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APPENDICE A SESSÃO N.° 15 DE 28 DE JANEIRO DE 1896 116-A

Discurso do sr. deputado Dias Ferreira que devia ler-se a pag. 103 e 108 da sessão n.° 10 de 28 de janeiro do 1896

O sr. Dias Ferreira: - Desejo acatar, como sempre, as decisões da assembléa. Mas não ouvi distinctamente a proposta que a camara acaba de approvar; e por isso, e para não fatigar o sr. secretario, peço a v. exa. a fineza de me mandar a proposta para me esclarecer.

(Pausa).

Sr. presidente, tenho discutido quasi sempre n'esta camara a resposta ao discurso da corôa; e não a discuti d'esta vez por se approximar a discussão do bill onde podiam ser largamente tratados os assumptos comprehendidos n'aquelle documento politico.

Variadissimas circiunstancias, que escusado é rememorar a camara, me impedem de fazer n'esta occasião um discurso moldado em processos essencialmente politicos.

A propria casa onde nos reunimos mo aconselha a dar a minha oração uma feição principalmente academica.

Limitar-me-hei, pois, á exposição singelo, dos factos que principalmente determinara o meu voto na questão do bill de indemnidade, o farei essa exposição com a maior serenidade o com a maior imparcialidade, como é meu dever na posição politica que occupo n'esta casa.

O meu desejo é fazer justiça a todos.

Tenho sempre professado respeito profundo por todas as opiniões, ainda pelas que me são mais contrarias, sobretudo quando são convictas.

Ao proprio governo faço a justiça de lhe reconhecer uma coherencia sem igual.

Não mo lembro do governo mais cohorente em seus propositos. Não posso louvar os actos que constituem a linha, do gabinete, porque offendem os meus principios e as tradições liberais do povo portuguez. Mas reconheço a coherencia com que os srs. ministros, desde o decreto que reformou a policia civil até ao decreto que reorganizou a camara dos pares, têem sempre seguido no caminho de annullar a influencia do povo na governação publica, e do concentrar nas mãos do estado as regalias o as faculdades, que do direito pertencem aos cidadãos nos paizes que se regem pelo systema representativo!

Ha tantos annos que se confundiam n'este paiz os partidos, especialmente desde o celebro pacto da fusão da 1865, que se tornava absolutamente necessario, no interesse do governo liberal, marcar de maneira clara, nitida, e peremptoria, os interesses que separam em Portugal o partido conservador do partido liberal.

Sr. presidente, v. exa. e a camara hão de desculpar-me se, nas breves considerações que vou fazer a assembléa, me afastar um pouco do relatorio da illustre commissão do bill para me occupar das conclusões, que são a materia do artigo e do respectivo paragvapho, o que são verdadeiramente o assumpto sujeito ao debate.

A leitura do relatorio, que precedo as conclusões finaes do artigo que concede o bill de indemnidade ao ministerio, deixa a impressão de que o governo ou a illustre commissão pretendo discutir uma questão politica meramente theorica sobre as causas geradoras ou productoras das dictaduras que o gabinete exerceu, sem entrar no exame das medidas que estavam fóra da alçada do poder executivo; pois o documento sujeito ao debato reserva umas providencias para a commissão especial, outras para serem examinadas pelas respectivas commissões a que os assumptos pertençam, e duas para serem apreciadas pela propria commissão do bill.

Porém, desde que a illustre commissão escreveu "que continuarão em vigor, emquanto não forem por lei alteradas ou revogadas as providencias do caracter legislativo promulgadas pelo governo desde 5 de dezembro de 1894 até 30 de dezembro de 3895 inclusivamente", sou forçado a indicar aos meus collegas e ao paiz, não todas as medidas dictatoriaes, quer no seu conjuncto, quer nas suas disposições isoladas, mas alguns pontos mais salientes, que não podem merecer a approvação da assembléa sem ella faltar aos seus deveres impreteriveis de representante da soberania nacional.

Sr. presidente, as dictaduras não são constitucionalmente justificaveis.

Na carta não ha preceito algum que as auctorise.

A constituição fundamental permitte apenas ao governo, nos casos de rebellião ou do invasão do inimigos, correndo imminente perigo a segurança do estado, suspender, por tempo determinado algumas das formalidades de que estão cercadas as garantias individuaes, como a prisão sem culpa formada, a inviolabilidade da casa do cidadão, a suspensão da liberdade de imprensa, etc.

No entretanto raro é o anno em que o executivo não publica providencias fóra da sua alçada, que silo depois approvadas, o muito legalmente, pelas côrtes geraes, visto poderem as camaras, que sito soberanas em materia legislativa ordinaria, sanar o arbitrio do governo, e declarar "que é lei" o que está unicamente determinado por simples acto do poder executivo.

Nunca se negou ás camaras a faculdade de sanar por completo os actos illegaes do governo, quando este assume funcções legislativas que cabem d'outro das attribuições ordinarias das côrtes.

O que as côrtes ordinarias não podem sanar é a usurpação das attribuições propriamente constitucionaes, visto não poderem ser alterados os preceitos constitucionaes nem pelas côrtes geraes dentro das suas funcções ordinarias.

Os decretos dictatoriaes em todo o caso não se justificavam senão pelos resultados.

Temos tido dictaduras tão justificadas que foram accei-las pelos tribunaes e, recebidas pelo paiz, independentemente do loegalisação parlamentar. Nunca as côrtes legalisaram os decretos da regencia de D. Pedro IV, e, todavia, esses decretos são considerados com força de lei, e, como taes, têem sido sempre respeitados.

E porque? Porque as referidas providencias foram reclamadas, por circumstancias urgentissimas de momento, ao cabo de uma guerra de cinco annos, e porque representavam o predominio da liberdade sobre o absolutismo, o respeito pelas regalias o pelos foros populares, e a destruição de muitas das velhas e odiosas instituições que tinham sido o esteio e o apoio da monarchia absoluta contra os direitos dos cidadãos!

Todas as outras dictaduras têem sido mais ou menos condemnadas, o principalmente aquellas que são feitas a frio, em plena paz, sem perturbações do qualquer ordem, e sem reclamação de alguma necessidade publica indeclinavel!

Desde que tomei assento na camara dos representantes

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do povo, e não é curto o meu tirocinio parlamentar, pois já sou deputado de vespera, foram concedidos bills de indemnidade a todos os governos, sem distincção, que têem abusado da constituição e das leis.

Mas o actual governo não póde ser relevado das responsabilidades em que incorreu, sobretudo no que toca ás violações do pacto fundamental.

