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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

15.ª SESSÃO

EM 25 DE MARÇO DE 1909

SUMMARIO. - É lida e approvada a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.- O Sr. Sousa Tavares occupa-se da crise de Beja, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro). - O Sr. José Victorino faz considerações acêrca da questão vinicola no Dão, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro). - O Sr. Moreira de Almeida pede explicações sobre a construcção do caminho de ferro da Regua a Lamego e refere-se ainda a questão dos adeantamentos á Casa Real e ao embarque de um facultativo da armada. Os Srs. Ministro da Marinha (Antonio Cabral) e Presidente do Conselho (Campos Henriques) respondem ao Sr. Moreira de Almeida. - Alguns Srs. Deputados enviam papeis para a mesa. - A Camara reconhece a urgencia ao Sr. Egas Moniz para tratar dos estragos feitos pelo mar em Espinho, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro). Sobre o mesmo assunto fala ainda o Sr. Pereira de Magalhães, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro).

Ordem do dia (primeira parte). - Eleição de commissões. São eleitas as commissões de inquérito e de estatistica.

Ordem do dia (segunda parte). - Emprestimo de 4:000 contos de reis. Usa da palavra o Sr. Brito Camacho, que apresenta uma moção que é admittida. Ao Sr. Brito Camacho responde o Sr. Pinto da Motta, que ainda ficou com a palavra reservada. Os Srs. Affonso Costa e Egas Moniz requerem a publicação de documentos relativos ao empréstimo em discussão na Folha Official, o que é ap-provado.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada - Ás 2 horas.

Presentes - 9 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 horas e 35 minutos.

Presentes - 70 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Abilio Augusto de Madureira Beca, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Amadeu de Magalhães infante de La Cerda, Amandio Eduardo, da Motta Veiga, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio José de Almeida, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio, e Mello, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Cabral Metello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João Duarte de Menezes, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José da Silva Ferreira Neto, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João Soares Branco, João de Sousa Tavares, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Caeiro da Matta, José Estevam de Vasconcellos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, José Mathias Nunes, José Osorio da Grama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel do Sousa Avides, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã e Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alfredo Pereira, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Maziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto, Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Xavier Correia Mendes, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Carlos de Mello Barreto, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, José de Ascensão Guimarães, José Cabral Correia do Amaral, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Vieira Ramos, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, José Ribeiro da Cunha, Lourenço, Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Nunes da Silva, Manuel Telles de Vasconcellos, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro Rodrigues, Valdez Penalva, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Christiano José de Sena Barcellos, Conde da Arrochella, Eduardo Burnay, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Correia Botelho Castello. Branco, João Feliciano Marques Pereira, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, José Antonio da Rocha Lousa, José Maria Cordeiro de Sousa, Mariano José da Silva Prezado e Mario Augusto de Miranda Monteiro.

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SESSÃO N.° 15 DE 23 DE MARÇO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Marinha, remettendo os relatorios: (3 volumes), do governador geral da provincia de Moçambique, Conselheiro Freire, de Andrade, requeridos pelo Sr. Deputado Almeida, Garrett.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, declarando que não podem ser enviados os documentos requeridos pelo Sr. Deputado Mello Barreto, relativos ao acordo com o Transvaal, por, estarem pendentes as respectivas negociações.

Para a secretaria.

Da Sra. D. Jesuina Augusta Pereira de Miranda Rosado, agradecendo o voto de sentimento exarada na acta da sessão de 9 do corrente, pela morte de seu marido, o antigo Deputado José Alberto da Costa Fortuna Rosado:

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Vou inscrever os Srs. Deputados que queiram usar da palavra. Estão inscritos os Srs. José Victorino, Moreira de Almeida, João de Magalhães, Egaa Moniz, Visconde de Coruche, Luis Gama, Miguel Bombarda, Antonio José de Almeida, Sergio de Castro Pinheiro Torres, João Pereira, Rodrigues Nogueira, Archer da Silva e Sousa Tavares para um negocio urgente.

Peco ao Sr. Sousa Tavares o favor de vir communicar á mesa o seu negocio, urgente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Q negocio urgente de que o Sr. Sousa Tavares deseja tratar é o seguinte: S. Exa. recebeu um telegramma de Beja concebido nos seguintes termos:

(Leu).

S. Exa. deseja perguntar, ao Governo quaes as providencias que tenciona adoptar no sentido de obviar á crise de trabalho em Beja. Os Srs. Deputados que consideram este assunto urgente teem a bondade de se levantar.

Foi considerado urgente.

O Sr. Sousa Tavares: - Sr: Presidente: hontem depois de se ter entrado na ordem do dia, recebi o telegramma que vou ter a honra de ler á Camara:

(Leu).

Eu sei que o Governo, accedendo a pedidos nossos, deu acertadas providencias para beneficiar os trabalhadores ruraes de Beja. Quanto aos operarios de construcção civil: pedreiros, carpinteiros, brochantes, etc., que estão numa terrivel crise de falta de trabalho, não me consta que tenha: havido quaesq.uer providencias. É humano não deixar alastrar, a fome e a miseria em duzias e duzias de familias, cujos chefes não teem onde empregar a sua actividade.

Em Beja, como no resto do districto, tudo e todos se ressentem da escassez na producção agricola dos ultimos tres annos.

Eu não vejo presente o Sr. Ministro das: Obras Publicas e por isso me dirijo ao Sr. Presidente do Conselho pedindo immediata& providencias; para este estado de cousas, que não pode continuar abandonadode auxilio official.

(Entra na sala o Sr. Ministro das Obras Publicas).

Ainda bem. que V. Exa. chegou. Torno a ler o telegramma a que já me referi.

(Lê)

Sr. Presidente: ha poucos dias, por delegação dos meus illustres collegas do districto de Beja, entreguei: ao Sr. Ministro, das Obras Publicas uma representação com numerosas assinaturas pedindo: trabalho para. os artifices de Beja, que teem tido falta d'elle. S. Exa., muito sensatamente, mandou organizar, por via da Direcção de Obras Publicas, um cadastro dos artifices de Beja, ou domiciliados naquella cidade, que não teem tido trabalho e querem trabalhar.

Esse cadastro certamente está concluido e eu peço a S. Exa. que acuda, sem demora alguma áquella pobre gente, empregando-a em quaesquer obras do Estado.
Não são fartos os recursos do Thesouro para serviços d'estes, mas com boa vontade algumas reparações se poderão mandar fazer em edificios do Estado ou destinados a serviços publicos.

Na sessão passada, de acordo com o Ministro das Obras Publicas de então, Sr. Genselheiro Calvet de Magalhães, e alguns dos meus illustres; collegas dos districtos do sul apresentámos um projecto de lei facultando meios ao Governo de acudir a crises de falta de trabalho. Não conseguimos que elle fosse sequer discutido. E certo, todavia, que o Sr. Conselheiro Calvet de Magalhães a quem, aproveitando a occasião, presto a homenagem do meu apreço e reconhecimento, acudiu a crises nalguns concelhos do districto de Beja com grande criterio e parcimoniar como. convem. Oxalá que no futuro eu possa dizer o mesmo do Sr. Conselheiro D. Luis de Castro.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro): - Sr. Presidente.: em boa hora entrei na Camara para ouvir as reclamações do illustre Deputado o Sr. Sousa Tavares.

Realmente, como S. Exa. disse, mandei abrir obras na estrada de saída da povoação de Beja, para assim dar trabalho á gente d'aquella cidade. Essas obras devem estar abertas, e, se o não estão ainda, deviam-no ter sido hontem ou hoje.

Emquanto a construcções civis, mandei abrir cadastro de trabalhadores.
Nas numerosas assinaturas appareceram sessenta trabalhadores.

Dei ordem para que fossem mandados com urgencia o orçamento e o projecto dos edificios que estão precisando obras e reparações em Beja, e já telegraphei pedindo urgencia na remessa desses documentos.

Posso assegurar que, logo que elles cheguem, providenciarei de forma a attenuar a crise de trabalho, e espero que o illustre Deputado daqui a algum tempo me dirigirá tambem as palavras amaveis que dirigiu ao meu illustre antecessor.

Tenho dito.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Por parte da commissão de obras publicas, mando para a mesa a seguinte

Participação

Communico que se acha constituida a commissão de obras publicas, a qual escolheu o Sr. Conde de Paçô-Vieira para presidente e a mim para secretario, = A. Rodrigues Nogueira.

Para a acta.

O Sr. José Victorino,: - Sr. Presidente: pedi a palavra pata chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras

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Publicas para dois assuntos importantes que se referem á região que tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento. O primeiro, e principal, é a necessidade de se regulamentar a parte da lei vinicola de 18 de setembro ultimo, que diz respeito ao Dão, região que está atravessando enormes dificuldades por não poder competir com as outras: sul e Douro, que já estão favorecidas com o seu respectivo regulamento, e que teem recebido favores do Governo, emquanto que o Dão continua num estado de desgraçado abandono. (Apoiados).

Da região do Dão, que é a melhor de vinhos de pasto que temos no pais, não sae uma só pipa de vinho. E sabe a Camara porquê? Pelo simples motivo de que, tendo-se feito o regulamento para o Douro, para o sul e para a Madeira, não se fez ainda para os vinhos do Dão! (Apoiados).

