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SESSÃO DE 26 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Antes da ordem do dia remettem-se para a mesa representações e requerimentos. — O sr. Eduardo Tavares pede explicações ao sr. ministro do reino ácerca de uma representação de diversos cidadãos do Barreiro, que pedem lhes seja garantida a liberdade de votar. Responde o sr. ministro do reino, declarando que não póde dizer qual o estado do negocio por não ser permittido para esta discussão. — Na ordem do dia, depois de terem usado da palavra os srs. Luciano de Castro, Dias Ferreira, presidente do conselho, ministro da fazenda, Arrobas, ministro da justiça, visconde de Moreira de Rey e Luiz de Campos, é votada a moção de censura apresentada pelo sr. Dias Ferreira por 69 votos contra 19, apresentando no fim da sessão o sr. Osorio de Vasconcellos uma proposta para ser nomeada uma commissão de inquerito á penitenciaria central.

Presentes á chamada 59 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Dias Ferreira, Pereira da Costa, José Luciano, Ferreira Freire, José de Mello Gouveia, Sampaio e Mello, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello e Simas, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Pedro Correia, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Telles de Vasconcellos, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Conde da Foz, Forjaz de Sampaio, Pinheiro Osorio, Illidio do Valle, J. Perdigão, Jeronymo Pimentel, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Matos Correia, Correia de Oliveira, Guilherme Pacheco, Namorado, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Mariano de Carvalho, Pedro Franco, Pedro Jacome, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Francisco Mendes, Cardoso Klerck, Figueiredo de Faria, Nogueira, Freitas Branco, Alves Passos, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — ás duas horas da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando a nota da receita e despeza da confraria da Senhora de Peneda, do concelho dos Arcos de Valle de Vez.

Foi enviado á secretaria.

2.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando nota das despezas e trabalhos feitos no caminho de ferro do Algarve desde o 1.° de maio até 31 de dezembro de 1877.

Foi enviado á secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal de Lagos, pedindo que seja creado um imposto especial de meio por cento ad valorem, sobre todos os objectos que se exportarem pela barra da cidade de Lagos, destinado aos encargos provenientes da reconstrucção do aqueducto que abastece de agua a cidade, e da construcção de um caes em harmonia com a stricta necessidade de porto.

Apresentaria pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviaria á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

2.ª Dos povos de Vendas Novas, pedindo a approvação da proposta do governo, que tem por fim a construcção do caminho de ferro do sul e sueste para o Algarve, o bem assim a ligação d'aquelle com o de leste entre Extremoz e Chancellaria.

Apresentada pelo sr. deputado Pereira de Miranda e enviada á commissão de obras publicas.

Participação

Declaro que não compareci ás sessões anteriores por motivo justificado.

Sala das sessões da camara dos deputados, 25 de janeiro de 1878. = José Maria, de Moraes Pego.

Declaração

Do sr. Jeronymo Pimentel, participando que o sr. Alves Passos, por causa da gravidade da doença de seu filho não póde comparecer á sessão do dia 24, á de hoje e talvez a mais alguma.

Mandaram-se lançar na acta.

Requerimento

Requeiro que pelo ministerio da fazenda se remetta a esta camara uma relação dos individuos, despachados desde 1 de dezembro de 1877 até hoje, guardas da alfandega do districto de Lisboa, com designação de suas idades e declaração se tinham servido no exercito ou na armada. = Neves Carneiro.

Foi remettido ao governo.

O sr. Presidente: — A deputação encarregada por esta camara de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa cumpriu a sua missão, e foi recebida pelo mesmo Augusto Senhor com a sua costumada benevolencia.

O sr. Eduardo Tavares: — Torno a perguntar hoje a v. ex.ª se, pelo ministerio da justiça, foram já remettidos á camara os documentos que ha mais de quinze dias pedi, relativos ao administrador do Barreiro, João Cosme Leal Madail, e ao prior da freguezia de Santa Cruz, do mesmo concelho.

Espero a resposta de s. ex.ª, e torno a pedir-lhe o obsequio de me reservar a palavra para quando estiver presente o sr. presidente do conselho de ministros. Infelizmente não pude usar hontem d'ella porque, quando entrei na sala, já se tinha começado a ordem do dia. Peço, pois, a v. ex.ª a especial fineza de m'a conceder hoje logo que s. ex.ª chegue. Prometto não abusar da paciencia da camara. Sei que está empenhada n'um debate importante, que eu de modo algum desejo protrahir.

Se não fosse um dever, que reputo indeclinavel, não ousaria tomar á camara alguns, ainda que poucos, minutos.

O sr. Pinheiro Chagas: — Mando para a mesa varios requerimentos de officiaes de infanteria n.º 9, pedindo augmento de soldo.

Não apresento considerações algumas a este respeito,

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porque este assumpto tem já sido tratado proficientemente por alguns dos meus collegas.

Mando tambem para a mesa um requerimento de D. Maria da Piedade Cabral de Arriaga, filha do brigadeiro de artilheria Sebastião José de Arriaga Brum da Silveira, em que pede uma pensão, allegando os serviços extraordinarios e relevantes de seu pae, que foi um dos heroes da guerra peninsular, e um dos homens que mais illustraram o nome portuguez n'essas pugnas memoraveis.

Mando igualmente para a mesa um requerimento do ajudante da praça de Juromenha, em que pede que esta camara lhe repare uma injustiça que se lhe fez em uma promoção a que tinha direito.

Mando finalmente para a mesa uma representação da camara municipal de Lagos, pedindo que a camara dos senhores deputados lhe conceda poder cobrar, pelo espaço de cinco annos, o imposto especial de 1/2 por cento ad valorem sobre todos os objectos que se exportarem pela barra da mesma cidade e productos agricolas, figo e amendoa que saírem do concelho por via maritima ou terrestre, a fim do producto d'este imposto ser applicado a fazer face aos encargos provenientes da construcção do aqueducto que abastece de agua a cidade e de um caes necessario no mesmo porto.

Peço a v. ex.ª que se dê a estes documentos o devido destino.

O sr. Antunes Guerreiro: — Mando para a mesa um requerimento de D. Emilia da Conceição Silva Chagas, viuva do general de brigada reformado João Antonio da Silva Chagas, pedindo uma pensão.

O sr. Carlos Testa: — Pedi a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas. Como s. ex.ª não está presente, desisto da palavra, e reservo-me para occasião mais opportuna.

O sr. Eduardo Tavares: — Não poderia haver da minha parte maior empenho do que não ser compellido a pronunciar uma unica palavra n'esta casa emquanto durasse o tristissimo consulado do meu nobre amigo o sr. marquez d'Avila e de Bolama. E digo nobre amigo, porque ha muitos annos que tenho a satisfação e a honra de ter relações com s. ex.ª e de retribuir a sua estima com igual estima.

Se não fosse um dever, que não posso adiar, não levantaria, pois, a minha voz para pedir a s. ex.ª que me responda ao assumpto que passo a expor á camara.

No dia 7 d'este mez apresentei-me ao ministerio do reino acompanhando uma grande commissão de pessoas das mais qualificadas do Barreiro, entre as quaes vinha a maioria da camara municipal d'aquelle concelho. Vinha essa commissão apresentar ao sr. ministro do reino uma representação assignada por oitenta eleitores, dos principaes d'ali, e alguns documentos com os quaes se prova á saciedade, como a camara vae ver pela leitura d'elles, a escandalosissima interferencia da auctoridade administrativa na eleição municipal que ali teve logar nos dias 25, 26 e 27 de novembro ultimo, e que depois foi annullada pelo conselho do districto.