Nem os mais complacentes com a recente dictadura podem absolver os dictadores sem entrar primeiro no exame minucioso das providencias de caracter legislativo que o governo promulgou, abusando das suas attribuições sem a apreciação d'essas medidas, bem como das circunstancias em que foram promulgadas, não podem os representantes do povo approvar o parecer da illustre commissão que está sujeito ao debate.

Mas vejamos o que se diz em defeza dos senhores ministros.

Tanto no relatorio da proposta do governo como no da illustre commissão pretende-se filiar o estado anormal, em que temos vivido, nas memoraveis sessões parlamentares da ultimos dias de novembro de 1894. Não assisti a essas sessões porque um ataque de influenza me reteve no leito O que sei é pelo Diario da camara.

Reprovo, como reprovei sempre, os processos politicos que destoem da gravidade e compostura que todos devem manter nos augustos conselhos da nação.

Na minha longa vida politica tenho presonceado protestos os mais tumultuosos e actos os mais desregrados no seio da representação nacional.

Mas nunca me associei a qualquer falta de respeito quer para com o systema representativo, quer para com a camara, quer para com a presidencia (Apoiados).

Creiam, porém, os meus collegas que esses abusos não eram privilegio de nenhuma parcialidade da camara os aggravos a seriedade da representação nacional são da responsabilidade do todos. Se tratassemos de discriminar responsabilidades não sei qual dos partidos ficaria em peior situação!

Sou insuspeito nas minhas apreciações porque, repito, nunca me associei a demonstrações que ferem mais offensor do que o offendido (Apoiados).

Porém o que eu li no Diario das camaras, e que não posso deixar de reputar a expressão da verdade, não dava nem sombra de pretexto para o governo saltar por cima da constituição e das leis, e para entrar n'um caminho verdadeiramente affrontoso para o systema representativo!

O estado violento e anormal em que vivemos data, não das sessões de novembro de 1894, mas da dissolução da camara em dezembro de 1893.

Sr. presidente, a camara de 1893 tinha funccionado em plena paz. Não houve, em nenhuma das suas sessões, sombra sequer de pertubação de ordem. Não houve um unico acto menos respeitoso, nem da parte dos que faltavam, nem da parte dos que ouviam, nem para com a assembléa, nem para com a presidencia, nem para com pessoa alguma.

Votou essa camara todas as medidas que o governo submetterá a sua apreciação.

Não negou o seu voto nem mesmo a providencias de tal modo extraordinarias, que o governo as não póde levar a execução, sem as emendar depois ditatorialmente, como succedeu com a contribuição industrial. Não creou dificuldades politicas.

Manteve a cordura e a serenidade que são raras nas nossas assembléas politicas.

Em todo o caso prefiro uma assembléa violenta o tempestuosa a falta absoluta de assembléas politicas. A suppressão, ainda temporaria, da representação nacional importa o regresso ao systema absoluto, e eu não quero por fórma nenhuma resuscitado o despotismo no meu paiz.

Prefiro as tempestades e os excessos de liberdade ás garantias do despotismo.

Reputo alem disso humilhantes para a nação providencias que nos representem aos olhos do estrangeiro como um povo retrogrado, que pretende voltar do novo ás instituições que os nossos antepassados destruiram com as armas na mão, e derramando o seu sangue nos campos de batalha.

Mas porque foi dissolvida a camara dos deputados em dezembro de 1893? Tinha o ministerio sido aggravado por essa camara? Surgira algum conflicto entre o poder executivo e a assembléa dos eleitos do povo?

Não houve, nem podia haver, lucta entre a camara dos deputados e o ministerio, pela simples rasão de que a camara estava em ferias, e não funccionava!

A dissolução d'aquella assembléa politica foi um acto arbitrario, e affrontoso para a constituição do estado e para os principies do systema representativo.

Desde então nunca mais tratou o governo de entrar no caminho franco e regular, que devem trilhar os governos nos povos que se regem por instituições liberaes.

Eu comprehendo os ministérios a legislar por sua conta, mezes e annos, num systema em que a vontade popular não é considerada para cousa nenhuma, em que a lei é o quero do imperante, e em que a vontade de um só homem é a norma de governo de um povo. Mas nos paizes regidos por instituições liberaes e tumultuario tudo o que se faz fóra da lei e da liberdade.

Desde a dissolução tumultuaria da camara em 1893 deixaram de funccionar as instituições politicas que nos regem. Começou a dictadura sem necessidade nenhuma, simplesmente por amor da arte. Não se levantaram protestos no seio das assembléas politicas, que nessa occasião não funccionavam. Não houve reclamações na praça publica! Foi unicamente o ministerio o auctor da revolução! Foi o ministerio que ergueu a bandeira da revolta, e que mesmo com as camaras abertas a tem hasteado bem alto!

Nem eu sei como o governo possa invocar altos interesses do estado, ou motivos de ordem superior, para se justificar da guerra sem treguas que emprehendeu contra a constituição do estado e contra os principios liberaes.

Tomou o governo a responsabilidade da dissolução da camara dos deputados em 1893, que foi um acto verdadeiramente attentatorio de todas as praxes constitucionaes e de todas as formulas do systema representativo, mas que estava em todo o caso dentro da letra do pacto fundamental.

O poder moderador tinha jurisdicção para assignar esta providencia, alias violenta, visto ser a sua assiguatura coberta pela responsabilidade dos ministros.

Com a dissolução da camara em 1893 foram offendidas as boas praxes do systema representativo, as conveniencias publicas, e o respeito devido ao mandato popular, mas não foi offendido directamente nenhum artigo expresso da carta constitucional.

Os ataques abertos ao pacto fundamental que nos rege começaram com o adiamento da reunião das cortes, que haviam sido convocadas para 7 de março, convocação adiada por decreto de 31 de janeiro para 4 de maio.

Quaes foram os factos extraordinarios de ordem politica ou administrativa, internos ou externos, que auctorisaram o governo a entrar n'um caminho extremamente violento?

A dissolução da camara sem se ter levantado um conflicto, pois que foi decretada n'um interregno parlamentar, e quando estavamos em plena paz, com o adiamento das eleições sine die representava, não só uma violencia contra os membros da camara legislativa, senão ainda a desconsideração absoluta pelo systema representativo e pela soberania nacional. Era a proclamação solemne de que o governo desprezava por completo a intervenção dos representantes do povo na gerencia dos negocios publicos, e se encarregava elle, e só elle, da sustentação e defeza dos superiores e legitimos interesses do paiz!

Sr. presidente, é bem singular e realmente extraordi-

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naria a approximação da factos praticados por esto gabinete com o adiamento indefinido das côrtes e com os actos praticados pelo governo do D. Miguel em 1828, que, no meio dos sons planos absolutistas, foi nas formulas mais respeitador dos direitos do povo!