Estou farto de ouvir queixas de falta de trabalho, e o que não vejo, é que quem não pede não ouve Deus. A região do Dão ainda não veio aqui dizer que tinha fome, e no Dão ha tambem fome, porque ha falta de trabalho, por os donos dos vinhos não disporem de meios para desenvolver os seus trabalhos agricolas.

Na Beira Alta, e desta, na região vinhateira do Dão, moureja-se a vida desde o nascer ao pôr do sol. Os trabalhadores do campo são sobrios na sua alimentação, e por isso contentam-se com pequenos salarios, porque maiores tambem lhe não podiam ser dados, pois a terra não dá para mais, e a prova está em que nenhum proprietario aumenta a sua fortuna com a industria agricola. Quando ella dá para pouco mais do que cobrir a despesa, pagar contribuições e sustentar modestamente a familia, já todos os proprietarios se reputam muito felizes. Mas na crise presente nem isso acontece, porque a maior parte destas despesas, quando não podem ser custeadas por outros rendimentos, originam cruéis momentos que só pode apreciar quem por elles passa. (Apoiados).

Os trabalhadores da Beira vivem e contentam-se com salarios entre 200 e 240 réis, e levantam as mãos a Deus quando durante o anno e principalmente nos meses de inverno encontram quem lhos dê; ao passo que nas regiões que chamam famintas abrem-se trabalhos publicos, chegando a offerecer-se o jornal de 360 réis e não apparecem! (Aparte do Sr. Tavares Festas). Apoiado, muito bem, é essa a verdade. No meu concelho os salarios não passam de 240 réis.

V. Exa. ainda não ouviu uma unica queixa da região do Dão, ou das duas Beiras, e, comtudo, nessas regiões existe tanta miseria como no Douro e como a que dizem existir noutros pontos do pais. (Apoiados).

O que é indispensavel é que o Estado de execução á lei de 18 de setembro, que concedeu protecção aos vinhos. O regulamento que diz respeito ás regiões do Douro e do sul já está em execução. Falta o da região do Dão e não sei por que motivo, ou, se o sei, não o digo, porque não desejo ser desagradavel a ninguem, mas o que afirmo é que a desigualdade em tratamento por parte do Governo cria uma situação angustiosa á nossa região, que ao abrigo da excepção na lei é explorada vilmente pelas que tiveram melhores patronos ou mais se souberam impor. (Apoiados).

Fiz parte de uma commissão de agricultores da região do Dão que em janeiro veio pedir ao Sr. Ministro das Obras Publicas que não demorasse a publicação do regulamento dos vinhos do Dão, porque essa região estava agora peor do que nunca esteve, desde que a protecção da lei foi já dispensada ás outras regiões. Do sul chegam-nos as avalanches de maus vinhos, que, pela qualidade e extraordinaria producção, se vendem ali baratissimos, isto é, por preços com que não podemos competir. No Douro, a regulamentação dando privilégios excepcionaes, como são o bonus do transporte e a entrada no Porto sem pagamento do real de agua, priva-nos de exportarmos o nosso vinho, porque só estas duas regalias da lei representam um beneficio para os vinhateiros do Douro, de quasi 9$000 réis por pipa!

O resultado é ainda não se mandar para o Porto, que era nosso principal recurso para a venda, uma unica pipa da ultima colheita! Nem V. Exa. calcula o prejuizo que esta desigualdade na execução da lei nos causa!

O Sr. Ministro, a quem expusemos este claro e verdadeiro estado do nosso infortunio, prornetteu attender o nosso pedido, porque o julgava em todo o ponto digno da consideração oficial, e, em termos que nos não deixaram a menor duvida, prometteu publicar o regulamento no prazo maximo de dez dias, pois nelle se trabalhava ha muito e não estava já concluido, porque se levantaram dificuldades, que era preciso remover. Era uma questão muito complexa, mais do que se afigurava quando foi discutida e approvada a lei.

O que é um facto é que, tendo a commissão feito o pedido ao Sr. Ministro, em janeiro, tendo-nos sido marcado o prazo maximo de dez dias para elle ser satisfeito, vão quasi decorridos tres meses e se alguma cousa se fez ainda nada se publicou. (Apoiados).

Ora não, vi a razão disto. O que posso garantir a V. Exa. é que os vinhos do Dão são, como vinhos de pasto ou de mesa, os melhores que ha no país. Não se faz caso d'elles, porque os proprietarios d'esta região não queimam ou mandara queimar os papeis das repartições de fazenda. O Dão tem fome, mas trabalha para a matar. A sua sobriedade reprime desmandos, que o exemplo nos mostra que são ás vezes precisos. (Apoiados).

Bem sei que no Douro ha miseria. E bom que lhe acudamos; mas é necessario attender tambem ás outras regiões que padecem do mesmo infortunio, mas que por indole ou educação não sabem ou não querem impor-se.

Entendo que o Estado não pode supprir todas as faltas, e muito menos satisfazer a todas as exigencias, tantas vezes inspiradas por interesses poucos legitimos. Cada um que se governe. (Apoiados).

A Itaália lutou muito tempo com a crise vinicola. O Governo Italiano soccorreu quanto pôde, e durante muito tempo, os vinicultores; mas chegou a um ponto em que disse: "Não damos mais nada: arranjem-se como puderem". Desde esse momento começou a prosperar a industria vinicola. A iniciativa individual fez o milagre, que ainda hoje dura, de, apesar de ser muito grande em toda a Itália a producção do vinho, todo se vender, dentro e fora do país, por preços mais ou menos remuneradores, conforme a qualidade, mas em todo o caso estabelecendo uma competencia com que nenhum outro país pode lutar.

Hontem vi no Seculo um extracto do boletim official do commercio, publicado pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, em que se diz que os vinhos de Portugal não se podem vender no estrangeiro, por serem muito caros! A razão é simples: e não pode ser outra. E a acção nefasta do intermediario, de que o productor precisa para vender o vinho!

Eu sou um fraco productor da região da Beira, e, se quiser mandar o meu vinho para fora, tenho de me servir do intermediario.

E pois desta perigosa entidade que a acção protectora do Governo deve cuidar, emquanto estiver resolvido a attender as queixas dos vinicultores, quando pedem a sua intervenção, principalmente no sentido de lhe facultar a exportação.

É preciso que o Governo mande estudar essa questão dos intermediarios; mas estou convencido que só lhe saímos das garras quando nos, lavradores e consumidores, fizermos uma cruzada contra elles.

Temos os nossos productos magnificos, saem das nossas adegas baratos e em bom estado e depois são falsificados e vendidos carissimos!

Pode haver remedio para isto? Pode, e parece-me que

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a iniciativa particular pode fazer mais do que a do Estado. A organização de cooperativas entre os pequenos productores, com typos de vinho bem preparado e com bons agentes, conhecedores do negocio que fazem e bem correntes com a lingua e costumes dos países que percorrem, por certo que farão excellente serviço.

Não ha Governo nenhum, por mais serviços que queira prestar ao seu país, que possa beneficiar este estado de cousas. Nos é que devemos tratar dos nossos interesses.

Este anno, para dar exemplo aos meus vizinhos, de que tambem é preciso que produzamos mais do que vinho, mandei cortar grande porção de vinha e pôr em sua substituição centeio e trigo, porque é trigo e o centeio vendem-se sempre e com facilidade e o vinho custa a vender mesmo ao desbarato, alem da sua cultura exigir hoje enormes sacrificios, quando é intensa, pois é a unica que dá algum resultado.

O Sr. Matheus Sampaio: - Quem pode produzir trigo não produz vinho.

O Orador: - É um principio economico conhecido em toda a parte desde que começou a crise da abundancia do vinho, que, sempre que for possivel aproveitar a cultura dos cereaes, devemos fazê-lo.

Entendo que a acção protectora do Governo deve ser invocada, e ha obrigação de ser attendida, para vigiar e castigar severamente a falsificação e adulteração, não só do vinho, mas de todos os demais productos agricolas, e auxiliar pelos agentes consulares a iniciativa particular de exportação. Tudo o que for alem disto é pedir de mais. (Apoiados).

O vinho que produzimos, e que dizemos ser muito, talvez não chegasse para o consumo interno, se não fossem as falsificações. E seria pouquissimo, se estabelecessemos um commercio regular de venda honesta para as provincias ultramarinas. Estou convencido de que só a nossa provincia de Angola consumiria todo o vinho que produzimos. Façamos, pois, uma propaganda neste sentido. Vejamos se podemos conseguir que os pretos, em logar de se esgotarem e envenenarem em aguardente, bebam vinho bom, embora adequado ao seu paladar.

Repito, a inadiavel protecção que o Governo tem de pôr em pratica, se quer auxiliar a agricultura vinicola, é castigar severamente quem falsifica vinhos. (Apoiados).

Sr. Presidente: não quis entrar na discussão da lei de 18 de junho, porque, já disse, não me conformava com ella.

Apenas apresentei uma emenda na parte penal para que os falsificadores ou adulteradores do vinho, não só os que fossem apanhados nas fabricas ou armazens, mas quem directa ou indirectamente consentisse ou aproveitasse com a falsificação, sempre que fossem condemnados, tivessem, pelo menos, dois meses de prisão na cadeia que ficasse mais proxima do local onde commetteranr o delicio. (Apoiados).