Peço licença á camara para ler esses documentos. Começarei pela representação, que diz assim:

«Senhor. — Havendo sido annullada pelo meritissimo conselho do districto a eleição municipal a que nos dias 25, 26 e 27 de novembro proximo passado se procedeu n'este concelho do Barreiro, sendo um dos fundamentos da annullação a escandalosa intervenção do administrador João Cosme Leal Madail no acto eleitoral, e a protecção que constantemente dispensou e está dispensando a uma das parcialidades em luta, chegando a permittir que o regedor e seu substituto da freguezia de Santa Cruz não só se empenhassem directa e pessoalmente na mesma eleição, mas até formassem parte do centro eleitoral progressista que se organisou n'aquella villa para, de accordo com o partido progressista, fazer triumphar a sua lista, como tudo consta da acta da installação publicada pelo jornal Progresso aqui junto, entendem os abaixo assignados que não devem voltar á uma emquanto lhes não for por Vossa Magestade garantida a liberdade eleitoral com a demissão ou transferencia do administrador incriminado e completamente exautorado, não só pelo que se provou no conselho do districto com relação ao seu parcialissimo e faccioso procedimento, mas pelos documentos que os supplicantes juntam por certidões, e que, só por si, bastam para não deixar duvidas sobre a impossibilidade moral d'aquella auctoridade no concelho de que se trata.

«Senhor. — Ainda quando não houvessem outras rasões que aconselhassem a retirada d'aquella auctoridade do concelho em questão, o simples facto de metade d'elle, pelo menos, ser contrario a elle pelos seus actos de revoltante parcialidade, bastaria para a aconselhar, porque de certo Vossa Magestade não deseja que o principio auctoritario, longe de ser uma protecção, seja uma oppressão.

«N'estes termos os abaixo assignados, cidadãos do concelho do Barreiro, pedem respeitosamente a Vossa Magestade haja de ordenar que o administrador actual do Barreiro seja substituido por outro que pela sua respeitabilidade dê aos supplicantes a garantia de que lhes ha de ser mantida a plena liberdade de suffragio.»

Como se vê, n'esta representação pedem os signatarios ao governo que lhes mantenha a liberdade da uma na eleição que deve ter logar no dia 3 do proximo mez de fevereiro, sem o que não usarão do direito do suffragio.

Lerei agora o accordão do conselho do districto que annullou a eleição, e condemnou o famoso administrador João Cosme Leal Madail pelo seu inqualificavel procedimento relativo á eleição.

É como segue:

«Accordam em conselho do districto, et caetera. Visto o presente processo da eleição da camara municipal do concelho do Barreiro, verificada no dia 25 de novembro proximo passado para o biennio de 1878-1879; mostra-se que contra a mesma eleição protestaram vinte e dois eleitores, arguindo-a de nulla em rasão de varias faltas e importantes irregularidades na mesma eleição commettidas, taes como a inelegibilidade do vereador eleito José Silvestre Junior, com infracção do disposto no codigo administrativo, artigo 16.° n.º 5.°; a intervenção da auctoridade administrativa na eleição, com offensa do § unico do artigo 58.° do citado codigo; a falta de menção na acta da reclamação de Augusto Rodrigues ácerca da verificação da identidade, de muitos eleitores, alem de igual falta com respeito a outras reclamações do mesmo modo feitas, e injustamente decididas pela mesa com offensa ao artigo 62.° do mesmo codigo; e finalmente a criminosa compra de votos, e a corrupção e pressão condemnaveis por diversos modos empregadas contra os eleitores. Este protesto é contestado em todas as suas partes por outros (quatorze) eleitores negando a verdade de uns factos, e explicando o modo por que succederam outros; o que tudo bem ponderado:

«Considerando que a eleição popular, base fundamental de todo o governo constitucional e representativo deve ser a inteira expressão da verdade e a mais livre e genuina manifestação da vontade soberana do povo, chamado por esta fórma a intervir na direcção e gerencia dos negocios publicos;

«Considerando que para tão justo e importante fim todas as leis peomulgadas sobre este assumpto têem estatuido formalidades todas tendentes a garantir a mais ampla liberdade do eleitor e a inviolabilidade do escrutinio, recommendando por isso, e sempre, que o acto eleitoral se effectue com a maior regularidade e a mais exacta observancia das alludidas formalidades;

«Considerando que se nem todas as irregularidades devem importar a nullidade do acto eleitoral, alem das expressamente fulminadas pela lei, outras ha que affectando a substancia da eleição provocam a imposição de tal penalidade;

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«Considerando que, alem de outras, incontestavelmente é substancial a formalidade estabelecida no artigo 62.° do codigo administrativo, estatuindo preceptiva e terminantemente que nas actas se mencionem todas as reclamações dos eleitores e quaesquer decisões sobre ellas tomadas pela mesa, certamente com o fim de nas estações superiores se poder apreciar a procedencia de taes reclamações e a justiça com que foram decididas, e serem a final definitivamente resolvidas — § 4.º do citado artigo 62.°;

«Considerando que, supposto das actas da eleição municipal do Barreiro não conste ter havido reclamação alguma, comtudo os eleitores protestantes denunciam a sua existencia e pelos contraprotestantes é confirmada, já com relação á especificada falta de identificação dos eleitores, já com relação a outras reclamações que classificam de sem importancia, o que bem demonstra por modo insuspeito a veracidade da arguição dos protestantes ácerca das reclamações e decisões tomadas, e que por isso não se podem agora apreciar como era mister;

«Considerando que a identificação dos eleitores, aliás essencial, foi por esta o outras formas preterida;

«Considerando que d'este modo as actas da referida eleição não são, como cumpria, a pura e fiel expressão de toda a verdade, tão recommendada e indispensavel em taes actos, não podendo por isso ser acreditadas no mais n'ellas mencionado, o que equivale á falta total das mesmas actas, formalidade aliás substancialissima;

«Considerando alem isso, e finalmente, que em presença das diversas peças d'este processo, pelo menos fica duvidosa a plena liberdade dos eleitores, já pela condemnavel intervenção da auctoridade administrativa na eleição, já pela sordida pressão interesseira exercida contra os mesmos eleitores:

«Por todas estas rasões, e pelo mais que consta do processo, d'onde aliás se não póde bem conhecer se ao menos se observou o estrictamente indispensavel, julgam nulla a referida eleição da camara municipal do Barreiro, verificada no dia 25 e seguintes de novembro do corrente anno, e designam para a nova eleição o dia 3 de fevereiro de 1878.

«Lisboa, sala do conselho do districto, em sessão de 27 de dezembro de 1877.»

Agora os restantes documentos, sobre os quaes chamo a attenção da camara.

Disse-se na imprensa, e foi uma triste verdade, que o administrador Madail tomára uma parte tão activa, directa e escandalosa no acto eleitoral, que até dentro da assembléa, sem reclamação do presidente, se entremettêra n'esse acto, a ponto de insultar tão grosseiramente o continuo da camara, José Ignacio Nunes, que este caíra fulminado com uma congestão cerebral de que, horas depois, falleceu. Este desventurado era contrario ao partido do administrador.