D. Miguel entrava em Portugal em 22 de fevereiro, e em cumprimento do seu dever, e em desempenho dos compromissos que tomara com as côrtes da Europa, amigas do Portugal, prestava juramento do fidelidade a constituição e ás leis, como regente do reino.

Não podia elle ser fiel ao juramento que fizera, nem desempenhar-se das responsabilidades que tomará, nem manter uma situação para que não tenha sido fadado, porque o respeito pelas liberdades individuaes o pelas liberdades politicas não se affirmam pela simples formula de um juramento.

Quem não tiver escripto no coração o amor pelas liberdades constitucionaes, por mais que jure, ha de sempre acabar por porjurar!

Em 13 do março de 1828 dissolvia D. Miguel acamara dos deputados, declarando no decreto que não marcava praso para a convocarão, porque precisava autos de tudo de alterar a lei regulamentar das eleições. No mez de março decretava o actual governo a suspensão indefinida das côrtes tambem a pretexto de fazer novo recenseamento!

Ha apenas a differença de que o governo de D. Miguel, que decretava em 13 de março de 1828 a dissolução da camara dos deputados, em 3 de maio já tinha prompta a lei regulamentar das eleições, convocava as côrtes, na carta de convocação declarava que a camara havia de reunir em Lisboa dentro de trinta dias, no mez de junho tinha reunidas as cortes, e em 11 de julho saia com o memoravel assento que reconhecia ao rei intruso os inauferiveis direitos à corôa de Portugal!

A approximação, entre os factos occorridos com o governo de D. Miguel e os occorridos com o governo de um rei constitucional é frisante e por demais eloquente!

Pela minha parte não quero relações politicas de especie alguma com governos do D. Miguel, porque desadoro as normas e os processos governativos do despotismo!

Mas não posso deixar de reconhecer a cohorencia dos srs. ministros!

Abraçaram-se com a bandeira do absolutismo, e têem seguido sempre no mesmo caminho, pondo de parte a constituição e as leis, e collocando-se em antagonismo aberto com a soberania da nação!

Dissolveram as cortes em dezembro de 1893 para só as reunirem em outubro do 1894, e com este procedimento, altamente anarchico e subversivo, julgam ter restabelecido a normalidade constitucional.

Ora a normalidade, no espirito publico e na vida politica de um povo, consiste na observancia da constituição e das leis, e no respeito pela opinião publica e pelos interesses dos cidadãos.

Mais doloroso, e mais tristemente symptomatico para o futuro da nação do que o despotismo a que o ministerio se entregou, só o estado do paiz, cada vez mais indifferente, mais alheio a administração publica, e mais descuidado dos seus proprios interesses!

Todas as providencias publicadas pelo governo contra os mais altos interesses da nação e contra as leis constitucionaes, não prenuncio menos grave da sorte que espera o paiz, do que o estado do absoluta indifferença do povo pelos interesses que lhe são mais caros!

Procura o governo filiar a origem dos attentados, que praticou contra a lei fundamental, no facto do terem sido interrompidas e por fim levantadas por disturbios da opposição tres sessões.

Não assisti, como já disse, a essas sessões por motivo de saude, nem descubro o mais leve interesse nacional em apreciar agora os factos que então occorreram.

Mas, pelo que vi no Diario da camara, a questão que se ventilou n'essas sessões tempestuosas não affectava essencialmente o paiz.

As questões, que pozeram em perigo a situação do thesouro, e arrastaram o paiz para a insolvabilidade, como a questão do porto de Lisboa, da mala real, e outras identicas, foram sempre tratadas a boa paz!

A questão magna que perturbou n'aquelles dias a serenidade parlamentar era, como do costume uma questão de regimento!

E a final essa questão do regimento foi liquidada contra a letra da constituição, sob impressões violentas e nervosas, em termos que nenhum homem liberal póde acceitar.

Um regimento que impõe ao deputado a pena de trinta dias de suspensão das suas funcções e a prohibição do entrar no edificio das côrtes dentro do praso da suspensão, quando nem a camara dos dignos pares, nem a camara dos senhores deputados, têem jurisdicção nem auctoridade para suspender do exercicio das suas funcções qualquer dos seus membros, salvo quando lhe é presente processo criminal contra elle instaurado no poder judicial, representa um acto do violencia, abertamente condemnação pelas nossas instituições politicas!

N'outros povos, em presença da constituição e das leis, talvez fossem acceitaveis similhantes disposições, e talvez mesmo necessarias para manter a ordem na assembléa e a liberdade nos debates.

Em Portugal nunca foram necessarias medidas d'aquella violencia, e de mais a mais attentatorias da lei fundamental.

Tenho assistido a muitas sessões tempestuosas, muito mais tumultuosas do que aquellas em que não se viu sombra sequer de injuria pessoal, e sempre a ordem foi restabelecida a sombra dos preceitos do velho regimento.

Mas, quaesquer que tivessem sido as perturbações e os desregramentos n'aquellas sessões, nada auctorisava a estabelecer a pena de suspensão ao deputado do exercicio das suas funcções, quando elle não estivesse implicado em processo judicial.

Sr. presidente, tenho presenciado muitos conflictos parlamentares, levantados quer de um quer do outro lado da camara, não quando se pleiteavam os altos interesses da nação, mas no uso da palavra antes da ordem do dia, ou então na memoravel e eterna questão sobre o modo do propor!

Essas desavenças não influiam na marcha dos negocios publicos, nem importavam aos interesses do estado, e a breve trecho se compunham!

Sempre que os altos interesses do estado corriam perigo, ou era preciso acudir ás liberdades populares, via eu os nossos parlamentares caminharem impavidos o unidos em favor do governo o contra o paiz! Nas questões contra a patria não se desuniam, ou, pelo menos, com essa desunião não faziam barulho!

De similhante facto podia eu apontar muitos exemplos á camara.

Lembrou-se um governo ou um partido de construir um caminho do ferro em territorio inglez, e para beneficio dos inglezes, que foi o caminho de ferro de Morraugão.

Crê v. exa. que por parte de outro governo ou de outro partido se levantaram reclamações tempestuosas contra esta monstruosidade financeira e politica?

Pelo contrario, um fez a negociação, e o outro legalisou-a!

Outra das grandes habilidades dos nossos governos, dirigidos por estadistas de linha, que viam muito ao longe, e apreciavam os interesses publicos com uma previdencia que os homens publicos do outros paizes nunca lograram alcançar, foi construir a custa do thesouro portuguez dois caminhos dc( ferro era territorio hespanhol. Foram os caminhos de ferro de Salamanca, construidos com dinheiro nosso, quando nos nem recursos tinhamos para a abertura das redes ferroviarias de fronteiras a dentro!