Vozes: - Era pouco tempo. Precisavam mais.

O Orador: - Ha magnates, alguns conhecidos em todo o país, que falsificam descaradamente os vinhos e não são mettidos na cadeia!

Os poucos que são apanhados pagam apenas multas!

É pouco, não é nada. (Muitos apoiados).

Ha falsificadores, que fabricam vinho de noite para o vender de manhã. É muito difficil apanhar os falsificadores em flagrante delicto, e, quando se apprehendem productos falsificados, a demora e o pouco escrupulo nas analyses juntos á grande protecção que estes figurões sabem arranjar dão quasi sempre em resultado a impunidade!

Basta ver o preço por que se vende o vinho em Lisboa nas tabernas, muitas vezes inferior ao que custa só o imposto do real de agua, para se apreciar a larga escala da sua falsificação e adulteração, a começar na capital, apesar de nas adegas se vender vinho puro quasi de graça.

Pelas razões expostas, cuja verdade e franqueza vejo serem apoiadas por todos os lados da Camara, pedia ao Sr. Ministro das Obras Publicas que prestasse o serviço relevante de mandar dar execução ao regulamento da lei de 18 de setembro, na parte quase refere ao Dão, unica região fora do abrigo da lei! É uma exclusão odiosa e contra a qual protesto.

Certamente que S. Exa. não resolveu este assunto, porque não teve tempo, mas então não se regulamentassem as outras suas rivaes em interesses.

Resolva S. Exa. esta importante questão, que para nos é vital, porque, já disse e repito as vezes que forem precisas para calarem no animo de S. Exa., a lei de 18 de setembro não sendo, como infelizmente para a região do Dão não é, posta em execução ao mesmo tempo em todo o país, a que foi esquecida ou não teve bons padrinhos soffre a tortura que nos estamos a soffrer: deitaram-nos um laço de corda ao pescoço e deram uma ponta ao sul e outra ao Douro para apertarem segundo as suas conveniencias! Posso affirmar a V. Exa. que já temos um palmo de lingua fora da boca! Se não corre a salvar-nos, o estrangulamento é fatal! (Apoiados. Muito bem. Muito bem).

Se, como ultimo recurso, a região do Dão, no auge do desespero, por não ser ouvida, recorrer á logica com que alguns concelhos do Douro conseguiram ser attendidos, não lhe levanta mal por isso. Para grandes males, remedios heroicos.
Sr. Ministro das Obras Publicas: tenho o maior respeito e consideração por V. Exa. que é um homem intelligente, de trabalho, consciencioso, que se dedica ao estudo das questões praticas, e essa boa disposição do meu. espirito leva me ao convencimento de que não descurará este importante assunto. (Muitos apoiados).

Outro assunto para que desejava chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas é referente ao ramal do caminho de ferro de Santa Comba Dão a Viseu, que é explorado pela Companhia Nacional de Caminhos de Ferro.

Posso dizer a V. Exa. que aquelle serviço é uma verdadeira explorado, no sentido da ganancia pouco escrupulosa.

A Companhia Nacional contratou a construcção d'esse caminho de ferro com uma garantia de juro de 5 e meio ou 6 por cento. A orientação que segue é não aumentar as despesas, a fim de que os lucros sejam os maiores possiveis. Como tem a garantia de juro, quem paga é o Estado, que dá um subsidio que podia deixar de dar, se o rendimento da linha fosse o que devia ser.

Mas a principal victima é o publico, a que a Companhia não dá a menor importancia, por mais justificadas que sejam as suas reclamações.

O contrato é letra morta na parte que importa despesas para a Companhia. Como o Thesouro é obrigado a completar o juro estipulado e como este é, nos tempos que vão correndo, remunerador, a Companhia não se importa de chamar concorrencia, desde que para isso seja, preciso fazer despesas, mesmo porque, se o rendimento aumentasse alem do juro garantido, o Estado tinha partilha no aumento de receita, sem ter responsabilidade no aumento da despesa.

No contrato ha multas quando os comboios não chegam á hora das tabeliãs. Pois eu posso affirmar a V. Exa., que se a fiscalização por parte do Governo fosse rigorosa no cumprimento da lei, as multas cobriam o encargo do Thesouro.

Dos comboios que chegam a Viseu, sem exceptuar os do correio, mas principalmente os do norte, raro é o que chega sem atraso. Os da noite quando demoram a mais uma ou duas horas fazem excellente serviço. A respeito

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de multas, nem meia, mas no fim de cada semestre a garantia do juro é paga honradamente.

O serviço na estação de Viseu faz-se regularmente, porque os empregados são bons. O mal todo está em Santa Comba-Dão, porque a Companhia ainda lá não fez a estação, apesar de estar a explorar a linha ha 19 annos, de modo que, quando os passageiros ali chegam de noite e com mau tempo, ficam expostos ao temporal, tendo de atravessar a linha ás escuras em risco imminente de estripar poços e esmurrar os narizes! Como nesta comrnunhão das duas Companhias, Nacional e Beira, se reune a fome com a vontade de comer, ao publico tanto aproveita protestar como ficar, calado.

V. Exa. sabe o que a Companhia Nacional diz quando alguem se queixa? Responde que vá o Governo explorar a linha, que ella lhe entrega!

As duas companhias só recommendam aos empregados, que não façam despesa.

Com as reclamações do publico não se importam.

Tambem não ha abrigos para as mercadorias, ou, se os ha, são insufficientes e mal aproveitados.

Ainda ha pouco succedeu que numa expedição de adubos, que só se aproveitam em pó, uma grande parte chegou em massa, e isto succede alem de outros motivos, porque a Companhia, não tendo pessoal seu, serve-se do pessoal da Companhia da Beira, que tambem é pouco, para fazer as baldeações a tempo e horas, sendo esta uma das principaes razões do atraso dos comboios.

Em Santa Comba o serviço é feito pelo chefe da linha da Beira, que não pode attender a tudo.

Não sei se o Sr. Ministro das Obras Publicas terá meio de chamar a attenção da Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro para o pessimo serviço que está fazendo, e de que resulta só aproveitar-se d'elle, quem de todo não puder deixar de o fazer. Em se abrindo a linha do. Vouga, esta fica ás moscas; mas o peor é que quem perde é o Estado, que tem de garantir a totalidade do juro.

E a respeito de tarifas de pequena velocidade! Vou dar ao Sr. Ministro das Obras Publicas só um exemplo e por elle avaliará o resto:

De Lisboa á Pampilhosa são 249 kilometros e de Santa Comba a Viseu 50. Pois uma mercadoria custa quasi tanto de Lisboa á Pampilhosa, como de Santa Comba a Viseu! Veja V. Exa. que belleza de serviço!

E indispensavel a revisão das tarifas, porque assim diminue consideravelmente o rendimento, o Estado perde com isso e o publico é mal servido.

Era para estes dois assuntos, que são da maxima importancia, que chamo a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro): - Sr. Presidente: foi muito agradavel á Camara e a mim ouvir as palavras judiciosas do Sr. Deputado José Victorino. Ouvi com toda a attenção S. Exa., como tambem ouviu certamente a Camara, porque é sobremodo agradavel ouvir falar aqui os seus representantes legitimos, defendendo os interesses das suas regiões. O appello do illustre Deputado ao Ministro das Obras Publicas para, por sua iniciativa procurar salvar a agri cultura, é de todo o ponto legitimo, mas em muitos casos o Estado só por si não pode acudir.

Diz o illustre Deputado que não lhe é agradavel a lede 18 de junho. A mim tambem não me agrada completamente, mas tenho que cumpri-la. Em alguns pontos sei que ha de ser difficil cumpri-la, mas hei de regulá-la e tratar de pôr por completo em execução essa lei, que não é só da responsabilidade do Governo, mas que é tambem da responsabilidade de todos nos.

Acompanhando S. Exa. em todas as considerações, S. Exa. disse, e muito bem, que o vinho português chega muito caro lá fora. Uma das formas de attenuar a crise do vinho está em collocar os nossos vinhos lá fora e para o conseguir o Governo apresentou ao Parlamento o tratado com a Allemanha que o Parlamento julgará, e que a mim se me afigura de uma grande vantagem porque vae collocar em boas condições os nossos vinhos nos mercados desse pais. (Apoiados).

Como é sabido, uma das cousas que mais esmaga os nossos vinhos na concorrencia com os vinhos estrangeiros são os direitos pautaes. (Apoiados). Nos estamos esmagados com as pautas maximas em toda a parte, e em alguns países com pautas de excepção ainda peores do que as maximas, e d'essa forma não ha maneira nenhuma de se ir lá fora, mesmo sem culpa do intermediario, concorrer com os vinhos estrangeiros.

Eu sei, por informações não nossas, mas do delegado italiano em Hamburgo, que apesar de todas as difficuldades ha uma tendencia, mesmo sem tratados de commercio, para aumentar a venda dos nossos vinhos de lotação em Hamburgo, e dessa sorte parece-me que se nos propiciam uns mercados, não digo optimos, mas um pouco melhores do que até aqui para os nossos vinhos de pasto, que são, não digo os que teem verdadeira crise, mas um dos mais esmagados. Todas as regiões vinicolas, estão esmagadas; não é só o Dão.

