excessos da imprensa, para intentar o devido processo contra o sr. presidente do conselho, visto que arroga a si o titulo de ministro da guerra sem titulo legitimo, visto que não ha ainda decreto que o nomeasse para similhante cargo.
Se estes factos se dessem, como ha pouco disse, durante o governo progressista, o sr. ministro da instrucção publica, cujo genio irritavel todos lhe conhecemos, ajudado pelo sr. Miguel Dantas, que era o seu factotum, deitariam as carteiras por terra.
(Interrupção).
Não se falia em carteiras?!
Isto são factos conhecidos de todos.
Nós é que estamos aqui socegados a poupal-as.
Por conseguinte, sendo factos conhecidos de todos nós, posso fallar n'elles.
Creio que isto não é melindrar ninguem.
(Interrupção.)
O sr. Presidente: - Peço ordem.
O Orador: - Eu peço a qualquer dos srs. ministros presentes, principalmente ao sr. ministro da instrucção publica, que estava presente quando comecei a fallar, que cominunique ao sr. presidente do conselho estas perguntas.
Realmente acho extraordinário que s. exa. esteja ministro da guerra sem o ser.
É verdade que assim como elle conservou as honras ao ministro que nunca foi ministro, tambem póde arrogar-se o direito de ser. ministro da guerra sem o ser.
É modo de ver as cousas; e não admira nada que v. ex.ªs vejam as cousas de um modo muito diverso d'aquelle por que as viam d'aqui, quando estavam sentados n'estas bancadas.
Nós é que as havemos de ver sempre da mesma maneira; não attendendo as questões partidarias mas sim aos interesses do estado.
Termino, pedindo ao sr. ministro da instrucção publica que communique estas minhas considerações ao sr. presidente do conselho, considerações que eu fiz em nome da moralidade publica.
O requerimento vae publicado na secção competente a pag 200.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Pedi a palavra para declarar ao sr. deputado que communicarei ao sr. presidente do conselho e ministro da guerra as observações que s. exa. acaba de fazer.
O sr. Cesario de Lacerda: - Mando para a mesa dois requerimentos de officiaes reformados do ultramar, um do sr. Francisco de Brito Freire, major; e outro do sr. Antonio Joaquim de Castro, general. Pedem ambos estes officiaes que lhes sejam mandados abonares seus soldos pela tarifa por que vencem os officiaes reformados do exercito do reino.
Peço a attenção da camará e em especial a da commissão a que foram remettidos estes requerimentos; pediria tambem a do sr. ministro da marinha e ultramar, se tivesse o gosto de o ver presente, para este assumpto que se me afigura importante, visto que se trata de reparar uma injustiça flagrante e que chega a ser odiosa.
É o caso que, ao passo que aos officiaes reformados do exercito do reino se abonam os soldos pela tabeliã annexa á lei de maio de 1888, aos officiaes reformados do ultramar estão sendo pagos os vencimentos pela tarifa antiga muito inferior.
Esta desigualdade abrangeu durante muito tempo tambem os officiaes do exercito ultramarino em serviço activo, que por mais de um anno, se bem me lembro, estiveram vencendo pela tarifa antiga, emquanto que os seus camaradas da metropole venciam pela tarifa de 1888, mais elevada.
Reparou-se essa injustiça em relação aos officiaes em serviço activo, mas subsistiu com relação aos officiaes reformados.
É necessario que na consciencia dos poderes publicos não continue a pesar tal injustiça.
Sem querer de modo algum depreciar os serviços que prestam ao paiz os officiaes do exercito do reino, e considerando-os até muito, como os considera todo o paiz desejo, que se considerem tambem os que estes homens, os officiaes reformados das forças ultramarinas, prestaram nos climas inhospitos da nossa Africa. Os officiaes do ultramar são funccionarios que fazem quasi toda a sua carreira em guerras e em commissões arduas e espinhosas, já mantendo em respeito pretensões absorventes de estrangeiros, já tendo de internar-se nos sertões e bater-se com o gentio em luctas arriscadissimas de que muitos têem sido victimas.
Parece-me que não deve haver demora na adopção de uma providencia legislativa que repare a injustiça, a que mo estou referindo, e por isso peço á commissão respectiva, á camara e ao governo que cooperem no sentido de se pôr termo á injusta desigualdade, contra a qual, os requerentes reclamam.
Os officiaes a quem este acto de justiça vae beneficiar não são muitos, porque infelizmente a morte ceifa abundantemente na sua classe.
A somma total das melhorias de soldo, abonadas por uma providencia legislativa que se promulgou n'este sentido, creio que sobe apenas a uns 14 contos e tanto. Parece-me que contra estes algarismos não ha apertos financeiros que possam ser allegados, nem que valham como argumento (Apoiados.)

Gasta-se dinheiro inutilmente em tanta cousa, attende-se largamente a despezas de tão duvidosa utilidade, que não vejo argumentos de ordem financeira que possam ser adduzidos contra esta pretensão. (Apoiados.)

