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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas vamos á questão da penitenciaria.

Eu sempre julguei, em presença das portarias que saíam do ministerio das obras publicas, e sobretudo pelos commentarios que nos jornaes mais affeiçoados ao governo se faziam com respeito aquella repartição de serviço publico, que o gabinete não manifestaria grande sentimento se podesse envolver em qualquer acto irregular praticado na penitenciaria o chefe d'aquelle estabelecimento. (Apoiados.)

A publicidade d'aquellas portarias era acompanhada sempre de commentarios muito expressivos; e todas as portarias relativas aquella repartição eram publicadas, sem exceptuar a que remettia os respectivos autos de investigação ao poder judicia], quando raras vezes se dá publicidade a uma ordem para instaurar um processo, que vem mais tarde a importar segredo de justiça.

Pareceu-me desde logo em vista d'aquelles factos e de outras circumstancias, que o governo não se mostraria muito magoado se em qualquer acto de irregularidade praticado na penitenciaria ficasse implicado o chefe d'aquelle estabelecimento, e ainda mesmo que essa responsabilidade subisse mais alto. (Apoiados.)

Mas desde que um dos srs. ministros declarou n'esta casa que o chefe d'aquelle estabelecimento era de um caracter honradissimo e de uma probidade, a toda a prova, como qualquer dos srs. deputados ou ministros, nada carecia eu de dizer a tal respeito. (Apoiados.)

Ainda assim hei de responder á provocação.

Este governo tem sido o governo mais respeitador da independencia do poder judicial.

Posso assegurar á assembléa que nenhum governo deu nunca aos actos do poder judicial a importancia que este gabinete lhe tem dado.

Quando o poder judicial proferia a sua decisão sobre algum ponto importante, essa decisão tinha para o governo, mesmo em assumpto administrativo, a força de lei escripta.

Os outros governos não levavam tão longe o seu respeito pelas decisões judiciaes.

Quantas vezes um empregado pronunciado em processo criminal, e absolvido por decisão do jury, era no dia immediato demittido pelo governo (Apoiados.)!

A responsabilidade criminal não se confunde com a responsabilidade administrativa; e por isso o empregado envolvido em processo crime, com relação ao exercicio das suas funcções, que não era pronunciado pelo poder judicial, ou que pronunciado era absolvido por não se, reunirem todos os elementos constitutivos de criminalidade, ainda assim era muitas vezes suspenso ou demittido pelo poder executivo.

Mas este governo não procedia assim.

O poder judicial decidia, e esta decisão era para o gabinete a ultima palavra. O despacho do juiz limpava o arguido de toda a mancha e de toda e qualquer responsabilidade, não só criminal, mas administrativa.

Um exemplo frisante d'este procedimento do governo encontra-se na portaria do ministerio do reino de 3 de dezembro de 1877, publicada no Diario de 10 do mesmo mez e anno, que passo a ler:

«Não tendo resultado para o commissario de policia de Lisboa, Christovão Pedro de Moraes Sarmento, responsabilidade alguma nos factos occorridos no passeio publico do Rocio, na noite de 17 de junho ultimo, visto que no processo criminal, que pelos mesmos factos foi instaurado, não ficou o referido commissario geral indiciado pelo tribunal; ha por bem Sua Magestade El-Rei mandar levantar a suspensão que lhe foi imposta por portaria de 20 do referido mez de junho.»

Para o commissario geral de policia não resultou responsabilidade alguma, nem criminal, nem administrativa, porque não tinha sido indiciado pelo tribunal.

Logo que se verificou que o commissario geral não havia sido indiciado pelo tribunal criminal, decidiu o governo que este empregado estava inteiramente isento de responsabilidade, tanto criminal como administrativa!

E note a camara que os acontecimentos do passeio publico tinham assumido proporções tão graves, que se publicou uma portaria, que agora não pude encontrar, ou antes, que não procurei, porque não vinha prevenido para esta discussão, em que o sr. ministro das obras publicas arbitrava uma gratificação de 500 ou 600 réis diarios a um correio ou empregado da repartição dependente do seu ministerio, que na occasião d'esses acontecimentos foi ferido, quando (dizia a portaria) passava pacificamente. (Apoiados.)

O procedimento da auctoridade publica foi tão grave n'essa occasião, que o governo implicitamente accusou a guarda municipal, que tem sido uma sentinella constante da ordem e da tranquillidade na cidade (Apoiados.), de acutilar os cidadãos pacificos, porque a isso conduz a declaração feita n'um documento official, de que um cidadão tinha sido ferido quando passava pacificamente.

Ora n'este negocio, aliás de tanta gravidade, nem se chamou o processo ao gabinete dos ministros, nem foi castigado o delegado do procurador regio, nem censurado o juiz. (Apoiados.)

Comparemos agora este procedimento do governo com o que elle teve na questão da penitenciaria.

E note a camara que eu não estou resolvido, nem a accusar, nem a defender os juizes e os delegados do procurador regio que intervieram no processo dos acontecimentos do passeio publico e nos processos relativos á questão da penitenciaria, porque não examinei os autos.

E ainda que tivesse examinado o processo não me entretinha agora, nem entretinha a assembléa com similhantes discussões. Eu confronto apenas o procedimento do governo nos acontecimentos do passeio e na questão da penitenciaria.

Ali louvou-se o governo na decisão imparcial e desafrontada do poder judicial; aqui foi castigado o delegado e censurado o juiz, porque um promoveu e outro decidiu contra os desejos do governo!

E com respeito á questão da penitenciaria dá-se ainda uma circumstancia especial muito agravante para o gabinete, e vem a ser que tanto o juiz como o delegado, que intervieram no processo, foram collocados nos seus logares pelo actual governo (Apoiados.); e a transferencia de um juiz para a comarca de Lisboa é sempre um favor aos juizes mais distinctos de 1.ª classe, ou o reconhecimento d'essa distincção; nem o sr. ministro da justiça era capaz de transferir para Lisboa um juiz que não fosse dos primeiros da sua classe em probidade e illustração.

Sr. presidente, não digo, nem é preciso dizer mais nada a respeito da penitenciaria. Mas desde que o gabinete elevou a questão da administração de um estabelecimento publico ás alturas de uma importante questão politica, torna-se indispensavel que este ou outro gabinete ordene uma syndicancia rigorosa e imparcial á gerencia d'aquella repartição. (Apoiados.)

Esta syndicancia é indispensavel no interesse da administração, ou pelo menos no interesse da historia.

Fiz assim a vontade ao sr. presidente do conselho, que estava com desejo de ouvir-me a respeito da penitenciaria. (Riso.)

Em todo o caso tenho a convicção de que estou de accordo com a maioria dos meus collegas na conclusão da minha moção. Nas rasões que a fundamentam póde haver divergencias, porque as rasões que cada um tem para a votar são puramente individuaes; n'essas rasões podemos estar em desaccordo; mas estamos de certo de accordo no principal, que é negar confiança ao gabinete. (Apoiados.)

A minha moção foi até redigida menos para mim e para os meus amigos, que nunca acreditamos no governo, nem no seu programma, de que para a maioria da assembléa, a

Sessão de 26 de janeiro de 1878