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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

condições favoraveis aos concessionarios (leu). Diz isto o sr. dr. Bocage, voto auctorisadissimo na questão sujeita, e que com mais competencia tem escripto sobre a materia e o que praticamente a tem tambem estudado, porque foi a favor d'este concessionario que o governo celebrou o primeiro contrato sobre ostricultura.

Permitta-me a camara, pois, que eu declare que me não associo a este monopolio; aquelle de que eu tenho medo é do que concedemos á incuria e ao desleixo não promovendo o racional desenvolvimento d'esta industria, e permittindo a barbara destruição dos seus elementos sob a falsa applicação do principio de liberdade. Sob a influencia d'este fatal principio é que temos por longo tempo conservado as extensas charnecas que constituem logradouros publicos, que tão pouco aproveitam a quem os logra, e que tão nocivos são ao desenvolvimento da nossa agricultura (apoiados). Contra isto é que eu protesto e que sempre protestarei emquanto occupar esta cadeira, ou emquanto tiver assento na outra casa do parlamento, com toda a energia das minhas faculdades.

D'este monopolio é que eu me arreceio, e a este é que eu tenho verdadeiro horror. Não é por este meio que assegurâmos o pão quotidiano a essa desgraçada classe social tão desfavorecida da fortuna, e nem assim mesmo esquecida do fisco, a esses desgraçados cujo unico capital é a vida, como tão sentenciosamente disse o illustre deputado o sr. Barros e Cunha, a vida que constantemente arriscam no incessante lutar com as ondas, d'onde nem sempre arrancam o magro sustento de suas familias. Para essa classe, não nos illudamos, a realisação da empreza que por este contrato tenta o concessionario, assegurava-lhe de certo beneficios que no estado actual a industria da pesca das ostras lhe não póde fornecer.

As vantagens d'esta empreza, diz o sr. Bocage, cuja auctoridade invoco de novo, vão incidir na maxima parte na classe mais desfavorecida. Para a creação de um parque de 4 hectares é necessario despender 24:699 francos, o seu custeio importa 4:085 francos e pede 1:866 dias de trabalho. A limpeza das ostreiras naturaes, o estabelecimento das artificiaes, os reservatorios e parques de engorda que é necessario fundar, são outras tantas fontes de trabalho e portanto de riqueza para as povoações do litoral onde taes concessões se permittem.

Não proclamemos, pois, contra uma industria nova, apenas porque para que se estabeleça necessita de um exclusivo, que não é mais do que a consagração de propriedade na pessoa que á custa de seus capitães e trabalhos a funda. Se ha deslocação de interesses, tem a sua justificação na satisfação de um grande interesse geral, que pede que, a exemplo de outros paizes onde a industria ostreira tem tomado grandes proporções, tratemos de aproveitar, dirigir e fecundar os elementos que para ella se dão no nosso paiz. Argumentar contra ella por essa deslocação de interesses, é o mesmo que protestar contra o vapor applicado á navegação, por causa da protecção dispensada aos barcos de véla, ou contra o caminho de ferro, por causa da protecção dispensada aos barcos a vapor. Assim ainda teriamos a navegar no Tejo aquelles vapores, que o nosso immortal litterato ha pouco citado pelo meu nobre amigo, mandava ha já annos caranguejar para as lamas. Com argumentos d'esta ordem, nunca votariamos senão subordinando as questões á consideração de interesses muito pequenos.

Repito, eu não creio que, a não se fazer o que se fez, se podesse fazer outra cousa.

Diz-se que este monopolio entregue a um particular é horroroso. Mas qual é a idéa que se tem em vista quando se diz isto?

Que se diria de um governo que tivesse a audacia de pedir ao parlamento os meios necessarios para praticar uma das cousas que lá fóra se tem praticado com applauso da sciencia, e com fecundos resultados; para fazer um arremedo, um arremedo apenas do que se tem feito em França ou em Inglaterra.

Pois ha governo algum que se atreva a pedir um subsidio, e qualquer subsidio para uma despeza d'essas, hoje que confundimos as despezas productivas com as improductivas, hoje que estas considerações actuam sobre o espirito de todos os homens publicos? Não póde ser.

Eu não quero abusar da paciencia da camara, e agradeço-lhe a benevolencia.

A hora já deu, e vou concluir as minhas observações.

Sr. presidente, eu entendo que este contrato, approvado que seja, não póde ter as consequencias que a muitos se afiguram que terá. Não creio tambem que seja um grande presente que façamos ao concessionario, de cujo nome me não lembro (apoiados), e que quizera mesmo que não acudisse tão facilmente n'esta questão á maneira das ostras.

Esta concessão na minha opinião não importa ao concessionario um grande beneficio, e pela minha parte declaro que se houvesse sancção para o não cumprimento d'este contrato, creio que difficilmente o concessionario encontraria a quem o cedesse. Eu por mim se elle m'o offerecesse não o aceitava; dir-lhe-ía — Timeo danaos et dona ferentes. Vejâmos pois as cousas como ellas são.

Parece que se tem querido dividir a camara em dois partidos: a camara que aceita, acata e respeita o monopolio; e a camara que protesta contra elle.

Isto não póde ser, e pede a verdade que se diga que não deve ser.

Concluo agradecendo a benevolencia da camara, e pedindo-lhe desculpa de haver passado já a hora, tomando por tanto tempo a sua attenção (apoiados).

(O orador não foi distinctamente ouvido da banca dos tachygraphos, principalmente na ultima parte do seu discurso.)

Vozes: — Deu a hora.

O sr. Presidente: — Como já deu a hora em que costumâmos findar os nossos trabalhos, vou encerrar a sessão.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quasi quatro horas e meia da tarde.