Outro processo de promover a venda e talvez de baratear os nossos productos no estrangeiro, é a nossa propaganda que pode ser feita, como S. Exa. muito bem disse, com o esforço individual de cada um ou pelo esforço do Governo e do Parlamento, com agencias ou feitorias, como tambem muito bem disse o Sr. Pereira de Lima o anuo passado com uma intuição muito pratica deste assunto, e que ficaram tambem estatuidos na lei.

Outro artigo, portanto, da lei dos vinhos com que eu concordo é o que diz respeito ás feitorias. Já estão, por minha ordem, tratando de colligir todos os elementos para a sua regulamentação, funccionarios do meu Ministerio.

Ahi está outro regulamento que ha de vir a seu tempo, quando eu o puder estudar, no Diario do Governo, e eu já disse que me esforço por o publicar o mais rapidamente possivel.

Disse o illustre Deputado que o Governo deve ir até onde puder. A isso respondo que o Governo realmente vae muito mais longe do que pode, porque, no cumprimento da lei do anno passado, vae muito alem d'aquillo que o Governo se atreveria a ir, mas como vae com o voto do Parlamento, vae até onde lhe indicar a lei de setembro do anno passado.

A despesa excede em muito aquillo que se podia calcular á primeira vista, e eu, como Ministro das Obras Publicas, com certeza não me atreveria, sem o voto do Parlamento, a levar tão longe a protecção do Estado a um unico ramo da actividade agricola portuguesa - a vinicultura.

Mas debaixo do ponto de vista technico, para acompanhar essa lei, ainda falta muito.

Torno a repetir a V. Exa.: hei de cumprir integralmente a lei do anno passado, ainda que me custe em alguns pontos.

Quanto á questão dos caminhos de ferro, posso affirmar ao illustre Deputado que, attenta a forma como estão correndo estes assuntos, acredito no que S. Exa. me disse e tratarei de informar-me officialmente.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: aproveito a presença do Sr. Ministro das Obras Publicas para me referir a um assunto que li nos jornaes acêrca da dotação de 50 contos de réis, que se diz ter sido concedida para começarem os trabalhos de construcção do caminho de ferro da Régua a Lamego.

Desejava que o Sr. Ministro das Obras Publicas infor-

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masse a Camara sobre a resolução do Governo, que não posso deixar de applaudir.

Entendo que a resolução do Governo neste ponto é digna de applauso.

Aquella região passa por uma crise dolorosissima.

A Associação Commercial de Lamego veio a Lisboa e parece que essa missão foi coroada de bom exito.

A este respeito não ha divergencias partidarias, todos se interessam pela rapida construcção d'esse caminho de ferro que vem attenuar uma difficil crise de trabalho determinada pela crise geral que afflige o Douro e ao mesmo tempo corresponde ás antigas e legitimas aspirações de uma região tão nobre por suas tradições, como digna de respeito pelo seu trabalho e pelo disinteresse.

Desejava que o Governo me dissesse não só se averba de 50 contos de réis foi concedida, mas tambem quaes são suas intenções acêrca do proseguimento dos trabalhos para que não fiquem interrompidos e áquelle caminho de ferro se leve a rapida e perfeita condução.

Chamo a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para a situação angustiosa do concelho de Tabuaço.

Desejava saber se do credito especial de 40 contos de réis destinados aos trabalhos publicos no Douro se destinou alguma verba para a estrada real n.° 14 e caminho de Adorigo.

Tambem peço a S. Exa. que facilite as .reparações de que necessitam os caminhos da Desejosa, Pereira e Valença;

Chamo tambem a attenção do Sr. Ministro para o estado deploravel em que se encontra a estrada de Paialvo a Thomar.

Aproveito a occasião de estar com a palavra, para tratar de dois outros assuntos, para os quaes chamo a attenção do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Marinha.

Em muito poucas palavras me referirei ao caso para que desejo chamar attenção do Sr. Ministro da Marinha.

Eu pedi, ha tempo já, que pela Secretaria da Marinha me fosse enviada copia dos documentos que dizem respeito ao caso succedido com o medico naval Sr. Rodrigues Braga; esses documentos ainda não me vieram á mão, mas espero que o Sr. Ministro da Marinha dê ordens no sentido de que elles me sejam enviados.

S. Exa. não tem responsabilidade directa neste caso, e chamo a attenção de S. Exa. para elle, visto estar convencido de que procederá com toda a imparcialidade, resolvendo-o conforme for de justiça.

Este medico foi victima de uma injustiça flagrante, pois que, havendo na escala de embarque quatro medicos adeante d'elle, foi mandado embarcar por uma ordem emanada do chefe da Majoria Geral da Armada.

Mas, antes desta ordem, houve mais factos. Primeiro foi concedida licença registada ao medico Sr. Leite, que era o primeiro que devia partir, depois pretendeu-se nomear o medico Sr. Sequeira que era o setimo na escala de embarque, mas como este medico protestasse, e tendo-se os jornaes occupado d'este assunto, foi attendido o protesto sendo então nomeado o Sr. Rodrigues Braga.

Este medico tem prestado ao país relevantes serviços, tomou parte nas campanhas de 1890, onde se portou brilhantemente, e eu devo acrescentar que muitas vezes ouvi a Antonio Ennes confirmar estes factos.

Por ordem do chefe da Majoria Geral da Armada foi obrigado a partir, mas depois de ter cumprido uma dura pena disciplinar, que não foi por motivo deshonroso, mas por ter resistido a essa ordem.

Peço, portanto, ao Sr. Ministro da Marinha, uma vez mais, a sua attenção para este assunto e para que S. Exa. de instrucções de forma a que esses documentos me sejam enviados com a possivel brevidade.

Agora, Sr. Presidente, dirijo-me ao Sr. Presidente do Conselho para que S. Exa. me informe sobre um assunto do mais alto interesse para a Camara e para o país; refiro-me á questão dos adeantamentos.

Nos estamos no fim do primeiro mês da sessão legislativa, mas como houve o adiamento e se tivesse aberto a Camara no tempo normal, seria este o terceiro mês do seu funccionamento.

Ora, desde outubro está nomeada a. commissão burocrática, criada pelo artigo 5.° da lei que estabeleceu a lista civil, a qual tem de fazer o apuramento dos adeantamentos feitos pelo Estado á Casa Real. Pergunto eu: que razões ou que motivos ha de tão longa demora em vir á Camara esse apuramento?

Eu comprehendo ainda a demora da commissão parlamentar que tem que apreciar esses adeantamentos, porque a sua missão é bem mais largando que fazer uma conta corrente.

A questão dos adeantamentos é uma questão que o interesse moral e politico exige que seja liquidada. (Apoiados).

O país não pode estar subordinado a uma commissão burocratica, que tinha a obrigação de ter apresentadores seus trabalhos em tempo legal. (Apoiados). Já são passados cinco meses que foi nomeada a commissão, e os seus trabalhos não appareceram. (Apoiados).

Estou vendo nesse facto um pretexto para, quando commissão parlamentar apresentar os seus trabalhos, a resolução da questão dos adeantamentos ser adiada. Será isso um pessimo serviço prestado ao país e ás instituições. (Apoiados).

Sei que o Sr. Presidente do Conselho pode dizer que essa commissão burocratica não está dependente do Governo, mas as cousas são o que são, e, se o Governo disser que tem grande interesse em que o relatorio d'essa commissão burocratica seja apresentado, essa commissão não tem o direito de o demorar mais tempo. (Apoiados).

E este o motivo por que vim falar nesta questão dos adeantamentos.

Creia a Camara que o peor serviço que o Governo pode prestar ás instituições é conservar por tanto tempo sem liquidar essa questão dos adeantamentos.

O Sr. Ministro da Marinha (Antonio Cabral): - Pedi a palavra para dizer ao illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida que já despachei o requerimento mandando satisfazer o pedido de documentos feito por S. Exa., com relação a esse medico da armada, e a respeito desse assunto, reservar-me-hei para responder ao illustre Deputado quando S. Exa., depois de ler os documentos, entender dever tratar o assunto.

Devo tambem dizer ao illustre Deputado que, havendo grande quantidade de pedidos de documentos, isso dá logar a certa demora, porque é necessario satisfazer todos, e havia já alguns requerimentos anteriores ao de S. Exa.

Posso tambem dizer desde já ao Sr. Moreira de Almeida que o Sr. Dr. Braga seguiu para estação, porque foi considerado o primeiro da escala. Depois houve reclamação e mandei ouvir o director geral de marinha.

O auditor de marinha foi de parecer que o medico Sr. Leite devia ser considerado como o primeiro da escala de embarque, antes do medico Sr. Sequeira, mas em virtude de outros medicos, que estavam fora da escala de embarque, terem nella entrado, ficou este medico em numero sexto.

De resto, eu estou sempre resolvido a dar satisfação a todas as reclamações justas e fundadas que me sejam feitas. Ouço as informações das repartições respectivas, conformo-me com ellas, ou não me conformo; quando não me conformo sigo o que a lei me marca e o que a minha consciencia me dita. Foi o que fiz com o Sr. Rodrigues Braga, que muito bem conheço, sendo seu admirador. Mas reservo-me o falar deste caso quando o illustre De-

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putado estiver de posse dos documentos que pediu e que não podem demorar muitos dias em lhe chegar ás mãos.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Remo (Campos Henriques): - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu, com prejuizo da ordem do dia, use da palavra pararesponder ás considerações feitas pelo Sr. Moreira de Almeida.

