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SESSÃO DE 28 DE MARÇ0 DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Snmmario

Apresentação de requerimentos, representações e notas de interpelação — Incidente relativo á juncção da alfandega municipal com a alfandega de Lisboa — Incidente entre o sr. Rodrigues de Freitas e o sr. presidente do conselho de ministros ácerca dos negocios da companhia do caminho de ferro de norte e leste. — Ordem do dia: Continuação da discussão das propostas de adiamento do projecto n.º 20 — Julga-se a materia discutida, e são rejeitados os adiamentos — Discussão, que ficou pendente, da generalidade do projecto n.º 20.

Chamada — 49 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Osorio de Vasconcellos, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Sousa de Menezes, Antonio Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Francisco Pereira do Lago, Francisco Coelho do Amaral, Pinto Bessa, G. Quintino de Macedo, Freitas e Oliveira, Palma, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Rodrigues de Carvalho, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Camara Leme, Affonseca, Marques Pires, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Pedro Franco, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs.: Pereira de Miranda, Antonio Augusto, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, A. M. Barreiros Arrobas, Pequito, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Eça e Costa, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Barros Gomes, Jayme Moniz, Santos e Silva, Ulrich, Pinto de Magalhães, Gusmão, Dias Ferreira, Elias Garcia, José Luciano, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Mendes Leal, D. Miguel Pereira Coutinho, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros.

Não compareceram — os srs.: Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Anselmo José Braamcamp, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Cau da Costa, Conde de Villa Real, Costa e Silva, Van-Zeller, Silveira da Mota, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Moraes Rego, J, M. dos Santos, Lopo de Sampaio e Mello, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

1.ª Dos alfaiates de medida com estabelecimento, reclamando contra a proposta de lei do governo, sobre contribuição industrial.

2.ª Dos caixeiros de balcão e marçanos do Porto, no mesmo sentido.

3.ª Dos donos de estabelecimentos de moveis e objectos funerarios e armação de igrejas, pedindo que a mesma proposta de lei não seja approvada na parte que diz respeito á sua classe.

4.ª Dos emprezarios de açougues, representando contra o augmento da taxa da sua classe, estabelecido na referida proposta de lei.

5.ª Dos ferreiros e serralheiros, no mesmo sentido.

6.ª Dos mercadores de pianos, pedindo que o seu gremio seja conservado na 4.ª classe.

7.ª Dos tendeiros do Porto, pedindo que a taxa do seu gremio não seja augmentada.

8.ª Dos merceeiros do Porto, pedindo que o seu gremio continue a pertencer á 5.ª classe, com a taxa que actualmente paga.

9.ª Da camara municipal do concelho de Vouzella, pedindo compensação do desfalque que aquelle concelho soffreu pela desannexação da freguezia de Bodiosa.

10.ª Dos caixeiros de balcão de Lisboa, reclamando contra a supradita proposta de lei do governo.

11.ª Dos commerciantes de tecidos de algodão por grosso e miudo, no mesmo sentido.

12.ª Da associação commercial de Coimbra, no mesmo sentido.

13.ª Da direcção da companhia de carruagens lisbonenses e dos donos de estabelecimentos de trens de aluguer, pedindo que seja excluido da mesma proposta de lei o imposto sobre os trens aturados.

14.ª Dos droguistas, pedindo que a mesma proposta de lei não seja approvada na parte que lhe diz respeito.

15.ª Dos mercadores de ferragens novas, reclamando contra a mesma proposta de lei.

16.ª Dos fabricantes de esteiras, pedindo que o seu gremio não seja incluido na 4.ª classe.

17.ª Dos confeiteiros e refinadores de assucar, pedindo que a mesma proposta de lei não seja approvada.

18.ª Dos padeiros de Setubal, pedindo que a dita proposta de lei não seja approvada na parte que diz respeito á sua classe.

19.ª Dos caixeiros de fóra, do Porto, no mesmo sentido.

20.ª Da direcção da associação commercial do Porto, contra a mesma proposta de lei.

21.ª Dos commissarios de mercados publicos, no mesmo sentido.

22.ª Dos administradores de pharmacias, no mesmo sentido.

23.ª Dos ourives, no mesmo sentido.

24.ª Dos encadernadores, no mesmo sentido.

25.ª Dos marceneiros do Porto, pedindo que a taxa que pagam actualmente não seja augmentada.

26.ª Dos fabricantes de objectos de cobre de pequenas dimensões, no sentido da antecedente.

27.ª Dos fabricantes e mercadores de moveis de ferro, contra a excessiva taxa que lhes é imposta pela nova proposta de lei de contribuição industrial.

28.ª Dos capellistas, sem objectos de modas, no mesmo sentido.

29.ª Do centro pharmaceutico portuguez, no mesmo sentido.

30.ª Da camara municipal do concelho de Chaves, pedindo a interpretação da carta de lei de 22 de junho de 1846.

31.ª Da camara municipal do concelho de Borba, contra algumas disposições da proposta de lei de reforma administrativa.

32.ª Da camara rannicipal de Campo Maior, pedindo alteração na lei de 6 de junho de 1864.

33.ª Dos empregados do governo civil do Porto, pedindo que na proposta de lei de reforma administrativa lhes seja concedida aposentação.

34.ª Do centro promotor dos melhoramentos das classes

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laboriosas, reclamando contra as medidas tributarias apresentadas pelo governo.

Foram todas enviadas ás commissões respectivas.

Notas da interpellação

1.ª Desejo interpellar o sr. ministro da fazenda, Sobre os motivos que obrigaram o governo a mandar suspender o pagamento das quotas aos escrivães de fazenda do districto de Lisboa, pertencentes á cobrança do mez de fevereiro, com excepção dos escrivães de fazenda da comarca de Setubal e dos bairros de Lisboa.

Sala das sessões, 27 de março de 1871. = 0 deputado por Silves, João Gualberto de Barros e Cunha.

2.ª Requeiro que seja prevenido o dignissimo ministro dos negocios da justiça, de que desejo chamar a attenção de s. ex.ª sobre a necessidade de providenciar, com urgencia, ácerca dos prejuizos e transtornos que tem resultado aos povos da lei de 1 de julho de 1867, que extinguiu o circulo de jurados na cabeça dos julgados ordinarios.

Sala das sessões, 27 de março de 1871. = O deputado pelo circulo de Extremoz, Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

3.ª Desejo ser inscrípto para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado do districto da Guarda, com relação á viação publica do mesmo districto.

Sala das sessões, 27 de março de 1871. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 22 (sessão legislativa de 1866), pelo qual é concedido o habito da ordem militar de S. Bento de Aviz aos picadores militares que, tendo a graduação de Capitão, contarem vinte annos de serviço effectivo no exercito sem nota alguma e com boas informações.

Sala das sessões, 27 de março de 1871. = O deputado pelo circulo de Extremoz, Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

A commissão respectiva.

O sr. Pedro Franco: — Mando para á mesa uma representação dos fabricantes de pão do concelho de Belem, pedindo que não se eleve a sua taxa a tão subido preço, porque, segundo a proposta do sr. ministro da fazenda, a taxa que lhes compete é elevada a 120 por cento, e elles dizem que não podem supportar tal augmento que, ou os fará acabar com a sua industria, ou irá affectar o consumo.

Peço a v. ex.ª que lhe mande dar o devido andamento, e publica-la no Diario do governo; e quando se tratar d'esta questão, eu direi o que se me offerecer a tal respeito.

O sr. Pinto Bessa: - Mando para á mesa uma representação dos fornecedores de carne verde, da cidade do Porto, contra a contribuição industrial.

O sr. Affonseca: — Mando para a mesa dois requerimentos, e peço sobre elles a urgencia, esperando que v. ex.ª lhes dê o destino conveniente.

O sr. Pereira do Lago: — Mando para a mesa dois requerimentos (leu).

Mando igualmente uma nota de interpellação (leu).

O sr. Pereira de Miranda: — Pedi a palavra para mandar para a mesa varias representações, que hoje me foram entregues, relativamente á contribuição industrial. Uma é da associação fraternal dos barbeiros, amoladores e cabelleireiros de Lisboa; outra é do industrial João Alfredo Dias, fabricante de tecidos de lã e algodão; outra é dos tanoeiros da cidade de Lisboa; outra finalmente é das sociedades anonymas com fim fabril.

Peço a v. ex.ª que mande dar a estas representações o mesmo destino que se tem dado á outras identicas.

Aproveito esta occasião para fazer uma declaração. Tendo-se dito n'esta casa e publicado na imprensa, que a Commissão do commercio e artes tinha dado com mais rapidez o parecer sobre um projecto que está em discussão, o não o tinha dado sobre outro identico, eu como membro da commissão declaro que não tinha conhecimento que á commissão fosse tal requerimento, por consequencia é mal cabida a accusação que se lhe fez.

Folgo de ver presente o sr. ministro da fazenda, para dirigir a s. ex.ª uma simples pergunta.

Creio que s. ex.ª acabou ha poucos dias de nomear uma commissão encarregada de limitar os quadros das duas alfandegas — municipal e alfandega grande de Lisboa. Isto dá-me a entender que s. ex.ª está na resolução de mandar executar o decreto que determinou a união d'estas duas alfandegas.

Desejava saber se esta resolução é definitiva da parte do nobre ministro, pois é uma juncção que julgo prejudicial e muito inconveniente (apoiados), não só para os interesses do municipio, que tenho a honra de representar n'esta casa, porque lhe póde coarctar direitos que mais tarde elle póde ter de rehaver os impostos do consumo, mas alem d'isso, porque de tal reunião não vem economia nenhuma ao serviço, antes se torna muito prejudicial a juncção d'aquelles dois estabelecimentos collocados em pontos distantes, soffrendo com ella desde já o commercio, e mais tarde os interesses da municipalidade de Lisboa. Esta é a minha opinião.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento da Silva): — O illustre deputado sabe muito bem que a juncção d'aquellas duas casas fiscaes foi suspensa em consequencia de se levantarem difficuldades para a execução d'ella; e uma das maiores, ácerca da qual mais viva discussão se suscitou, foi a respeito dos vencimentos e categorias dos empregados.

Nomeou-se uma commissão para examinar as difficuldades que apresentava a execução d'aquelle decreto, e essa Commissão tem de dar em breve o seu parecer.

Como o decreto está suspenso, já vê o illustre deputado que estas difficuldades juntas com os obstaculos que se apresentam para a juncção das duas alfandegas, podem actuar no espirito do governo para propor a sua revogação.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa uma representação de alguns contribuintes da cidade de Evora, que se queixam da elevação da taxa proposta pelo sr. ministro da fazenda, com relação á contribuição industrial.

Conforme têem seguido todos os outros srs. deputados, não farei considerações com relação a esta representação; comtudo noto que são muito para louvar os termos em que ella está redigida, e que contém uma verdade economica.

Dizem os representantes que estão promptos a contribuir com o que for necessario para o estado, mas que a elevação do imposto, quando venha a destruir as suas forças productivas, em logar de ser vantajosa, póde ser prejudicial para o mesmo estado.

O sr. Pedroso: — Desempenho-me de uma missão, para mim muito grata e honrosa, mandando para a mesa uma representação, que alguns dos habitantes do concelho de Grandola entenderam que deviam dirigir a esta camara, ácerca das medidas tributarias do sr. ministro da fazenda.

Contém ella phrases por vezes energicas e incisivas; entretanto contém verdades profundas, que eu, pela minha parte, desejava ver convertidas em lei, especialmente no que diz respeito á descentralisaçâo.

Aproveito este ensejo para perguntar a v. ex.ª se já foi communicada ao sr. ministro da marinha uma nota de interpellação, que tive a honra de lhe dirigir n'uma das sessões passadas, e da parte do sr. ministro já veiu a resposta, dando-se por habilitado a responder.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Já se fez á communicação, mas ainda não veiu resposta.

O sr. Pedroso: — Agradeço ao sr. secretario a resposta que acaba de dar-me.