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Levantaram-se ao principio grandes clamores, e o paiz em attitude imponente condemnou o monumental desperdicio.

Mas depois tudo serenou. Se um governo e um partido subsidiou desde logo os salamanqueiros com 135 contos de réis por anno, mezes depois outro governo e outro partido, que tinham combatido aquelle esbanjamento, vieram eleval-o ao dobro, auxiliando os salamanqueiros, não simplesmente com 135 contos de réis annuaes, mas sim com 270 contos de réis por anno!

Nos ultimos tempos, nos tempos aureos da politica portugueza até eram presos deputados a ordem dos ministros, e declarava-se que tinham sido presos em flagrante delicto, tendo alias sido capturados com mandado de prisão!

Eu combati sempre, ainda que só, todos os esbanjamentos o todos os attentados contra as liberdades populares.

Não me importava ficar isolado. Pelo contrario mais de uma vez requeri votação nominal para accentuar a minha divergencia dos meus collegas! A unica companhia, que me preoccupava era a da minha consciencia.

Persisto hoje, como sempre, na mesma resolução.

Com este systema das grandes divergencias unicamente nos pequenos incidentes sobre o modo do propor, ou sobre a preferencia da palavra antes da ordem do dia, foi votada, quasi por acclamação, a famosa questão dos tabacos!

As camaras e os partidos, que entregaram a um syndicato mais estrangeiro do que portuguez o monopolio da primeira receita do estado por praso superior a trinta annos para liquidar difficuldades de momento, comquanto accumuladas durante annos, proclamavam que por este modo se endireitavam as finanças do paiz; que ficavam regorgitando de dinheiro as praças de Lisboa e Porto, então assoberbadas por contrariedades de toda a ordem, e que o systema de viver de empréstimos acabava agora: n'uma palavra, que no momento em que nos desembaraçassemos do rendimento dos tabacos tudo caminhava n'um mar de rosas!

Pois, sr. presidente, mal acabou de votar-se esta explendida providencia, que só teve contra si o meu voto e mais um ou dois, era decretada a inconvertibilidade das notas, desapparecia da circulação a moeda de oiro e prata, e declarava-se uma crise que teria produzido as mais graves consequencias, se o panico, natural em taes casos, tivesse invadido o espirito das massas!

Em Portugal, que é e foi sempre, em si, um paiz pobre, n'estes ultimos annos sobretudo não se quiz viver senão a grande!

Temos exemplos e muitos das pronunciadas tendencias dos nossos governos para o esbanjamento.

Do porto de Lisboa, por exemplo, ninguem quiz saber emquanto os engenheiros, e engenheiros especialistas, como alguns inglezes que ahi vieram, calculavam o preço das obras principaes e indispensaveis em 3:000 contos de réis!

Reputava-se tão modesto um projecto de trabalhos que 80 custava 3:000 contos de réis, que nem enviado era a junta consultiva de obras publicas para dar o seu parecer!

Quando veiu outro projecto com o orçamento de 7:000 ou 8:000 contos de réis já se lhe deu andamento nas repartições superiores do estado, e chegou a ir ás camaras!

Mas ahi morreu!

Só quando se poude conseguir um projecto em que se podiam gastar com as obras 15:000 contos de reis, é que o interesse pela construcção tocou os limites do enthusiasmo, e se obteve votação quasi unanime n'uma e n'outra casa do parlamento!

Escuso de fallar na questão da mala real e n'outras questões, igualmente extraordinarias, para demonstrar a minha these de que não ha conflictos nas côrtes geraes por via de questões gravissimas, que podem pôr em perigo as liberdades publicas e individuaes, ou a vida economica e financeira da nação, mas unica e exclusivamente por divergencias sobre o modo de propor ou sobre o uso da palavra antes da ordem do dia.

Quasi todas as medidas, que pozeram em perigo a solvabilidade do thesouro, que nos obrigaram a providencias odiosissimas, que crearam ao paiz uma situação difficil no estrangeiro, foram votadas sem grande reluctancia e por assombrosa maioria.

Os accordos não deixavam romper nem seguir as tempestades politicas.

Mas, sr. presidente, se as dificuldades parlamentares eram de tal ordem que o governo não podia coexistir com a camara, a sua obrigação era demittir-se, visto que, por uma disposição legislativa da responsabilidade de alguns dos srs. ministros, a camara não podia ser dissolvida sem terem decorrido tres mezes de sessão.

Eu porém tenho minhas apprehensões de que a sentença de morte já estava lavrada contra a camara antes do dia dos ultimos conflictos, porque era tão longo o decreto de encerramento nas suas allegações, e devia ter sido tão pensado o encerramento violento das cortes, que não é provavel ter sido estudado e resolvido o assumpto no curto intervallo que mediou entre as ultimas perturbações parlamentares e a data do decreto!

Alem d'isso os srs. ministros desejam viver uma vida tranquilla e commoda!

Incommodam-se com as visitas ás côrtes ainda por mera formalidade!

Preferiam descartar-se de uma camara em que podia haver opposição, fazer uma nova lei eleitoral a sua vontade, e escolher os juizes encarregados de julgar os dictadores.

São gravissimos estes factos. Mas o governo preferia estas responsabilidades platonicas a perder tempo em dar attenção aos representantes do povo.

Tivemos já durante muito tempo o systema das eleições directas como circulos grandes; mas com o concurso unanime de todos estavam adoptados os circulos de um deputado como melhor garantia da liberdade do suffragio.

Os circulos de um deputado não são essencialmente necessarios em paizes como a Franca, a Belgica, a Hollanda, e mesmo a Italia, onde ha partidos organisados e politica definida.

Mas em Portugal circulos de mais de um deputado são em regra circulos do governo.

O decreto eleitoral do 30 de setembro de 1852 é obra dos homens publicos importantes de todos os partidos, que se reuniram em 1851 em seguida a revolução feita pelo marechal Saldanha em volta do governo; pois então ficaram ao lado do ministerio tantos homens politicos quantos eram os inimigos de Costa Cabral.

Passados seis annos, depois da experiencia do decreto de 1852, era o marquez de Loulé presidente do conselho e ministro do reino, quem apresentava um projecto ás côrtes para nova divisão eleitoral com circulos de um, de dois e de tres deputados, sendo a grande maioria - circulos de um só deputado -.

A idéa de circulos de um só deputado tinha amadurecido por tal fórma no espirito publico, que o ministerio seguinte, presidido pelo duque da Terceira, em que entravam Fontes, Casal Ribeiro, Martens Ferrão e Antonio de Serpa, adoptou o projecto do marquez de Loulé, já revisto pela commissão, de que faziam parte homens como Oliveira Marreca e José Estevão, a qual fixara o principio absoluto e uniforme de circulos de um só deputado.