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Lamento que o sr. ministro da instrucção publica e bellas artes, que foi até ha pouco tempo ministro da marinha; e que usou e abusou tão largamente da dictadura (Apoiados.) para promulgar decretos de utilidade muito problematica e de nenhuma urgencia, se não lembrasse de, servir-se da benefica disposição do § 1.° do artigo 15.° do primeiro acto addicional, para com um decreto reparar esta injustiça. Não se fez isso. Usou-se da dictadura para tudo, excepto para providencias d'esta ordem que com urgencia a justiça e a humanidade reclamavam. (Apoiados.)
É que estes officiaes, prejudicados com esta injustiça tão injustificavel, têem uma vida retirada, não têem influencia eleitoral e não podem prestar serviços politicos aos governos.
Estes officiaes, que pedem a reparação de uma tão grave injustiça, e que passam' agruras, reduzidos aos seus mesquinhos soldos abonados segundo a antiga tarifa, quando v. exa. e a camara sabem como os meios de vida tanto têem encarecido n'estes ultimos annos, são já bem poucos e não, hão de onerar por longo tempo os cofres publicos com este augmento de despeza, porque, infelizmente, não terão longa vida.
O serviço da Africa, o serviço militar ali prestado é arduo e penosissimo, deteriora muito as constituições e o estado de ruina da saude dos officiaes a que me refiro, estado que determinou a sua reforma, não lhes promette certamente uma, larga existência. Por isso a camara, attendendo-os, não cria um encargo nem muito grande, nem muito duradouro para o estado.
Sr. presidente, precisava dirigir algumas perguntas, ao srs. ministro da marinha, e fazer algumas considerações a respeito de differentes pontos da nossa administração ultramarina. Como, porém, s. exa. não está presente, reservo-me para o fazer quando elle compareça n'esta casa e me possa caber a palavra.
Os requerimentos tiveram o destino indicado nos respectivos extractos, a pag. 200.
O sr. Presidente: - Achando-se nos corredores da camara o sr. deputado eleito Antonio Manuel da Costa Lereno, convido os srs. Cau da Costa e Julio de Moraes a introduzil-o na sala a fim de prestar juramento.
Foi introduzido e prestou juramento o sr. Costa Lereno.
O sr. Moraes Sarmento: - Por parte da commissão de verificação de poderes mando para a mesa os pareceres relativos aos processos eleitoraes dos circulos de Moçambique (1.°), Quilimane (2.°), é Barlavento de Cabo Verde.
Peço a v. exa. consulte a camará sobre se dispensa o regimento para que o primeiro e o ultimo d'estes pareceres entrem desde já em discussão pois, me parece, não podem Offerecer contestação.
Já que estou com a palavra peço licença para mandar tambem para a mesa dois requerimentos de officiaes reformados da guarnição de Moçambique João- Franco e do exercito de Africa occidental. Manuel Cabral Pereira Lapa, pedindo ,que lhes sejam mandados pagar os seus vencimentos, na conformidade da lei de 25 de junho de 1889. Acerca d'estas pretensões permitta-me v. exa. que eu diga que acompanho os illustres deputados que têem apresentado pretensões identicas, nas considerações expendidas para demonstrar que é de equidade o serem attendidas.
Mando tambem para a mesa um requerimento do major reformado Joaquim Guilherme. Costa, que foi sempre official muito zeloso no cumprimento dos seus deveres, pedindo melhoria de reforma.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para me referir a umas considerações apresentadas em sessão de hontem pelo illustre deputado o sr. Dias Costa, com referencia a varios processos de desertores que s. exa. disse, se achavam pendentes dos tribunaes militares, tencionando já os réus, antes de capturados, apresentar-se voluntariamente para se aproveitarem do decreto, de 22 de fevereiro quo concedia a amnistia.
Peço licença para dizer ao illustre deputado que as informações que, s. exa. tem não são perfeitamente exactas. Não me consta que estejam pendentes dos tribunaes militares, especialmente dos da primeira divisão militar, processos de desertores que estivessem ao abrigo do decreto referido, se se exceptuar um unico, que é de um soldado de artilheria n.° 4 que estava ausente do corpo ha dois, annos.
Este indivíduo foi preso no concelho de Alcobaça e foi mandado instaurar o processo nos tribunaes militares pelo commandante da primeira divisão porque não havia qualquer documento ou depoimento que provasse que o desertor tencionava apresentar-se. Quando este individuo foi aos interrogatorios, elle proprio declarou que effectivamente tencionava apresentar-se á auctoridade militar, mas que tinha sido preso por um policia que de ha muito lhe; andava com má vontade.
Posso affiançar a exactidão do que acabo de dizer.
O processo entrou em julgamento em 2 do corrente, e n'esta audiencia o réu pelo seu defensor requereu que a discussão da causa fosse adiada para serem inqueridas testemunhas de defeza, com as quaes pretendia provar que effectivamente tinha tenção de se apresentar. Este requerimento por espirito de benevolencia e equidade não foi impugaado pelo ministério publico, apesar do réu o não ter apresentado no devido. tempo. O réu allegou n'essa occasião quê já tinha apresentado na casa de reclusão em que se achava a sua contestação ao acto accusatorio, mas que ali lh'a não quizeram receber. Pela pratica que tenho de longos annos de serviço dos tribunaes militares posso dizer me não consta ter havido um caso em que n'aquelle estabelecimento se deixasse de receber e enviar ao seu destino quaesquer documentos que os presos apresentem para serem remettidos ao tribunal, o que agora faz suspeitar da veracidade das declarações d'aquelle militar.
Se tratei d'este assumpto, foi porque desejo que continue a subsistir o bom nome dos tribunaes militares. Effectivamente é esta uma das instituições militares que gosam do melhor credito no nosso paiz, (Apoiados.) e por isso me empenho em demonstrar que não se tem dado facto algum que contribua para perderem essa reputação nó conceito publico.
Creio que estas informações, hão de satisfazer sr. illustre deputado o sr. Dias Costa, cujo amor pelo bom nome das instituições militares eu sou o primeiro a reconhecer.
Os requerimentos tiveram o destino indicado noa respectivos extractos a pag. 200.
Leu-se na meia ~o seguinte:

PARECER N.° 111

Circulo de Moçambique, 1.º (eleição de 1889)
Senhores. - A commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral da eleição transacta, relativo ao circulo n.° l de Moçambique, do qual se mostra que o numero de votantes foi de 515, sendo votados os seguintes cidadãos:

Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha 294
José Maria Teixeira de Guimarães 216
Antonio Teixeira de Azevedo 2

Não tendo havido protestos nem reclamações, entende a vossa commissão que deve ser approvada esta eleição e proclamado deputado o cidadão mais votado Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, quando apresente diploma em forma legal, visto o disposto no artigo 113.° do decreto de 30 de setembro de 1852.

Sala da commissão, 10 de maio de; 1890 = Pedro Victor da Costa Sequeira = Barão do Paço Vieira (Alfredo) = Marcellino Mesquita = L. Bandeira Coelho = José Estevão de Moraes Sarmento,

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O sr. Presidente: - O illustre deputado, o sr. Sarmento pediu que se considerasse urgente este parecer, a fim de que possa ser discutido desde já. Consulto a camara.
Foi declarada a urgencia, sendo em seguida approvado, sem discussão, o parecer.
Leu-se o seguinte:

PARECER N.° 110

Circulo de Barlavento de Cabo Verde - (Eleição de 1889)

Senhores. - Á commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral; da eleição transacta relativo ao circulo de Barlavento de Cabo Verde, do qual se mostra que o numero de votantes foi de 4:672, sendo 2 listas brancas, obtendo votos os seguintes cidadãos:

João de Sousa Machado 4:665 votos
Manuel Correia de Figueiredo l »
Antonio Manuel da Costa Lereno l »
Damião Caetano de Sousa l »
Roque Francisco de Figueiredo l »
Alfredo Trony l »

Não tendo havido protestos nem reclamações, e visto o disposto no artigo 113.° do decreto de 30 de setembro de 1852, entende a vossa commissão que a referida eleição deve ser approvada e proclamado deputado o cidadão mais votado João de Sousa Machado, que apresentou diploma em fórma legal.