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O sr. Rodrigues de Freitas: — Mando para a mesa uma representação dos guardas livros da cidade do Porto, os quaes, reconhecendo as necessidades da fazenda nacional, nobremente declaram que estão promptos a fazerem sacrificios para o melhoramento d'ella; mas têem por exagerada a taxa, que lhes é lançada pela proposta do sr. ministro da fazenda. E parece-me que têem rasão, basta dizer que pela referida proposta os guardas livros, ou primeiros caixeiros de terras de segunda ordem, têem de pagar 60$000 réia. Eu sei que esta taxa póde ser diminuida até ao decimo e augmentada até ao decuplo; mas, se esta taxa póde ser decuplada, isto é, de 60$000 réis, é porque se suppõe que alguns guardas livros ganham 6:000$000 réis. Ora, n'este paiz não ha guarda livros que ganhe similhante ordenado.

Se confronto esta taxa com a que se refere aos negociantes de grosso trato, vejo que elles tem de pagar 120$000 réis, taxa unicamente dupla da imposta aos guardas livros; e de certo não ha idéas correspondentes aos factos, quando se julga que os guardas livros ganham metade do que lucram os negociantes.

Felizmente o sr. ministro da fazenda já disse que não tinha duvida em aceitar modificações rasoaveis; e espero que s. ex.ª não deixará de aceitar os argumentos que os signatarios da representação n'ella expõem. O sr. presidente do conselho fez-me o obsequio de responder a algumas perguntas que hontem lhe dirigi concernentes a varios decretos que foram exorbitancias do poder executivo.

S. ex.ª fallou do decreto de 11 de abril do 1865 que regula o commercio de cereaes, mas ha outros a que me referi e de que não me recordo que s. ex.ª se occupasse.

Em 1870, pouco antes de se abrir o parlamento, foi publicado um decreto que elevava consideravelmente os direitos sobre a importação das farinhas estrangeiras; não discuto agora se esse decreto teve fundamento; o certo é que foi publicado, embora estivesse proxima a abertura da camara.

Decorreu já um anno e ainda não foi trazida ao parlamento proposta alguma para o legalisar; e s. ex.ª comprehende que a mudança de uma administração não importa a extincçao da entidade chamada governo.

Ácerca das pautas do ultramar já o sr. ministro da marinha deu explicações, as quaes agradeço a s. ex.ª

Pelo que respeita ao caminho de ferro, o sr. presidente do conselho, que era ministro das obras publicas na epocha em que se praticaram alguns actos contra as disposições do contrato, disse o que se passou, mas não basta a narração dos factos, é preciso que traga a esta camara uma proposta para o julgarmos perante elles; disse s. ex.ª hontem que quando os documentos vierem á camara poderei eu fazer um requerimento pedindo que vão á commissão de infracções.

S. ex.ª sabe que não é este o caminho a seguir, e que é s. ex.ª que tem de apresentar as propostas que a sua posição lhe manda apresentar.

Deus nos livre de que a observancia da constituição fosse de tão pouco interesse para os srs. ministros.

Provavelmente s. ex.ª não duvirá obedecer a esta prescripção constitucional, porque s. ex.ª mais de uma vez tem dito que respeita o parlamento quanto é possivel, e que não quer atacar as suas prerogativas. Devo dizer que s. ex.ª teve rasão para preceder como procedeu; mas ha grande differença entre ter rasão para praticar um acto e cumprir uma obrigação que a carta constitucional lhe impõe; e parece-me evidente que não ha direito de um ministro violar um contrato simplesmente por julgar que ha rasão importante para viola-lo.

Depois da violação de uma lei o ministro tem obrigação de apresentar um bill que, n'este caso, a camara não terá duvida de approvar.

Ainda me referirei a um negocio de que s. ex.ª não se occupou hontem, e ácerca do qual sei que s. ex.ª tem desejo de dizer algumas palavras.

Fallo do registo dos fóros; estando o parlamento fechado, e approximando-se o fim do praso para esse registo, o sr. ministro entendeu que devia proroga-lo; mas s. ex.ª creio que tem tenção de quanto antes trazer ao parlamento uma proposta a este respeito.

Espero que o sr. presidente do conselho de ministros dê algumas explicações que hontem, de certo por esquecimento, não deu.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Tenho a dizer ao illustre deputado que, com relação ao decreto para a prorogação do registo dos fóros, o governo ha de apresentar em poucos dias a esta camara uma proposta, não só para ser approvado o acto que o governo praticou e que saíu inquestionavelmente das suas attribuições ordinarias, mas para pedir ainda a prorogação de alguma das disposições d'esse decreto.

Em poucos dias, repito, o governo apresentará uma proposta a este respeito, e ficarão assim satisfeitos os desejos do illustre deputado.

Emquanto ao caminho de ferro, parece me que o illustre deputado está manifestando uma grande impaciencia e um desejo vehemente de aggredir o governo.

Eu não reconheci que tivesse violado a lei, o illustre deputado é que o diz, é opinião sua e que melhor poderá sustentar quando vierem á camara os documentos que pediu, e virão em poucos dias.

A este respeito expliquei o que fiz, mas não disse que entendia ter violado a lei, porque se o entendesse, é evidente que viria pedir á camara que me absolvesse d'esse excesso.

O illustre deputado entende que houve uma violação da lei, e eu entendo o contrario.

Na portaria, pela qual permitte a substituição provisoria de 2:000 toneladas de carrís do peso de 34 kilogrammas que estavam arruinados por carrís do peso de 35 kilogrammas, disse á companhia que esta concessão era provisoria, que a companhia tinha obrigação de cumprir o contrato, e que eu não a dispensava do cumprimento d'elle.

Permitta-me o illustre deputado que lhe diga que não comprehendo a sua insistencia. S. ex.ª pediu-me explicações: dei-lh'as, e prometti mandar para a camara os documentos que pedíra.

Tenho aqui alguns d'esses documentos, mas não os posso mandar para a mesa, porque ainda faltam outros que se estão tirando, e que espero virão em poucos dias.

Não sei pois que precisão tem o illustre deputado de estar todos os dias dando-me uma lição de direito publico constitucional, que não posso aceitar, porque tenho obrigação de conhecer os meus deveres como ministro. Tambem não sei que precisão tem s. ex.ª de sustentar accusações que não é capaz de provar, porque para isso carece da apresentação de documentos, que ainda não vieram á camara, e que não pôde por consequencia examinar.

O illustre deputado não comprehendeu de certo o meu pensamento, quando eu disse que s. ex.ª podia requerer que os documentos fossem á commissão de infracções. Estas expressões equivaliam a dizer eu, que estava tão convencido de que não tinha violado a lei que não tinha difficuldade era que este negocio fosse examinado pela commissão de infracções, a qual se conhecer que houve violação de lei póde propor a minha accusação. O illustre deputado póde fazer o mesmo se assim o entender.

Não quero cansar a camara, mas não posso deixar de ter alguns periodos da ultima representação que recebi da companhia, e da portaria que expedi fazendo a concessão, que é objecto das censuras do illustre deputado.

Nenhum ministro póde resignar-se a estar debaixo do peso de uma accusação tão violenta como a que o illustre deputado me dirige.

Prezo-me de conhecer as minhas obrigações como ministro, e de não faltar nunca aos meus deveres.

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«Senhor. — A companhia real dos caminhos de ferro portuguezes vem respeitosamente solicitar de Vossa Magestade que apesar de no seu contrato se achar estabelecido que a substituição dos rails que agora tem nas suas linhas, quando tenha de ser feita, o seja pelos de 37 kilogrammas por metro corrente, Vossa Magestade haja de permittir-lhe que por excepção possa substituir até 2:000 toneladas d'aquelles rails por outros do peso de 35 kilogrammas, para attender o mais breve possivel á urgente necessidade de fazer nas linhas os reparos que a segurança dos mesmos reclama.

«A companhia tem um contrato aberto com um dos melhores fabricantes da Belgica para fornecimento d'aquella porção de rails de superior qualidade, mediante o qual poderá começar a recebe-los dentro de dois mezes, se forem de 35 kilogrammas, e sómente dentro de quatro ou cinco se se lhe exigir que sejam de 37 kilogrammas. Esta grande differença de tempo para a entrega dos rails explica-se facilmente se se attender a que o fabricante tem feitos os laminadores do rail de 35 kilogrammas, que é o typo mais em uso na maior parte das linhas ferreas da Europa, e em particular em seis das linhas ferreas hespanholas, e ser-lhe-ha necessario fazer ainda os de 37 kilogrammas devendo ter-se presente que a construcção dos laminadores é mais morosa do que a operação de laminar os rails.»

O que acabei de ler é o principio da representação. Agora vou ler a portaria que expedi por virtude d'esta representação:

«Sua Magestade El-Rei, attendendo ao que lhe expoz a companhia real de caminhos de ferro portuguezes em suas representações, datadas de 31 do mez passado e 10 do corrente: ha por bem conceder-lhe a auctorisação que pede para adquirir uma porção não excedente a 2:000 toneladas de carris de 15 kilogrammas por metro corrente, para occorrer provisoriamente á substituição urgente dos carris arruinados; na intelligencia de que esta concessão não importa approvação de qualquer typo de carris de similhante peso, a qual não lhe póde ser dada, como já foi declarado em portaria de 21 de janeiro ultimo, nem a dispensa de opportunamente substituir todos os carris provisorios das linhas de leste e norte por carris de 37 kilogrammas por metro corrente, cumprindo por isso que a mesma companhia trate, sem perda de tempo, de submetter á apreciação do governo o modelo dos novos carris de 37 kilogrammas, e bem assim o systema por que hão de ser fixados, a fim de que, obtida a sua approvação, possa em tempo competente fazer as precisas encommendas para que a renovação da via seja executada nos termos do artigo 8.º do contrato approvado pela carta de lei de 5 de maio de 1860.

«O que, pela secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, se communica á companhia real de caminhos de ferro portuguezes, para sua intelligencia e devidos effeitos.

«Paço, em 11 de fevereiro de 1871. — Marquez d'Avila e de Bolama.

«Para a companhia real de caminhos de ferro portuguezes.»

Aqui está o acto que pratiquei, e em virtude do qual o illustre deputado está a insistir todos os dias, que eu violei a lei. Pelo contrario preveni a companhia de que se preparasse para cumprir as condições do seu contrato. Isto é uma questão sobre a qual se não póde improvisar.

A companhia pediu ao governo que lhe permittisse importar algumas 1:000 toneladas de carris do peso de 35 kilogrammas, para substituir os carris arruinados, allegando que hoje os processos para augmentar a resistencia do ferro são muito mais perfeitos do que eram no tempo em que esta condição foi prescripta, sendo possivel, note se bem, ter hoje rails de 35 kilogrammas que tenham maior resistencia do que teriam os de 37 no tempo em que este peso foi dado por condição.

Esta representação foi mandada á junta consultiva de obras publicas e minas, que consultou da maneira seguinte:

«A junta é de parecer que a titulo de experiencia se possa conceder a admissão de alguns milhares de toneladas dos carris que propõe para substituir os arruinados, e entretanto melhor se conhecerá a vantagem que poderá resultar para a empreza sem prejuizo do estado, para se proceder á alteração do contrato se assim o governo julgar conveniente, procedendo-se com a regularidade que é indispensavel em objecto de tanta gravidade.»

Apesar de uma opinião tão auctorisada indeferi o pedido da companhia. Veja v. ex.ª, veja a camara o escrupulo que tive n'esta questão, e se não é duro quando um ministro procura cumprir com este rigor as suas obrigações, que venha um illustre deputado, que não conhece a questão, porque não a póde conhecer, senão depois de ter estudado o contrato e ver todos os documentos; venha, digo, todos os dias lançar-lhe censuras, dizendo que violou a lei!

Pareceu-me que desde, o momento em que se permittisse a experiencia de que fallava a consulta, se dava a entender á companhia que se essa experiencia fosse favoravel se lhe havia de conceder a substituição da linha toda por carris de 35 kilogrammas; e entendi por consequencia que o governo não devia perder o direito que tinha de fazer substituir os carris de 34 kilogrammas pelos de 37, visto que o contrato assim o determinava, e com a clausula de serem da melhor qualidade.

Aqui tem v. ex.ª que se eu quizesse obsequiar a companhia, e creio que o illustre deputado não quer dizer tal, mas póde alguem julgar que eu estava fazendo os negocios da companhia e não os do estado; repito, que se eu quizesse obsequiar a companhia encostava-me ao parecer dos homens technicos da junta consultiva, e dizia: sim, senhor, queiram importar 2:000 toneladas de carris do peso de 35 kilogrammas, concedidos a titulo de ensaio, e depois veremos.

