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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Rodrigues de Freitas, que deixou de ser publicado a pag. 175, col. 2.ª, da sessão de 27 de março ultimo

O sr. Rodrigues de Freitas: — Confesso sinceramente que estou arrependido de ter pedido a V. ex.ª que me reservasse a palavra para hoje, não só porque me sinto muito fraco, mas tambem porque reconheço que a camara deseja quanto antes votar ácerca das propostas que têem sido mandadas para a mesa; todavia vou apresentar algumas observações refutando o que o sr. ministro das obras publicas teve a bondade de responder-me.

Declaro que não tenho particular empenho de atacar o contrato, antes me seria grato vota-lo; tão pouco desejo ser opposição ao sr. ministro das obras publicas, a quem respeito como s. ex.ª merece.

Sr. presidente, estranho que este projecto não esteja tambem assignado pelo sr. ministro da marinha, como aconteceu quando foi feito o contrato com o dr. Bocage. É uma irregularidade talvez pequena, mas cumpria-me nota-la; dizendo respeito a pescaria, é evidente que tambem o sr. ministro da marinha devia assigna-lo. O sr. ministro das obras publicas, fallando ácerca das garantias estipuladas n'este contrato, disse que os outros concorrentes não as offereciam.

A este respeito já produzi algumas rasões; porém tenho ainda a dizer á camara que no artigo 15.° d'este contrato se lê o seguinte: «O concessionario, ou seus cessionarios, responderão por perdas e damnos pela inexecução do contrato, alem da pena no mesmo estipulado ».

De modo que parece que existe alguma garantia para o caso em que o concessionario, ou seus cessionarios, não executem o contrato que formaram; mas parece-me que esta garantia é de tal modo insignificante, que ou não vale nada ou vale muito pouco.

Com effeito, o que é responder por perdas e damnos pela não execução do contrato? O governo e o parlamento que somma exigirão, se este contrato não for cumprido? De certo, nenhuma pena será imposta aos que deixarem de o executar.

Disse s. ex.ª que as rasões expostas nas representações não colhiam.

Eu não sei se s. ex.ª leu as representações (o sr. ministro fez signal de que as não lêra); se não as leu fica sem valor a asserção do nobre ministro.

Permitta-me s. ex.ª que de passagem eu note certa desharmonia de idéas entre o sr. ministro das obras publicas e o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda.

Quando tem sido trazidas a esta camara representações ácerca da contribuição industrial, com satisfação ouvimos ao sr. presidente do conselho e ao sr. ministro da fazenda, que as acolhem com todo o gosto.

Procedendo-se d'esta arte com relação ao imposto industrial, parece que o sr. ministro das obras publicas não deveria ter menos satisfação de que fossem consideradas quaesquer representações mandadas a esta camara por pobres pescadores e diversas camaras municipaes; ellas devem merecer a attenção da camara e do governo, tanto mais, quanto é certo que a commissão de commercio e artes, pela bôca do sr. Faria Guimarães, nos disse que esses documentos vieram á camara depois de dado o respectivo parecer, e por isso não póde tomar conhecimento d'ellas.

A mesma commissão, pela bôca do sr. Mello e Faro, disse que no exame d'este projecto só teve em vista a van-

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tagem do melhoramento das ostreiras. Por consequencia a camara sabe que este contrato e os documentos que se lhe referem não foram examinados! Ora, discutindo-se um projecto ácerca de pescarias, é na verdade inteiramente extravagante que não ouçamos a commissão de pescarias!

Fôra o mesmo que mandar a proposta de lei sobre contribuição industrial unicamente á commissão de commercio e artes. Ella nos fallaria da conveniencia de attender ás tristes circumstancias do thesouro, e por causa d'ellas approvaria a proposta; mas contentar-nos-íamos com este parecer, e deixariamos de ouvir a commissão de fazenda sobre um negocio que é especialmente financeiro?

Portanto, parece-me que o mais regular é remetter este projecto ás commissões de pescaria e de fazenda, para estas darem a sua opinião a respeito d'elle.

Disse o sr. ministro das obras publicas que um dos motivos por que se devia approvar este contrato era por elle dizer respeito a uma grande área.

Nunca pude comprebender bem a força d'este argumento. Não é pelo facto da grandeza da area que se póde considerar bom este contrato. Nós sabemos perfeitamente que, por exemplo, os tres parques imperiaes da bahia de Arcachon comprehendem sómente um 12, outro 10 e outro 40 hectares, e comtudo fornecem uma quantidade consideravel de ostras. Já se vê portanto que não ha necessidade de conceder uma grande área para que a empreza seja bem succedida.

Acrescentarei ainda que em regra é prejudicial a uma companhia applicar a sua actividade a negocios em demasia grandes, e diffundidos por vasta área, porque ha difficuldade em os vigiar bem; não se póde, pois, dizer que uma empresa é tanto mais util quanto maior é a área da sua acção.