Sala da commissão, 10 de maio de 1889. = Pedro. Victor da Conta Sequeira = L. Bandeira Coelho = Barão de Paço Vieira (Alfredo) = Marcellino Mesquita = José Estevão de Moraes Sarmento.
Dispensada a impressão do parecer, foi em seguida approvado sem discussão.
O sr. Presidente: - Proclamo deputado da nação portugueza o sr. João de Sousa Machado.
Está sobre a mesa o parecer relativo á eleição pelo circulo de Quelimane (2.°) e que foi igualmente apresentado pelo sr. Moraes Sarmento. Pergunto a s. exa. se tambem requereu em relação a esta urgencia.
O sr. Moraes Sarmento: - Eu só pedi a urgencia dos dois pareceres, que acabam de ser approvados.
O sr. Presidente: - N'esse caso, vae ser impresso e distribuido o parecer a que me refiro.
O sr. Pedro Victor: - Mando para a mesa um requerimento do official do exercito, D. Carlos Frederico Botelho de Vasconcellos Matos de Noronha, que pede melhoria de reforma.
Este official funda a sua pretensão de uma maneira que me parece muito justa. Espero, por isso, a camara a tome na devida consideração, e que, em occasião opportuna, resolva sobre este assumpto, como for de justiça.
O requerimento teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 200.
O sr. Fernando Palha: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo que pelo ministerio da fazenda seja remettida a esta camara toda a correspondencia telegraphica e não telegraphica trocada, a respeito do ultimo emprestimo, desde 15 do mez passado, entre o mesmo ministerio e os contratadores, entre o mesmo ministerio e o director geral do thesouro e entre este e os referidos contratadores.
Peço a v. exa. que me inscreva novamente para quando estiver presente o sr. ministro da fazenda.
Mandou-se expedir o requerimento, que vae publicado no logar competente a pag. 200.
O sr. Eduardo Abreu: - Começou por notar que na sala havia uma alcativa differente dá que estava na sessão passada.
Explica a mudança, dizendo que a outra já estafa demasiadamente suja pela profusão de idéas incorrectas ê inconvenientissimas dos srs. deputados da opposição regeneradora que hoje são ministros da corôa.
Felicitou em seguida as carteiras por se verem livres dos murros e gestos irados dos, mesmos deputados regeneradores e sobre este ponto expoz varias reflexões, uso só criticando a marcha governativa da situação actual, mas dirigindo-se a cada um dos srs. ministros em especial, para lhe censurar alguns dos seus actos.
Terminou mandando para a mesa uma representação dos proprietarios agricultores, industriaes, trabalhadores e representantes de todas as artes e profissões liberaes do concelho da Guarda, pedindo que não sejam approvadas quaesquer medidas tributarias.
Pede que seja publicada no Diario do governai
Constatada a camara, assim se resolveu.
(O discurso será publicado em appendice quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Começo por participar a v. exa. e á camará que o sr. ministro da fazenda, por incommodo de saude, não póde comparecer hoje n'esta casa.
E aqui tem o illustre deputado o sr. Eduardo Abreu a rasão por que não vê presente aquelle meu collega.
Sem, de fórma alguma, querer entrar na apreciação da linha de procedimento que s. exa. julgue dever adoptar, e qualquer que elle seja, uma vez sujeito ao regimen da camara, póde s. exa. ter a certeza de que ha de encontrar, por parte do governo, resposta cabal e. completa ás suas arguições; (Apoiados.} e no entretanto não me leve o illustre deputado a mal que eu diga que me parecia mais consentaneo, até com os deveres parlamentares, que s. exa. aguardasse a comparencia do sr. ministro da fazenda, uma vez que se propunha dirigir-lhe phrases aggressivos, palavras violentas como aquellas que s. exa. ha pouco proferiu. (Apoiados.)
Mas s. exa. pôde ter a certeza de uma cousa: é que todos nós, ministros, temos a nossa vida parlamentar firmada em longos trabalhos e no estudo das mais importantes questões de administração e de politica, e que nenhum se arreceia de qualquer questão que a opposição entenda dever levantar, é seja qual for o campo era que ella julgue dever fazel-o. (Apoiados dos srs. ministros e da maioria.)
Pelo que toca ao meu. collega o sr. ministro da fazenda posso assegurar ao illustre deputado que, sempre que o meu collega possa vir a esta camará, encontral-o-ha prompto a responder pêlos seus actos com aquella serenidade que dá a consciência limpa de um homem de bem, (Muitos apoiados.) e com aquelles conhecimentos que provem do estudo affincado dos problemas gravíssimos da administração da fazenda que estão confiados á sua alta capacidade. (Apoiados.)
O illustre deputado, tenho d'isto a certeza, não o encontrará receioso de se julgar mal collocado e n'uma posição melindrosa por s. exa. ir rebuscar nos archivos parlamentares quaesquer phrase que elle tenha soltado em outro tempo ou qualquer apreciação que tenha feito. (Apoiados.)
Convença-se s. exa. de que para o meu collega da fazenda não ha banqueiros predilectos. (Apoiados.) Pelo contrario, o seu proceder está lisamente attestado e perfeitamente definido na maneira como tem gerido a pasta dos negocios da fazenda. (Apoiados.)
Póde o sr. Eduardo Abreu ou qualquer outro sr. deputado á vontade examinar todos os actos dos meus collegas que em nenhum encontrará fundamento para lhes dirigir accusações de protecção a quaesquer banqueiros, ou de negocios mal parados ou mal apresentados. (Vozes: - Muito bem).
Sr. presidente, estou bem certo de que os outros meus collegas a que s. exa. se dirigiu, e que estão presentes, os srs. ministros das bellas artes e das obras publicas não re-