Em 1869 o ministerio Sá Vizeu tambem alterou dictatorialmente as circumscripções eleitoraes para eleger os juizes que lhe haviam de legalisar a dictadura. Houve-se, porém, com mais cerimonia. Não fez circulos por districtos. Fez um circulo que principiava nos Olivaes e acabava no Cadaval. Mas em todo o caso era circulo de um só deputado. Depois nas côrtes levantaram-se todos, amigos e adversarios do governo, contra o procedimento audacioso

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do alterar a lei o a circumscripção eleitoral, unicamente para influir na escolha dos juizes que haviam de julgar os actos da dictadura.

O decreto do actual ministerio foi edição correcta e augmentada do decreto de 1869, e completou de vez o pensamento da, lei de 1884, deixando o governo livre de todas as difficuldades e de todos os embaraços das opposições.

A lei de 1884, obra dos dois partidos por contrato publico, já era um primor de liberdade, porque havia passado para as mitos do governo o direito do eleger as maiorias e as opposições quer pela eleição directa, quer pelas accumulações.

Já no regimen dos circulos pequenos, apesar de o povo se interessar mais nas luctas politicas, o de haver no paiz outra vida o actividade politica, não vinha a camara opposição verdadeira, que contasse mais de dez a doze deputados, comprehendendo todos os grupos da minoria parlamentar. Mas os da votação não se contentavam com isto.

Queriam ainda uma providencia legislativa, que permittisse ao governo fixar o grupo de opposição, que o havia de substituir para se conservar o monopolio do poder nas mesmas mãos em que estava concentrado ha largos annos.

Os monopolistas tremiam a simples lembrança de alguem fóra das duas confrarias poder exceder uma parcella que fosse do poder politico. Para isso veio a lei eleitoral do 1884.

A rasão e o fim da lei eleitoral de 1884 foi unica o exclusivamente manter nos limites de influencia das duas familias politicas a successão e a partilha do poder.

Agora a nova lei da dictadura obedeceu ao mesmo pensamento correcto o augmentado.

Que differença ha entre a actual camara, feita pela nova lei, e as camaras predecessoras, sob o ponto de vista da independencia parlamentar e do zêlo pelos interesses do estado?

Espero as votações para exprimir publicamente a minha opinião.

Faltam hoje os seis magnates que entravam n'esta casa por accumulação, com diplomas do 40:000 eleitores, e que representavam pelo numero de votos uma influencia privilegiada!

A eleição por accumulação, que era medida essencialmente liberal e patriotica, tiveram os nossos governos a habilidade de a executar por fórma que caiu no extremo ridiculo.

Esta providencia era imitação da lei hespanhola. Mas em Hespanha não ha tantos notaveis nem com votos tão numerosos como em Portugal!

Em Hespanha por accumulação têem sido apenas eleitos, se bem me lembro, Salmeron, Montero Rios e Sagasta, e nenhum d'elles por mais do 12:000 votos!

Para impedir que os governos se apropriassem das candidaturas por accumulação, distribuindo-as pelos seus amigos ou pelos seus co-interessados, e tolherem assim a entrada nas cortes a individuos, que alias representavam uma força importante, muito trabalhei para não se fixar o numero d'estas candidaturas.

Mas nada pude conseguir.

Eu queria nas côrtes geraes a representação de todas as opiniões.

Para mim as assembléas legislativas não são assembléas academicas, nem atheneus, nem sociedades mercantis.

Outra deve ser a sua constituição, e outros os principios que presidem a sua organisação.

Não ha assembléas legislativas dignas d'este nome sem paixão politica.

A somnolencia não é o caracteristico das assembléas politicas. N'estas assembléas deviam ter voz todas as opiniões. Deviam estar representados os absolutistas, deviam estar representados os republicanos, e deviam estar representados os socialistas, porque todos são portuguezes, e porque todos contam elementos valiosos no paiz.

O governo pelo contrario excluiu da primeira assembléa politica da nação, toda a vida politica para não ter adversarios, como só a alguem fossem concedidas honras de guerra por ter vencido sem combate! As resoluções das assembléas politicas perdem toda a auctoridade desde que não sejam procedidas de uma discussão larga e contradictoria, que só póde nascer do embate das opiniões.

São estes os principios liberaes que tenho; sempre sustentado, e que o governo afogou numa dictadura verdadeiramente anarchica!

O governo já tinha na lei do 1884 os meios precisos para manter esta organisação politico-artificial, que dava governos a capricho sem contemplação com a vontade do paiz. Não carecia de uma lei eleitoral, que levantou contra si as reclamações do todos homens liberaes, a não ser pelo luxo de continuar a legislar a arbitrio, e de não se incommodar com os embaraços, que do ordinario levantam as opposições parlamentares.

Dizem os srs. ministros que o seu decreto facilita o acto eleitoral. Facilita o acto eleitoral; mas facilita-o ao governo, o as eleições são para o povo e não para o governo.

Nos povos livres não se faz lei eleitoral, que não obedeça a idéa de garantir a liberdade do eleitor contra os abusos do poder.

O decreto eleitoral é tão contrario aos interesses politicos da nação, aos bons principios que regem o systema representativo, que não poderá durar muito tempo.

Toco apenas alguns dos pontos sujeitos ao debato para justificar o meu voto do rejeição do bill.

Não pretendo discutir todas as providencias dictatoriaes, que seria trabalho para muitas sessões, e eu não quero faltar a consideração que devo á assembléa.

A reforma da camara dos dignos pares chega a ter graça pelo abstruso da organisnção.

Uma assembléa de legisladores vitalicios com numero fixo é em politica o que do mais extraordinario póde imaginar-se!

Esta perfeição nunca lembrou a ninguem!

Camara de pares vitalicios com numero fixo significa evidentemente a deslocação da soberania nacional do paiz para uma assembléa de escolha real!

Levantado conflicto entre os pares nomeados pelo rei e os deputados eleitos pelo povo impossivel é resolver a contenda pelo eleição popular, porque os novos eleitos encontrarão na assembléa dos priviligiados uma barreira de bronze, que jamais poderão ultrapassar!

Ministerio, por mais popular que seja, torna-se impossivel diante de uma oligarchia aristocratica!

A lei de 1884 já abafava quasi completamente a vontade da nação, porque deixava aos partidos regular, como entendessem, a successão no poder.

A nova lei é mais correcta e augmentada porque deixou nos mitos da auctoridade real a direcção completa da vida politica da nação!

Já a lei de 1884, organisando a camara dos pares com cento o cincoenta membros, cincoenta electivos e cem vitalicios, impossibilitava as manifestações da vida nacional, porque os cem pares vitalicios não representam hoje o que representavam os primeiros nomeados com a installação da carta constitucional.