O nosso banco hypothecario, por exemplo, não póde ter tantas agencias, quantas são necessarias ao progresso do credito predial n'este paiz. Um dos mais notaveis bancos de França achou maiores lucros desde que supprimiu umas

poucas de suecursaes. Tudo isto é muito natural: cada individuo, ou cada empreza tem forças limitadas, e é em proporção d'essas forças que emprehende e que executa. Se pretende ir alem de seus recursos, damnificase, em vez de lucrar. E se o argumento da extensão valesse muito para este caso, então declaro que eu mesmo pediria á camara, não só a área marcada n'este contrato, mas toda quanta em Portugal fosse possivel conceder-se, e os srs. ministros, de, accordo com as idéas até agora manifestadas, attender-me-íam logo. É verdade que o meu requerimento não tinha a rasão da prioridade; mas eu passo diante d'este pobre argumento; seria crueldade fazer-lhe guerra.

Não sei, pois, o que ácerca da vantagem da grande área me responderá o sr. presidente do conselho ou o sr. ministro das obras publicas. Esclarecer-me-ha o sr. ministro da marinha? Mas consta-me, não sei se é exacto, que a respeito d'este contrato a repartição de agricultura, de que s. ex.ª é digno chefe, tinha dado um parecer contrario. Votará s. ex.ª a favor do projecto?

Será impossivel conciliar o voto de hoje com aquelle parecer, se elle existe.

Rejeita-lo-ha? Desapparecia a solidariedade ministerial.

Na ultima sessão affirmei a importancia d'este assumpto, e que era preciso não fossemos violar um artigo da carta constitucional. Esse artigo é o que garante a liberdade da industria, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança e á saude dos cidadãos; e a ostricultura não se lhes oppõe.

O artigo 395.° do codigo civil citado no decreto de 15 de dezembro de 1868, assignado pelos srs. Sebastião Calheiros e Latino Coelho, diz que é permittido a todos, sem distinção de pessoas, pescar nas aguas publicas e communs, salvas as restricções postas pelos regulamentos administrativos. Ora estes regulamentos não são, não devem ser, a condemnação da liberdade da industria.

A este artigo é que o sr. ministro das obras publicas se referiu quando disse, que este contrato sómente regulava o exercicio de uma industria. Mas realmente todos comprehendem que regula-lo é muito differente de estabelecer um monopolio.

Sr. presidente, não tenho a menor duvida de aceitar a proposta do nosso digno primeiro secretario, que quer que este projecto vá á commissão de pescarias, para que ella formule um projecto ácerca da ostricultura; a proposta de s. ex.ª é que está de accordo com a carta e o codigo civil.

Nós já temos o decreto de 15 de dezembro de 1868, que procurou regular o exercicio d'esta industria, mas não sei qual a execução que tem tido. As disposições d'elle poderão ser alteradas ou ampliadas com proveito do paiz; comprehendo bem que a liberdade da industria não é a liberdade de damnificar as ostreiras; é necessario não confundir o trabalho util com a destruição d'essa riqueza publica.

A maneira por que se tem feito a apanha das ostras é tal que em alguns pontos do paiz tem sido destruidas completamente as ostreiras naturaes.

Alguns navios que vieram a Portugal em 1866 e 1867, creio eu, levaram para o estrangeiro milhões e milhões de ostras e deixaram completamente destruidas algumas ostreiras naturaes da margem esquerda do Tejo.

Não sei se nos diversos pontos do paiz se tem dado, ou não, execução ao decreto a que me referi; mas é natural que não, porque as auctoridades maritimas e os administradores de concelho não têem tempo bastante para tornarem effectiva a execução d'elle.

Os administradores de concelho até se hão de ver entre grandes difficuldades, se porventura a epocha da prohibição da apanha das ostras (porque ha um certo tempo em que ella é defeza) coincidir, por exemplo, com a epocha de uma dissolução do parlamento. É realmente difficil tratar ao mesmo tempo de eleições e de fazer cumprir um decreto sobre ostricultura.

Sr. presidente, não tenho duvida, já o disse, em retirar a minha proposta, adoptando a que foi apresentada á camara pelo sr. Adriano Machado, que me parece mais rasoavel do que a que tive a honra de mandar para a mesa.

A proposta do illustre deputado, attendendo aos artigos citados da carta constitucional e do codigo civil, quer que a ostricultura em Portugal se pratique de um modo mais conveniente; ella attende á manutenção da concorrencia, e eu espero muito mais da concorrencia do que do monopolio, por muito bem que elle seja exercido.

Para conhecermos a differença que existe entre a concorrencia e o exclusivo não precisâmos mais do que comparar a industria antiga com a industria moderna. Tanto basta e até sobeja, por isso escuro de fazer á camara observações que sem proveito lhe roubariam o tempo, que aliás precisâmos aproveitar.

Não dou maior largueza ás observações que tinha a fazer, porque a hora está adiantada e reconheço a conveniencia de resolvermos este assumpto; pois que ha no contrato um artigo em que se dispõe que no praso de tres annos, a contar da data do mesmo contrato, deve estar feito o tanque para a engorda das ostras, sob pena de rescisão; nós não devemos pois adiar para muito tarde, ou indefinidamente, a votação definitiva sobre este contrato.

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