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negam o seu passado visto que alliam á dignidade do seu caracter (Muitos apoiados.) uma das qualidades mais apreciaveis n'um homem de estado,- a sinceridade de convicções. (Muitos apoiados.)
No que me diz respeito, quando o illustre deputado quizer dirigir-se a mini, encontrar-me-ha sempre prompto a responder-lhe com a precisão de que costumo a usar e com a cortezia que lhe devo, pelo muito que o estimo e prezo.
O sr. Eduardo Abreu: - Eu tenho o maior respeito por v. exa. Nem uma só vez me referi á questão com a Inglaterra, o que prova a sympathia que v. exa. me inspira. (Risos da esquerda.)
O Orador: - Eu não só agradeço ao illustre deputado, mas até registo essa declaração, e s. exa. está vendo quanto eu correspondo á cortezia das suas palavras com a cortezia das minhas. Ha, porém; uma phrase que s. exa. soltou e que, permitta-me o illustre deputado que lhe diga, apesar da sua cortezia, doeu-me, porque com essa phrase tocou a solidariedade ministerial.
Aqui não está um ministerio, isoladamente considerado; está um ministerio solidario, como é do seu dever, em todos os actos praticados por qualquer dos seus membros, e eu tomo sobre mira a absoluta, completa e inteira responsabilidade d'esses actos. Por isso me doeu essa phrase.
Disse s. exa. que este governo estabelecia a politica de corrupção para amigos e adversarios.
Imagine-se o illustre deputado sentado no meu logar e diga-me se, com a nobreza dós seus sentimentos, deixaria passar em silencio uma phrase que tão profundamente havia de magoal-o?! (Muitos apoiados.)
Certamente que não. Desde que s. exa. ouvisse pronunciar essas palavras que me magoaram, é fóra de duvida que perguntaria desde logo o que queriam ellas dizer. (Muitos apoiados.)
Quaes foram os amigos que nós procurámos corromper? Quaes os adversários? (Muitas apoiados.)
Quaes foram os amigos do governo que poderam soffrer a injuria que resalta da phrase empregada por s. ex.ª? Quaes os adversários que soffreram essa affronta do governo ?
Não está, nem d'este, nem d'aquelle lado da camará, ninguem que deixasse de repellir uma tal affronta! (Muitos apoiados).
Sr. presidente, quando assim presto uni testemunho de consideração a amigos e adversarios, tenho o direito de afastar para longe a phrase de s. exa. (Muitos apoiados.)
Outra cousa me magoou nas poucas palavras de s. ex.ª; foi o dizer que o paiz levantava clamores e protestos contra os ministros que riam e se divertiam!
Sem querer levantar agora discussões mais ou menos agudas e desagradáveis e que possam susceptibilisar seja quem for, permitta-me o illustre deputado dizer-lhe muito singelamente, que a situação, não direi que nós herdámos, porque é phrase que hoje quasi se póde considerar banal, mas emfim, a situação que nós addimos, que nós acceitámos, não é tal que os ministros possam nem rir nem divertir-se. (Muitos apoiados.)
O sr. Eduardo Abreu: - Mas estão mais bonitos e mais gordos.
O Orador: - Ah! de certo! Se o prestar toda a attenção a assumptos, que são do maximo, interesse para o paiz, se o dedicar todos os instantes, todas as preoccupações, despidas de odios, a tudo aquillo que póde affectar a vitalidade, a honra, o decoro e os brios do paiz, se isto póde enobrecer alguem, e tornal-o mais bello e mais formoso, deveremos ser nós, com certeza, pelos sinceros esforços que temos constantemente empregado para levantar o credito publico, e ò bom nome do paiz. (Muitos apoiados.}
Por ultimo, referir-me-hei tambem a uma outra phrase que, igualmente, mo magoou, e é que o dinheiro destinado aos hospitaes de alienados se sumiu na penumbra das ultimas eleições!
Essa accusação é tão grave que eu não posso deixar de dizer ao illustre deputado que, a não ter sido essa uma d´aquellas phrases que escapam, no calor do debate, a algum espirito aguçado pelas luctas partidarias, como parece ser o do illustre deputado, não sei se bom, se mau grado seu; não posso, repito, deixar de lhe dizer que essa phrase é profundamente injusta, porque nenhum governo ha n'este paiz, não o digo já por honra dos ministerios, mas por honrado proprio paiz, que podesse sacrificar os interesses de uma classe miserrima, como é a dos alienados, lançando mão das quantias votadas para o melhoramento da sua sorte, para as lançar na voragem perdida dos ambiciosos em uma lucta eleitoral. (Apoiados.)
Nenhum governo era capaz de o fazer; e posso assevaral-o de cabeça levantada, que nós não fizemos, nem somos capazes de fazer similhante offensa, não direi ao nosso proprio decoro, mas aos direitos sagrados dia humanidade afflicta.
E nada mais.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas.)
Foram introduzidos na sala pelos srs. vice-secretarios e prestaram, juramento os srs. João de Sousa Machado e Antonio Jardim de Oliveira.
O sr. José Castello Branco: - Eu tinha pedido a palavra para fazer algumas perguntas ao sr. ministro da marinha. Como s. exa. não está presente, certamente pelos deveres do seu cargo e pelos muitos a fazeres do seu ministerio, eu poderia limitar-me a desistir da palavra, se o incidente que acaba de occorrer agora n'esta placida e serena discussão das cousas parlamentares,, não m e obrigasse a distrahir-me do meu intuito, para responder ao sr. Eduardo Abreu.
O sr. Eduardo Abreu, com a cortezia que lhe está no temperamento e na educação, chegou aqui e mandou dois bilhetes de comprimentos, um para o gabinete, representado nos três ministros que aqui estão, e outro para a sua maioria.
O sr. Hintze Ribeiro agradeceu já a cortezia do illustre deputado em nome do governo; eu venho agora, sem para isso ter auctorisação da maioria, mas julgando interpretar os sentimentos d'ella, (Muitos apoiados.} agradecer ao sr. Eduardo Abreu.
O sr. Eduardo Abreu achou grandes differenças e assim devêra ser, e a não menor foi a da alcatifa.
Ora é bom explicar as cousas pequenas, porque quando um pretor como o sr. Eduardo Abreu trata d'ellas, não é muito que os profanos tambem as vejam.
Esta alcatifa foi mandada aqui collocar. pelo sr. Eduardo José Coelho, por consequencia é uma alcatifa cuja proveniencia s. exa. deve conhecer melhor do que nós.
Mas não admira que s. exa. não conhecesse a origem da alcatifa, porque ao tempo era que ella aqui foi posta estava s. exa. lá fóra, todo extatico, talvez de cocoras perante a republica do Brazil, que vinha saudar em officio dirigido á presidencia.
E o sr. Eduardo Abreu acha, uma outra differença; a da menor rudeza de palavra, mais, cortezia e talvez menos arrebatamento nas nossas paixões partidárias. .E tem rasão; mesmo porque quando s. exa. fallava, eu estava-me recordando d'aquellas violentas palavras, d'aquellas phrases sangrentas com que s. exa., que se mostra hoje tão estomagado das nossas paixões excitadas por quatro annos de uma lucta, paixões despertadas por um governo que administrou de um modo tumultuario, elle que veiu para aqui lançar as mais pungentes insinuações, (Apoiados.} elle que nem respeitou um Rei agonisante para vir insinuar no parlamento, ao chefe do seu. partido, por cuja mão tinha vindo a esta casa, que elle abusara da fraqueza do marcha para lhe levar á sua assignatura um decreto que os enodoava a ambos; (Apoiados.) elle, que veiu para aqui lançar mão de insinuações que prendiam com a honra par-