Vejamos o que a tal respeito resam os seguintes documentos:

«Illmo. e exmo. sr. presidente da assembléa eleitoral do concelho do Barreiro. — Dizem os abaixo assignados, cidadãos eleitores do concelho do Barreiro, que precisam que v. ex.ª, para bem de sua justiça, lhes certifique o seguinte:

«Se é ou não verdade que o administrador d'este concelho, João Cosme Leal Madail, por occasião das eleições municipaes que tiveram logar n'esta villa nos dias 25, 26 e 27 de novembro proximo passado, se entremetteu no serviço da mesa eleitoral, dando ordens, expendendo opiniões, sem que para isso fosse reclamado por v. ex.ª, ou mesmo pedida a sua opinião;

«Se é ou não verdade ter-se o mesmo administrador dirigido asperamente ao continuo da camara, José Ignacio Nunes, dando-lhe ordens sem auctorisação nem reclamação de v. ex.ª;

«Se é ou não verdade que, depois do continuo ser tão rispidamente reprehendido, sem o merecer, pediu a v. ex.ª licença para se retirar, por motivo de doença, e que momentos depois v. ex.ª soube que tinha sido acommettido de uma congestão cerebral, de que falleceu horas depois;

«Se é ou não verdade que, sem lhe ser pedido ou reclamado por v. ex.ª, o administrador do concelho se impoz a redigir as actas no dia 27 de novembro proximo passado, as quaes foram redigidas a seu bello prazer.

«Os abaixo assignados esperam, a bem da sua justiça, que v. ex.ª certifique os pontos acima com a lealdade e verdade que o caracterisam: por isso — E. R. M.ce — Barreiro, 20 de dezembro de 1877. = Luiz dos Santos = José Ferreira.»

Attestado do presidente da assembléa, eleitoral do Barreiro, deferindo a petição supra.

«João Maria de Abreu Moreira, presidente da camara municipal do concelho do Barreiro, etc.

«Attesto que na occasião em que presidia á eleição da camara municipal nos dias 25, 26 e 27 de novembro ultimo, vendo que na igreja se tinham juntado muitos rapazes e que estavam fazendo bulha, ordenei ao continuo da camara, José Ignacio Nunes, para que os fizesse retirar d'ali, e não tendo este ouvido as ordens por mim dadas, o administrador do concelho, João Cosme Leal Madail, se dirigiu asperamente ao dito Nunes, dizendo-lhe que cumprisse immediatamente as ordens do sr. presidente, ao que o dito Nunes respondeu que ali só recebia ordens e reprehensões do sr. presidente: que depois Nunes lhe pediu para ir para casa por se achar incommodado, porém que só á noite, depois de acabado o acto eleitora. d'aquelle dia, é que sube que tinha sido atacado de uma congestão cerebral, de que falleceu na mesma noite.

«Que no dia 26 o cidadão Augusto Rodrigues lhe requerêra para que, chamasse á ordem o administrador do concelho que se estava entremettendo na maneira de verificar a identidade de alguns eleitores maritimos que não têem quota de decima, e muito mais que elle administrador não se achava recenseado como eleitor, ao que immediatamente attendi, e se continuou a praticar pela mesma fórma que se estava fazendo.

«Quanto ás actas originaes foram escriptas pelo secretario José Silvestre Junior, e dictadas pelo secretario Manuel Vicente Caleiro, e na ultima, na occasião em que este estava dictando, o administrador fez observações á sua redacção, de cujas observações foram acceitas as que pareciam que o deviam ser.

«Barreiro, 22 de dezembro de 1877. = João Maria de Abreu Moreira.»

A camara vê que o presidente da assembléa confessa que o administrador se entremetteu no acto eleitoral sem reclamação sua, que reprehendeu asperamente o pobre continuo e que teve de o chamar á ordem!

Vejamos agora a declaração da infeliz viuva e filhos do continuo, isto é, das desditosas victimas da tyrannia do administrador Madail.

Chamo sobre ella a attenção dos meus collegas.

Declaração da viuva e filhos de José Ignacio Nunes sobre a causa, que originou a morte de seu marido e pae

«Os abaixo assignados, viuva e filhos do fallecido José Ignacio Nunes, ex-continuo da camara municipal do Barreiro, declaram debaixo da sua palavra de honra, e, se tanto for preciso, juram aos Santos Evangelhos, que o sr. dr. Manuel dos Santos Costa, facultativo n'esta localidade, a unica vez que foi chamado para tratar de seu marido e pae foi aquella de que falleceu no dia 25 de novembro proximo passado, victima de uma congestão cerebral, provocada pelos insultos que lhe dirigiu o administrador d’este concelho, João Cosme Leal Madail. Serve a presente declaração para affirmar que seu marido e pae nunca teve ataques ou ameaça alguma da molestia de que infelizmente foi victima, e por isso estranham que hoje, com fins, se diga o contrario.

«Barreiro, 20 de dezembro de 1877.

«A rogo da sr.ª Joaquina Ambrosia Ferreira Nunes, Au-

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gusto Rodrigues = José Ignacio Nunes Junior = Antonio José Nunes = João Ignacio Nunes.

«A rogo de Francisco Ignacio Nunes e Manuel Joaquim Emauz Nunes, Ventura Eloy da Fonseca Caieiro.»

Este documento, como a camara vê, não carece de commentarios.

Os partidarios do administrador tinham querido persuadir que o desgraçado Nunes morrêra em resultado de um antigo padecimento: a familia contesta, e, na sua afflicção, diz a verdade pura.

Acrescentarei agora mais este documento, que tambem foi entregue ao sr. ministro do reino, para que fique registada a historia vergonhosa da eleição do Barreiro, protegida pelo governo e pelas suas auctoridades:

«Pelo juizo de direito da comarca de Aldeia Gallega do Ribatejo, e cartorio do escrivão João Augusto Fernandes Jorge, correm editos de trinta dias, citando todas as pessoas incertas e interessadas n'uns autos de justificação avulsa, em que são justificantes Luiz dos Santos e Ventura Eloy da Fonseca Caieiro, residentes na villa do Barreiro, os quaes pretendem justificar que por occasião das eleições municipaes, que tiveram logar na dita villa do Barreiro nos dias 25, 26 e 27 do mez preterito (novembro) do corrente anno, não só houve compra de votos, passando-se dinheiro aos eleitores, mas tambem se exerceu pressão sobre a vontade dos eleitores; por isso pelo presente são citadas todas as pessoas incertas, para na segunda audiencia, posterior ao dito praso de trinta dias, verem accusar as citações e se designar o praso legal, para contestarem, querendo, pena de revelia; com a declaração de que as audiencias se costumam fazer todas as segundas e quintas feiras de cada semana, não sendo dia santo ou feriado, porque, sendo-o, se fazem no dia immediato, cujo praso se contará da data do ultimo annuncio.

«Dado n'esta villa de Aldeia Gallega do Ribatejo, aos 20 dias do mez de dezembro de 1877. — Eu, João Augusto Fernandes Jorge, escrivão, o escrevi. = João Augusto Fernandes Jorge.

«Verifiquei. — Aldeia Gallega, data retrò. = Callado.»

O sr. presidente do conselho prometteu á commissão que havia de tomar na devida consideração os documentos e a sua representação, e pede a verdade que se diga que mandou logo os papeis para o governo civil.

D'ahi foram elles para a mão do administrador, que os teve treze dias em seu poder, com o fim especulativo de tornar impossivel ao governo o tomar uma resolução a tempo, visto que a eleição terá logar de ámanhã a oito dias.

Agora, porém, esses papeis já estão ha tres dias no ministerio do reino, e eu tenho a certeza de que o governo não, deferirá á justa pretensão dos signatarios.