Os pares vitalicios, que hoje compõem a camara alta, não são um elemento ponderador. Pelo contrario representam politica essencialmente activa. São partidarios de uma ou outra das duas familias - regeneradora e progressista -!
Os cincoenta eleitos, ainda pela unanimidade dos votos do paiz, não podiam prevalecer sobre os cem de regia nomeação!

A vontade popular havia de ser sempre abafada pela auctoridade real!

N'esta organisação ficamos longe, e muito longe, até da reforma feita pela nação visinha em seguida a restauração monarchica, em que os homens de estado d'aquelle paiz

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116-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Julgaram absolutamente necessario fortificar a auctoridade real contra a propaganda republicana.

Pela constituição hespanhola, alias feita sob os auspicios do actual presidente do conselho de ministros, que por ser um dos primeiros homens da Europa, não deixa de ser um conservador intransigente, metade dos senadores sae da eleição.

Em Portugal, porém nem a isto se chegou!

Pelo contrario do que em Portugal se tratou foi de compor a camara dos dignos pares por forma, que fóra das duas familias progressista e regeneradora não podesse constituir-se governo, senão por um acto revolucionario.

Não se contentou porém com isto o actual governo. Fez uma reforma ainda mais elegante. Declarou todos os pares de nomeação real! Os electivos foram postos completamente de parte, tratando-se alias de uma assembléa, encarregada de fazer leis para governar um povo livre!

O ministerio acabou com a eleição para melhor affirmar o prestigio das instituições!

Hoje para augmentar o prestigio das instituições não ha nada como declarar os legisladores de nomeação real!

Os srs. ministros collocaram a nação portugueza abaixo do que era a nação brazileira ha setenta annos!

Deram Portugal como mais atrazado em 1896 do que estavam os brazileiros em 1824!

No Brazil o senado foi desde 1824, isto é, desde a primitiva, electivo.

Em Portugal a camara dos dignos pares é em 1896 toda de nomeação regia!

É para affirmar a auctoridade real?

Mas a auctoridade real não é fim nos governos representativos, é meio. Não serve senão para exercer as funcções, que a carta lhe prescreve no interesse do paiz.

A auctoridade real não tem outra missão senão manter os poderes politicos dentro da sua orbita, quando entre elles se manifeste qualquer desequilibrio.

A intervenção da auctoridade real é essencialmente passiva.

O poder moderador não promove conflictos, nem se sobrepõe aos outros poderes do estado. Pelo contrario. Levantada lucta entre o governo e a camara dos deputados ou a camara dos purés, ou entre a camara dos deputados e a camara dos pares, intervém, não para substituir qualquer das entidades politicas, mas sim para conter cada uma dentro dos limites da sua esphera.

A missão, pois, da auctoridade real é muito circumscripta.

Nos povos, que querem ser livres, e que sabem ser livres, não ha outra soberania senão a da nação, a qual deve ser sempre subordinada a auctoridade real.

Esta doutrina liberal não é contraria ao espirito da carta. A carta apesar de não ser um modelo de liberdade, é a primeira a reconhecer que o Rei e as côrtes geraes são apenas representantes da nação portugueza. A nação não representa o Rei. O rei é que representa a nação.

O governo, pelo contrario, quer concentrados todos os poderes na auctoridade real, para os ter a sua disposição.

É o caminho para o governo absoluto que eu condemno com todas as minhas forças!

A auctoridade real já tem, pela carta, o direito de adiar as côrtes geraes, de dissolver a camara dos deputados, e de annullar assim os poderes conferidos pelo povo, o direito de nomear e de demittir livremente os ministros d'estado, e até o direito do inutilisar a acção do poder judicial com a faculdade do perdoar e de amnistiar que em alguns paizes é funcção dos representantes da nação.

Pois os srs. ministros julgavam poucas todas estas attribuições para engrandecer o poder real, e deram ainda a auctoridade real o direito de promulgar decretos com força de lei!

Criaram tambem os celebres decretos dictatoriaes uma commissão, que, em vez de ter competencia simplesmente para apresentar um projecto de lei, a fim de harmonisar as divergencias entre as duas camaras, como era pela legislação anterior, delibera e decide, como se fóra um dos poderes do estado!

É a alteração completa da carta no sentido dos velhos principios reaccionarios!

Pelos decretos liberticidas, sujeitos ao debate, levantada a lucta entre a camara dos pares e a camara dos deputados, se a corôa optar pela resolução da camara dos pares, isto é, pela deliberação da assembléa pela mesma corôa escolhida, fica a camara dos deputados perfeitamente exautorada, e o povo completamente excluido da gerencia dos negocios publicos!

Ao menos são logicos os srs. ministros. No no seu caminho. Estão esphacelando um por um os principios liberaes.

Creio ser esse o seu pensamento constante. A qualidade de coherentes não lh'a nego. Tem havido dictaduras, representando a usurpação das faculdades ordinarias do poder legislativo. Mas ainda não tivemos governo que se atrevesse a tocar nos poderes constitucionaes, mesmo nas occasiões mais graves para a nação. Foram substituidas umas por outras varias constituições, por meio de revoltas militares e populares, mas sem mutilação.

A revolução de 1836, por exemplo, não fez uma constituição quando poz de parte a carta. Adoptou uma outra constituição, a de 1822, que tinha sido livremente votada pela nação. Os Cabraes derrubaram em 1842 a constituição de 1838, mas substituiram-n'a pela de 1826. A revolução do marechal Saldanha, em 1851, tambem não tocou nos poderes politicos da carta, nem nos direitos individuaes, e apenas permittiu ao governo legislar para o ultramar, em caso urgente, mas para serem submettidas ás côrtes, logo que reunidas fossem, as providencias tomadas.

Não houve um só governo n'este paiz, e poucos ministros tem havido que não tenham sido dictadores, que tocasse nos poderes constitucionaes! Mas para que foi tudo isto?

Porque entrou o governo n'um caminho tão violento o tão escabroso, tão fóra de todas as indicações constitucionaes e parlamentares?

Quaes foram os resultados de uma dictadura constante, com a subversão, não só das leis ordinarias, mas das leis organicas e constitucionaes? A anarchia por toda a parte.

Estamos em dictadura permanente, e em permanente suspensão de liberdades!

Esta suspensa a liberdade de imprensa na India! N'aquella infeliz terra portugueza até se marcou o preço dos generos! Não permitte a constituição suspender as garantias senão por tempo determinado, e na India estão suspensas por tempo indefinido!

Em Lisboa, na propria capital do reino, estão sujeitos a censura previa um ou dois jornaes! Até com as camaras abertas o governo se atreveu a atacar os direitos da imprensa! Chegou a perfeição de dispensar os tribunaes! É a propria policia quem profere sentença contra as gazetas da opposição!