Veja v. ex.ª qual era a consequencia d'isto. O ensaio sabe Deus o tempo que levaria a fazer, o se a experiencia fosse favoravel a companhia já tinha um precedente para vir argumentar que, visto que o ensaio tinha sido favoravel, o governo podia consentir na substituição dos carris de 34 kilogrammas de peso, pelos de 35. Eu indeferi a representação feita, e em vista do indeferimento, a companhia veiu com a representação de que já dei conhecimento á camara, e que não posso resistir ao desejo de ler de novo (leu).

Agora já a companhia não veiu pedir que se lhe permittisse, a titulo de ensaio, esta substituição, mas veiu apresentar rasões mais fortes, taes como a necessidade urgentissima de substituir desde já os carris arruinados de 34 kilogrammas por carris de 35.

Eu disse á companhia — muito bem, em vista d'estas rasões concedo, mas

preparem-se desde já a cumprir o seu contrato. Mandem desde já os modelos dos carris de 37 kilogrammas de peso, para serem examinados e approvados, a fim de que a companhia possa fazer sem demora as encommendas necessarias para se habilitar a cumprir rigorosamente as condições do contrato.

Diz-me a consciencia que não violei nenhuma das condições do contrato, antes pelo contrario, prevenindo a companhia de que ella havia de cumprir religiosamente as condições d'elle, não me era necessario vir pedir nenhum bill de indemnidade, porque entendo que antes mereço louvores da camara, se é que os ministros, quando cumprem os seus deveres, merecem louvores. Mas ao menos censura é que eu julgava que não havia direito algum de se me fazer (apoiados); e censura é o facto de estar todos os dias a dizer-se aqui, que o governo violou a lei; sobretudo, repito, quando eu declarei que havia de mandar para a mesa os documentos todos, e não mando já estes, porque faltam alguns que me parece que são indispensaveis para que este negocio seja apreciado pela camara como deve ser.

E quando eu disse que o illustre deputado tinha direito

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de requerer que estes documentos fossem á commissão de infracções, parece-me que dei a prova mais completa da convicção em que estou de que não violei a lei.

Eu não quero dar lições, mas tenho direito de dizer que o illustre deputado labora n'um grande equivoco quando diz que não tem obrigação nenhuma de substituir a iniciativa do governo. Qual é o fim da iniciativa concedida aos membros do parlamento, a não ser o preencher a deficiencia da dos ministros? Pois supponha o illustre deputado que eu effectivamente deixei de cumprir um dever constitucional deixando de pedir um bill de indemnidade por um acto que tinha praticado; não tem o illustre deputado direito ou de requerer a minha accusação, ou de vir propor á camara que me absolva d'esse facto que pratiquei? E não fico eu collocado n'uma pessima situação se a camara entender que o illustre deputado fez essa proposta convenientemente, e que eu faltei por consequencia aos meus deveres deixando de a trazer á camara?

O paiz está a caír n'um abysmo, disse hontem o illustre deputado. Já hontem disse, e creio que disse bem, que se o governo for infeliz nas medidas que apresentar á camara para evitar essa grande catastrophe, a obrigação do illustre deputado, que vê esse abysmo aberto debaixo dos nossos pés, é vir apresentar as medidas que julgar indispensaveis para nos salvar d'esse perigo.

Diz o illustre deputado «eu não sou ministro». Peço licença para dizer que effectivamente a carta permitte a iniciativa parlamentar, e que a iniciativa parlamentar não é só para as questões de segunda e terceira ordem (não lhe quero chamar insignificantes, porque questão nenhuma que aqui vem é insignificante), mas é sobretudo para cousas mais altas.

Não sei se serei forçado ainda algumas vezes a fallar n'este assumpto; parece-me que sim, porque o illustre deputado gosta de vir todos os dias chamar a attenção da camara sobre o acto horrendo que pratiquei declarando eu á companhia do caminho de ferro que era obrigada a cumprir as condições do seu contrato, e que eu havia de obriga-la a cumpri-las. É o que consta dos documentos. Modere pois o illustre deputado a sua impaciencia, em poucos dias hão de vir as copias dos documentos que faltam, o illustre deputado examinará todos: eu entrego a minha causa ao juizo da camara, e diz-me a consciencia, pelo menos, que ella não ha de achar no meu procedimento nem apparencia de motivo para censurar o governo.

O sr. Mello e Faro: — Pedi a palavra para fazer uma declaração analoga á que fez o sr. Pereira de Miranda.

Na minha qualidade de membro da commissão de commercio e artes, assevero á camara que não tenho o menor conhecimento de que algum dia estivesse affecto ao exame d'aquella commissão qualquer projecto de contrato com referencia á concessão do sr. Faria Maia.

Vi por consequencia com grande surpreza n'uma das folhas da capital de hoje algumas palavras que poderiam importar uma tal ou qual suspeita sobre o procedimento da commissão a este respeito, e como não quero essa suspeita sobre mim, faço esta declaração, esperando que os meus collegas da commissão, cada um no que lhe diz respeito, se sirvam esclarecer a camara, a fim de que sobre a commissão não paire uma nodoa que seria pouco propria do caracter dos seus membros.

Aproveito a occasião, sr. presidente, para, se v. ex.ª m'o consente, dizer duas palavras com referencia a um objecto tocado hoje n'esta camara pelo illustre deputado, o sr. Pereira de Miranda, quando, dirigindo se ao sr. ministro da fazenda, lhe perguntou se o governo estava na resolução firme de fazer a juncção decretada das duas alfandegas, municipal e de Lisboa.

O sr. Pereira de Miranda parece entender que d'esta juncção póde resultar prejuizo não só para o serviço, como para os interesses da capital, porque segundo s. ex.ª póde mais tarde julgar-se conveniente que por outra fórma devam pesar sobre ella alguns dos encargos que actualmente a oneram, em consequencia dos impostos de consumo, e ser motivo de embaraço a essa transformação a juncção de que se trata.

O sr. ministro, respondendo ás perguntas do sr. Pereira de Miranda, disse que effectivamente havia uma commissão nomeada para tratar d'este assumpto, e que era possivel que do exame a que se entregasse essa commissão resultasse o convencimento de que esta juncção não podia fazer-se, e que n'esse caso traria s. ex.ª á camara uma proposta de lei para ser revogado o decreto que a determinava.

Em presença deste colloquio entre o illustre deputado por Lisboa e o sr. ministro da fazenda, julgo-me obrigado a dar á camara alguns esclarecimentos.

Na qualidade de membro da direcção da associação commercial de Lisboa, e como seu delegado, fiz parte de uma commissão a quem o governo incumbiu o exame dos serviços da alfandega de Lisboa e da municipal, e a indicação de todas as providencias que podessem simplifica-los e torna-los mais baratos.

No desempenho d'este encargo não teve a commissão duvida em apontar ao governo, como consta do seu relatorio, a conveniencia da juncção dos serviços d'aquellas duas casas fiscaes.

Mas, entenda se bem, e é bom que não haja equivocos a este respeito, a juncção dos serviços aconselhada pela commissão foi-o por fórma que esses serviços ficassem quanto possivel dentro do mesmo edificio, e sob uma só direcção superior. Propoz tambem a commissão que fosse elevado o emolumento de 2 por cento, que se cobrava então na alfandega municipal, a 3 por cento, como na alfandega de Lisboa, a fim de que do facto da juncção dos serviços e dos quadros não resultasse por um lado prejuizo para os empregados superiores da alfandega de Lisboa em proveito dos empregados de igual categoria da alfandega municipal, e pelo outro prejuizo para os empregados de menor categoria da alfandega municipal, em proveito dos de categoria igual na alfandega de Lisboa.

Este alvitre, a que a commissão, por motivo de justiça e de equidade, entendeu não poder furtar-se, foi adoptado pelo governo, unicamente na parte em que se tratava de elevar o emolumento de 2 a 3 por cento; de fórma que a importancia do emolumento, que orçava na alfandega municipal por 20:000$000 réis, elevou se, com o augmento de 1 por cento, a 30:000$000 réis.

Mas o que fez o governo? Aproveitando só uma parte da indicação da commissão, poz de lado toda a idéa de attender á posição dos empregados, e foi lançar 40 por cento sobre a importancia total dos emolumentos recebidos da alfandega municipal; quer dizer, levou para o cofre dos emolumentos os 10:000$000 réis correspondentes ao augmento de 1 por cento que a commissão lembrou, mas ao mesmo tempo tirou do cofre, não já os 10:000$000 réis que lhe tinha levado, mas 12:000$000 réis, que a tanto montam os 40 por cento dos emolumentos da alfandega municipal que elle decretou que fizessem parte da receita publica.

Eis-aqui a rasão por que se têem levantado tantos attritos contra a juncção decretada dos serviços d'aquellas duas casas fiscaes. Para realisa-la não ha impossibilidade nenhuma desde que sejam attendidos os interesses legitimos de alguns empregados, o que se não fez, devo dize-lo ainda, porque o producto do emolumento que devia ser destinado para este fim, foi, ao contrario, fazer parte da receita geral, dando assim logar a que a juncção se não podesse fazer sem prejuizo para muitos empregados.

Julguei dever pôr a camara ao corrente de todas as circumstancias, e estou prompto, se um dia nos occuparmos d'esta questão, a trata-la com toda a largueza, esperando então convencer os illustres deputados, que têem emittido opiniões em desaccordo com a minha, de que esse desac-

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cordo só resulta de não conhecerem bem estes factos, que eu pude apreciar pessoalmente.

Entretanto julgo poder assegurar-lhes desde já que só por não terem conhecimento d'esses factos é que chegaram a formar uma opinião que eu entendo que é menos funda da, porque, ainda uma vez direi, a juncção dos serviços das duas alfandegas, mantendo-se os 3 por cento de emolumentos para os empregados da alfandega municipal, não produz inconveniente nenhum, e, ao contrario, traz a vantagem de uma economia de 11:000$000 réis, como a commissão demonstrou no seu relatorio.

Tenho concluido.

O sr. Alcantara: — Pedi a palavra para mandar para a mesa quatro requerimentos dos capitães de cavallaria n.º 2, lanceiros da rainha, Roberto Higgs e Augusto Pinto de Moraes Sarmento, do capitão de cavallaria n.º 7, Miguel Rufino Alves, e do capitão de infanteria addido ao ministerio das obras publicas, Gregorio de Magalhães Collaço, os quaes, pelas rasões que apresentam, e que reputo de toda a consideração, pedem a esta camara que aucto rise o governo a que lhes faça extensivas, para o acto da reforma, as beneficas disposições da carta de lei de 17 de julho de 1855.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa uma nota de interpellação e um requerimento (leu-os).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte nota de interpellação (leu).

E aproveito esta occasião, em que estou com a palavra, para dizer tambem alguma cousa ácerca da juncção das duas alfandegas, na qual tanto se tem fallado.

Já na sessão passada eu suscitei algumas observações do sr. ministro da fazenda áçerca d'esta projectada juncção, a qual rejeito completamente por nociva aos interesses do fisco e aos interesses geraes da nação, e por haver uma completa incompatibilidade entre um e outro estabelecimento. Basta dizer que cada um d'elles está em edificios separados por grandes distancias, que os serviços são inteiramente distinctos, e ainda mais porque com essa juncção se vae atacar um principio sacratissimo qual é o representado pelo direito inconcusso e innegavel que assiste ao municipio de Lisboa de haver o que lhe pertence, o que é seu, o que lhe tem sido arrebatado por necessidades urgentes, mas que nunca podem invalidar um principio.

Não careço por agora de me alongar mais n'estas considerações, porquanto o sr. ministro da fazenda apresentou já algumas observações a este respeito, e alguns collegas meus que me precederam trataram perfeitamente o assumpto; mas se porventura for necessario tomar a palavra, hei de apresentar orçamentos, contas, todos os elementos emfim que forem necessarios, para mostrar que a projectada juncção nunca póde dar os resultados que alguem imagina, e principalmente o meu illustre collega e amigo o sr. Mello e Faro.