É por isso que trago este negocio á camara. O sr. ministro deve resolver. Tome a resolução que lhe parecer mais justa.

Se entender que é justo que aquelles cidadãos devam continuar sujeitos á pressão da auctoridade facciosa, tome a responsabilidade de o declarar.

Espero ouvir as explicações do nobre ministro, e peço a v. ex.ª que me reserve a palavra, ou para lh'as agradecer, ou para lhes retorquir.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — A camara comprehendo que é impossivel que isto continue assim! O governo passa a sua vida nas duas casas do parlamento, tem de reunir documentos para poder responder ás arguições ou censuras que lhe são feitas todos os dias, e não é possivel vir de livro aberto responder a um sr. deputado que estuda uma questão em casa e traz os documentos necessarios para provar o que diz. Isto não é possivel.

Apesar do illustre deputado ter dito que é meu amigo, mas que deplora o meu triste consulado, o que lhe não agradeço, parece-me que andaria melhor se me tivesse dito hontem que me desejava fazer hoje esta pergunta, porque então eu traria os documentos que existissem na secretaria, e podia responder-lhe cabalmente, porém agora não o posso fazer.

O illustre deputado veiu fallar-me á frente de uma commissão, depois veiu outra commissão no sentido contrario á do illustre deputado, e eu mandei ouvir as auctoridades incriminadas ou censuradas nas representações que me foram entregues.

Diz tambem o illustre deputado que já estão os documentos, ha dois dias, no ministerio do reino. Sabe mais do que eu; porque o chefe da respectiva repartição ainda não m'os apresentou.

O que posso dizer a s. ex.ª é que não costumo demorar o expediente dos negocios, mas é necessario contar com as forças humanas; ao tempo em que estou na camara não posso estar na secretaria a resolver os negocios a meu cargo; e ao tempo em que estou na secretaria a habilitar-me para responder ás arguições que se me fazem aqui todos os dias não posso tambem occupar-me do expediente.

Prometto ao illustre deputado que hei de examinar sem demora este negocio para o resolver como for justo.

O sr. Eduardo Tavares: — V. ex.ª e a camara comprehendem que eu ficaria collocado n'uma situação bastante deploravel se acaso tudo quanto disse o sr. ministro do reino não podesse ter uma prompta resposta da minha parte.

Afianço sob a minha palavra de honra, que preveni ha dois dias o sr. ministro de que os papeis haviam dado entrada na sua secretaria.

Se insisto n'esta questão é porque de ámanhã a oito dias deve ter logar a nova eleição.

Creio que o governo deve ser o primeiro a desejar que as auctoridades não exerçam pressão eleitoral, principalmente tratando se de uma, já condemnada de parcial pelo conselho do districto; mas se elle quer o contrario tenha a coragem de o dizer francamente á camara. Não deixe a resolução de um negocio tão momentoso e urgente para as kalendas gregas.

Veiu outra commissão, disso s. ex.ª, pedir o contrario do que pedia a primeira. Isso sei eu.

O administrador mandou os seus parciaes, aquelles que ganham em que elle os proteja; mas se é essa commissão que tem rasão, attenda a o sr. ministro, que nós depois, se tivermos tempo, na phrase de s. ex.ª, ajustaremos aqui as nossas contas.

É melhor ter a coragem de dizer que se deseja conservar o administrador, condemnado como faccioso, que está no Barreiro ás ordens de dois padres, talvez d'aquelles para quem o sr. presidente do conselho nos disse, aqui ha dias, que tinha appellado para o ajudarem a salvar os principios liberaes!

Sr. presidente, esta questão da eleição do Barreiro é muito séria, e tão séria que deu logar a que no conselho do districto apparecessem as suspeições politicas. E sabe v. ex.ª quem as levou lá? Foi um parocho de Lisboa, em pessoa! Não admira: no Barreiro o chefe do bando reaccionario, ás ordens do sr. marquez d'Avila, é o celebre prior Ribeiro!

E, a proposito, perguntarei eu a rasão por que o sr. ministro da justiça me não mandou ainda os esclarecimentos, que lhe pedi ha mais de quinze dias, a respeito de uma celebre tabella de emolumentos parochiaes que aquelle parocho arranjou para sou uso, o sobre os motivos que têem obstado a que seja posta a concurso a igreja de Palhaes.

O que se vê é que este governo tem sempre meio de cobrir os seus parciaes, mas complete a sua obra: tome uma resolução, e oxalá que ella seja digna do sr. ministro e do elevado logar que occupa. (Apoiados.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Agradeço ao illustre deputado a licença que me dá para resolver esta questão como entender. Não precisava d'esta licença. E parece-me que o illustre deputado tem rasão para

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saber que eu no desempenho dos cargos que exerço não faço senão justiça.

O illustre deputado fallou do partido que tinha o prior de Caparica.

Eu não sei quem elle é, a guerra que elle lhe faz, e o motivo porquê.

O illustre deputado quer que demitta o administrador...

O sr. Eduardo Tavares: — Não disse isso.

O Orador: — Disse-o de outra fórma. Eu não demitto um administrador por uma pessoa ou outra o pedir.

Os administradores do concelho não são auctoridades dependentes de pessoa alguma a não ser dos governadores civis.

Os administradores de concelho são da confiança dos governadores civis; e não havendo motivo para os destituir, eu não destituo nenhum. Tenha o illustre deputado a certeza d'isso.

Não considero que o administrador de concelho esteja vinculado a nenhum sr. deputado, nem que ninguem tenha auctoridade de exigir do governo que o demitta. Partam os illustres deputados d'este principio.

Ha uma accusação contra uma auctoridade administrativa; hei de examinar se é justa.

Se for justa não é preciso que o illustre deputado venha dizer que tenha a coragem de resolver este negocio. O illustre deputado sabe que tenho a coragem de fazer o que devo. (Apoiados.)

O illustre deputado fallou na estima que professava por mim e n'aquella com que eu lhe correspondo. A maneira por que o illustre deputado acaba de se portar a meu respeito, abona bem pouco a sinceridade das expressões que empregou.

O illustre deputado veiu fallar nas suspeições politicas! Ignora alguem n'esta e na outra casa do parlamento que eu combati as suspeições politicas que tinham sido votadas n'esta casa?

Pois o illustre deputado que fallou nas suspeições politicas...

(Interrupção.)

Peço perdão: quando n'esta camara se votavam as suspeições politicas, eu combatias com todas as minhas forças na outra camara e no parecer, que corre impresso, e de que fui relator.

Glorio-me d'isso.

Estou fallando diante de um antigo amigo, que foi membro da commissão, e sabe que me pronunciei abertamente contra as suspeições politicas;

Mas chegámos a um tempo em que se desfigura a historia; diz-se tudo o que se quer. (Riso) Não se riam; é verdade.

E quando eu tiver a palavra provarei que hontem foram-se buscar actos da minha vida praticados ha trinta annos, e contaram-se de uma maneira inteiramente contraria ao modo por que esses actos tiveram logar.

Digo ao illustre deputado que estou fallando com um profundo sentimento de tristeza.

Queria que n'esta casa não reinasse senão a verdade.

Quem não está habilitado a tratar de uma questão não a trata; informa-se primeiro, e não vem aqui asseverar factos e actos da minha vida publica com a maior inexactidão.

Tenho uma larga carreira publica, não me envergonho d’ella.

Hei de fazer justiça; hei de examinar essas representações.