É consentido.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro de Reino (Campos Henriques): - Sr. Presidente: agradeço á Camara o dar-me ensejo de responder ao illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida. A S. Exa. vou dar uma resposta precisa, clara e verdadeira, como sempre procuro dar quando nesta ou na outra casa do Parlamento sou interpellado.

O assunto a que o illustre Deputado se referiu é bastante importante para que possa estar esquecido.

Elle não está esquecido e merece ao Governo toda a attenção. Posso elucidar o illustre Deputado de que, pelas informações que tenho, os trabalhos da commissão burocratica se podem considerar concluidos.

Neste momento correm os vistos pelos differentes logares para a decisão final e espero que em poucos dias esteja feita a liquidação completa.

Isto mostra á Camara que o Governo tem o maior desejo e o mais vivo interesse em que essa questão se resolva definitivamente, com inteiro conhecimento de causa, com absoluta verdade e completa justiça.

Este é o proposito e sincero desejo do Governo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Egas Moniz pediu a palavra para um negocio urgente: tratar do estado em que se encontra a praia de Espinho em virtude das invasões feitas pelo mar.

Consulto a Camara sobre a urgencia.

É approvada a urgencia.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: agradeço á Camara o favor que acaba de prestar-me, concedendo-me a palavra para eu tratar d'este assunto; aliás muito importante para aquella praia do norte, que neste momento se vê a braços com serias dificuldades.

Inscrevi-me antes da ordem do dia para tratar desse assunto; antes de mim, esteve inscrito um outro Sr. Deputado pelo districto de Aveiro, ao qual aquella praia pertence, e que, supponho, seria para identico fim.

Em assunto desta natureza e importancia, não ha politica, não ha interesses partidarios, trata-se simplesmente de ver que ha uma praia que está perfeitamente arrasada e de ver uma classe, a dos pescadores de Espinho, numa situação verdadeiramente deploravel, que se vê dia a dia perseguida pelas invasões do mar, sem saber quaes as medidas proficuas que por parte do Governo ha a adoptar, a fim de que essas invasões se não dêem.

O anno passado tive cccasião de levantar aqui essa questão, assim como um outro Deputado pelo circulo de Aveiro, e por parte do Governo, pelo antecessor do Sr. Ministro das Obras Publicas, o Sr. Calvet de Magalhães, foi-me dito, em resposta aos desejos que manifestei, e á necessidade imperiosa do Governo lançar mão de medidas a fim de obviar aos inconvenientes que resultam das invasões do mar, por S. Exa. me foi dito que havia duas maneiras de evitar esse flagello: uma era talvez radical, ma muito dispendiosa; a outra era de momento, talvez pouco
proficua, mas vantajosa, o que :talvez impedisse a invasão do mar.

Eu não venho pedir obras dispendiosas, não é mesmo isso que me pedem de Espinho, em telegrammas successivos, amigos que ali tenho, não é isso que desejo pedir ao Governo, tanto mais quanto é certo o Thesouro Publico não poder comportar com grandes despesas, mas peço o indispensavel, que o Governo faça aquillo que o anterior Ministro das Obras Publicas julgava indispensavel fazer e de que se poderia tirar algum proveito.

O que se poderá fazer não sei, não sou engenheiro, e reputo muito difficil a solução d'esse assunto, mas o que digo é que aquella bella praia do norte, tão concorrida e procurada ha uns annos a esta parte, não pode continuar na situação angustiosa em que se encontra, e urge tomar providencias a fim de evitar as invasões do mar.

Nestas condições, Sr. Presidente, vê V. Exa. e vê a Camara que eu de forma alguma podia deixar de falar sobre este assunto e chamar para elle a attenção do Governo.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro): - Sr. Presidente: ha bastantes dias, desde que começaram a tornar-se mais activas as invasões do mar em Espinho, me teem sido mandados tanto d'essa praia, orno de Aveiro e outros pontos das immediações, telegrammas pedindo-me providencias.

O Sr. governador civil de Aveiro tem sido de uma solicitude extraordinaria.
Igualmente, estava prevenido já hontem, e por motivos de forca maior é que não vim á Camara, que era interpellado sobre este assunto pelo Sr. Deputado Alexandre de Albuquerque. Hoje tambem me constava que os Srs. Egas Moniz e João de Magalhães se occupariam d'este caso. Portanto, é uma questão que a todos interessa e mais do que todos á Camara e ao Governo.

Como muito bem disse o Sr. Dr. Egas Moniz, esta questão é, sob o ponto de vista technico, de resolução muito difficil.

O mar em Espinho, não se sabe ainda em virtude de que phenomeno, estabelece uma corrente que, incidindo justamente no ponto em que está a povoação, a invade cada vez mais.

Parece-me que ha uma certa correlação entre isto e o assoreamento successivo da costa de Aveiro.

No anno passado, o Sr. Conselheiro Calvet de Magalhães nomeou uma commissão de engenheiros distinctos para estudar o problema.

A commissão era composta do Sr. Nery Delgado, geologo conhecido em todo o mundo, hoje fallecido; do Sr. Adolpho Loureiro, outra autoridade indiscutivel, e, ainda lhe foi aggregado um inspector dos serviços de engenharia do norte o Sr. Thomás da Costa, e todos notaram, quando foram a Espinho, que o caso era muito diificil de resolução e que requeria demorado estudo.

Logo que começaram a apparecer as reclamações por parte do Sr. governador civil e dos Srs. Deputados do circulo, tratei- de apressar o mais possivel qualquer resolução.

Assim, tive hontem noticia telegraphica de que o relatorio da commissão me seria entregue hoje ou amanhã.

Creio que a ideia dos illustres engenheiros era o de realizar uma grande obra, a qual importaria em milhares de contos de réis. Porem esta obra era de uma difficuldade enorme, por isso que não se encontra rocha sobre as areias d'aquella praia, a não ser muito para o interior e em sitio que a povoação não podia ser defendida.

De sorte que, sobre.ser uma verba importantissima que se ia destinar á defesa de Espinho, numa obra no genero do porto de Leixões, havia a certeza de que essa obra era improficua, pois que não existia uma base segura sobre que deviam assentar os alicerces d'essas muralhas.

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Em todo o caso aguardo esses documentos que, como já disse, devem chegar amanhã ou depois e tratarei então de ver o que se pode fazer em favor d'aquella povoação, á qual me prendem gratas recordações do tempo da minha mocidade.

Por todos os motivos, o Governo interessa-se por este assunto, mas entendo que, em vez de se fazerem obras importantissimas, melhor será fazer-se uma obra util e que dê resultados.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João de Magalhães pediu a palavra para um negocio urgente.

O assunto urgente que S. Exa. deseja tratar é identico ao do Sr. Deputado Egas Moniz. Vou pois consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. use da palavra.

É concedido.

O Sr. João de Magalhães: - Affirma que já hontem tinha pedido a palavra para tratar d'esta questão, respeitante á invasão do mar em Espinho, mas não conseguiu usar da palavra. Pediu hoje novamente antes da ordem do dia, mas não falando não tem remédio senão pedir a palavra para o negocio urgente.

Folga de falar depois do Sr. Egas Moniz e da resposta do Sr. Ministro das Obras Publicas.

A seguir, declara que já teve occasião de assistir á invasão das aguas e avaliar os estragos feitos em vinte e quatro horas.

Quando houve a catastrophe que enlutou a Italia, todo o mundo se commoveu, e o nosso país tambem a ajudou com o seu obulo, mas ha no nosso país uma povoação que está lutando com a miseria e ninguem se importa com isso, esperando comtudo que o Governo, encare a situação como deve.

Assistiu elle, orador, aos trabalhos de sondagem feitos pela commissão que ha pouco foi referida; e vae dizer que as perfurações do solo foram feitas com muita morosidade.

Diz ainda que o terreno rochoso, solido, não é tão distante como se julga.

O que pede ao Sr. Ministro das Obras Publicas é que se faça o que for possivel fazer para evitar as continuas invasões do mar, mas isso com mais alguma brevidade do que se tem dado até aqui, porque as sondagens, como já disse, foram morosas e o relatorio da commissão technica, que já devia estar feito, ainda até hoje não foi apresentado.

E se por acaso não se puder fazer obra duradoura sem um avultado dispendio, que ao menos se mandem construir paliçadas, que por algum, tempo evitarão os estragos causados pelo mar.

Tem-se falado muito neste Parlamento em miserias, na miseria que afflige o Douro, mas a verdade é que miseria ha em muitos concelhos do país e muito especialmente na classe piscatoria, que é a quem ella mais atormenta.

E já que na miseria falou, seja lhe permittido, aproveitando o ensejo, dirigir-se ao Sr. Presidente do Conselho pedindo-lhe que ordene que se ponha cobro á grande mendicidade que se nota nas das de Lisboa, principalmente de crianças, e que é um espectaculo vergonhoso para uma capital.