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ticular de um ministro e perguntar-lhe se o projecto de Leixões representava ou sanccionava o casamento das pesetas hespanholas com os patacos do Porto;(Apoiados.) elle, que tornou precisa, para a reivindicação da honra d'esse ministro, que o expulsassem das luctas eleitoraes de outubro de 1889! Toda a gente o sabe. (Apoiados.} .
O sr. Eduardo Abreu: - (Interrupção que não foi ouvida.)
O sr. Manuel d'Assumpção: - (Interrupção que não foi ouvida.)
O sr. Presidente: - Peço ordem. Peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.
O Orador: - Tranquillise-se v. exa. Ha operações que são fatalmente necessarias o quanto mais cêdo se effectuam melhor garantia ha de que o doente ha de curar-se rapidamente.

sta operação que estou fazendo ao sr. Eduardo Abreu, era absolutamente precisa.
Não póde estar um parlamento debaixo, da ameaça de ninguem, ainda quando essa ameaça venha sanccionada por quatro annos de uma submissão completa a projectos do governo, que nos levaram quasi á ruina!
Quer saber o sr. Eduardo Abreu para que queremos o dinheiro!
É para ver se podemos pôr cobro, de algum modo, ás demasias, aos erros de administração, aos esbanjamentos que o sr. Eduardo Abreu aqui sanccionou com o seu voto o consentiu com o seu silencio!
É para isto que queremos dinheiro.
Para que nós o não queremos, é para ostentações de caracter partidario, nem o sr. Eduardo Abreu, creio eu, que para honra do meu partido e honra dos ministro?, ha de vir aqui dizer que o sr. ministro da fazenda protege os seus interesses, porque aquillo que nós censuravamos nos outros ministros era de os ter e de os proteger com enthusiasmo.
O agradecimento pela minha parte está feito, estou convencido que nas minhas palavras e com o calor d'ellas, não fiz mais do que interpretar a indignação profunda, que cada um d'estes cavalheiros sente ao ver um moço, que não tem outros titulos senão os que tinha conquistado nos bancos da universidade, d'aquelles que uma benevolencia exaggerada lhe tom permittido muitas vezes avolumar, vir aqui insultar no primeiro dia em que toma a palavra, um gabinete que ainda não praticou actos que merecessem as palavras tão acerbas do sr. Eduardo Abreu.
Sr. presidente, fallar nos tumultos de 11 de janeiro, elle que foi o capitão mór das arruaças, que fez do café Martinho o café Foy das suas desordenadas ambições!
Elle que desde os bancos das escolas até ás luctas eleitoraes da Terceira fez da bandeira da patria o padrão de sua gloria arruaceira para vir aqui ao parlamento! Vem fallar em arruaças e em arruaceiros!
Aonde viu s. exa. os ministros nas arruaças de 11 de janeiro?
Tenho dito, esperando d'este modo ter interpretado os sentimentos da maioria. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Avellar Machado:-Mando para n mesa a declaração de que tenho faltado a algumas sessões, por motivo de serviço publico.
Mando tambem para a mesa um requerimento, pedindo que seja enviado novamente ás commissões que sobre ella devem dar o seu parecer, a representação dos professores da academia real das bellas artes de Lisboa, pedindo lhes seja abonada gratificação de exercício e aos professores dos demais institutos de ensino.
A referida representação foi apresentada a esta camara em 1889 e têm o n.° 122.
Na, occasião opportuna direi algumas palavras sobre a justiça que assiste aos requerentes.
Mando, finalmente, um projecto de lei, tornando extensivas aos officiaes e funccionarios publicos, que ao tempo da promulgação da lei de 2 de julho de 1867, que organisou o monte pio official, tinham direito a inscrever-se como socios, as disposições da lei de 7 de abril de 1877.
A justificação de falta e s requerimento vão publicados a pag. 200.
O projecto ficou para segunda leitura.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Manuel de Arriaga: - Sr. presidente, se é serio o que estamos fazendo n'esta casa, parece me que tenho direito a que alguem d'ella responda ás observações levantadas hontem por mim a respeito do discurso da corôa, visto ser manifesto que nem uma só das perguntas formuladas, dos argumentos deduzidos nitidamente, teve resposta, apesar do brilhantíssimo discurso que fez o illustre relator!
Se não querem dar essa resposta a mim, pouco me importo com isso, não a dêem; mas têem a obrigação de a dar ao paiz, que os enviou a esta casa como seus chamados legitimos representantes.
Quando as creanças brincam com balões de espuma, os travessos mettem-lhes os dedos e furam-nos, e desapparecem os balões. Na difficil conjunctura que se atravessa eu não posso nem quero entreter-me com balões, ou como foi a minha phrase de hontem ao terminar o meu discurso, eu não quero cantatas.
Falta-me pois: em vez de balões, de cantatas, uma resposta seria, nitida e clara ás perguntas que formulei. Se a não houver, é porque não póde ser dada, o vosso forçado silencio será pois a vossa propria condemnação ! Se me responderem, entraremos então em uma discussão mais ampla.
A minha moção de ordem está claramente definida. Respondei aos seus considerandos que envolvem graves responsabilidades para vós, para o governo, para o paiz, e para aquelle a quem ireis levar solemnemente a vossa resposta; e não tereis feito mais do que o cumprimento de um dever, aliás indeclinavel, e era que o vosso conceito e bom nome estão empenhados. Respondei-me, no emtanto, com ratões e não, repito, com cantatas, porque estas mal se extinguem os sons, nada deixam no pensamento, e vós careceis de muitas rasões serias, e para mim de todo o ponto desconhecidas, para levardes ao chefe do estado, como a traducção fiel do pensar e sentir do paiz que vos elegeu, este echo constante e fidelíssimo das palavras do governo em que se resume o projecto que se discute!
Eu fechei em dois pontos bem restrictos as censuras que me merecia a resposta ao discurso da corôa.
Respondam-me, não com phrases, não com palavras de espirito, mas com argumentos a essas censuras.
O paiz carece, disse eu, na crise, singularmente difficil, que atravessa, de duas cousas de primordial e indeclinavel necessidade: de união e solidariedade cora as medidas do governo, dentro das fronteiras; de confiança e credito n'essas medidas, fóra d'ellas.
Como se um espirito fatídico e maligno soprasse sobre os srs. ministros estes só se têem empenhado quasi que unica, e exclusivamente em fazer exactamente o contrario! Errarão com o proposito de o fazerem? Longe de mim esse pensamento, mas é certo que erram como os factos o estão demonstrando, e eu, e outros, sempre o previmos mal foram conhecidos os processos que iam ser seguidos e as mãos que os iam empregar; e só vós, srs. deputados, os podereis ainda, porventura, salvar, se reivindicardes com as vossas sagradas prerogativas o indeclinavel dever da vossa independencia, apontando-lhes esses erros que escondem perigos, e abandonando, como vos indiquei na sessão anterior, o systema de dizerdes Amem a tudo o que