Se porventura o administrador do concelho merecer censura, ou mais que censura, ha de ter o que merecer.

Não preciso que me venham pedir que tenha coragem de resolver uma questão segundo os principios da justiça. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Vão ler-se as propostas dos srs. Thomás Ribeiro e Julio de Vilhena.

O sr. Eduardo Tavares: — V. ex.ª não me dá a palavra? Bem: vae entrar-se na ordem do dia. Não cessarei de fallar do assumpto até ao dia da eleição.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da moção apresentada pelo sr. Dias Ferreira na sessão de 18 de janeiro

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

1.ª A camara, censurando o governo por ter na sua administração prejudicado os interesses e violado as leis do paiz, passa á ordem do dia. — Julio de Vilhena.

2.ª A camara, tendo ouvido as explicações do governo, e certa de que a sua gerencia se desviou das normas legaes e dos principios de tolerancia politica ha tantos annos mantidos com proveito e applauso do paiz; e tendo em consideração que para resolver as questões de fazenda as medidas apresentadas são votos de confiança, tão amplos e incondicionaes, que o parlamento, votando-os, abdicaria das faculdades que a lei só a elle confere; e observando que na applicação dos dinheiros publicos o governo deixou sem dotação a obra mais importante do paiz, segundo elle mesmo reconhece, não póde continuar-lhe a sua confiança politica e passa á ordem do dia.

Sala das sessões, 25 de janeiro de 1878. = Thomás Ribeiro.

Foram admittidas e ficaram em discussão com a materia da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Luciano de Castro.

O sr. Luciano de Castro: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Camara Leme: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se concluir a discussão pendente.

A camara annuiu.

O sr. Presidente: — Nos termos do artigo 96.° do regimento, tem a palavra o sr. Dias Ferreira, como auctor da moção de ordem que tem estado em discussão.

O sr. José Dias Ferreira: — Começo por pedir desculpa aos meus illustres collegas, que se acham inscriptos, de tomar a palavra n'esta altura do debate, e vou fallar, não com a pretensão do illustrar a assembléa, que não precisa de ouvir as minhas observações para esclarecer o seu voto, mas por deferencia e consideração para com os cavalheiros que têem discutido a moção que eu tive a honra de mandar para a mesa.

Por outro lado a camara, toda comprehenderá que eu não podia deixar encerrar o debate sem conversar em termos mais ou menos amigaveis com o sr. presidente do conselho. (Riso.)

Esta conversa não significa uma liquidação de contas com s. ex.ª Nunca liquidei contas com pessoa alguma nos conselhos da nação, porque nunca me prevaleci, nem prevaleço, do exercicio das minhas funcções publicas, para ajustar ou liquidar contas com quem quer que seja.

Não venho aggredir, venho defender-me. Hei de ser o mais benevolo possivel, apesar de ter sido atrozmente aggredido pelo sr. presidente do conselho. E para que a assembléa possa desde já apreciar a minha tranquillidade n'este debate, começo por lhe declarar que eu nem me escandalisei com as offensas que me dirigiu o sr. presidente do conselho! (Riso.)

Perguntou o illustre deputado, que acabou de fallar, a quem eu felicito pela oração esplendida com que illustrou a assembléa (Apoiados.) «Que desejava eu?» Respondo. Desejava que os debates parlamentares, em logar de degenerarem em questões puramente pessoaes, abandonando-se

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as grandes questões, se mantivessem sempre no terreno dos principios e dos interesses publicos, e que o ataque, por mais vehemente que fosse, se mantivesse sempre á altura do logar em que nos achâmos. (Apoiados.)

Quando abri o debate fui vehemente, fui talvez severo com o sr. presidente do conselho, mas não saíu da minha bôca uma palavra que podesse offender a sua pessoa ou que desconhecesse os seus serviços á nação.

Tem-se discutido tudo, tem-se discutido a penitenciaria, tem-se discutido os enterros civis, tem-se discutido os conegos, tem-se discutido e largamente os regeneradores, que aliás não estão sentados nas cadeiras do governo. (Apoiados.) Falta discutir exactamente o principal. Falta haver quem tome a defeza da politica do gabinete. (Apoiados.)

Esperava eu que o primeiro dos illustres deputados que levantasse a sua voz para combater a minha moção, se collocasse franca e abertamente ao lado do governo e começasse por mandar para a mesa uma moção contraria á minha, uma moção de confiança ao gabinete. Pode ser que a minha não alcance uma grande votação por qualquer circumstancia, mas isso não indica que o governo possa dispor de forca parlamentar.

A minha moção é de desconfiança politica, clara, franca, e aberta. Era, pois, indispensavel que se apresentasse uma moção, que fosse a antithese da que mandei para a mesa, com o intuito de demonstrar se havia alguem que tenha confiança no gabinete; aliás os votos, que faltarem á minha moção, podem significar a importancia e o valor dos grupos politicos que fazem parte da assembléa, mas não significam apoio politico ao gabinete. Similhante moção, porém, nem appareceu, nem apparecerá!

Não fui, pois, violento nem faccioso quando affirmei que o governo não podia sustentar-se n'aquelles bancos. E a minha attitude de aggressão politica não dignifica mal querença aos srs. ministros. Não lhes quero mal nenhum absolutamente nenhum. Deus os faça sempre bem felizes e ditosos. (Riso.) Mas, em nome dos verdadeiros principios do systema representativo, disse já e repito hoje, com a mais profunda convicção, que os srs. ministros não podem estar n'aquellas cadeiras (Apoiados.), as quaes já deviam ter entregue ha muito á minoria ou á maioria d'esta casa. (Apoiados.)

Não é possivel viver um governo sem ter uma maioria com identidade de opiniões politicas. Não se vive com uma maioria de alliados, e com dois ou tres amigos politicos. (Apoiados.) Governo sem maioria não póde viver sem offensa dos principios constitucionaes e sem desacato ás praxes parlamentares. (Apoiados.) Pôde arrastar por algum tempo uma existencia ingloria, mas não vive, ida constitucional. (Apoiados.)

Não se surprehenda a camara se eu deixar de responder a algumas considerações produzidas durante o debate, tanto pelos cavalheiros que apoiam a minha moção, como por aquelles que a combatem. Fiquem todos na certeza de que as respostas que, dadas hoje, possam, por qualquer circumstancia, prejudicar ou sequer affectar o meu plano de combate, ficam reservadas para outra occasião. (Apoiados.)

Trato agora da defeza da minha moção, e começo por declarar positivamente ao illustre deputado, o sr. José Luciano de Castro, e ao sr. presidente do conselho, que o fim da minha moção é evidentemente derrubar o ministerio actual. (Apoiados.) Este é o meu pensamento franco e aberto. (Apoiados.) E ao sr. presidente do conselho, a quem sempre respeitei e a quem não contesto os seus serviços ao paiz, quando disse que não queria nem nunca quiz a gloria de derrubar ministerios, respondo eu que para mim é grande gloria derrubar o ministerio que não está ali sentado em nome dos principios constitucionaes. (Apoiados.)

Alguém poderá negar á camara franceza a gloria de ter derrubado, com uma coragem admiravel, dois ministerios que não tinham o apoio da nação? (Apoiados.) E, se o bom senso dos poderes publicos n'aquelle paiz não reconhecesse que primeiro que tudo está a vontade nacional, a demolição poderia ir mais longe; mas os eleitos do povo nunca se submetteriam. (Apoiados.)

