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116-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Julgaram absolutamente necessario fortificar a auctoridade real contra a propaganda republicana.

Pela constituição hespanhola, alias feita sob os auspicios do actual presidente do conselho de ministros, que por ser um dos primeiros homens da Europa, não deixa de ser um conservador intransigente, metade dos senadores sae da eleição.

Em Portugal, porém nem a isto se chegou!

Pelo contrario do que em Portugal se tratou foi de compor a camara dos dignos pares por forma, que fóra das duas familias progressista e regeneradora não podesse constituir-se governo, senão por um acto revolucionario.

Não se contentou porém com isto o actual governo. Fez uma reforma ainda mais elegante. Declarou todos os pares de nomeação real! Os electivos foram postos completamente de parte, tratando-se alias de uma assembléa, encarregada de fazer leis para governar um povo livre!

O ministerio acabou com a eleição para melhor affirmar o prestigio das instituições!

Hoje para augmentar o prestigio das instituições não ha nada como declarar os legisladores de nomeação real!

Os srs. ministros collocaram a nação portugueza abaixo do que era a nação brazileira ha setenta annos!

Deram Portugal como mais atrazado em 1896 do que estavam os brazileiros em 1824!

No Brazil o senado foi desde 1824, isto é, desde a primitiva, electivo.

Em Portugal a camara dos dignos pares é em 1896 toda de nomeação regia!

É para affirmar a auctoridade real?

Mas a auctoridade real não é fim nos governos representativos, é meio. Não serve senão para exercer as funcções, que a carta lhe prescreve no interesse do paiz.

A auctoridade real não tem outra missão senão manter os poderes politicos dentro da sua orbita, quando entre elles se manifeste qualquer desequilibrio.

A intervenção da auctoridade real é essencialmente passiva.

O poder moderador não promove conflictos, nem se sobrepõe aos outros poderes do estado. Pelo contrario. Levantada lucta entre o governo e a camara dos deputados ou a camara dos purés, ou entre a camara dos deputados e a camara dos pares, intervém, não para substituir qualquer das entidades politicas, mas sim para conter cada uma dentro dos limites da sua esphera.

A missão, pois, da auctoridade real é muito circumscripta.

Nos povos, que querem ser livres, e que sabem ser livres, não ha outra soberania senão a da nação, a qual deve ser sempre subordinada a auctoridade real.

Esta doutrina liberal não é contraria ao espirito da carta. A carta apesar de não ser um modelo de liberdade, é a primeira a reconhecer que o Rei e as côrtes geraes são apenas representantes da nação portugueza. A nação não representa o Rei. O rei é que representa a nação.

O governo, pelo contrario, quer concentrados todos os poderes na auctoridade real, para os ter a sua disposição.

É o caminho para o governo absoluto que eu condemno com todas as minhas forças!

A auctoridade real já tem, pela carta, o direito de adiar as côrtes geraes, de dissolver a camara dos deputados, e de annullar assim os poderes conferidos pelo povo, o direito de nomear e de demittir livremente os ministros d'estado, e até o direito do inutilisar a acção do poder judicial com a faculdade do perdoar e de amnistiar que em alguns paizes é funcção dos representantes da nação.

Pois os srs. ministros julgavam poucas todas estas attribuições para engrandecer o poder real, e deram ainda a auctoridade real o direito de promulgar decretos com força de lei!

Criaram tambem os celebres decretos dictatoriaes uma commissão, que, em vez de ter competencia simplesmente para apresentar um projecto de lei, a fim de harmonisar as divergencias entre as duas camaras, como era pela legislação anterior, delibera e decide, como se fóra um dos poderes do estado!

É a alteração completa da carta no sentido dos velhos principios reaccionarios!

Pelos decretos liberticidas, sujeitos ao debate, levantada a lucta entre a camara dos pares e a camara dos deputados, se a corôa optar pela resolução da camara dos pares, isto é, pela deliberação da assembléa pela mesma corôa escolhida, fica a camara dos deputados perfeitamente exautorada, e o povo completamente excluido da gerencia dos negocios publicos!

Ao menos são logicos os srs. ministros. No no seu caminho. Estão esphacelando um por um os principios liberaes.

Creio ser esse o seu pensamento constante. A qualidade de coherentes não lh'a nego. Tem havido dictaduras, representando a usurpação das faculdades ordinarias do poder legislativo. Mas ainda não tivemos governo que se atrevesse a tocar nos poderes constitucionaes, mesmo nas occasiões mais graves para a nação. Foram substituidas umas por outras varias constituições, por meio de revoltas militares e populares, mas sem mutilação.

A revolução de 1836, por exemplo, não fez uma constituição quando poz de parte a carta. Adoptou uma outra constituição, a de 1822, que tinha sido livremente votada pela nação. Os Cabraes derrubaram em 1842 a constituição de 1838, mas substituiram-n'a pela de 1826. A revolução do marechal Saldanha, em 1851, tambem não tocou nos poderes politicos da carta, nem nos direitos individuaes, e apenas permittiu ao governo legislar para o ultramar, em caso urgente, mas para serem submettidas ás côrtes, logo que reunidas fossem, as providencias tomadas.

Não houve um só governo n'este paiz, e poucos ministros tem havido que não tenham sido dictadores, que tocasse nos poderes constitucionaes! Mas para que foi tudo isto?

Porque entrou o governo n'um caminho tão violento o tão escabroso, tão fóra de todas as indicações constitucionaes e parlamentares?

Quaes foram os resultados de uma dictadura constante, com a subversão, não só das leis ordinarias, mas das leis organicas e constitucionaes? A anarchia por toda a parte.

Estamos em dictadura permanente, e em permanente suspensão de liberdades!

Esta suspensa a liberdade de imprensa na India! N'aquella infeliz terra portugueza até se marcou o preço dos generos! Não permitte a constituição suspender as garantias senão por tempo determinado, e na India estão suspensas por tempo indefinido!

Em Lisboa, na propria capital do reino, estão sujeitos a censura previa um ou dois jornaes! Até com as camaras abertas o governo se atreveu a atacar os direitos da imprensa! Chegou a perfeição de dispensar os tribunaes! É a propria policia quem profere sentença contra as gazetas da opposição!

Em Portugal hoje impera o arbitrio dos ministros. O systema representativo foi suspenso.

Mas as ambições do gabinete vão mais longe. Agora quer arrastar a camara a dictadura, chamal-a a confirmar providencias constitucionaes, sem ella ter poderes para isso! É certo que o governo, no decreto convocatorio dos collegios eleitoraes, auctorisou os eleitores a conferir poderes constituintes aos seus eleitos.

Mas o governo não tinha faculdade para tanto. Só as côrtes em lei ordinaria podiam auctorisar a outorga d'esses poderes.

As providencias dictatoriaes do gabinete anniquilaram