Em Lisboa, principalmente á noite, nas das principaes encontra se uma multidão de crianças, ao que parece contratadas para esse fim, esmolando, e é necessario que a policia, por meio de um inquerito feito como deve ser, _apure qual é a verdadeira mendicidade, pondo termo á exploração que consta se está fazendo da caridade publica, e por uma forma bastante deshumana, pois se obrigam a andar crianças, á chuva e ao frio até altas horas da noite commovendo a piedade dos transeuntes.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taehygraphicas).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro): - Sr. Presidente: é apenas por deferencia para com o illustre Deputado, Sr. João de Magalhães, que eu pedi a palavra.

A resposta que dei, sobre o mesmo assunto, ao Sr. Egas Moniz nada tenho a acrescentar; somente digo que S. Exa. foi um bocadinho antecipado na sua opinião sobre os distinctissimos engenheiros que procederam áquelles estudos.

O Sr. João Pereira de Magalhães: - Acho demorado só.

O Orador: - Os individuos que compõem a commissão nomeada pelo meu antecessor estão ao abrigo de qualquer suspeita. São homens de certa idade, e é possivel que só por isso o trabalho seja um pouco mais moroso.

Mas, se porventura são mais demorados nos seus estudos, é de esperar que esses estudos sejam realmente de grande valor, sem os quaes não podemos fazer cousa alguma. (Apoiados).

Aguardemos, pois, o relatorio e os estudos das pessoas competentes que lá foram estudar, para depois fazermos as nossas criticas, mas, até lá, cumpre-me fazer a defesa d'estes funccionarios competentes. (Apoiados).

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia - eleição de commissões.

Vae proceder-se á eleição simultanea da commissão de inquerito e da commissão de estatistica.

Fez-se a chamada.

O Sr; Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Anselmo Vieira e João Ulrich.

Corrido o escrutinio para a commissão de inquerito verificou-se terem entrado na urna 54 listas, saindo eleitos os Srs.:

Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, com .... 54 votos
Alberto Pinheiro Torres .... 54 votos
Anselmo Augusto Vieira .... 54 "
Antonio Alves de Oliveira Guimarães .... 54 votos
Antonio José de Almeida .... 54 votos
Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo .... 54 "
Conde de Castro e Solla .... 54 votos
Diogo Domingues Peres .... 54 "
Ernesto Julio de Vasconcellos .... 54 votos
Francisco Maria da Costa Lobo .... 54 "
João Henrique Ulrich .... 54 votos
João Pinto Rodrigues dos Santos .... 54 "
José Joaquim da Silva Amado .... 54 votos
José Maria Joaquim Tavares .... 54 "
José Maria de Oliveira Mattos .... 54 "
José Maria de Oliveira Simões .... 54 "
José dos Santos Pereira Jardim .... 54 "

Para a commissão de estatistica entraram na urna 54 listas, sendo uma branca, e ficaram eleitos os Srs.:

Alberto Pinheiro Torres, com .... 53 votos
Alfredo Pereira .... 53 votos
Antonio Hintze Ribeiro .... 53 votos
Joaquim Heliodoro da Veiga .... 53 "
José Gonçalves Pereira dos Santos .... 53 "
José Osorio da Gama e Castro .... 53 votos

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Manuel de Sousa Avides .... 53 votos
Visconde da Torre .... 53 votos
Visconde de Villa Moura .... 53 "

O Sr. Jorge Vieira: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo que se acha constituida a commissão de saude, sendo presidente o Sr. José Joaquim da Silva Amado e secretario eu. = Jorge Vieira.

Para a acta.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do assunto urgente relativo ao emprestimo dos 4:000 contos de réis

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na segunda parte da ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Brito Camacho. Como não está presente o Sr. Ministro da Fazenda, não sei, se S. Exa. quer usar da palavra na sua ausencia, ou esperar que venha o Sr. Ministro, que eu vou mandar prevenir.

O Sr. Brito Camacho: - Desde que o Governo se declarou solidario com o Sr. Ministro da Fazenda, é para elle, orador, indifferente que o Sr. Ministro esteja ou não presente.

Entra na sala o Sr. Ministro da Fazenda.

Antes de entrar nas considerações que tem a fazer, em obediencia ao regimento, lê e manda para a mesa a seguinte

Moção

A Camara, convencida de que o emprestimo, sobre ser ruinoso para o Thesouro, prejudica o credito do pais, continua na ordem do dia. = Brito Camacho.

A opposição republicana entra hoje pela primeira vez na discussão do emprestimo, e isso, crê, já deve ter dado logar a D. Basilio haver feito os habituaes commentarios. A razão, no entanto, porque assim procedeu tem fácil explicação.

De ha muito que os Deputados republicanos conheciam o que havia em volta do emprestimo negociado pelo Sr. Espregueira, mas não querendo discuti-lo apenas com palavras, pelo que varias vezes o tem atacado, aguardavam que fossem publicados os documentos, o que só ha poucos dias se fez, vindo ainda hoje publicados mais alguns no Diario do Governo a requerimento do Sr. Affonso Costa.

E com este emprestimo dá-se um caso curioso, é que se a discussão se prolongasse, e se fossem satisfeitos os requerimentos da opposição, ainda muitos mais documentos haviam de ser publicados.

Explicado assim o motivo por que só nesta altura os Deputados republicanos entram no debate, vae entrar no assunto.

Seria facil, nesta altura da discussão, entreter a attenção da Camara com grande citação de numeros, mas como não é dado a essas gymnasticas de algarismos vae cumprir o seu dever de representante da nação como entende e sabe.

Convencido de que dentro do regime em vigor não é possivel iniciar a vida nova que todos reclamam, e de que o pais, continuando as cousas assim, dentro em pouco será um país perdido, empregará todos os seus esforços para que a mudança de regime se faça o mais breve possivel; entretanto, crê fazer boa obra republicana contribuindo para que todas as leis quevenham á discussão saiam do Parlamento o mais perfeitas possiveis.

E, nesta ordem de ideias, se o Sr. Ministro da Fazenda tivesse trazido ao Parlamento a proposta para o emprestimo, elle, orador, tê-la-hia discutido, e está convencido de que do Parlamento ella viria em bem melhores condições do que aquellas em que o Sr. Ministro fez o emprestimo, muito embora houvesse para os contratadores uma larga margem de lucros.

O Sr. Ministro da Fazenda negociou o emprestimo oito dias antes da abertura do Parlamento, e tão diligentes correram as negociações que já no Discurso da Coroa se poderia ter feito menção dessa operação.

O Sr. Ministro, desculpando-se de haver feito o emprestimo oito dias antes da abertura do Parlamento, disse, que na lei de 1899 tinha autorização bastante para isso, o que é, pelo menos, discutivel, mas motivos de ordem moral deviam levar S. Exa. a não fazer esse emprestimo, em que ha uma quasi tão grande margem para lucros como para suspeições.

Em uma das sessões passadas, quando o Sr. Ministro da Fazenda respondia ao Sr. Queiroz Velloso, elle, orador, interrompendo-o, perguntou-lhe se o emprestimo tinha sido feito por proposta do conselho de administração dos caminhos de ferro, ao que S. Exa. respondeu com ares misericordiosos que não era necessario.

Ora elle, orador, vae demonstrar á Camara o que vale essa affirmativa do Sr. Ministro da Fazenda.

Na base 2.ª da lei de 1899, n.° 4.°, onde se definem as attribuições do conselho de administração dos caminhos de ferro, diz-se como qualquer operação que com a base d'esse fundo convenha effectuar - e no regulamento da mesma lei, de 2 de novembro, no artigo 57.°, estabelece-se que o conselho de administração, tendo em vista a importancia attingida pelo fundo especial e as operações de credito por elle realizadas, proporá ao Governo a sua applicação, indiciando as operações de credito que julgar convenientes.

Posto isto, crê ter demonstrado que o emprestimo foi illegal, porque não foi ouvido o conselho de administração dos caminhos de ferro.

Mas ha ainda mais, no artigo 63.° fala-se em operações de credito effectuadas pelo Ministerio da Fazenda por indicação do conselho de administração.

Em 1903, gerindo a pasta das Obras Publicas o Sr. Conde de Paço-Vieira, S. Exa. querendo fazer um emprestimo pelo fundo dos caminhos de ferro trouxe ao Parlamento uma proposta que foi approvada, e em que, no artigo 3.°, se dizia que as operações que fosse necessario effectuar seriam feitas nas condições do artigo 57.°, mediante proposta do conselho de administração.

Na sessão legislativa immediata, no relatorio em que o Sr. Conde de Pacô-Vieira dava conta do uso que tinha feito da autorização parlamentar, lê-se que logo que a proposta teve a approvação do Parlamento encarregou o conselho de administração de fazer os estudos e planos necessarios e propor as operações de credito possiveis e convenientes.

Ficou assim demonstrado que o emprestimo não foi legal, pois não se seguiram as prescrições da lei.

Não sabe se amanhã será publicado qualquer documento em que se diga que esse conselho foi ouvido; o que fez foi apreciar o caso segundo os documentos apresentados e a resposta do Sr. Ministro da Fazenda.

Mas suppondo mesmo que essa formalidade tivesse sido cumprida, motivos de ordem moral deviam levar o Sr. Ministro da Fazenda a não fazer essa operação, e pela forma como a fez, oito dias antes da abertura do Parlamento.