É sempre glorioso para os parlamentos derribar os ministerios quando estão em desaccordo com a politica dos gabinetes (Apoiados.), e quando reconhecem que os governos são nocivos á causa publica e não têem a força precisa para desenvolver todos os elementos de prosperidade que constituem a civilisação de um povo. (Apoiados.) Esta opinião, que tenho hoje, é a que tinha no dia em que se formou o actual gabinete. Por isso peço licença á camara para rectificar uma asseveração do sr. presidente do conselho, quando disse — que no dia em que tinha entrado n'esta casa com os cavalheiros que estão ao seu lado, ninguem levantára aqui a voz contra o ministerio senão o meu nobre e antigo amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, e que eu, que na sessão de 6 de março me apresentára benevolo, só depois de ver o modo como os jornaes apreciaram a minha attitude politica é que vim, no dia 9, associar-me ao meu amigo o sr. visconde de Moreira de Rey, declarando-me — opposição.

Em primeiro logar, a demora de tres dias em declarar-me opposição, se fosse verdade o que disse o sr. presidente do conselho, era de pequena importancia; podiam até considerar-se os tres dias de cortezia; e o mais que poderia dizer-se era que o meu amigo o sr. visconde de Moreira de Rey soube entrar no bom caminho tres dias primeiro do que eu. (Riso.)

Mas a verdade é que o sr. presidente do conselho não percebeu, ou não quiz perceber, que eu lhe era opposição desde a apresentação do gabinete ao corpo legislativo.

Como as minhas relações pessoaes com o sr. presidente do conselho não são as mais amigaveis, empreguei segundo o meu costume a linguagem mais benevola para definir a minha attitude politica. Mas sempre disse o seguinte, que se lê no Diario da camara:

«Por isso digo francamente a v. ex.ª, que não me surprehendo a quasi unanimidade que vejo, comquanto não possa associar-me a ella.»

E mais abaixo:

«Acompanhando, porém, o governo, como membro da commissão de fazenda e como membro d'esta assembléa, em todas as medidas de interesse publico, reservo absolutamente o meu voto politico.»

Ora em todos os parlamentos a reserva do voto politico significa falta de confiança no governo. (Apoiados.) E a falta de confiança no governo é opposição.

Os jornaes não entenderam a minha declaração, nem a minha situação politica, e por isso vim dizer á camara que fazia minhas as palavras do sr. visconde de Moreira de Rey, que falla mais claro do que eu. (Riso.) Ao menos percebi os jornaes melhor do que o sr. presidente do conselho (Riso.), que nem durante o interregno parlamentar, nem depois de aberto o parlamento os entendia. (Riso.)

Eu não queria entrar na questão da penitenciaria, e já dei as rasões d'essa minha abstenção.

Desde que eu reputo o governo fóra dos principios liberaes, e constituido contra todas as praxes parlamentares, e o ataco n'esse ponto, não preciso de discutir nenhum outro assumpto.

E alem d'isso muitos dos nossos collegas, que usaram da palavra, trataram esse assumpto de modo que nada deixaram a desejar.

Mas como o sr. Luciano de Castro e o sr. presidente do conselho insistem tanto em que eu falle ácerca da penitenciaria, alguma cousa hão de ouvir, apesar da minha ignorancia. (Riso.)

Não se riam os illustres deputados por eu lhes dizer que confesso a minha ignorancia, porque o sr. presidente do conselho, que me conhece ha muito tempo, ainda no outro dia me ensinou o preceito do artigo 170.° do codigo civil sendo eu jurisconsulto. (Riso.)

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Mas vamos á questão da penitenciaria.

Eu sempre julguei, em presença das portarias que saíam do ministerio das obras publicas, e sobretudo pelos commentarios que nos jornaes mais affeiçoados ao governo se faziam com respeito aquella repartição de serviço publico, que o gabinete não manifestaria grande sentimento se podesse envolver em qualquer acto irregular praticado na penitenciaria o chefe d'aquelle estabelecimento. (Apoiados.)

A publicidade d'aquellas portarias era acompanhada sempre de commentarios muito expressivos; e todas as portarias relativas aquella repartição eram publicadas, sem exceptuar a que remettia os respectivos autos de investigação ao poder judicia], quando raras vezes se dá publicidade a uma ordem para instaurar um processo, que vem mais tarde a importar segredo de justiça.

Pareceu-me desde logo em vista d'aquelles factos e de outras circumstancias, que o governo não se mostraria muito magoado se em qualquer acto de irregularidade praticado na penitenciaria ficasse implicado o chefe d'aquelle estabelecimento, e ainda mesmo que essa responsabilidade subisse mais alto. (Apoiados.)

Mas desde que um dos srs. ministros declarou n'esta casa que o chefe d'aquelle estabelecimento era de um caracter honradissimo e de uma probidade, a toda a prova, como qualquer dos srs. deputados ou ministros, nada carecia eu de dizer a tal respeito. (Apoiados.)

Ainda assim hei de responder á provocação.

Este governo tem sido o governo mais respeitador da independencia do poder judicial.

Posso assegurar á assembléa que nenhum governo deu nunca aos actos do poder judicial a importancia que este gabinete lhe tem dado.

Quando o poder judicial proferia a sua decisão sobre algum ponto importante, essa decisão tinha para o governo, mesmo em assumpto administrativo, a força de lei escripta.

Os outros governos não levavam tão longe o seu respeito pelas decisões judiciaes.

Quantas vezes um empregado pronunciado em processo criminal, e absolvido por decisão do jury, era no dia immediato demittido pelo governo (Apoiados.)!

A responsabilidade criminal não se confunde com a responsabilidade administrativa; e por isso o empregado envolvido em processo crime, com relação ao exercicio das suas funcções, que não era pronunciado pelo poder judicial, ou que pronunciado era absolvido por não se, reunirem todos os elementos constitutivos de criminalidade, ainda assim era muitas vezes suspenso ou demittido pelo poder executivo.

Mas este governo não procedia assim.

O poder judicial decidia, e esta decisão era para o gabinete a ultima palavra. O despacho do juiz limpava o arguido de toda a mancha e de toda e qualquer responsabilidade, não só criminal, mas administrativa.

Um exemplo frisante d'este procedimento do governo encontra-se na portaria do ministerio do reino de 3 de dezembro de 1877, publicada no Diario de 10 do mesmo mez e anno, que passo a ler:

«Não tendo resultado para o commissario de policia de Lisboa, Christovão Pedro de Moraes Sarmento, responsabilidade alguma nos factos occorridos no passeio publico do Rocio, na noite de 17 de junho ultimo, visto que no processo criminal, que pelos mesmos factos foi instaurado, não ficou o referido commissario geral indiciado pelo tribunal; ha por bem Sua Magestade El-Rei mandar levantar a suspensão que lhe foi imposta por portaria de 20 do referido mez de junho.»

Para o commissario geral de policia não resultou responsabilidade alguma, nem criminal, nem administrativa, porque não tinha sido indiciado pelo tribunal.

Logo que se verificou que o commissario geral não havia sido indiciado pelo tribunal criminal, decidiu o governo que este empregado estava inteiramente isento de responsabilidade, tanto criminal como administrativa!

E note a camara que os acontecimentos do passeio publico tinham assumido proporções tão graves, que se publicou uma portaria, que agora não pude encontrar, ou antes, que não procurei, porque não vinha prevenido para esta discussão, em que o sr. ministro das obras publicas arbitrava uma gratificação de 500 ou 600 réis diarios a um correio ou empregado da repartição dependente do seu ministerio, que na occasião d'esses acontecimentos foi ferido, quando (dizia a portaria) passava pacificamente. (Apoiados.)