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parte d'aquellas cadeiras, de que este projecto de resposta é um vergonhoso, documento!
É preciso procurar, embora dentro das actuaes instituições, uma formula larga, dentro da qual caiba unida a familia portugueza; eis o problema.
Não a podeis encontrar, disse-vol-a hontem, senão dentro, de uma liberdade mais ampla do que a que já existia no dia odioso Ao ultimatum.
O governo pensou e fez exactamente o contrario, e de ahi a fermentação de; odios e a divisão que já se nota nas differentes aggremiações politicas em que se divide o paiz e o risco imminente da guerra civil para gaudio e proveito dos nossos inimigos, que nos espreitam e nos estudam para melhor nos explorarem!
Os srs. ministros vieram desunir-nos com os seus decretos de dictadura, e preferem a guerra civil, ou a deshonra para si e para nós todos, ser não recuarem. Eis o perigo!
Elles violaram a liberdade, e a sua propria confissão está no bill que apresentaram já hontem ao parlamento. Abandonaram o caminho de tolerancia e de liberdade, seguido até hoje; violaram as tradições do partido que diziam representar e de que se ufanavam; aventuraram-se a querer encarcerar o pensamento, pautando-o segundo as conveniencias da sua politica; feriram, de morte os direitos de reunião e associação, substanciaes e inseparaveis da liberdade; e haveis de vós, que sois os eleitos do povo, levar ao chefe do Estado esta resposta que se discute, sem n'ella consignardes em nome dos vossos eleitores e de vós mesmos, um queixume ao menos se não tendes a coragem de um protesto!!
Encarcerar, o pensamento humano e conduzil-o como liquido desprezível, e submisso pelos canaes estreitos dos vossos planos liberticidas, ,srs. ministros e srs. deputados, parece-nos empreza tão irrisivel como odiosa. É vos mais facil prender as nuvens que passam, pôr mão nas ondas e quietar o mar que se agita e ruge!
Medir pela craveira do vosso modo de pensar e sentir, o modo de pensar e sentir da nação portugueza, srs. ministros, permitir que vol-o diga sem rebuço, isso seria tambem para nós uma offensa.
Deixae-nos, ao menos, com o uso inviolavel da nossa consciencia, a convicção consoladora de que nós e a nação comnosco, estamos completamente longe de vós, fóra d´estes malfadados decretos de dictadura, que em breve, a seu tempo, serão devidamente discutidos; e que tudo quanto estaca fazendo é tão vão e ephemero como odioso e nocivo.
E vós, srs. deputados, de um e de outro lado da camara, permitti tambem que vos- diga que nenhuma occasião houve mais propicia, para levardes ao chefe do estado palavras sobrias mas salutares e beneficas contra o mau caminho em que vão marchando as cousas publicas, como agora no começo d'este reinado,, introduzindo na resposta que lhe vae enviada alguma, cousa do muito que a nação soffre e do muito a que tem direito para ver o seu brio desforçado e mantido.
Não tornareis a ter mais adequado ensejo para; usardes patrioticamento das prerogativas de que sois revestidos!! Não o entendestes assim; mais sabios e experimentados do que eu, talvez esteja do vosso lado a rasão; o, paiz e os acontecimentos o dirá.
Voltemos ao assumpto do debate, visto estarem ai á espera do ( resposta ás observações feitas, hontem. Pergunto-vos: É honesto, é serio, é admissivel que na crise anormal em que se entrou, o parlamento portuguez continue nas normas de submissão ao governo, normas que tem seguido até hoje e por fórma tal que, não é mais do que o echo do proprio governo?! Se é, acabemos com o parlamento, dizia eu hontem; é mais sincero é mais digno e bem mais barato este processo; se o não é, começae então a vossa missão regeneradora, emancipando-vos desde já da tutella do governo, porque careceis de tomai deliberações que vão muito longe e de encontro ás medidas do governos.
Offende a vossa altivez e orgulho a descripção que hontem vos fiz d'aquelle fiel e permanente echo das palavras do parlamento em resposta ás palavras dó Rei? Então emmendae a resposta. Se pelo contrario o consorcio entre vós e o governo: é tão estreito e indissoluvel que tudo quanto este poz na bôca do chefe de estado e vae executar-se desde já, tem a vossa acquiescencia e approvação, fechae desde já, repito, o parlamento, porque é mais barato, e entrae no campo franco das responsabilidades de governo, absoluto.
Preferis como o governo a jornada do Villa Franca ás duras provações de gloria do cerco do Porto? Preferis a soberania do Rei á soberania da nação?
Respondei a isto porque todos ganhâmos em definirmos desde já os nossos campos.
O silencio por parte do parlamento na actual conjunctura, ás gravissimas observações que vos fiz hontem, são mau symptoma do caminho em que tambem ides. Mas ha ainda muito mais a repellir o vosso silencio.
Como eleitos do povo, sois os representantes de uma nação, que tão assignalados serviços deve á nação, brazileira.
Não podeis nem deveis esquecer que n'aquella florescente republica existe uma numerosa colonia nossa e que de lá, da hospitabilidade de uns e da tenacidade e sacrificios da outros, nos vem grande parte do capital que dá lustre á nossa civilisação.
Se sois tão faceis e promptos em saudar um principe, que nasce, porque sereis tão avaros em honrar um povo que resurge para a sua maioridade, para a republica?
Se vedes que o chefe do estado não fez a menor referencia a este grande acontecimento do inundo, acontecimento que outro dia saudei n'esta casa com o jubilo e o orgulho que elle inspira a todo o democrata sincero, e que ha de necessariamente influir nos destinos d'este paiz, que crime seria o vosso se o lembrasses no projecto que se discute ?
Por que vos calastes?
É só porque o Rei não o disse, que vós o não dizeis tambem? Que é feito em taes casos da vossa independencia?!
Srs. deputados, emancipae-vos se quereis representar a nação é bem servil-a.
Eu disse-vos tambem hontem que o discurso da corôa confessava pelas suas proprias palavras, que só agora, e quanto, antes se ía tratar dos primeiros elementos da defeza do paiz!
Dos primeiros elementos da defeza do paiz!
Sr. relator, respondei-me como pondo-se estás palavras na bôca do chefe do catado, e no actual momento historico, o parlamento, ao ouvil-as, haja de se calar?
Sendo o que ali se diz, infelizmente uma amarissima, verdade, nós os delegados do povo que não podemos, que não devemos partilhar das responsabilidades que este systema de cousas acarretou sobre todos, havemos até n'este ponto melihdrosissimo calar o nosso reparo, não significar de algum modo o voto unanimo de todos nós em condemnar o que se tem feito e o que tem deixado de fazer?!
E aquelles que exposeram desmanteladas as fronteiras da patria á cubica e insolencia do estrangeiro, hão de ainda por cima armar mão parricida contra as liberdades que nossos pães nos legaram?
Que seria d'ellas se vingasse o plano liberticida de quasi todos estes decretos de dictadura?!
Encarceram o pensamento; amordaçam a palavra; desterram, o direito de reunião de associação; põem o paiz inteiro sob a compressão das leis mais odiosas; é fatal e imminente a explosão da colera e vós não haveis de significar, directa ou indirectamente, este estado de cousas