Tambem aproveito a occasião para, fazendo côro com o meu Collega e amigo o sr. Falcão da Fonseca, pedir á illustre commissão de instrucção publica, que dê quanto antes parecer ácerca de um projecto de lei apresentado pelo sr. presidente do conselho, que tem por fim a creação dos logares de agronomos districtaes. Entendo que a creação d'estes logares é essencial, e ha de concorrer poderosamente para o progresso e desenvolvimento da agricultura; e portanto estimaria muito que a illustre commissão de instrucção publica se desse pressa em satisfazer a este meu pedido (apoiados).

O sr. Dias Ferreira: — Tenho a honra de enviar para a mesa uma representação da associação commercial da cidade de Aveiro, que reclama contra a distribuição de algumas classes na tabella annexa á proposta de lei de contribuição industrial.

Igualmente mando outra representação de alguns carpinteiros e pintores de carruagens de Lisboa, em que tambem se queixam de ter sido alterada para mais a correspondente taxa de contribuição industrial.

Peço a v. ex.ª tenha a bondade de mandar dar a estas representações o destino conveniente, e que sejam impressas como está deliberado pela camara.

O sr. Santos e Silva: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação contra as taxas da contribuição industrial, assignada pelos donos dos estabelecimentos de moveis usados, denominados bazares.

Aproveitando esta occasião, permitta-me v. ex.ª, que diga duas palavras sobre um assumpto, que mais de uma vez tem aqui vindo á tela da discussão. Refiro-me á questão da união das duas alfandegas de Lisboa, sobre que acabam de discursar alguns illustres collegas meus.

A camara de certo deve estranhar, que eu não tenha ainda tomado a palavra n'este incidente, sendo empregado da alfandega de Lisboa, e resultando da juncção grandes prejuizos aos empregados d'esta casa fiscal.

Eu não estou habituado a defender os meus interesses no parlamento; por consequencia tenho-me limitado a assistir silenciosamente a este debate, que mais de uma vez tem aqui sido levantado. Hoje restrinjo-me a dizer a v. ex.ª, que estimaria e folgaria muito que o illustre ministro da fazenda não realisasse a decretada juncção d'aquellas duas casas fiscaes sem apresentar ao parlamento uma proposta de lei, em virtude da qual se resolva esta questão.

Não ha para mim duvida alguma, que s. ex.ª podia desde já fazer a juncção, sem intervenção do parlamento, porque está auctorisado por um decreto com força de lei, referendado pelo meu illustre amigo o sr. Braamcamp, no ultimo ministerio de que fez parte.

Entretanto o sr. Carlos Bento, apesar de auctorisado, entendeu que não devia fazer uso da auctorisação emquanto não ouvisse uma commissão, que s. ex.ª julgou conveniente nomear para com ella se aconselhar a respeito da conveniencia ou inconveniencia da juncção da alfandega municipal e da de Lisboa.

Ainda agora, respondendo s. ex.ª ás observações de um illustre deputado, declarou, se me não engano, que se a commissão lhe aconselhasse a conveniencia da união das duas casas fiscaes, s. ex.ª não teria duvida alguma em o fazer, e que se ella o não aconselhasse a dar tal passo, s. ex.ª então viria á camara propor modificações no decreto com força de lei de dezembro de 1869, a que já alludi.

Ora o que eu muito claramente peço a s. ex.ª é o seguinte: que não faça a juncção dos serviços e quadros das duas alfandegas, ainda que a commissão nomeada o instigue a dar tal passo, que tantas queixas e reclamações tem levantado. Não o deve fazer o sr. ministro, sem trazer primeiro a questão ao parlamento. S. ex.ª não póde nem é capaz de faltar á consideração devida a tantos collegas meus, que n'esta casa se têem pronunciado contra a juncção.

Resumo pois, e repito: o sr. ministro póde fazer a juncção, porque tem auctorisação para isso, mas não a deve realisar, sem trazer previamente a questão ao parlamento. Está moralmente inhabilitado para tomar tal resolução, sem ouvir detidadamente sobre a materia os srs. deputados, que se têem energicamente pronunciado contra a juncção. Nada mais por emquanto tenho a dizer, confiando que o sr. ministro da fazenda se dignará attender a estas minhas indicações.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa uma representação dos individuos que emprestam dinheiro sobre penhores pouco importantes da cidade do Porto, contra a proposta de lei de contribuição industrial, que com grave injustiça lhes triplica o imposto.

Peço a v. ex.ª que lhe mande dar o destino conveniente.

Aproveito a occasião para declarar que já outro dia disse aqui por parte da commissão de commercio e artes, que esta commissão ainda não tomou conhecimento da concessão feita ao sr. Bernardo Machado Faria e Maia, que lhe foi mandada com a proposta do governo para a approvação do con-

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trato de 16 de dezembro findo, depois de estar na camara este projecto.

Pouco depois fechou-se a sessão; em janeiro e fevereiro houve os adiamentos que a camara sabe, e agora em março ainda não póde haver reunião da commissão.

Por estas rasões é que ainda a commissão não tomou conhecimento d'aquelle assumpto.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Sr. presidente, ouvi com muita attenção as palavras que proferiu o sr. presidente do conselho de ministros, provavelmente tenho dito algumas cousas de que não me recordo agora, e tenho n'esta casa praticado actos de que não estou lembrado, porque s. ex.ª era incapaz de affirmar contra a verdade; entre as expressões de s. ex.ª ha uma que estranhei devéras, porque realmente não estou certo de ter feito isso de que s. ex.ª me arguiu.

O sr. presidente do conselho de ministros disse, que tinha toda a pressa em que seja julgado pela camara o acto que s. ex.ª praticou com relação ao contrato da companhia dos caminhos de ferro do norte e de leste; e acrescentou s. ex.ª, que, não ha nada mais triste do que estar todos os dias a ser arguido a este respeito.

Eu pergunto a s. ex.ª quantas vezes tenho feito a arguição?

(Áparte do sr. presidente do conselho de ministros.)

Não são tres ou quatro vezes, mas ainda que fossem tres ou quatro vezes, não podia s. ex.ª dizer que eu a tinha feito todos os dias.

Unicamente n'uma sessão fiz algumas observações a este respeito, e hoje respondi ao que s. ex.ª disse n'essa mesma sessão.

E chama a isto o sr. presidente do conselho de ministros grande pressa!.. E chama-se a isto arguir todos os dias o sr. presidente do conselho de ministros!..

A camara julgará se s. ex.ª expoz a verdade, ou se está tristemente illudido n'esta questão.

Eu narrei os factos, s. ex.ª se poder negue-os, se não poder approve a narração com o seu silencio.

Sinto muito que s. ex.ª dissesse que não sabia para que eu tinha pressa em tratar esta questão. As palavras de s. ex.ª foram as seguintes «esta insistencia não sei o que seja»; mas a insistencia não existe, portanto é escusado fazerem-se supposições a respeito d'ella; e se existisse, era a expressão do meu direito que s. ex.ª deve respeitar. Não titinha explicações a dar a s. ex.ª sobre tal proceder meu, porque estava no exercicio do seu direito.

Quando eu exorbitasse, estimaria muito ouvir as advertencias de s. ex.ª e do sr. presidente da camara, mas antes d'isso o sr. presidente do conselho de ministros não tinha o direito de collocar reticencias em uma phrase que aliás me parece que não devia ser proferida. Tanto mais que, como disse, eu ainda não fallei n'este negocio senão uma vez, porque hoje apenas me referi ao que s. ex.ª se dignou de me responder.

Pelo que respeita ás lições de direito constitucional que s. ex.ª se dignou dar-me, acredite que as recebo com a humildade propria da minha ignorancia. D'estas questões pouco sei, e s. ex.ª é verdadeiramente mestre pela sua longa pratica parlamentar, pelos seus estudos e pela sua alta intelligencia.

Digo isto com toda a sinceridade, e nem a camara póde pensar que estou fallando o contrario do que sinto. Estimo muito que s. ex.ª se collocasse na posição de mestre, e me visse na de discipulo, que é a que me pertence.

Tocante á resposta que s. ex.ª deu sobre o contrato do caminho de ferro, devo dizer a s. ex.ª que não apresentou senão os argumentos já hontem apresentados. Contou-nos o occorrido, e era desnecessario conta lo tantas vezes, quando eu muito claramente tinha dito, e repetido, que acreditava que s. ex.ª attendeu a ponderosos motivos de interesse publico para deferir, como deferiu, o requerimento da companhia. Posta assim a questão, s. ex.ª deve entender que da minha parte não havia censura ao seu procedimento, nem podia dar-se proposito de offensa a s. ex.ª; sómente lembrava a s. ex.ª que observasse o que me parecia de direito n'estes casos.

S. ex.ª teve a bondade de me lembrar que o deputado da nação portugueza tem o direito da iniciativa: lição que agradeço a s. ex.ª, que estimo, que respeito; mas que d'esta vez não era necessaria.

S. ex.ª disse que não transgrediu o contrato. Sem tratar largamente d'isto, é certo que s. ex.ª é de opinião que era muito melhor collocar os carris de 37 kilogrammas do que os de 35.

Não pense a camara que estou citando a opinião de s. ex.ª sem a ter diante de mim. S. ex.ª disse na camara electiva, quando o sr. visconde de Chancelleiros fez o favor de responder a algumas observações apresentadas por mim (leu).

S. ex.ª entendia que tomava sobre si uma responsabilidade extraordinaria, e que não era a letra do contrato que o auctorisava a dizer á companhia: «Colloque os rails de 37, em vez de rails de 35 kilogrammas». Quando s. ex.ª assim falla, não preciso responder com mais palavras. Respondo com as do sr. marquez d'Avila ao sr. marquez d'Avila.

Perguntou-me s. ex.ª aonde é que no contrato se diz qual o praso em que a companhia ha de substituir rails de 37 kilogrammas aos de 34? Ha de ser no praso que, attendendo ás condições de boa viação, o governo marcar. Isto consta do contrato, que diz (leu).

É evidente portanto que o governo dá ordens e marca o praso. E sinto que s. ex.ª, perguntando qual era o praso, viesse censurar indirectamente o seu collega, o sr. ministro das obras publicas, que ha pouco o marcou para a companhia desempenhar as obrigações a que está sujeita pelo contrato, como se diz na portaria recentemente publicada.

Escuso defender o sr. ministro das obras publicas, que tem a seu favor o contrato.

O sr. presidente do conselho disse que a rasão que teve para ordenar a substituição dos rails de 37 pelos de 35, foi ter-lhe asseverado a companhia que estavam arruinados os rails, que era preciso substituir com presteza; então a companhia é que vem dizer que é necessario substitui-los? Pois o governo não tem as participações officiaes ácerca do estado em que se acham as linhas ferreas?!

O governo não tem fiscaes que continuamente lhe participam o que n'ellas se passa? Tem de certo. Recordo-me ate de que já no tempo em que o sr. Carlos Bento era ministro das obras publicas foi expedida uma portaria, em que se dizia á companhia, que era preciso substituir os rails que estavam avariados. (Apoiados.)

O contrato é tambem explicito no artigo 8.° (leu).

Se porventura o governo julga que a transgressão d'este artigo não ataca o contrato... então convenço-me de que a observancia d'elle é... a transgressão. Escuso dizer mais para mostrar que o sr. ministro das obras publicas, embora tivesse rasões ponderosas para assim proceder, não cumpriu o que o contrato, que tem força de lei, lhe ordenava.

Disse s. ex.ª que, eu não conhecia as condições do contrato, nem podia saber o que se tem passado com esta questão!

Parece-me, porém, que as differentes disposições d'elle me permittem tirar diversas consequencias geraes e particulares (apoiados). S. ex.ª me dirá se, quando se diz que os carris devem ter 37 kilogrammas, se não fica sabendo que os carris devem ter 37 kilogrammas!!

Peço a s. ex.ª que, respondendo-me, não continue a dizer que eu tenho tal ou qual pressa, porque tal pressa não existe; s. ex.ª bem sabe que, quando na sessão de hontem fiz algumas considerações a este respeito, logo disse que em minha opinião houve fortes motivos para o despacho em que o poder executivo exorbitou das suas attribuições;

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repito, não ha outra causa das minhas palavras que o desejo de que o poder executivo respeite as attribuições do poder legislativo (apoiados).