O procedimento da auctoridade publica foi tão grave n'essa occasião, que o governo implicitamente accusou a guarda municipal, que tem sido uma sentinella constante da ordem e da tranquillidade na cidade (Apoiados.), de acutilar os cidadãos pacificos, porque a isso conduz a declaração feita n'um documento official, de que um cidadão tinha sido ferido quando passava pacificamente.

Ora n'este negocio, aliás de tanta gravidade, nem se chamou o processo ao gabinete dos ministros, nem foi castigado o delegado do procurador regio, nem censurado o juiz. (Apoiados.)

Comparemos agora este procedimento do governo com o que elle teve na questão da penitenciaria.

E note a camara que eu não estou resolvido, nem a accusar, nem a defender os juizes e os delegados do procurador regio que intervieram no processo dos acontecimentos do passeio publico e nos processos relativos á questão da penitenciaria, porque não examinei os autos.

E ainda que tivesse examinado o processo não me entretinha agora, nem entretinha a assembléa com similhantes discussões. Eu confronto apenas o procedimento do governo nos acontecimentos do passeio e na questão da penitenciaria.

Ali louvou-se o governo na decisão imparcial e desafrontada do poder judicial; aqui foi castigado o delegado e censurado o juiz, porque um promoveu e outro decidiu contra os desejos do governo!

E com respeito á questão da penitenciaria dá-se ainda uma circumstancia especial muito agravante para o gabinete, e vem a ser que tanto o juiz como o delegado, que intervieram no processo, foram collocados nos seus logares pelo actual governo (Apoiados.); e a transferencia de um juiz para a comarca de Lisboa é sempre um favor aos juizes mais distinctos de 1.ª classe, ou o reconhecimento d'essa distincção; nem o sr. ministro da justiça era capaz de transferir para Lisboa um juiz que não fosse dos primeiros da sua classe em probidade e illustração.

Sr. presidente, não digo, nem é preciso dizer mais nada a respeito da penitenciaria. Mas desde que o gabinete elevou a questão da administração de um estabelecimento publico ás alturas de uma importante questão politica, torna-se indispensavel que este ou outro gabinete ordene uma syndicancia rigorosa e imparcial á gerencia d'aquella repartição. (Apoiados.)

Esta syndicancia é indispensavel no interesse da administração, ou pelo menos no interesse da historia.

Fiz assim a vontade ao sr. presidente do conselho, que estava com desejo de ouvir-me a respeito da penitenciaria. (Riso.)

Em todo o caso tenho a convicção de que estou de accordo com a maioria dos meus collegas na conclusão da minha moção. Nas rasões que a fundamentam póde haver divergencias, porque as rasões que cada um tem para a votar são puramente individuaes; n'essas rasões podemos estar em desaccordo; mas estamos de certo de accordo no principal, que é negar confiança ao gabinete. (Apoiados.)

A minha moção foi até redigida menos para mim e para os meus amigos, que nunca acreditamos no governo, nem no seu programma, de que para a maioria da assembléa, a

Sessão de 26 de janeiro de 1878

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quem eu pergunto se o programma do gabinete que ella acceitou ou tolerou foi ou não fielmente executado.

O sr. presidente do conselho pretendeu até devassar as nossas intenções, julgando que o nosso desejo era precipitar a crise, independentemente da discussão parlamentar. Dizia s. ex.ª: «Queriam que o governo se retirasse sem discussão: pois enganaram-se, e hão de ter a responsabilidade da crise».

Pois uma camara que se preza quer porventura evitar a responsabilidade da crise? (Apoiados.) Toma essa responsabilidade no interesse da causa publica, e não teme o debate. (Apoiados.)

Eu pela minha parte folgo com o debato, e gostei muito de que o sr. presidente do conselho se explicasse, porque tinha a convicção de que s. ex.ª, apesar dos seus grandes dotes de orador, não podia sustentar-se no terreno que escolhêra.

E não me enganei. O sr. presidente do conselho, apesar de ser um homem valente na tribuna parlamentar, depois do discurso que ultimamente pronunciou, não podia contar comum unico voto politico n'esta assembléa. (Apoiados.)

Não havia n'esta casa quem votasse uma proposta em que se dissesse — a camara, vivendo em communhão de principios e fins, francamente accentuada com o governo, e adoptando os principios extraordinariamente liberaes proclamados pelo sr. presidente do conselho na sessão de 21 de janeiro, declara que dá ao ministerio o mais decidivo apoio politico, e passa á ordem do dia — (Apoiados.)

A minha moção póde ter contra si uma votação importante por quaesquer circumstancias que hão liquido n'este momento; mas o governo não póde alcançar a apresentação sequer de uma moção fundada nas declarações do relatorio do sr. ministro da fazenda, que precede as suas propostas, e no discurso ultimamente pronunciado pelo sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

E sinto que s. ex.ª pronunciasse similhante discurso, porque não abrigo sentimentos do odio nem de inveja contra ninguem, não quero outra força, nem outra posição que não seja a que resulta exclusivamente do meu valor pessoal, não quero levantar o meu throno sobre a ruina dos meus adversarios, não quero difamar os outros para me elevar a mim. (Apoiados.)

Mas politicamente alcançámos grande vantagem em que, o sr. presidente do conselho fallasse. (Riso.)

A camara sabe perfeitamente que o sr. presidente do conselho disse que eu vinha aqui sustentar doutrinas... não me atrevo a dizer o nome! É feio. (Riso.)

Foi o mais feio que s. ex.ª encontrou no seu vocabulario politico.

E repito que não me escandaliso, porque conheço o systema usado pelo sr. presidente do conselho, de ha muitos annos, contra os seus adversarios.

Ha sete annos, pouco mais ou menos, apresentando eu n'esta casa uma moção de censura contra o sr. presidente do conselho, ou aggredindo-o por actos violentos praticados nas eleições, e accusando-o outros meus collegas por ter mandado fechar as prelecções do Casino, sabe v. ex.ª o que disse então o sr. presidente do conselho?

Eu o digo em boa paz e sem desejo de que se saiba lá fóra. (Riso.)

N'essa occasião era elle tambem accusado de sustentar doutrinas reaccionarias, e deu-nos a mesma resposta que este anno lhe ouvimos.

Por isso nem apontamentos tomei do discurso que s. ex.ª outro dia proferiu, apesar de tencionar responder-lhe, porque calculei que o tinha aqui (Riso. — Indicando um volume do Diario da Camara. — Riso.)

Não me enganei. Vamos ver.

«O Orador (era o sr. marquez d’Avila): — Sr. presidente, doutrinas reaccionarias, disse o illustre deputado. É preciso que s. ex.ª e a camara saibam, que ha doutrinas que são reaccionarias em uma certa epocha, o que são altamente conservadoras e liberaes em outras epochas.

«Se o illustre deputado estivesse em París, e tivesse a responsabilidade do governo contra a communa, havia de comprehender que, quando se trata de combater um inimigo que declarou guerra á familia, á sociedade, a Deus; que incendiou os monumentos, as bibliothecas, as collecções que representavam os progressos da civilisação e das artes, que empregou o petroleo para conseguir os seus fins; que insinua aos seus adeptos que destruam tudo quanto existir, e que quando não poderem atacar de frente a sociedade, recorram ás conferencias por meio de associações; que quer a abolição do casamento; que quer a abolição da familia, a abolição da propriedade, que prega o atheismo...