Em Portugal hoje impera o arbitrio dos ministros. O systema representativo foi suspenso.

Mas as ambições do gabinete vão mais longe. Agora quer arrastar a camara a dictadura, chamal-a a confirmar providencias constitucionaes, sem ella ter poderes para isso! É certo que o governo, no decreto convocatorio dos collegios eleitoraes, auctorisou os eleitores a conferir poderes constituintes aos seus eleitos.

Mas o governo não tinha faculdade para tanto. Só as côrtes em lei ordinaria podiam auctorisar a outorga d'esses poderes.

As providencias dictatoriaes do gabinete anniquilaram

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APPENDICE A SESSÃO N.° 15 DE 28 DE JANEIRO DE 1896 116-G

completamente as liberdades politicas porque tiraram ao povo, para o dar ao Rei, o direito de legislar!

Pelas medidas liberticidas do gabinete, levantado conflicto entre as duas camaras, promulga o Rei decretos com força de lei, conformando-se com a opinião de uma ou de outra das assembléas legislativas, projecto que entre nós não foi conhecido, nem no tempo de D. Miguel!

Em 1828 reuniram-se em casa do duque de Lafões muitos grandes do reino para pedir a D. Miguel que se declarasse rei absoluto. D. Miguel, que tinha grande queda para o absolutismo, acceitou de bom grado essas manifestações.

Mas agora os srs. ministros entraram desassombradamente no caminho de sacrificar os direitos e a auctoridade da soberania nacional, sem reclamação de ninguem, por sua unica e exclusiva vontade!

Até agora ninguem pediu a restauração das instituições de D. Miguel!

Não sei a sorte que espera similhante providencia. Mas o que sei é que um povo liberal, se quizer continuar a ser regido pelo systema representativo, não póde depositar nas mãos do Rei a missão de legislar!

Ámanhã outro governo de força rasga tambem a carta constitucional, e de sua conta improvisa uma lei eleitoral, e uns eleitores, a quem manda conferir poderes constituintes, e cada ministerio fará uma constituição!

A primeira obrigação dos governos é dar exemplo de cordura e de respeito ás leis, sem o que toda a organisação social será perfeitamente inutil!

Mas aqui não ha só falta do homenagem ás reclamações da opinião publica e aos principios da soberania nacional.

Ha ainda um retrocesso politico, comparada a providencia dictatoral com os preceitos das nossas leis vigentes.

Fizeram mais os srs. ministros. Dispensaram o concurso do parlamento para a vida do ministerio! De ora em diante não precisam os governos de maioria nem n'uma nem n'outra casa do parlamento.

Se as côrtes não votarem o orçamento do estado em tempo opportuno fica ignorando o anterior até nova approvação parlamentar, quando a votação annual dos impostos, e a determinação da sua applicação ás despezas legaes, era a unica arma efficaz de que dispunham as côrtes para sustentarem ou combaterem os gabinetes conforme os interesses do paiz!

Disse o preciso para justificar perante a camara o meu voto de rejeição do bill.

Mando para a mesa duas propostas, para, que a camara, quando resolva approvar o parecer da illustre commissão, não deixe no nosso codigo, nem nas nossas leis modernas, o que mesmo as lei antigas já repelliam. Refiro-me a dois pontos: reforma da policia e codigo penal militar.

A proposta relativa - a reforma policial é emenda ao § unico.

(Leu.)

Este assumpto é dos mais graves e dos mais offensivos das liberdades populares.

Pouco importam as liberdades politicas, se não tivermos asseguradas as liberdades individuaes!

Que importa que se reunam côrtes geraes, e que qualquer par ou deputado possa, no pleno usei do seu direito, perguntar a um ministro porque esta retido qualquer cidadão na cadeia, se o ministro póde responder que está retido ás ordens de uma auctoridade independente, que o póde conservar na cadeia por tempo indefinido?

Deverá a camara deixar consignado na lei este attentado contra as liberdades populares, e com offensa gravissima ao direito publico moderno?

A outra proposta diz assim:

(Leu.)

Sr. presidente, abolimos pelo acto addicional á carta em 1852 no continente a pena de morte nos crimes politicos; e o decreto de 9 de junho de 1870, que 6 da minha responsabilidade, ampliou essa disposição civilisadora e humanitaria ao ultramar.

Tambem abolimos a pena de morte nos crimes civis.

Começou essa abolição pela dimiuação na camara dos deputados da verba do orçamento destinada ao carrasco, e mais tarde, em 1867, foi riscada aquella pena da legislação criminal, que já desde 1844 se não executava no continente e apenas algumas vezes no ultramar.

Decorridos já quarenta e quatro annos depois da promulgação do acto addicional a carta, quer a camara, que representa directamente o povo, consignar de novo nas paginas da legislação criminal a pena de morte para os crimes politicos!

Sr. presidente, um dos titulos que habilitava o nosso paiz a ser considerado la fóra como a Bélgica do occidente era ser contado entre aquelles que tinham riscado das suas leis a pena de morte para os crimes civis e para os crimes politicos! Agora vae ser restaurada a pena de morte nos crimes politicos!

Quer o governo arrancar ás paginas da nossa legislação uma gloria que nem todos os cantões da Suissa podem invocar, e com que não podem ufanar-se muitos dos povos mais civilisados da Europa?

Mas o governo não se contenta com decretar a pena de morte para os crimes politicos. Vae mais longe. Entrega a imposição da pena a tribunaes marciaes, arrastando para ahi militares e paisanos!

Se esta monstruosidade for de novo consignada na nossa legislação, ficara ahi em nome do governo, e em nome das cortes, mas nunca em nome da nação!

Tenho dito.

O sr. Dias Ferreira: - E fim de sessão, e eu não quero cansar a attenção da camara. Massa assembléa ha de comprehender que não posso ficar silencioso diante do discurso acrimonioso e violento do sr. presidente do conselho, proferido sem provocação nenhuma da minha parte.

Segundo os meus habitos e tradições parlamentares não me referi a um ministro em especial, não me dirigi a nenhuma individualidade. Tratei a questão politica na altura que pude, e chamei o gabinete ao terreno das suas responsabilidades. O sr. Hintze Ribeiro proclamou a assembléa que a minha oração era só para effeitos rhetoricos, que eu era palavroso e pouco forte em argumentos, e não sabia precisamente o que estava no codigo de justiça militar.

Mas que necessidade tinha o sr. presidente do conselho de dizer, na minha cara, e na presença d'esta respeitavel assembléa, que eu era palavroso?