Faço esta declaração para tirar todas as duvidas a s, ex.ª, e para que não possa repetir phrases que depois d'esta explicação não teriam cabimento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — A camara dirá se o illustre deputado tem pressa ou não em tratar d'este assumpto (riso); e tem de certo tanta pressa que até dispensou os documentos que o governo tem declarado que ha de mandar á camara a pedido do proprio illustre deputado. E para que pediu o illustre deputado esses documentos se porventura estava habilitado para tratar a questão como tem feito n'estes dois ultimos dias?! (Apoiados.)

Disse o illustre deputado, que não tinha discutido largamente a questão e que apenas a tinha tratado uma vez! Ora por amor de Deus!... Pois o illustre deputado não requereu os documentos que diziam respeito a esta questão, não occupou hontem a attenção da camara, fazendo largas observações sobre esta materia, e não a está occupando ainda hoje, tendo já fallado primeira e segunda vez sobre este assumpto!! Então como é que o illustre deputado não tratou do assumpto senão um vez!!

Ponderou tambem o illustre deputado que eu tinha dito, que s. ex.ª não estava habilitado para tratar d'esta questão! Eu não disse isso, disse que o illustre deputado não estava habilitado para tratar d'esta questão sem ver os documentos, e repito ainda.

Acrescentou ainda o illustre deputado que foi a companhia que me deu a noticia de que os carris estavam avariados.

Não ha ninguem n'esta camara que fosse capaz de me fazer esta imputação, porque eu tal não disse.

O que eu disse foi que a companhia allegou que era urgente substituir os carris arruinados, e não o podia fazer, com a presteza que era precisa, empregando carris do peso de 37 kilogrammas. E vem o illustre deputado interpretar estas phrases, e attribue ao ministro o ter dito que a companhia lhe participou que os carris estavam arruinados, o que importa o mesmo que dizer que — o governo não tinha cumprido o seu dever, porque havia um fiscal do governo junto da companhia, e este devia ter conhecimento d'esse facto.

Mas onde disse eu que foi a companhia que deu essa noticia ao governo?

Eu pedia ao illustre deputado que, quando tratasse de combater os ministros, ouvisse primeiramente o que elles diziam, e não invertesse as suas palavras.

Não o fez de proposito, estou certo d'isso, porque as intenções do illustre deputado são excellentes; queria dar-me louvores. A camara dirá se o illustre deputado tem sido feliz na maneira por que tem executado este desejo de me obsequiar! (Riso.) Eu não lhe posso agradecer.

Disse s. ex.ª que eu mesmo tinha reconhecido que era melhor collocar rails do peso de 37 kilogrammas do que rails do peso de 35 kilogrammas. Forte novidade! Pois era preciso que eu fosse ministro e soubesse quaes as condições do contrato para reconhecer que era melhor collocar carris d'esta qualidade do que d'aquella? Podia eu deixar de o reconhecer?

Mas o meu argumento não foi esse.

Eu li a representação da companhia, e o illustre deputado disse que era inutil estar a contar todos os dias a mesma cousa!

Pois se o illustre deputado faz a mesma accusação todos os dias, eu não posso deixar de responder da mesma maneira todos os dias.

O que eu disse foi que a companhia representou ao governo que ella não podia substituir os carris arruinados por carris do peso de 37 kilogrammas tão depressa como por carris do peso de 35 kilogrammas, e pedia que lhe permittisse a importação de 3:000 toneladas de carris do peso de 35 kilogrammas para substituir o que era mais urgente substituir; e eu resolvi a questão n'este sentido, prevenindo-a de que se preparasse desde logo com as encommendas de carris do peso de 37 kilogrammas para cumprir o seu contrato.

Por consequencia entendo que não violei a lei, e pelo contrario chamei a companhia ao cumprimento dos seus deveres.

Não sei quantas vezes ainda será necessaria que eu repita estas mesmas explicações; mas o que pediria ao illustre deputado era que esperasse pelos documentos, de que já tenho uma porção na pasta, e de que me faltam outros que desejo que os acompanhem para os apresentar juntos, e logo que os documentos chegassem fizesse a autopsia d'elles como quizesse em vista das condições do contrato.

É tudo isto porque desejo que esta questão seja tratada com verdadeiro conhecimento de causa, e tenho a certeza de não ficarei mal com o exame que se possa fazer dos respectivos documentos.

O sr. Almeida Queiroz: — Fui chamado á autoria pelo sr. Mello e Faro, para declarar se tive conhecimento do requerimento do sr. Bernardo Machado de Faria e Maia; mas, depois das explicações do sr. Faria Guimarães, escuso de dizer cousa alguma á camara, porque está demonstrado que a commissão não teve ainda conhecimento d'esse negocio.

O sr. D. Miguel Coutinho: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho do Crato, indicando alguns meios para satisfazer aos encargos de despeza, que lhe hão de provir, de futuro, da proposta de lei apresentada pelo sr. ministro do reino com relação á instrucção primaria.

O sr. Bandeira Coelho: — Como secretario da commissão de obras publicas, tenho sido interrogado por varios srs. deputados se existe n'aquella commissão o requerimento a que se alludiu aqui do sr. Bernardo Machado de Faria Maia; quero declarar que aquella commissão não tinham chegado documentos ou papel algum relativos aquelle cavalheiro. Mas esta declaração já está prejudicada pela do sr. Faria Guimarães, que disse que estes papeis estavam na commissão de commercio e artes.

O sr. Falcão da Fonseca: — Peço licença para perguntar a algum dos illustres membros da commissão de instrucção publica qual o estado em que se encontra uma proposta, apresentada pelo sr. ministro do reino, para a creação de logares de agronomos em cada districto do reino.

O sr. Alves Matheus: — Ha poucos dias é que me chegou ás mãos, na qualidade de secretario da commissão de instrucção publica, a proposta que o governo apresentou sobre a creação de um logar de agronomo em cada districto administrativo do reino e ilhas adjacentes.

O processo está adiantado, por isso mesmo que a commissão de agricultura já apresentou o seu parecer conjunctamente com o projecto.

A commissão de instrucção publica reconhece a necessidade e a conveniencia de ser convertida em lei a proposta do governo, vendo que a este assumpto está vinculado o melhoramento e progresso da nossa agricultura, e por isso no mais curto praso apresentará o seu parecer.

O sr. Falcão da Fonseca: — Agradeço ao illustre deputado as explicações que acaba de dar.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Remetto para a mesa as seguintes representações, a proposito da proposta sobre a contribuição industrial, apresentada a esta camara pelo sr. ministro da fazenda:

A primeira é dos inculcadores de creados e creadas de servir; a segunda dos donos de embarcações de cabotagem; e a terceira dos vendedores de carvão de cepa e sobro.

Envio mais uma que a esta camara dirigem mais de setecentos proprietarios contra a proposta da contribuição predial, apresentada pelo sr. ministro da fazenda.

Peço a v. ex.ª que mande publicar na folha official todas estas representações.

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O sr. Arrobas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de entrar n'este logar.)

O sr. Mexia Salema: — Não posso deixar de dizer duas palavras depois do que disse o illustre deputado, o sr. Arrobas.

Eu sou relator na commissão de legislação d'esse projecto, cuja iniciativa foi renovada pelo illustre deputado, relativamente ao restabelecimento de circulos de jurados em alguns julgados que se acham a longas distancias das cabeças de comarca.

Já disse na sessão passada que eu estou habilitado para apresentar o meu voto ácerca do mesmo projecto; mas tendo vindo representações que se têem juntado ás que já existiam, a commissão julgou que não devia proceder sem ouvir o sr. ministro da justiça, por isso que s. ex.ª podia ter idéas sobre a creação de algumas comarcas; e emfim podia ter projectos, como elle me fez constar que tinha, que podiam alterar alguma cousa a organisação judiciaria a esse respeito.

Por isso eu não tenho solicitado a reunião da commissão de ligislação para tratar d'este objecto.

O que tenho da minha parte a fazer é procurar o sr. ministro da justiça, e pedir lhe que haja de apresentar qualquer projecto a esse respeito, para depois a commissão dar um parecer adequado, porque é certo que alguns concelhos se acham a grande distancia, que merecem que seja restituído ali o circulo de jurados; outros ha, a meu ver, e que tambem têem representado, que não estão nas mesmas circumstancias. Para procurarmos a commodidade dos povos não devemos tambem procurar a incommodidade não só para os juizes, como para a administração da justiça; porque esta não se póde fazer bem restituindo se todos os circulos de jurados que foram extinctos.

Na commissão de legislação apresentarei as minhas idéas, e ouvirei os meus collegas e depois a commissão dará parecer.

Devia dizer estas palavras, porque emfim não queria sobre mim a responsabilidade d'este assumpto.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia. Continua a discussão dos adiamentos propostos ao projecto n.º 20, e tem a palavra o sr. Osorio de Vasconcellos.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Sr. presidente, a camara sabe muito melhor do que eu, porque os illustres membros que a compõem mais do que eu se entregam aos estudos da natureza, o que é uma ostra.

É a ostra um acephalo que vive muito contente de si e do proximo, bem com os vizinhos, e habitando na sua casa calcaria chamada casca.

A camara sabe que a ostra não é, por exemplo, um peixe como alguns empregados, porventura mais zelosos dos interesses do fisco do que dos fóros scientificos, tiveram o desplante de aventar (riso).

Estou persuadido de que o meu amigo, o sr. ministro da fazenda, poderá dizer alguma cousa com relação a este peixe... fiscal.

A camara sabe tambem que a ostra é um acephalo, mas que, apesar de não ter cabeça, tem bôca, e um canal intestinal, e um apparelho digestivo completo, perfeito e admiravel, no qual, como em tudo se vê a harmonia que preside a todas as creações da natureza».

Dizia Santo Agostinho que Deus é grande nas grandes cousas, mas é muito maior nas cousas minimas. Deus est magnus in magnis, sed maximus in minimis. Ora o apparelho digestivo da ostra demonstra isto mesmo e dá rasão a Santo Agostinho.

A camara, sabendo que a ostra é um acephalo que vive dentro da sua concha, que tem um canal intestinal e um apparelho digestivo completo e admiravel; sabendo isto, digo, muito me admira que no seio d'ella se tenha levantado tamanha celeuma e tanto horror, pela largueza e amplidão que se ha dado a este debate.

Sr. presidente, se nós attentarmos bem nas qualidades caracteristicas da ostra, veremos que representa admiravelmente o estado actual do paiz, e as causas que o produziram.

Temos um mollusco acephalo, isto é, sem encephalo, sem miolos, sem a fronte e a origem de todas as idéas. Pois bem, este mollusco acephalo, sem cerebro, sem poder gerar idéas, e sem ter principios politicos definidos e convictos, possue ao mesmo tempo um apparelho digestivo admiravel e completo. A analogia resalta immediatamente.

A ostra não pensa, não cogita, não raciocina, mas come, mas devora, mas digere, mas assimila, mas consubstancía nas suas funcções puramente gastricas toda a sua vida, todas as manifestações da sua actividade.

Oh, sr. presidente, é tudo exactamente o que está acontecendo n'este paiz. Pouca cabeça, poucos miolos, quasi nenhum encephalo, e grande estomago, grande tubo intestinal, um apparelho enorme para a digestão! (Apoiados.)

Se nós attentarmos bem n'este lemma fundamental, para que tanto espanto, para que tanta admiração, para que lastimar de uma maneira tão profunda o tempo que temos gasto n'esta discussão? Não me parece rasoavel (riso).

E depois, sr. presidente, se a ostra é como eu acabo de a definir, e como a camara sabe muito melhor do que eu, para que nos havemos de admirar de que fazendo girar um pouco a charneira da sua casca bivalve, os nobres oradores que hontem fallaram viram no mollusco innocente a resolução de todas as questões?

Por exemplo: o meu amigo, o sr. Freitas e Oliveira, lançando um olhar prescrutador para dentro da ostra, encontrou n'ella tudo, a começar pela infallibilidade papal. Sim, sr. presidente, a infallibilidade papal está na ostra, o que aliás não é de espantar depois do que eu disse. Na ostra encontrou o illustre deputado a resolução d'este enorme problema social, que levantou, na sua immensa potencia, toda a actividade destructiva da grande Allemanha; encontrou a causa, a origem d'aquella anarchia de Montmartre, e a causa d'esses desastres sanguinarios, terriveis, medonhos, que estão a pique de levar a França á beira de total ruina.