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áquelle que diz folgar muito em vir ao vosso seio em nome da constituição que lhe deu um throno?!
Dentro de casa a ameaça de nos dividirmos, e de voltarmos aos tempos calamitosos de D. Maria II. para defendermos as liberdades publicas se por acaso esses decretos não forem engulidos pelos proprios ministros; fóra de casa o ultraje á nossa honra e a guerra ao nosso credito!
Estes perigos, este profundo mal estar não hão de ter um echo tambem na resposta que enviaes ao chefe do estado?!
Dizia-vos eu hontem que só havia dois meios para nos desforçarmos dignamente da affronta ingleza: augmentar a a nossa união em casa, e o nosso credito no estrangeiro, e alcançarmos dinheiro que baste para o cumprimento do dever que nos impozemos.
Que diz a este respeito o discurso da corôa? Que circumstancias extraordinarias obrigaram o governo ás medidas da dictadura, cujo caracter liberticida e cujas consequencias funestas vos tenho denunciado; que não ha dinheiro e que é preciso recorrer a novos emprestimos e a novos impostos. No entanto o paiz pela bôca do sr. Eduardo Abreu, começa a tocar á rebate e a declarar no parlamento que não paga mais impostos porque não póde! Lá fóra o credito indeciso retrahe-se, e põe o governo em serias difficuldades!
Sem dinheiro e sem credito, o que nos espera se o governo não muda de rumo? A ameaça da guerra intestina ë á impunidade da affronta estrangeira!
Respondam-me pois, se a nação está de accordo com a resposta que enviam ao chefe do estado occultando estes males, mas respondam-me, não com palavras vasias de sentido, mas com argumentos.
Eu não ataco as glorias passadas, nem os titulos que ainda hoje as recordam. Venerando-as, só desejo que ellas se afastem do nosso espirito e dos nossos planos de defeza e de regeneração futura, como elementos positivos de força para é estrangeiro,, quando a este recorremos, porque cm verdade para estranhos de pouco valem. Desejo que o meu paiz não seja o fidalgo arruinado que vae empenhar ao usurario avarento a espada dos seus maiores para acudir aos des governos da sua vida domestica.
Se mudadas as circumstancias, não pôde ser já hoje o aventureiro glorioso dos mares, que com obras e não com palavras, se impunha á admiração do mundo que, seja ao menos o herdeiro modesto e honrado d'essas tradições que não vá offerecer como penhor do que devo. a espada com que venceu mil batalhas; porque se o fizesse o usurario podia responder-lhe que apesar de tudo isso não lhe seria de cousa alguma! Tendo de lá ir leve como solida garantia a alma nova com que á sombra da liberdade se rejuvenesceu este paiz porque ainda vale bastante para sobre ella lhe emprestarem no estrangeiro o que nos falta para o nosso disfarço satisfazer em grande parte a nossa dignidade e o nosso orgulho offendidos!
Srs. ministros, voltae-vos, pois, arrependidos sincera e resolutamente para a grande alma da nação e, emquanto ainda é tempo, conciliae-vos com ella em nome da liberdade que profanastes! Não tendes outro processo se quereis salvar o paiz na crise que atravessa senão recuardes no caminho liberticida que encetastes tão imprudente e cegamente!
Não ponhaes mão sacrilega na arca santa dos nossos direitos politicos, que de contrario havemos de defendel-os a todo o transe, embora mesmo a tiro! Quando a guerra rebentar então nas nossas ruas, cairá sobre vós a tremenda responsabilidade do vosso crime e a maldição do todos nós!
Respondam-me, em nome do parlamento a estes receios e males por mira apontados, e tranquillisem-me a mim e ao paiz demonstrando a sua innanidade!
Responda-me a isto sr. Manuel d'Assumpção. Não me falle em galeões, quando lhe peço couraçados; na Ethiopia, Arabia e India e não sei em que mais, quando lhe lembro que são lendas e ficções que hoje não valem na epocha positiva em que estamos, nem valores que se tomem a serio no estrangeiro para sobre elles se levantar o credito de que carecemos.
Quereis defender o paiz com os galeões da India, quando nos ameaçarem com os couraçados de Inglaterra?
O sr. Manuel d´Assumpção: - Eu a isso só posso responder com um apito. Quando a guerra vier, apito.
O Orador: - Desgraçado de vós se na hora do perigo recorresses a serio a esse expediente! Lembrae-vos da triste figura que os apitos fizeram nas mãos dos vossos agentes da auctoridade n'uma memoravel noite no largo de Camões, apoz o ultimatum de Inglaterra! Não queira s. exa. para si nem para os outros tão ridicula arma de ataque ou de defeza - um apito !...
(Interrupção.)
O Orador: - Se v. exa. está nassas intenções, de nos defender com apitos, Deus queira que nunca lhe caia nas mãos a governação do estado!
Defenda-se a si com apitos que nós nos defenderemos com armas mais positivas.
O sr. Presidente: - Eu peço ao illustre deputado que se dirija á mesa ou á camara.