Um orador como o sr. presidente do conselho, que é eloquente, incisivo e cortante, que em cada palavra exprime um pensamento elevado, que não conhece a successão dos synonyinos, nem a multiplicidade dos adjectivos, devia ser mais generoso com quem não possue tão altos predicados!

Mas não foi por via da fórma dos discursos que eu pedi a palavra. Foi para pedir ao sr. presidente do conselho explicação de umas phrases que me pareceram uma insinuação, que eu não deixo ficar de pé.

Combati a reforma eleitoral com o fundamento de que não tivera outro fim senão arrancar aos collegios eleitoraes o direito de votar e pôr nas mãos do governo a faculdade de eleger.

O sr. presidente do conselho respondeu-me que, apesar d'isso, eu tinha assento na assembléa!

Que quer isto dizer?

Que significam essas palavras vindas de tão alto?

Eu não estou aqui por favor do governo.

Fui apresentado aos votos populares por um amigo

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116-H DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

meu, e a influencia d'elle devo a minha entrada n'esta casa.

O sr. Ministro do Reino (João Franco): - Apoiado.

O Orador: - O apoiado do sr. ministro do reino é um desmentido cruel a insinuação imprudente e inexacta do sr. presidente do conselho!

Eu nunca sai do meu logar nem dentro nem fóra do governo.

Mantenha-se tambem o sr. presidente do conselho no seu logar, que é essa a sua obrigação, e dirija-se a quem occupa a posição que eu tenho nesta casa na altura que lhe impõem os devores do cargo, mesmo para não soffrer desmentidos dos proprios collegas, que são humilhantes para a dignidade do poder!

N'um dos ultimos dias da minha administração um dos primeiros oradores das nossas assembléas politicas, de quem sempre fui amigo, e por quem ainda hoje conservo a mais subida consideração e a mesma amisade, disse-me na outra casa do parlamento as ultimas cousas.

Pois eu respondi-lho como responde um chefe de gabinete, mantendo elevada, tanto quanto eu podia, a discussão politica!

Mas o caso agora era outro.

Discuti a politica do gabinete sem referencias pessoaes a ninguem, respeitando os melindres o os direitos de todos.

O sr. presidente do conselho, collocado como está n'uma falsa posição, disse quanto lhe veiu a cabeça, offendendo tudo e todos!

Confesso que não estava preparado para ouvir ao primeiro ministro da corôa, na presença da primeira assembléa da nação, que o governo tinha dissolvido á camara dos deputados e feito uma nova lei eleitoral, para que de novo não voltasse a camara a mesma opposição!

Aqui não ha só o contrasenso nos debates. Ha a violencia aberta a constituição fundamental e a soberania da nação!

Quem decreta o numero dos deputados da opposição não são os ministros, são os eleitores!

Se querem governo absoluto puro, façam-no francamente. Não trepidem, porque mo parece que não encontrarão resistencia!

Não quero renovar a discussão. Nem eu, quando primeiro usei da palavra, apreciei todos os attentados contra as liberdades.

Eu não podia discutir tudo. Discuti apenas o necessario para justificar o meu voto sobre o bill de indemnidade. Nem ao governo compete delimitar o terreno da discussão. Eu hei de discutir o que quizer o quando quizer, mantendo-me no uso liberrimo do meu direito.

Referi-me a questão da India e a questão da censura previa a imprensa politica, porque os assumptos são da mais elevada importancia, e porque n'estes casos, como em tudo, os srs. ministros estão fóra da lei.

O sr. presidente do conselho, que não podia defender-se, recorreu ao velho systema das retaliações, procurando fazer o confronto entre a actual administração e a minha, o disse que eu teria de sentar-me ao lado d'elle como réu.

Está enganado. Não ha nem um acto de dictadura praticado pelo ministerio a que presidi, a não ser na questão da credores externos, e talvez na questão urgentissima do credito agricola.

Não é o sr. presidente do conselho capaz de apontar providencias dictatoriaes durante o governo do anterior ministerio.

E, se algumas providencias dictatoriaes foram promulgadas na gerencia d'aquelle gabinete, era obrigação dos srs. ministros trazel-as a discussão parlamentar para serem confirmadas ou rejeitadas.

Em todo o caso não podem, por fórma alguma, confundir-se as duas administrações. A anterior foi economica até a severidade, o extremamente respeitadora das liberdades populares. Na actual as despezas vão num crescendo sem limites, e as liberdades populares estão quasi todas confiscadas!

Estou prompto para o confronto dos nossos processos governativos. Mas não é necessario entrar n'esse debate. O paiz sentirá, e já vae sentindo, as differenças no governo dos dois ministerios!

Não concluirei sem me referir especialmente ao grande crime, que o sr. presidente do conselho me imputa, de não ter pago integralmente aos credores.

Pois foram os actuaes ministros, o outros da mesma linha, que tiveram a rara habilidade de me legar deficits de 16:000 contos de réis, que eu reduzi a 3:000, que ainda têem a coragem e o desembaraço de lançar-me em rosto que eu fiz bancarota, e que não paguei integralmente aos credores!?

Com que havia do eu pagar se encontrei devorados os haveres do thesouro?!

Quem fez a bancarota foi quem arruinou os contribuintes e a nação!

Quem principalmente fez a bancarota foram os ministros regeneradores e os seus cumplices, que ha largos annos têem exercido, como monopolio, o poder, accumulando deficits sobre deficits e seguindo, a marchas forçadas, para um grande desastre nacional!

Vi-me forçado a praticar actos violentos que feriram os interesses dos credores e os vencimentos do funccionalismo, unicamente para remediar os erros dos meus antecessores!

Mal se comprehende como diante d'estas verdades irrefragaveis o sr. presidente do conselho, longe do vergar sob o peso das suas responsabilidades, que são enormes, venha ainda provocar n'uma assembléa parlamentar em que a opposição é tão diminuta!

Concluo, dizendo a camara e ao paiz:

1.° Que exceptuando a medida relativa aos credores externos, que já está legalisada, ou talvez alguma providencia sobre fomento pelo ministerio das obras publicas, não foram publicados actos de dictadura pelo gabinete a que presidi.

Se o sr. presidente do conselho sabe de alguns queira apontal-os, que a resposta será prompta.

2.° Que se mo coube a sorte de fazer a reducção dos juros da divida publica fui a isso forçado pelas despezas violentas e sempre crescentes, na maxima parte feitas por ministérios regeneradores, que nada se incommodavam com o augmento dos encargos do thesouro!

Mas boa ou má, que fosse a redacção, o corte é que o pão que os srs. ministros têem comido n'essas cadeiras a mim o devem!

Fui eu quem lhes proporcionou o goso tranquillo do poder durante este triennio!

Tenho concluido.

O redactor = Lopes Vieira.

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