Sim, sr. presidente, o illustre deputado encontrou tudo isto, porque disse que era necessario que o parlamento attentasse n'estas cousas, e como o parlamento não póde faltar ao seu dever, é claro que tratando das ostras tratava d'essas questões, as quaes, a começar pelo throno do rei Amadeu, e a acabar pelos grandes problemas sociaes que agitam e conflagram todo o mundo pensador, se contém na ostra (riso).

Ainda mais. O meu amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, lançando um olhar analytico, profundo, investigador para dentro da ostra, encontrou... estão a dizer-me que encontrou o sr. marquez d'Avila, e eu não o creio... encontrou os carris do caminho de ferro, as farinhas, e nem eu sei que mais, um acervo enorme de questões que poderiam dar margem grande ainda a uma outra questão de ordem muito mais superior, enorme, agigantada, prodigiosa, que parece que traz todos os animos aterrados, confrangidos, dobrados ao seu proprio peso, uma questão que se denomina politica, e que eu não sei qual é; e depois encontrou mais um celebre isto, contra o qual o sr. ministro se rebellou, dirigindo ao orador uma apostrophe eloquentissima como s. ex.ª sabe fazer. E eu, se porventura, e é hypothese que não é admissivel, que não é aceitavel, e que rejeito completamente porque me conheço, se por um milagre nunca visto podesse estar no logar do sr. marquez d'Avila, não me rebellava contra o isto do sr. Rodrigues de Freitas; eu zangava-me contra a explicação que elle lhe quiz dar, porque s. ex.ª, fazendo uma analyse minuciosa das cadeiras vasias do ministerio, confundiu os ministros com as cadeiras e as cadeiras com os ministros, e disse que era este o unico motivo por que proferiu o isto, que tanto irritou o nobre presidente do conselho.

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Conclue-se de tudo o que eu tenho dito que na ostra se encontra a resolução de todos os problemas.

Até o meu amigo, a quem por esta occasião folgo de testemunhar o muito que o respeito, e admiro as qualidades, o nobre ministro das obras publicas, o sr. visconde de Chancelleiros, teve de mostrar como é impossivel que este mollusco attinja a capacidade enorme de um metro cubico.

Se eu estivesse no caso do sr. Rodrigues de Freitas respondia lhe e dizia que assim como o bicho de conta, pequeno e desprezivel crustaceo, teve em tempos ante-diluvianos, em tempos fosseis, o tamanho de um pé inglez, que é uma medida muito respeitavel (e peço ao meu amigo, o sr. Barros e Cunha, que a proposito de bichos de conta e de fosseis não imagine que eu trato de finanças ou de financeiros), não ha motivo nenhum para que nós não asseveremos, ainda que nenhum paleontologo o dissesse, que a ostra nos tempos ante-diluvianos não tivesse um metro cubico de capacidade, e muito mais, se necessario for.

Dizia eu que, relanceando a vista por sobre tudo o que por ahi se ha dito sobre ostras, chega-se á conclusão de n'este mollusco, tal qual tem sido considerado pelo parlamento portuguez, no anno da graça de 1871, não se encontra só a resolução de todos os problemas das escolas parlamentares; a ostra póde se dizer que abrange tudo. N'ella se vê o infinito no finito, o increato no creato, a synthese na analyse, Deus na natureza, o macrocosmos no microcosmos, emfim o pantheismo (riso e apoiados).

Venham os philosophos dos tempos mais remotos, venha Boudha, venham os discipulos de Confucio, venham os sacerdotes do Mythras, venham os educadores de Isis, Osiris, Anubis, venham os philosophos de maior cunho, que com o seu engenho illuminaram a velha Grecia, venham os pantheistas da moderna Allemanha, venham todos a esta academia, venham aprender n'este curso que se ha feito ácerca da ostra, os seus destinos e os da humanidade, venham resolver o duplo problema das causas primarias e das causas finaes (apoiados). Mas a camara tambem sabe, e muito melhor do que eu, que ha uma certa qualidade de ostras que, quando feridas levemente, quando contundidas, começam no logar da contusão a formar incrostações, as quaes, pela sua jutaposição de camadas successivas, se tornam emfim em perolas. Estas ostras têem a denominação de perlageneas ou perliferas.

Pois nem esta variedade escapou á discussão n'este parlamento, porquanto os illustres oradores que hontem fallaram, como que representando o papel d'estas ostras, feriram se um pouco mutuamente, contundiram-se, e d'esta contusão formaram-se as perolas, que tiveram uma manifestação explendida, admiravel e grandiosa nos discursos que elles proferiram.

Portanto, os oradores de hontem foram ostras, porque deitaram perolas. Felizmente estas perolas não caíram no esterquilinio, senão na camara, que as recebeu com toda a attenção e com o maior deleite. (Riso — Apoiados.)

Passando agora a uma outra ordem de idéas, entendo que seria mais conveniente talvez socegar um pouco os impetos rhetoricos dos diversos oradores, e não me refiro a mim, porque não tenho d'esses impetos nem sou orador, e approvar o adiamento, simplesmente como negocio de expediente, sem que n'elle queiramos ver a tal tetrica, terrivel e tenebrosa questão politica. Approvar apenas por negocio de expediente a proposta apresentada pelo sr. primeiro secretario Adriano Machado. Acho esta proposta rasoavel, e a unica que póde satisfazer completamente a tudo que desejâmos. Não é um adiamento conforme a significação que se quer dar em geral a esta palavra, é simplesmente o resolver um problema, não em uma dada e determinada hypothese, mas na these, de maneira que abranja os casos particulares.

Tenho sempre uma grande repugnancia em legislar para certas e determinadas hypotheses, sejam ellas quaes forem, e sem que com isto eu queira lançar a menor sombra de censura e desfavor contra quem quer que seja. Legislemos em these (apoiados).

A ostricultura é uma industria que póde ser muito proveitosa e proficua, porque é muito promettedora. É uma industria nascente, que trata de ser aproveitada, que está cahotica, e que precisa de ser organisada.

Pois então se isto é assim, a unica maneira de attender a todas estas necessidades é aceitar a proposta apresentada pelo sr. Adriano Machado.

E depois não quero analysar o contrato, porque não se trata agora d'isso, mas vejo n'elle uma falta insanavel, e vem a ser o eclypse total, a não interferencia de um ministro cuja assignatura, cuja concordancia era absolutamente necessaria n'este caso; refiro-me ao sr. ministro dos negocios da marinha e do ultramar. Pergunto eu: é licito ás ostras viver sem a protecção, sem a guarida do sr. ministro da marinha? As ostras vivem no reino de Neptuno, obedecem ao tridente neptuniano, e aquelle que empunha hoje esse instrumento é o sr. ministro da marinha (riso). Como podem as ostras escapar a este feudo que a natureza... e a carta constitucional lhes impoz? Como tiveram a ousadia de querer forrar-se ao pagamento d'este tributo? (Riso.) Fallando muito seriamente, não comprehendo que o sr. ministro da marinha não fosse consultado sobre este assumpto, ao qual importa apresentar o seu parecer e firma-lo com a sua assignatura.

Se eu tivesse a honra de fazer parte d'esta camara quando se approvou o contrato entre o governo e o sr. dr. Bocage, distincto sabio, que muito respeito, não aceitava aquelle contrato pelas rasões que ainda ha pouco apresentei, porque entendo que não se deve legislar para uma hypothese. Mas o contrato está feito, e se formos comparar com aquelle, cujo adiamento se ventila agora, achâmos notavel differença. Portanto da approvação do primeiro contrato não se conclue cousa alguma para a approvação ou rejeição do segundo. São diversos, não ha entre elles pontos de contacto, não ha ligação a ponto tal que quem tiver approvado o primeiro póde sem retractaçao rejeitar o segundo e reciprocamente. Alem de que, pelas declarações feitas pelos srs. Mello e Faro e Pereira de Miranda, infere-se que a commissão de commercio e artes não teve a menor noticia de um outro contrato e de um outro concessionario o sr. Faria Maia, e parece que estas declarações são argumento irrefragavel, poderosissimo e irrespondivel a favor do adiamento. Pois se ha outro contrato feito, se esse contrato não foi apresentado á commissão que teve de dar parecer sobre este, se ella não podia comparar um e outro, se não podia analysa-los, como é que um deve ser approvado pura e simplesmente, approvado in limine? Como disse, este argumento prova, e prova, muito a favor do adiamento, para que a commissão de pescarias apresente uma legislação completa sobre o assumpto como é mister, como se requer para satisfazer a todas as necessidades.

Tem-se apresentado aqui um argumento, que se julga poderoso, a favor da concessão gratuita, dizendo-se que no contrato do sr. Maia o direito que o concessionario se comprometteu a pagar á fazenda nacional, de 5$020 réis por metro cubico, é tão excessivo que torna impossivel a sua realisação, porque, com tal imposto, o concessionario, longe de tirar lucro, havia de necessariamente ter perda.

Eu tenho aqui uma pequena nota, que mostra que isto não é exacto; e não a apresento em defeza do contrato do sr. Maia, que não conheço, mas para justificar a necessidade do adiamento, porque o meu desejo é que se estude melhor a questão.

A nota é a seguinte (leu).

Portanto não é impossivel o pagamento do direito de 5$020 réis, e o lucro para o concessionario vem a ser de 17 francos por metro cubico, nas circumstancias menos favoraveis.

Repito, isto não é a favor nem contra o contrato. O que

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sei é que existe um contrato oneroso, do qual não teve conhecimento a commissão, e é necessario por isso approvar a proposta do sr. primeiro secretario.

Terminaria aqui as minhas observações se porventura não tivesse a acrescentar ainda duas palavras, com relação ao discurso proferido hontem pelo sr. Freitas e Oliveira.

S. ex.ª, qualificando os votos dos diversos membros d'esta casa, com relação a este contrato, apresentou uma categoria d'aquelles que votaram por amisade e sympathia ao concessionario, e depois, insistindo n'este ponto, acrescentou que elle não queria n'esta categoria collocar a outrem senão a si proprio.

Se eu não fizesse inteira e cabal justiça aos sentimentos do illustre deputado, de certo que não levantava n'esta casa a questão; e não tinha que a levantar, logo que s. ex.ª disse que taes palavras se referiam pura e simplesmente á sua pessoa.

Mas, como já disse, faço justiça ao illustre deputado, e estou certo que s. ex.ª antes de fallar pelo coração, antes de consultar o seu sentimento de affecto e sympathia, consultou a sua consciencia, e viu que os interesses do amigo iam de accordo com os interesses do estado, e n'esta conformidade não teve duvida de apresentar a sua opinião. Como estou certo de que o illustre deputado sabe zelar sempre os interesses do estado a despeito até dos dictames do coração, não insisto mais n'este ponto.

Termino pedindo á camara que quanto antes haja de votar sobre o assumpto que se discute (apoiados).

Ainda acrescento para tornar bem clara e explicita a minha opinião, que a proposta que nós devemos approvar é a do sr. primeiro secretario, porque é a unica aceitavel e aquella que honra a camara e satisfaz ás necessidades publicas.

Não tenho mais nada a dizer.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Francisco Beirão (sobre a ordem): — Participo a v. ex.ª e á camara que está constituida a commissão especial que ha de dar parecer sobre o projecto do sr. Barros e Cunha, tendo nomeado para seu. presidente o sr. Luciano de Castro, para relator o sr. Adriano Machado e a mim para secretario.

O sr. Barros Gomes (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Luciano de Castro (sobre a ordem): — Pedi a palavra sobre a ordem, para mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Estarreja contra o projecto em discussão, e como naturalmente não ha tempo para que as commissões a examinem, peço licença á camara para a ter (leu).

A camara desculpar-me-ha que eu occupasse a sua attenção por alguns momentos com esta leitura, não tinha porém outro meio de dar verdadeiro conhecimento á camara do voto e opinião d'esta corporação municipal.