Orador: - Eu respondo ao sr. relator porque foi elle que me interrompeu e me provocou. Em todo o caso receba s. exa. aquelle quinau que veiu de recochete para si. (Riso.)
A nossa barra, as nossas fronteiras, as nossas colonias estão defendidas contra a insolencia e a cubica do estrangeiro ?!
Não o estão infelizmente, dil-o o discurso da corôa.
É necessario defendel-as? É, mas é preciso tambem dinheiro; e dinheiro não o ha, dil-o tambem o discurso da corôa. Ante estas verdades esmagadoras que devereis fazer na resposta que se discute?!
É em nome da nação de que sois representantes que quereis dizer a tudo isto Amen e recorrer á Divina Providencia? !!
É necessario que o parlamento signifique ao chefe do estado na resposta official que lhe vae levar, que a nação vive sobresaltada e não está contente com as medidas do governo que elle veiu annunciar a esta casa no dia da abertura das camaras.
Se estou em engano, e a moção que enviei para a mesa e que está em discussão, hão representa a verdade das cousas, com o talento que tendes, podeis tirar-me do erro e prestaes-me até uma obra de caridade.
Mas ha mais, srs. deputados.
Eu escrupulosamente desviei do meu discurso a questão politica irritante para os senhores, e sempre para mim sympathica. Estive aqui unica e exclusivamente como patriota, como cidadão, portuguez. Não fallei propositadamente na politica do meu partido, para só tratar da politica geral, dos interesses da nação.
Mostrei que a questão das finanças, conjunctamente com a da liberdade, é actualmente a questão por excellencia e levei a minha abnegação politica até ao ponto de vos declarar que, mantidas as conquistas liberaes d'este ultimo meio seculo, eu de bom grado daria o meu apoio ao governo patriotico que n'esta conjunctura habilitasse a nação a acudir ás medidas de urgente necessidade para a defeza do paiz, algumas das quaes foram já decretadas.
E o illustre relator, em vez de nos tranquillisar a tal respeito, em vez de nos revelar qualquer plano colonial que abra novos horisontes á politica do paiz, veiu declamar sobre as nossas descobertas antigas e no caminho das descobertas fez-se tambem descobridor de cousas taes, que já de antemão assegurava a tal respeito a minha ignorancia!
Sobre a falta de planos financeiros do governo accusa o partido republicano de não ter feito caminhos de ferro e estradas, como se este partido alguma vez estivesse no poder!! Não se commenta!

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No ímpeto da sua eloquencia laudatoria, faz a apotheose do partido regenerador, quando se lhe demonstra que o governo, que elle apoia, acaba de rasgar-lhe os seus titulos mais gloriosos!! Na distribuição dos beneficios que tem chovido sobre o paiz com as administrações monarchico-liberaes, guarda para os seus partidarios o bolo rei, e offerta, por descargo de consciencia, uma queijada da Sapa aos srs. progressistas, com que estes, aliás, se deram por obsequiados!
Finalmente como fecho da sua obra oratoria, pergunta-me o que esperam as multidões de ura partido que ainda nem unia estrada lhes deu?! Fallando dos seus dirigentes s. exa. suspeita não sei que ambições menos honestas!
Senhores deputados! Emquanto a esta ultima parte só responderei com o espanto e com o desprezo que na propria consciencia do orador as suas palavras já n'este mo-momento lhe merecerão! Emquanto á primeira parte, dir-lhe-hei que as multidões que no dia 1.° d'este mez agitaram o mundo inteiro reclamando o dia normal do trabalho, representam o quarto estado que ascende á vida do direito, da justiça, e da dignidade humana, e que eu saúdo em nome do ideal que siga com ardor e enthusiasmo iguaes ao vosso receio e á vossa reserva.
Se essas multidões, recorrendo aos poderes estabelecidos, se limitassem a reclamar d'elles pequenas providencias para só melhorarem as condições de vida, como vós o imaginaes, falseariam a sua missão historica e retardariam o triumpho da sua causa, que é, no fim de contas, a do trabalho, a da humanidade.
Querem e reclamam mais do que isso; carecem de instituições onde os que trabalham não cedam o logar aos que nada fazem; onde o direito de todos não seja offendido e expulso pelo privilegio de um só; onde, emfim, o cerebro, o capital e o braço sejam reconhecidos como valores mutuantes e entre si complementares, sem affrontas e sem privilegios.
É preciso para elles que os allumie a todos nós a mesma rasão, o mesmo direito, a mesma justiça.
Como quereis que este ideal se realise n'um systema e n'uma ordem de cousas onde o direito humano esbarra no privilegio do Rei, e o trabalho no privilegio do capita!?!
Não, srs. deputados, por mais que os Reis e os Imperadores chamem a si os desbordados da fortuna, os parias da civilisação, os servos do capital, estes jamais alcançarão o Bem por que almejam, jamais mitigarão a sêde que os devora.
Se os Reis e os Imperadores bem tratam os quadrupedes que comem nas 'manjedouras das suas cavallariças, não é de admirar que estendam a sua caridade até ao proletariado que lhes começa a fallar da sua justiça!
Mas o quarto estado que agita o mundo e o apavora com a grandeza dos seus exercitos pacificos de trabalhadores, não vem reclamar dos poderes constituidos caridade, mas justiça e justiça feita, não em nome de quaesquer prerogativas vindas de cima, mas do direito humano, que está na consciencia de cada um e torna todos os homens dependentes, iguaes e solidarios.
Esse direito não se esteia no throno que defendeis, mas na democracia pura, fóra da qual tudo é ephemero e á sombra da qual todos os povos prosperam e se engrandecem. Tal é o que respondo por agora ao sr. Manuel da Assumpção.
Nada d'isto vinha a proposito da 'moção que vos apresentei hontem, e que está ainda sem resposta; provocou-o no emtanto o illustre relator do parecer com o seu discurso.
Se elle mais uma vez se calar aos meus argumentos, que alguem, ao menos por decoro de parlamento lhes responda.
Tenho dito.
O sr. Presidente: - Como ninguem mais está, inscripto vae votar-se o projecto. A votação será por paragraphos, se a camará não se oppõe. (Apoiados.)
Lidos na mesa, foram successivamente approvados os diversos paragraphos do projecto..
O sr. Presidente: - Com a votação que acaba de ter logar, ficou prejudicada a proposta apresentada na sessão de hontem pelo sr. Arriaga.
Ámanhã será nomeada a deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa.

SEGUNDA PAETE DA OEDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: -Vae proceder-se á eleição da commissão de negocios estrangeiros e internacionaes.
Convido os srs. deputados a formularem as suas listas.
Feita a chamada e corrido o escrutínio verificou-se terem entrado na urna 60 listas saindo eleitos com igual numero de votos os srs.:

Alberto de Almeida Pimentel.
Alexandre Alberto da Rocha.
Serpa Pinto.
Antonio Maria Cardoso.
Antonio Maria Pereira Carrilho.
Antonio Sérgio da Silva Castro.
Carlos Lobo, d'Avila.
Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.
Luciano Cordeiro.
Manuel d'Assumpção.
Manuel Pinheiro Chagas.
Pedro Victor da Costa Sequeira.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de marinha.
Feita a chamada e corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 63 listas, saindo eleitos com igual numero de votos os srs.:

Arthur Hintze Ribeiro.
Antonio Maria Cardoso.
Carlos Lobo d'Avila. •
Conde do Covo.
Francisco Ferreira do Amaral.
José Estevão de Moraes Sarmento.
José Bento Ferreira de Almeida.
Manuel Pinheiro Chagas.
Matheus de Azevedo.
Pedro Victor da Costa Sequeira.
Sebastião Baracho.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é continuação da eleição de commissões.
Está, levantada a sessão.
Eram cinco horas e um quarto da tarde.
O redactor = S. Rego.

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