O interregno parlamentar durou 6 meses, os 4 que devia durar e mais 2 que o Governo entendeu dever acrescentar-lhe; o Sr. Ministro podia ter aproveitado esse periodo para realizar o emprestimo, mas não o ter, e foi realizá-lo poucos dias antes da abertura do Parlamento; porque? Porque tudo annunciava, ahi pelas alturas de fevereiro, que esta sessão legislativa havia de ser tumultuosa,

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porque era convicção da maior parte da gente que a sessão duraria pouco, e que o Governo ou havia de demittir-se ou havia de comprometter a Coroa propondo-lhe um adiamento.

Nesta situação, o Sr. Ministro da Fazenda via-se na colisão de, ou ter de fazer o emprestimo em ditadura, ou de acabar a sua vida politica com o epitaphio condigno da sua administração. Foi isso que levou o Sr. Ministro da Fazenda a dar-se pressa em realizar o emprestimo.

Como a Camara sabe no dia 20 de fevereiro tres banqueiros dirigiam um officio ao Governo propondo-lhe o emprestimo, com o fundamento de que lhes constava que o Estado tinha necessidade de fazer um emprestimo para acudir á crise de trabalho, para se desafogar um pouco da divida fluctuante e levantar o credito do país lá fora. Não sabe como isso constou a esses banqueiros, quando não constou a mais ninguem; o que parece é que o officio foi redigido pelo proprio Ministro da Fazenda.

Como o que se fez agora differe do que se fez em 1903 e em 1905! Então era o Governo que tendo necessidade de realizar os emprestimos se dirigia a quem podia servir-lhe 5 agora é exactamente o contrario, com a aggravante ainda de que estes banqueiros que se vinham offerecer para fazer o emprestimo davam quatro dias para a resposta, emquanto que os outros que o Governo procurara marcavam dez dias.

Para que era tanta pressa? Evidentemente para que a imprensa não tivesse conhecimento do negocio e o denunciasse, e ainda para que elle se fizesse antes da abertura do Parlamento:

Julga licito perguntar se para operações de uma importancia relativa, como é o emprestimo, era indispensavel que o Governo recorresse a intermediarios, porque em sua opinião, se se tivesse recorrido á Caixa Geral de Depositos, ao Montepio Geral, ao Banco. Ultramarino e ao Banco de Portugal, seria facil ao Governo realizar o emprestimo, desde que o negocio proposto era de tal ordem que, com certeza, ninguem lhe fecharia a porta na cara. Não se fez isto, e, a pretexto de se levantar o credito do pais, realizou-se uma operação que é de molde a aumentar o descrédito.

E não é uma tal affirmação que compromette o país; quem o compromette é o seu Ministro da Fazenda, porque ninguem tem a ingenuidade de acreditar que tudo quanto diz respeito á nossa vida economica e financeira não seja largamente conhecido nas praças estrangeiras.

A proposito, o orador lê trechos de um artigo publicado no jornal L'Information, em que se analysa a situação do Thesouro Português e a situação economica do país.

Quanto á analyse do emprestimo pode ser feita rapidamente: trata-se de uma operação em que o Estado é responsavel por 4:600 contos de réis e apenas recebe 3:700. Á differença entre estes dois numeros representa a quantia pela qual o Estado paga juros e de que não recebe um vintem.

Não sabe qual é a margem de lucros para os contratadores, mas pode dizer com segurança que ella é de tal forma grande que, sem injustiça, se lhe pode chamar escandalosa.

A proposito vem tratar do famoso episodio da Caixa Geral de Depositos, cuja exclusão não pode explicar, e que, pela forma como as cousas correram, deixou de realizar um lucro muito maior do que o que obteve, não tomando as obrigações pelo preço dos tomadores.

O orador refere em seguida, como caso curioso, o facto da firma Fonseca, Santos & Vianna que em 1903 exigia as maiores garantias, ter agora entrado na operação sem iguaes exigencias; e, depois de ter alludido ao parecer do conselho de administração publicado no Diario do Governo, salienta que, apesar da discussão ir já longa, não ha ninguem na Camara que possa dizer qual o destino que

terá o emprestimo que, por virtude da lei de 1899, deve ser applicado a obras do caminho de ferro.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que tem apenas um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: -- Declara que apenas deseja chamar a attenção da Camara para um facto que só tarde chegou ao seu conhecimento e julga interessante para a historia financeira do Sr. Ministro da Fazenda.

Não falará de operações, como a da prata, que reserva para um debate especial; mas quer referir-se ao emprestimo feito em Paris, garantido pelas 72:000 virgens que em tempo se pensou em casar bem, mas que actualmente é bem provavel que não voltem ao seu ninho paterno.

O contrato desse emprestimo feito para pagar aos proprios que emprestaram, contem uma clausula que elle, orador, acha perigosa: desde que o Governo falta á minima das clausulas estatuidas, a Union Parisienne tem o direito de realizar as obrigações, pagar-se do seu credito e entregar o que sobrar ao Governo.

Para que isto succeda, basta mandar para Lisboa uma carta registada e aguardar a resposta durante dez dias.

Se a esse termo, o Governo não tiver resgatado as obrigações, o banco vende-as, mas, como não está fixada cotação, é presumivel que promova a baixa para nada ter que restituir.

A clausula a que se refere diz que o Governo não fará nada que possa obstar á realização dos titulos, o que, a seu ver, envolve implicitamente a abdicação do direito d'elle proprio as resgatar o que, a fazer-se, é um verdadeiro
crime.

Tem a certeza de que a maior parte da Camara desconhece este facto, e por certo que a maioria, entre uma tal questão de moralidade e a sua situação partidaria, não hesitará no que lhe cumpre.

O orador accentua ainda que a questão financeira é principalmente uma questão de ordem moral, e que um dos maiores males da politica portuguesa é o descredito que pesa sobre uma parte dos homens publicos, e que, se é immerecido em relação a muitos, é absolutamente justificado em relação a alguns.

Precisamente é o Sr. Ministro da Fazenda quem no momento actual tem sido o alvo das mais graves accusações e sobre quem pairam mais graves suspeitas e por mais vantajosas que fossem para o Thesouro as operações que porventura amanhã realizasse, em todos ficavam suspeitas de que o eram apenas na apparencia.

É, porque, acrescenta, assistindo-se a representação de prestidigitações, não havendo a nitida percepção do modo como se fez um determinado numero do programma, quem tenha o espirito bem educado apenas vê uma habilidade de prestimano no que pode ser uma infracção das leis da natureza.

Sem discutir os fundamentos com que se tem accusado e suspeitado, o Sr. Ministro da Fazenda pode affirmar que, continuando na cadeira de Ministro, prova que o costume da terra de servir o Estado, que paga mal, e as companhias, que pagam bem, tomou raizes de habito que se considera legitimo.

Para terminar frisará que se fizeram ao Sr. Ministro da Fazenda os mais rudes ataques por occasião da questão dos sobrescritos; que esses ataques foram repetidos quando na sessão legislativa finda se reconheceu que elle tinha sido adeantador; que se renovam agora os ataques por causa do negocio da prata e do emprestimo que se discute. Entretanto S. Exa. fica, e, se fica impassivel perante essa tempestade, é porque de duas uma: ou tem a consciencia pura como a neve e impenetravel como bronze, ou deixou de ser individualidade e passou a ser um symbolo, symbolo que conta perto de um século de existen-

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

da e a cuja sombra se teem enraizado, muitos interesses.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir, as notas tachygraphicas).

É lida na mesa a moção do Sr. Brito Camacho, sendo admittida.

O Sr. Affonso Costa: - Com autorização do Sr. Brito Camacho, mando, para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja autorizada pela Camara a publicação dos documentos relativos ao empréstimo caucionado pelas 72:000 obrigações de 1.° grau da Companhia Real, a que se referiu o Sr. Brito Camacho no seu discurso. = O Deputado, Afonso Costa.

Foi approvado.

O Sr. Ernesto de Vasconcellos:- Mando para a mesa um parecer da commissão de marinha, approvando a proposta de lei n.° 12, que fixa a força naval para o anno de 1909-1910 em 5:639 praças.

Mandou-se imprimir.

O Sr. Pinto da Motta: - Sr. Presidente: desejava ser breve, mas não posso sê-lo tanto quanto queria, porque o discurso do Sr. Brito Camacho obriga-me a acompanhá-lo passo a passo e a responder-lhe aos seus argumentos.

Antes de mais, seja-me permittido protestar em meu nome e, como representante do pais, contra o regime das suspeições e insinuações que aqui se estabeleceu, e se quer enraizar. (Apoiados).

Sr. Presidente: comprehendo, tolero, admitto que se manobre o facto, que se vibre o documento! Comprehendo que nos Parlamentos modernos o "documento" seja o instrumento por que se substitue o punhal de Cassio; mas não admitto insinuações e suspeições. (Apoiados).

Quem accusa prova;, não insinua. Accusar sem provas e dizer ao accusado que se defenda é inverter as formulas do processo, é attentar contra os fundamentes do direito. (Apoiados).

Em nome desses principios, que constituem um dos artigos da minha religião pessoal, eu aqui, como representante do pais, e em meu nome, protesto. (Apoiados).