Não digo mais nada para não abusar da palavra sobre a ordem, e apenas aproveito a occasião para mandar para a mesa outra representação relativa a outro assumpto, esperando que v. ex.ª lhe dê o destino conveniente.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Participo á camara que veiu á mesa uma deputação encarregada de apresentar uma representação da associação dos empregados do commercio e industria, relativa á proposta de lei de contribuição industrial. A representação diz que aquella associação não vem reclamar movida por nenhum sentimento politico, mas unicamente para que a reducção das classes, proposta pelo sr. ministro da fazenda, não produza effeitos negativos d'aquelles que s. ex.ª pretende alcançar.

O sr. Affonseca (para um requerimento): — Como medico tenho receitado muitas vezes as ostras, porque ellas são, em certos casos, um grande remedio; mas indigestões de ostras, nunca. Peço portanto a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia do adiamento sufficientemente discutida.

O sr. Presidente: — Não posso pôr á votação o requerimento do sr. deputado, porque o fundamentou.

O sr. Falcão da Fonseca (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia do adiamento sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Presidente: — Ha na mesa tres propostas de adiamento, uma do sr. Marques Pires, outra do sr. Rodrigues de Freitas, e outra do sr. Adriano Machado.

A mesa entende que estes adiamentos não se prejudicam uns aos outros; o mais generico porém é o do sr. Adriano Machado, porque comprehende todas as hypotheses.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me consente retirar a minha proposta, visto que eu declarei aceitar a do sr. Adriano Machado.

Foi-lhe concedido.

O sr. Dias Ferreira: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de mandar ter os nomes dos srs. deputados que estavam ainda inscriptos para fallar sobre o adiamento.

O sr. Presidente: — Estavam ainda inscriptos os srs. Rodrigues de Freitas, Adriano Machado, Freitas e Oliveira, e Dias Ferreira.

Passando-se a votar sobre os adiamentos, foi primeiro rejeitado o do sr. Marques Pires, e seguidamente o do sr. Adriano Machado, por 38 votos contra 36.

O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto, e tem a palavra o sr. Barros e Cunha.

O sr. Barros e Cunha: — Creio, pela votação da camara, que ella está completamente esclarecida ácerca d'este assumpto (apoiados). O meu voto, como já dei a saber, é para rejeitar o contrato. Não sei em qual das categorias, que ouvi estabelecer, estou classificado, relativamente aos motivos que me determinam a essa rejeição.

O sr. Freitas e Oliveira: — Peço a palavra.

O Orador: — Todos os meus precedentes, porém, abonam que o não faço senão porque entendo que a approvação compromette interesses de uma parte da provincia que represento, e principios que me parece se acham consignados na constituição do estado.

O argumento de analogia que se apresentou, e o precedente que se invocou da concessão feita ao sr. dr. Bocage, para se approvar este contrato, não me convencem; porque se, para approvar esta concessão, temos unicamente o precedente da do sr. dr. Bocage, ámanhã teriamos para outro assumpto identico o precedente do sr. dr. Bocage, e o precedente que a camara vae agora estabelecer, segundo me parece. Se eu tivesse, porém, de votar uma concessão d'esta natureza, como já declarei á camara, a ninguem a votava com mais vontade do que á pessoa a favor de quem é o contrato, ao digno par o sr. marquez de Niza.

Eu desejava que o sr. ministro das obras publicas, ou o sr. presidente do conselho, que vem assignado na proposta que se nos apresenta, me dessem uma explicação, a qual talvez me faça, se não completamente alterar, ao menos alterar em parte a idéa em que estou ácerca da obrigação que tenho de rejeitar a proposta do governo.

Diz-se aqui no projecto o seguinte:

«Artigo 1.º É confirmado e approvado na parte que depende da sancção legislativa o contrato celebrado em 23 de novembro do corrente anno entre o governo e o digno par do reino marquez de Niza, para o estabelecimento de ostreiras artificiaes, o qual contrato fará parte integrante d'esta lei.»

Desejava unicamente que me dissessem quaes são, das condições do contrato, aquellas que dependem da sancção legislativa, aquellas que com o meu voto ou com a minha rejeição eu vou approvar ou condemnar. Depois d'essa explicação tornarei a usar da palavra, se por acaso ella influir verdadeiramente nos fundamentos que n'este momento determinam o meu espirito na votação d'este projecto.

Creio que as condições que nós vamos sanccionar com o

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voto do parlamento no sentido da approvação, prejudicam o uso em que o povo está de colher as cousas que o direito civil diz que são de uso commum, e restringem o direito que toda a gente tem de as exportar para o estrangeiro. Sendo assim, parece-me que esta alteração de direitos interessa os §§ 2.º e 23.° do artigo 145.° da carta constitucional, que são disposições constitucionaes da mesma carta, e que as côrtes ordinarias da nação portugueza não têem poder para alterar.

Tenho, sr. presidente, justificado a rasão do meu voto, e não desejo tomar á camara mais tempo; por isso esperarei unicamente as explicações de algum dos representantes do poder executivo, se por acaso elles julgarem que é conveniente da-las.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Apenas direi ao illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, que os pontos a que se referiu foram definidos por occasião da discussão do contrato feito com o sr. dr. Bocage.

O sr. Barros e Cunha: — Eu n'essa occasião não era deputado.

O Orador: — Muito embora; como hei de pedir depois a palavra exporei então desenvolvidamente o pensamento do governo a respeito d'este assumpto. Por ora limito-me a isto.

O sr. Dias Ferreira: — Direi muito poucas palavras sobre o projecto em discussão, mesmo porque tem corrido com tal largueza e amplitude (apoiados), e versa sobre um assumpto que é um pouco estranho aos meus estudos, que não podia por isso ter a pretensão de esclarecer a assembléa; e desistiria mesmo da palavra se por algumas declarações que ouvi n'esta casa não reconhecesse a necessidade de que este negocio fosse considerado maduramente, com uma certa attenção e cuidado; porque não creio que resulte vantagem, nem para o concessionario nem para o paiz, d'este projecto ser convertido em lei.

N'esta casa ninguem estimaria mais do que eu ser agradavel ao concessionario; ninguem desejaria dar-lhe mais provas de consideração do que eu; mas votando contra o projecto tenho a convicção profunda de que não lhe causo prejuizo, porque não acredito que este projecto possa dar resultado vantajoso, e alem d'isso póde trazer graves difficuldades ás povoações da beiramar, que representaram contra o projecto, que são abertamente hostis a esta medida, e não poderão ver serenamente nem presencear em silencio os trabalhos que se façam, em resultado d'esta concessão, no respectivo litoral.

Ora eu que tive sempre, como tenho ainda, a opinião de que governar não é resistir, entendo que quando apparecem reclamações tão abertas da parte dos povos, os podderes publicos têem obrigação, e a prudencia politica lhe impõe o dever de considerar estes negocios attentamente, e sobretudo de examinar as reclamações com a maior circumspecção.

Eu mesmo mandei para a mesa uma representação sobre este assumpto dirigida a esta camara pela municipalidade de Aveiro, circulo por onde sou deputado.

Essa representação que continha desenvolvidamente rasões que contrariam este projecto, em virtude das quaes elle não póde ser approvado, veiu quando já estava lavrado o parecer da commissão, e segundo deprehendi da discussão essas representações longe de irem á commissão para ella considerar de novo o seu parecer, foi posta de parte.

Creio que é mau principio estarmos a votar providencias que não utilisam a ninguem, e que podem trazer graves prejuizos para a ordem publica, porque vão encontrar resistencia dos povos, que não desejam realmente que esta concessão seja convertida em lei, e levada á pratica.

Confesso a verdade, sem querer agora censurar o acto da assembléa, que fiquei surprehendido de que não fosse votado o adiamento (apoiados), proposto por um dos nossos collegas, em que se pedia uma medida geral para regular este serviço.

O codigo civil mesmo deixou para os regulamentos o aproveitamento das substancias vegetaes e animaes produzidas nas aguas publicas. Creio que ha já um regulamento ou projecto de regulamento, com relação ao districto do Porto; pelo menos já se tomou alguma providencia a esse respeito.

(Áparte que não se ouviu.)

Emfim, parece-me que ha já alguma providencia regulamentar sobre esta materia, mas o que era altamente conveniente era que se formulasse uma medida geral sobre este assumpto.

O que eu queria, pois, dizer a v. ex.ª com toda a franqueza era que votava contra este projecto, porque quero uma providencia geral que regule o assumpto, e que voto contra elle não só por este motivo, mas ainda porque é manifesta a hostilidade das populações que se julgam prejudicadas com esta medida.

Eu desejo que evitemos sempre que seja possivel qualquer desgosto publico produzido pela approvação de medidas que não sejam bem recebidas pelo paiz, e que não sejam tambem de reconhecido interesse publico; isto é, desejo sempre concorrer com o meu voto para que não sáiam do parlamento medidas que não são de reconhecido interesse publico e que vão crear resistencias na pratica. Por isso senti muito, repito, que fosse rejeitado o adiamento proposto pelo sr. Adriano Machado; e, como não tenho outro meio de obstar pela minha parte a que esta medida seja convertida em lei senão votando redondamente contra ella, desde que o adiamento foi rejeitado, limito-me a fazer estas simples considerações, sem metter a fouce em ceara alheia, isto é, retirando-me quanto possivel do exame das disposições intrinsecas do projecto, porque não sou competente para esse exame, e a declarar portanto a v. ex.ª que voto contra o projecto, porque me parece de interesse publico que elle não seja convertido em lei.

O sr. Adriano Machado —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Não é a mim que compete como membro do governo, e não tendo a honra de fazer parte d'esta camara, apreciar a votação com que a camara acaba de rejeitar ha pouco o adiamento proposto.

Peço, porém, licença para referindo-me a esse facto poder declarar á camara, que nunca tive o intuito, e creio mesmo que nem por equivoco signifiquei a idéa, de que a camara não tomasse na devida consideração as representações que contra o projecto em discussão lhe têem sido presentes, e que aliás a camara poderia aceitar como uma rasão para o adiamento da questão que se discute. O que eu disse, e insisto sobre esse ponto, porque me parece haverem sido menos bem comprehendídas as expressões de que me servi para significar o meu pensamento; o que disse foi que o governo não interpunha a sua opinião sobre a questão sujeita do adiamento, nos termos em que ella foi proposta á camara; que a camara estava no seu pleno direito, adiando ou deixando de adiar a questão, segundo se achasse ou deixasse de achar sufficientemente illustrada para a resolver, que o que eu porém acreditava firmemente e que a camara, votando o adiamento, nunca teve determinado o seu voto pelo desejo de adiar indefinidamente a questão proposta, embora em mais de uma occasião esse expediente houvesse sido seguido já no parlamento e fosse reconhecido como um recurso a que por vezes se tem soccorrido a tactica parlamentar. Aproveito tambem esta occasião para fazer á camara uma declaração, pela qual em termos precisos se define a responsabilidade que me cabe na sustentação d'este projecto, e melhor se poderá comprehender a situação que me creei defendendo-o.

Não fui eu o ministro que teve a honra de assignar este contrato; mas entrando no ministerio encontrei-o já presente á camara, e se me não conformasse com as suas disposições, identificando-me com a responsabilidade do mi-

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nistro que o referendou, teria procurado de certo arreda-lo da discussão. A responsabilidade pois d'este projecto é do governo, ou antes, o mais especialmente, do ministro das obras publicas. Não é o sr. marquez d'Avila, sou eu que tive a honra de o haver substituido n'aquella pasta, a quem corre a obrigação de o sustentar perante a camara, e de dar para justificação das suas disposições todas as explicações que a camara me pedir. Nem vale a rasão insinuada no seu discurso pelo illustre deputado o sr. Rodrigues de Freitas, de que o nobre presidente do conselho, sob o impulso de um sentimento generoso, deva acudir á defeza de um projecto, cuja paternidade se lhe attribue. Pater est quem nuptiœ demonstrant, e aqui a paternidade confessa é a minha, sou eu o editor responsavel do projecto, porque quem o apresentou foi o ministro das obras publicas, e o ministro das obras publicas sou eu.

