116-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
do povo, e não é curto o meu tirocinio parlamentar, pois já sou deputado de vespera, foram concedidos bills de indemnidade a todos os governos, sem distincção, que têem abusado da constituição e das leis.
Mas o actual governo não póde ser relevado das responsabilidades em que incorreu, sobretudo no que toca ás violações do pacto fundamental.
Nem os mais complacentes com a recente dictadura podem absolver os dictadores sem entrar primeiro no exame minucioso das providencias de caracter legislativo que o governo promulgou, abusando das suas attribuições sem a apreciação d'essas medidas, bem como das circunstancias em que foram promulgadas, não podem os representantes do povo approvar o parecer da illustre commissão que está sujeito ao debate.
Mas vejamos o que se diz em defeza dos senhores ministros.
Tanto no relatorio da proposta do governo como no da illustre commissão pretende-se filiar o estado anormal, em que temos vivido, nas memoraveis sessões parlamentares da ultimos dias de novembro de 1894. Não assisti a essas sessões porque um ataque de influenza me reteve no leito O que sei é pelo Diario da camara.
Reprovo, como reprovei sempre, os processos politicos que destoem da gravidade e compostura que todos devem manter nos augustos conselhos da nação.
Na minha longa vida politica tenho presonceado protestos os mais tumultuosos e actos os mais desregrados no seio da representação nacional.
Mas nunca me associei a qualquer falta de respeito quer para com o systema representativo, quer para com a camara, quer para com a presidencia (Apoiados).
Creiam, porém, os meus collegas que esses abusos não eram privilegio de nenhuma parcialidade da camara os aggravos a seriedade da representação nacional são da responsabilidade do todos. Se tratassemos de discriminar responsabilidades não sei qual dos partidos ficaria em peior situação!
Sou insuspeito nas minhas apreciações porque, repito, nunca me associei a demonstrações que ferem mais offensor do que o offendido (Apoiados).
Porém o que eu li no Diario das camaras, e que não posso deixar de reputar a expressão da verdade, não dava nem sombra de pretexto para o governo saltar por cima da constituição e das leis, e para entrar n'um caminho verdadeiramente affrontoso para o systema representativo!
O estado violento e anormal em que vivemos data, não das sessões de novembro de 1894, mas da dissolução da camara em dezembro de 1893.
Sr. presidente, a camara de 1893 tinha funccionado em plena paz. Não houve, em nenhuma das suas sessões, sombra sequer de pertubação de ordem. Não houve um unico acto menos respeitoso, nem da parte dos que faltavam, nem da parte dos que ouviam, nem para com a assembléa, nem para com a presidencia, nem para com pessoa alguma.
Votou essa camara todas as medidas que o governo submetterá a sua apreciação.
Não negou o seu voto nem mesmo a providencias de tal modo extraordinarias, que o governo as não póde levar a execução, sem as emendar depois ditatorialmente, como succedeu com a contribuição industrial. Não creou dificuldades politicas.
Manteve a cordura e a serenidade que são raras nas nossas assembléas politicas.
Em todo o caso prefiro uma assembléa violenta o tempestuosa a falta absoluta de assembléas politicas. A suppressão, ainda temporaria, da representação nacional importa o regresso ao systema absoluto, e eu não quero por fórma nenhuma resuscitado o despotismo no meu paiz.
Prefiro as tempestades e os excessos de liberdade ás garantias do despotismo.
Reputo alem disso humilhantes para a nação providencias que nos representem aos olhos do estrangeiro como um povo retrogrado, que pretende voltar do novo ás instituições que os nossos antepassados destruiram com as armas na mão, e derramando o seu sangue nos campos de batalha.
Mas porque foi dissolvida a camara dos deputados em dezembro de 1893? Tinha o ministerio sido aggravado por essa camara? Surgira algum conflicto entre o poder executivo e a assembléa dos eleitos do povo?
Não houve, nem podia haver, lucta entre a camara dos deputados e o ministerio, pela simples rasão de que a camara estava em ferias, e não funccionava!
A dissolução d'aquella assembléa politica foi um acto arbitrario, e affrontoso para a constituição do estado e para os principies do systema representativo.
Desde então nunca mais tratou o governo de entrar no caminho franco e regular, que devem trilhar os governos nos povos que se regem por instituições liberaes.
Eu comprehendo os ministérios a legislar por sua conta, mezes e annos, num systema em que a vontade popular não é considerada para cousa nenhuma, em que a lei é o quero do imperante, e em que a vontade de um só homem é a norma de governo de um povo. Mas nos paizes regidos por instituições liberaes e tumultuario tudo o que se faz fóra da lei e da liberdade.
Desde a dissolução tumultuaria da camara em 1893 deixaram de funccionar as instituições politicas que nos regem. Começou a dictadura sem necessidade nenhuma, simplesmente por amor da arte. Não se levantaram protestos no seio das assembléas politicas, que nessa occasião não funccionavam. Não houve reclamações na praça publica! Foi unicamente o ministerio o auctor da revolução! Foi o ministerio que ergueu a bandeira da revolta, e que mesmo com as camaras abertas a tem hasteado bem alto!
Nem eu sei como o governo possa invocar altos interesses do estado, ou motivos de ordem superior, para se justificar da guerra sem treguas que emprehendeu contra a constituição do estado e contra os principios liberaes.
Tomou o governo a responsabilidade da dissolução da camara dos deputados em 1893, que foi um acto verdadeiramente attentatorio de todas as praxes constitucionaes e de todas as formulas do systema representativo, mas que estava em todo o caso dentro da letra do pacto fundamental.
O poder moderador tinha jurisdicção para assignar esta providencia, alias violenta, visto ser a sua assiguatura coberta pela responsabilidade dos ministros.
Com a dissolução da camara em 1893 foram offendidas as boas praxes do systema representativo, as conveniencias publicas, e o respeito devido ao mandato popular, mas não foi offendido directamente nenhum artigo expresso da carta constitucional.
Os ataques abertos ao pacto fundamental que nos rege começaram com o adiamento da reunião das cortes, que haviam sido convocadas para 7 de março, convocação adiada por decreto de 31 de janeiro para 4 de maio.
Quaes foram os factos extraordinarios de ordem politica ou administrativa, internos ou externos, que auctorisaram o governo a entrar n'um caminho extremamente violento?
A dissolução da camara sem se ter levantado um conflicto, pois que foi decretada n'um interregno parlamentar, e quando estavamos em plena paz, com o adiamento das eleições sine die representava, não só uma violencia contra os membros da camara legislativa, senão ainda a desconsideração absoluta pelo systema representativo e pela soberania nacional. Era a proclamação solemne de que o governo desprezava por completo a intervenção dos representantes do povo na gerencia dos negocios publicos, e se encarregava elle, e só elle, da sustentação e defeza dos superiores e legitimos interesses do paiz!
Sr. presidente, é bem singular e realmente extraordi-