Só isto me obrigaria a tocar este ponto e me obrigaria a falar na parte moral desta questão, porque de outra forma não tocaria nella. Eu não posso comprehender que se. possam sentar naquellas cadeiras criaturas que tenham passado pelo juizo de instrucção criminal. Eu já fui adversario politico do Sr. Espregueira, não sou seu correligionario, sou simplesmente seu alliado, mas prestei sempre homenagem á perfeita honestidade dos seus sentimentos. Para mim não eram precisas as declarações de S. Exa., e que me commoveram, feitas por um homem cheio de cabellos brancos e carregado de serviços; para mim não eram frioleiras as palavras vehementes, o discurso do Sr. Presidente do Conselho; até prova em contrario, para mim, todas as pessoas são de bem.

Posto isto, e pedindo desculpa de um pouco de calor, da vehemencia que tomei, vou responder ao illustre Deputado Sr. Brito Camacho.

Disse S. Exa. que este país era um país degradado, e que em breve seria um pais. perdido. Mais uma vez, Sr. Presidente, eu tomo a palavra para protestais Eu não vejo que este país esteja degradado, e ainda menos que seja um país perdido; mas se o erro é meu, se é uma questão de daltoniamo politico, se eu não vejo as cores como devem ser vistas, quero .perguntar á illustre. opposição, se o país está degradado se corre o risco de se perder, qual a quota parte que lhe compete...

O Sr. João de Menezes: - Nenhuma, nenhuma,, nunca, governámos.

O Orador: - V. Exas. agitam, anarchizam o espirito publico, foi do lado do partido republicano que partiu esta frase, que sob a sua, apparencia doce contem muita perna dia politica: havemos de leva-los; ás transigencias que envergonham ou ás violencias que prejudicam.

De onde veio isto senão do partido republicano? V. Exas. teem sido até certo ponto agitadores sistemáticos, vêem perturbar systematicamente o espirito publico, concorrem para este estado de agitação em que nos mantemos, e em virtude do qual não se podem fazer bons empréstimos, nem o Sr. Espregueira nem ninguem neste mundo. (Apoiados).

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Os adeantadores é que perverteram o espirito publico.

O Sr. João de Menezes: - Já tinha a frase apontada ha muito tempo.

O Orador: - Disse depois o illustre Deputado que a legalidade é, pelo menos, discutivel. O que não será discutivel, Sr. Presidente, neste mundo, e num país como o nosso em que temos no sangue, nos ossos na alma, seculos de escolastica e sofistica...

O que não será discutivel para as raças verbosas... Falar, falar, falar... pelo que se diz, num exagero levado até ao sarcasmo, que o Parlamento é um chafariz de frases com muitas bicas...

Queixa-se a opposição de que o conselho de administração, conforme preceitua a lei de 1899, não apresentou proposta para se realizar a operação que constitue o incidente em discussão.

A isto se referiu tambem o Sr. Brito Camacho a quem muito estimo, prezo e admiro e cuja palavra é sempre para mim muito interessante...

O Sr. João de Menezes (aparte): - Que muito preza, muito admira. Os elogios para elle, e a todos foi.-nos dizendo o que ha pouco disse.

O Orador: - Quando me referir ao Sr. João de Menezes, não regatearei as homenagens que lhe são devidas. Tenho espirito de justiça.

O Sr. Presidente: -Peço aos illustres Deputados para que não estabeleçam dialogo.

O Orador: - O Sr. Brito Camacho está presente não precisa, quero crer, que o defendam.

(Trocam-se, apartes. Sussurro)

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador: - Voltando ao assunto. Dizia S. Exa. que não se tinha cumprido a lei porque o conselho de administração não tinha apresentado proposta ao Governo.

Foi nesta altura que se deu o pequeno incidente que teve logar por eu dizer que muito prezava e queria ao Sr. Brito Camacho.

Mas S. Exa. commetteu um erro de facto, como desde já vou mostrar pela leitura de um documento que vou fazer, e que. pude obter graças: á amabilidade do Sr. Ministro das Obras Publicas. Esse documento é o seguinte: (Leu).

"Ministerio das Obras Publicas Commercio e Industria.- Caminhos de Ferro do Estado.- Conselho de Administração.- Copia de parte da acta da sessão de 28 de

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SESSÃO N.° 15 DE 23 DE MAEÇO DE 1909 13

outubro, de 1908 do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro do Estado.-O Sr. Presidente ponderou que dos supprimentos a fazer pelo Thesouro á Administração nos termos do decreto de 30 de agosto de 1907 até a importancia de 3:000 contos de réis a fim de serem applicadas a novas, construções, obras complementares e acquisição de material circulante, falta; apenas receber a quantia de 62:959$630 réis. Que nos termos do artigo 57.° do regulamento de 2 de novembro de 1899, o Conselho propôs em 16 de setembro a realização de um emprestimo de 4:000 contos de réis, destinado á liquidação dos suprimentos dos Thesouro, e destinando-se cerca de 800:000$000 réis á construcção do troço das Pedras Salgadas a Vidago, á conclusão do de Valença a Monção, e á conclusão do prolongamento do Barreiro a Cacilhas para a grande velocidade".

O Sr. Archer da Silva: - V. Exa. diz-me quando é que esse documento será publicado no Diario do Governo?

Orador: - Este documento devo o á amabilidade do Sr. Ministro das obras Publicas.

(Protestos vehementes da esquerda}.

(Trocam-se apartes).

(Sussurro).

Vozes: - Isto não pode ser. É inadmissivel.

Uma voz: - Ou o Governo cumpre o seu dever...

Vozes: - Ordem, ordem.

(Grande sussurro).

O Orador: - Vê pois o meu prezado amigo e illustre adversario que commetteu um erro de facto quando affirmou...

Uma voz: - Erros pratica o Governo.

O Orador: - Pela leitura d'este documento...

Vozes: - Sonegado.

O Orador: - Este documento devo-o á amabilidade do Sr. Ministro das Obras Publicas.

(Estabelece-se grande sussurro}.

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

Vozes: - Isto não pode continuar assim. (Apoiados).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro): - Esse documento cedi-o ao Sr. Ministro da Fazenda que mo pediu.

O Sr. Egas Moniz: - Tem a marca Espregueira.

Vozes: - Ah! Isso sim. Isso é que é natural. (Cruzam-se apartes).

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador: - Eu não tenho que dar explicações nem satisfações da forma como arranjo os elementos para o estudo das questões.

(Estabelece-se tumulto).
O Sr. Egas Moniz.: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Peço aos illustres Deputados o obséquio de não interromperem o orador.

O Orador: - Sr. Presidente: V. Exa. viu que o illustre Deputado Sr. Brito Camacho fez uso no seu discurso de documentos que só agora vão ser publicados a pedido do Sr. Affonso Costa; que tem de extraordinario que eu, nesta altura da discussão, no incidente que se debate, faça uso de um documento verdadeiro, que traz luz a essa discussão, que desvia as accusações que se fazem ao Governo e que prova a maneira - como dizer? - um pouco ligeira como se fazem as accusações nesta casa! (Muitos apoiados).

Á questão da legalidade é uma questão morta, é chá que nunca mais tem força para sair pelo bico do bule...

O Sr. Presidente: - Eu peço aos Srs. Deputados o favor de deixarem o orador continuar o seu discurso.

O Sr. Archer da Silva: - Naquelles termos, não me parece que chegue ao fim.

(Sussurro. Protestos da direita da Camara).

O Sr. Presidente: - Na qualidade de Presidente, sou eu quem dirijo os trabalhos da Camara. Se o orador sair da ordem, eu sei chamá-lo a ella. Por ora está dentro da ordem.

Peço, portanto, aos Srs. Deputados o favor de o deixarem continuar o seu discurso. (Apoiados da direita).

O Orador: - Eu já disse alguma cousa que pudesse melindrar alguem?

Com relação á opportunidade do emprestimo e ás cifras encontradas pelo Sr. Brito Camacho, eu responderei na proxima sessão com mais largueza e provarei que S. Exa. está equivocado.

Na apresentação dos meus calculos, farei o que as opposições querem, empregarei os seus processos analyticos ao actual emprestimo, empregarei esses mesmos meios ao emprestimo de 1903 e notarei ao illustre Deputado que, se este emprestimo assim discutido é mau, o emprestimo de 1903, assim discutido, é pessimo; e depois direi que nem este é mau nem o outro é pessimo tudo deriva da maneira e da má fé intellectual com que aqui se tratam estes assuntos.

Tratarei então de responder aos restantes argumentos de S. Exa.

Desde já quero responder ao argumento do Sr. Brito Camacho, que diz respeito ao seguinte: o emprestimo de 1903 apenas deu ao Estado o prejuizo de 5 contos de réis, proveniente da emissão e 3/2 de commissão, ao passo que o actual emprestimo custou ao Estado 80 contos de réis.

Ora no emprestimo de 1903 não ha só 5 contos de réis da emissão e 3/2 de commissão; ha tambem mais de tres meses de juros adeantados.

Sr. Presidente: a hora vae adeantada e eu não quero cansar por hoje mais a attenção da Camara, e por isso peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se me con-

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sente ficar com a palavra reservada para a proxima sessão.

Foi consentido.

O Sr. Egas Moniz: - Manda para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que sejam publicados todos os documentos apresentados pelos oradores da maioria sobre a questão do emprestimo de 4:000 contos de réis e todos os mais que lhe disserem respeito. = Egas Moniz.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é amanhã, 24, á hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da discussão do incidente.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 55 minutos da tarde.

O REDACTOR = Luis de Moraes Carvalho.

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