E entretanto, sr. presidente, força é confessa-lo, não são das mais lisonjeiras as condições em que tal posição me colloca n'este momento. São graves as accusações que nos dirigem os que combatem este projecto, e gravissimas mesmo as que acaba de formular o illustre deputado que me precedeu, definindo-as em termos asperos e severos, mas cuja aspereza e severidade eu peço á camara que attenue com a consideração de que é commum aos povos meridionaes o dar á significação dos seus sentimentos um tom de exageração, que vae quasi sempre muito alem da intenção que os inspira. É n'estes termos, e sob a influencia d'esta consideração, que eu aceito o argumento dirigido contra o projecto pelo illustre deputado que me precedeu, meu antigo amigo e respeitavel mestre, por cujos titulos e qualidades pessoaes eu tenho, como s. ex.ª sabe, o mais profundo respeito.

Disse s. ex.ª que isto é o mais escandaloso de todos os monopolios, e que nós já cansados de malbaratar as riquezas do nosso dominio terrestre, do solo da patria, começâmos por pretender dar cabo tambem d'aquellas que encerram os mares que banham as nossas costas.

Sinceramente confesso a v. ex.ª, sr. presidente, que me surprehendeu devéras...

(Interrupção do sr. Adriano Machado, que se não ouviu.)

Bem; eu faço completa justiça aos sentimentos do illustre deputado: sei que não era offensiva para a dignidade do governo a intenção com que o illustre deputado significou o seu pensamento; permitta-me porém s. ex.ª que eu declare que nenhum facto nem presumpção auctorisa a suspeita do attentado, contra o qual o illustre deputado protesta em tão energicos termos.

Este contrato é a copia fiel de um contrato sanccionado já pela approvação do poder legislativo, e contra elle, combatendo-o, ninguem levantou a suspeita de que com as suas disposições attentassemos contra a integridade de qualquer dominio, cuja posse nos cumpre salvaguardar e defender.

Não cito este facto como argumento para justificar o projecto que discutimos na especialidade das suas disposições; mas invoco o precedente para abonar com elle as intenções do governo, propondo e sustentando perante a camara o que outra camara já approvou e sanccionou com o seu voto.

Este contrato, repito, é a copia fiel de outro contrato sanccionado já pela approvação do poder legislativo. Se algumas disposições lhe foram additadas, forarm-n?o de certo com o intuito de salvaguardar os interesses do estado, e de pôr este projecto em harmonia com as prescripções regulamentares do decreto de 15 de dezembro de 1868, a que já em mais de uma occasião me referi n'esta discussão.

Sr. presidente, permitta-me v. ex.ª que, para estabelecer um certo methodo e uma certa ordem na exposição das minhas idéas, eu principie por fazer leitura á camara do artigo 8.° do projecto em discussão, artigo em que se resume a doutrina que tão pouco sympathica tem sido a alguns dos illustres deputados, e contra a qual se têem levantado tantas apprehensões. Diz o artigo: «Durante o espaço de trinta annos só ao concessionario e a nenhuma outra pessoa, sociedade ou companhia é permittido estabelecer ostreiras artificiaes e tanques de engorda, e colher ou dragar ostras para o commercio externo dos bancos existentes ou que vierem a existir dentro da area fixada e demarcada era virtude da condição primeira.»

Portanto, se o monopolio se abriga em alguma das disposições d'este contrato, é n'esta. Este é que é o artigo onde o monopolio, (...) monstrum horrendum do monopolio, se veiu abrigar. Como a camara vê ha n'elle dois exclusivos, dois privilegios concedidos ao concessionario: o primeiro, é de só a elle, dentro da area comprehendida na demarcação do artigo 1.º, ser permittido estabelecer ostreiras artificiaes ou tanques de engorda; o segundo, é de só elle concessionario poder colher ou dragar ostras para o consumo externo dos bancos existentes ou que vierem a existir dentro da mesma area. Pois bem; matemos o monopolio, eliminando o artigo e substituindo-o por outro em que se diga: é permittido a toda a pessoa, sociedade ou companhia estabelecer ostreiras artificiaes e tanques de engorda, e colher ou dragar ostras para o commercio quer interno, quer externo, dos bancos existentes ou que vierem a existir dentro da area comprehendida no artigo 1.° Contra este artigo formulado nos termos da mais ampla liberdade insurge-se logo o illustre deputado, que ainda na sessão passada tomou na mão o codigo das nossas liberdades publicas, para provar que n'elle se acha garantida a liberdade de industria, e citando á camara não sei qual paragrapho do artigo 145.°, dizia é garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude; protesto pois contra o facto de ser considerada propriedade commum o que é propriedade particular; que seja livre o colher e dragar ostras nos bancos naturaes comprehende-se, mas nas ostreiras artificiaes, mas n'aquellas que representam o sacrificio de grandes sommas, o despendio de grossos capitaes, isso não, que não é garantir o direito de propriedade, é nega-lo.

Creio que o illustre deputado seria o primeiro a argumentar por este modo; porque se o artigo da carta diz no preceito generico que nenhum genero de industria póde ser prohibido, diz tambem que o direito de propriedade deve ser respeitado; e parece-me que não será demonstração de respeito pelo direito de propriedade o permittir a uns que a criem a troco de grande despendio de capitães, e outros que a usufruam sem terem com o seu trabalho, ou com os seus meios concorrido para ella.

Modificavamos pois ainda o artigo e estabeleciamos a excepção, e portanto o privilegio, e por consequencia o monopolio a favor dos proprietarios das ostreiras artificiaes, e em vez de um monopolio teriamos muitos monopolios, e como isso não seria possivel perante os principios de liberdade que os illustres deputados proclamam, eliminar-se-ía ainda o novo artigo e seria substituido por outro, onde se dissesse que era prohibida a creação de ostreiras artificiaes e tanques de engorda, que constituem a favor dos seus creadores um privilegio odioso, e que apenas se conservariam as ostreiras naturaes, onde a todos seria promettido colher e dragar ostras para commercio externo ou consumo interno. Legislando assim teriamos na opinião dos illustres deputados morto talvez o monopolio, mas com certeza tambem tinhamos morto uma industria que aliás se figura tão promettedora e digna de contemplação.

Esta disposição, pois, do projecto regula por um modo racional a industria da cultura das ostras, nem por outra fórma, se não promovendo a creação de ostreiras artificiaes, e procurando garantir a conservação das naturaes, ella se poderá desenvolver, e não procuremos como rasão para combater o exclusivo que resulta do direito de propriedade o limitar a arca das concessões sobre que esse exclusivo se exerce. É insuspeito o testemunho da auctoridade que vou citar á camara, e diz elle: a importancia dos bancos naturaes está longe de corresponder ao que o seu numero e extensão parece prometterem; e em outro logar, que as concessões de areas restrictas e limitadas não offerecem

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

condições favoraveis aos concessionarios (leu). Diz isto o sr. dr. Bocage, voto auctorisadissimo na questão sujeita, e que com mais competencia tem escripto sobre a materia e o que praticamente a tem tambem estudado, porque foi a favor d'este concessionario que o governo celebrou o primeiro contrato sobre ostricultura.

Permitta-me a camara, pois, que eu declare que me não associo a este monopolio; aquelle de que eu tenho medo é do que concedemos á incuria e ao desleixo não promovendo o racional desenvolvimento d'esta industria, e permittindo a barbara destruição dos seus elementos sob a falsa applicação do principio de liberdade. Sob a influencia d'este fatal principio é que temos por longo tempo conservado as extensas charnecas que constituem logradouros publicos, que tão pouco aproveitam a quem os logra, e que tão nocivos são ao desenvolvimento da nossa agricultura (apoiados). Contra isto é que eu protesto e que sempre protestarei emquanto occupar esta cadeira, ou emquanto tiver assento na outra casa do parlamento, com toda a energia das minhas faculdades.

D'este monopolio é que eu me arreceio, e a este é que eu tenho verdadeiro horror. Não é por este meio que assegurâmos o pão quotidiano a essa desgraçada classe social tão desfavorecida da fortuna, e nem assim mesmo esquecida do fisco, a esses desgraçados cujo unico capital é a vida, como tão sentenciosamente disse o illustre deputado o sr. Barros e Cunha, a vida que constantemente arriscam no incessante lutar com as ondas, d'onde nem sempre arrancam o magro sustento de suas familias. Para essa classe, não nos illudamos, a realisação da empreza que por este contrato tenta o concessionario, assegurava-lhe de certo beneficios que no estado actual a industria da pesca das ostras lhe não póde fornecer.

As vantagens d'esta empreza, diz o sr. Bocage, cuja auctoridade invoco de novo, vão incidir na maxima parte na classe mais desfavorecida. Para a creação de um parque de 4 hectares é necessario despender 24:699 francos, o seu custeio importa 4:085 francos e pede 1:866 dias de trabalho. A limpeza das ostreiras naturaes, o estabelecimento das artificiaes, os reservatorios e parques de engorda que é necessario fundar, são outras tantas fontes de trabalho e portanto de riqueza para as povoações do litoral onde taes concessões se permittem.

Não proclamemos, pois, contra uma industria nova, apenas porque para que se estabeleça necessita de um exclusivo, que não é mais do que a consagração de propriedade na pessoa que á custa de seus capitães e trabalhos a funda. Se ha deslocação de interesses, tem a sua justificação na satisfação de um grande interesse geral, que pede que, a exemplo de outros paizes onde a industria ostreira tem tomado grandes proporções, tratemos de aproveitar, dirigir e fecundar os elementos que para ella se dão no nosso paiz. Argumentar contra ella por essa deslocação de interesses, é o mesmo que protestar contra o vapor applicado á navegação, por causa da protecção dispensada aos barcos de véla, ou contra o caminho de ferro, por causa da protecção dispensada aos barcos a vapor. Assim ainda teriamos a navegar no Tejo aquelles vapores, que o nosso immortal litterato ha pouco citado pelo meu nobre amigo, mandava ha já annos caranguejar para as lamas. Com argumentos d'esta ordem, nunca votariamos senão subordinando as questões á consideração de interesses muito pequenos.

Repito, eu não creio que, a não se fazer o que se fez, se podesse fazer outra cousa.

Diz-se que este monopolio entregue a um particular é horroroso. Mas qual é a idéa que se tem em vista quando se diz isto?

Que se diria de um governo que tivesse a audacia de pedir ao parlamento os meios necessarios para praticar uma das cousas que lá fóra se tem praticado com applauso da sciencia, e com fecundos resultados; para fazer um arremedo, um arremedo apenas do que se tem feito em França ou em Inglaterra.

Pois ha governo algum que se atreva a pedir um subsidio, e qualquer subsidio para uma despeza d'essas, hoje que confundimos as despezas productivas com as improductivas, hoje que estas considerações actuam sobre o espirito de todos os homens publicos? Não póde ser.

Eu não quero abusar da paciencia da camara, e agradeço-lhe a benevolencia.

A hora já deu, e vou concluir as minhas observações.

Sr. presidente, eu entendo que este contrato, approvado que seja, não póde ter as consequencias que a muitos se afiguram que terá. Não creio tambem que seja um grande presente que façamos ao concessionario, de cujo nome me não lembro (apoiados), e que quizera mesmo que não acudisse tão facilmente n'esta questão á maneira das ostras.

Esta concessão na minha opinião não importa ao concessionario um grande beneficio, e pela minha parte declaro que se houvesse sancção para o não cumprimento d'este contrato, creio que difficilmente o concessionario encontraria a quem o cedesse. Eu por mim se elle m'o offerecesse não o aceitava; dir-lhe-ía — Timeo danaos et dona ferentes. Vejâmos pois as cousas como ellas são.

Parece que se tem querido dividir a camara em dois partidos: a camara que aceita, acata e respeita o monopolio; e a camara que protesta contra elle.

Isto não póde ser, e pede a verdade que se diga que não deve ser.

Concluo agradecendo a benevolencia da camara, e pedindo-lhe desculpa de haver passado já a hora, tomando por tanto tempo a sua attenção (apoiados).

(O orador não foi distinctamente ouvido da banca dos tachygraphos, principalmente na ultima parte do seu discurso.)

Vozes: — Deu a hora.

O sr. Presidente: — Como já deu a hora em que costumâmos findar os nossos trabalhos, vou encerrar a sessão.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quasi quatro horas e meia da tarde.

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