«O sr. Luiz de Campos: — Sr. presidente, se está em discussão a communa, peço a palavra.

«O Orador: — Não está em discussão a communa, mas preciso responder ás accusações que se me fizeram.

«Sr. presidente, eu não espero que haja n'esta casa quem defenda a communa.

«Vozes: — Ordem, ordem.

«O sr. Luiz de Campos: — V. ex.ª está fazendo insinuações que não tem direito algum para fazer. (Muitos apoiados.)

«(Sussurro)

«O sr. Francisco de Albuquerque: — Sr. presidente, v. ex.ª tenha a bondade de chamar o sr. presidente do conselho á ordem; não póde estar a dirigir insinuações á camara.

«O Orador: — Não faço insinuações a ninguem...

«(O sussurro continua, e o presidente toca a campainha e chama os srs. deputados á ordem.)

«O sr. Osorio de Vasconcellos: — Chamo v. ex.ª o sr. presidente do conselho á ordem. (Apoiados.)

«O sr. Luiz de Campos: — V. ex.ª está insultando a camara...

«O sr. Falcão da Fonseca: — Não insultou ninguem; ordem, ordem.

«O sr. Presidente (tocando de novo a campainha): — Peço ordem a todos os srs. deputados. O sr. deputado por Vizeu dirigiu-se a mim, perguntando se estava em discussão a communa; o sr. presidente do conselho está respondendo aquelles que trataram das conferencias, e está perfeitamente na ordem. (Muitos apoiados.)

«O sr. Luiz de Campos: — Mas não póde fazer insinuações.

«O sr. Osorio de Vasconcellos: — Eu peço a palavra: é um insulto dirigido á camara.

«(Augmentando o sussurro disse):

«O sr. Presidente: — Está levantada a sessão, e a ordem do dia para ámanhã é a continuação d'este debate, devendo na primeira parte continuar a discussão do projecto que estava dado.»

Assim fechou-se tumultuariamente a sessão; e fomo-nos embora.

Isto succedia quasi todos os dias em que o sr. presidente do conselho fallava, porque perdia a serenidade indispensavel nos debates aos homens publicos tão altamente collocados.

Veiu tambem d'essa vez a internacional, e coube então responder sobre similhante assumpto a um sr. deputado, que é hoje ainda membro d'esta assembléa, o sr. Barros e Cunha.

Foi o ministro da fazenda d’esse gabinete, presidido pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, quem fallou da internacional e aqui vae a resposta do sr. Barros e Cunha:

«Isto não póde continuar assim, é impossivel. Repito, não dou o meu assentimento, nem mesmo a minha indifferença a este systema que nos ha de levar a uma ruina completa. (Apoiados.) Uma das questões em que o sr. ministro do fazenda hontem fallou, foi aquella em que se referia ao perigo de que estamos ameaçados pela subversão

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da ordem que vem da internacional. Não tenho medo da internacional (Apoiados.) A internacional é muito antiga. Já houve internacional coroada, o pacto de familia era uma internacional. (Apoiados.) É necessario tomarmos muito cuidado com isto, mas cuidado em darmos exemplo; porque não ha nada que possa garantir a sociedade senão o interesse que as classes que são verdadeiramente interessadas na ordem e no desenvolvimento da sua prosperidade e da sua riqueza offerecem, para esmagar as tentativas insensatas dos que não têem responsabilidade alguma. Exemplo, exemplo, como dizia o sr. ministro da fazenda, mas exemplo na justa igualdade do imposto.»

Portanto, repito, mais uma vez que não me escandaliso com o sr. presidente do conselho, que andava ha sete annos com esta idéa na cabeça. Não quero irritar o debate e muito menos irritar o sr. presidente do conselho. (Riso.) Mas porque vieram estes nomes feios: estas classificações deshonrosas? Faço justiça ao sr. presidente do conselho, foram os primeiros nomes que s. ex.ª encontrou no seu diccionario politico, porque, se encontrasse outros ainda mais odiosos e mais infamantes, fazia d'elles igual applicação com igual affecto, com aquelle affecto com que elle dizia ao illustre deputado o sr. Lopo Vaz, que apreciava sempre a gloria dos homens novos, para depois os discutir violentamente. (Apoiados.)

Eu não estou n'essas condições, porque me conto no numero dos velhos, aliás não teria s. ex.ª sido para mim tão cruel na apreciação que fizera das doutrinas que eu sustentei.

E a proposito parece que quem está n'aquelles bancos (os dos ministros) são os regeneradores.

Os regeneradores são os discutidos constantemente, quer seja da parte do governo, quer do outro grupo politico; (Apoiados.), e com isso não fazem os illustres oradores senão engrandecei-os e eleval-os constantemente (Apoiados.) Demais a discussão dos regeneradores é impertinente n'esta occasião.

Se, porventura, a assembléa votar a minha moção, a crise está aberta; aberta a crise nada temos com os acontecimentos posteriores, emquanto não apparecer um novo ministerio n'esta casa, ou uma nova camara, em virtude da dissolução da actual.

Não quero discutir o futuro. Espero os acontecimentos.

Quero para todos os poderes do estado inteira liberdade e tranquillidade para depois apreciar as suas resoluções.

Logo que a camara manifeste, o seu desaccordo politico com o governo, a camara e o governo hão de acceitar as consequencias d'esse acto politico, deixando a um poder mais alto resolvei, sob a responsabilidade do gabinete, sobre o caminho a seguir.

Não posso tambem deixar passar, sem observações, a maneira menos benevola como o sr. presidente do conselho se referiu a um cavalheiro que é uma das intelligencias mais privilegiadas que eu conheço no meu paiz.

Refiro-me ao sr. Barjona de Freitas. (Apoiados.)

Quando o sr. presidente do conselho lia com tanto enthusiasmo a circular que o sr. Barjona de Freitas dirigiu aos prelados das dioceses do reino, declarando que o estado dos cabidos era lastimoso, procurei ver se no final do escripto viria a noticia de que elle tinha nomeado algum conego. Mas a respeito da nomeação de conegos o mais completo silencio. (Apoiados.)

Effectivamente, tendo-se dito n'esta casa, por occasião da discussão da proposta, depois convertida na lei de 20 de abril de 1876, que o sr. Barjona de Freitas tinha apresentado aquella medida, com o fim occulto de alargar a sua clientella e eo accommodar afilhados, estava eu com curiosidade de ver se o papel, que o sr. presidente do conselho lia, resava de alguma nomeação de conegos, feita por aquelle illustre ex-ministro. Mas não vi nada d'isso. (Vozes: — Muito bem.)

Eu estou de accordo com a circular do sr. Barjona de Freitas a respeito do estado lastimoso em que se acham os cabidos. Quem é que não conhece esse estado? Mas essa não é a minha questão.

O que eu disse foi que, comquanto deseje muito o esplendor do culto nas cathedraes, e o brilhantismo dos pontificaes, não quero ser mais amigo d'esse esplendor e d'esse brilhantismo do que a Santa Sé, e que, se ella quizer vir a accordo para a circumscripção das dioceses, se podia fazer então a nomeação dos conegos, e assim augmentar o esplendor do culto.

Quem combate a nomeação dos conegos? Quem não conheço o estado lastimoso dos cabidos?

Diga o sr. marquez d'Avila e de Bolama, e, eu não lhe quero mal por isso, que tem mais zêlo pelos esplendores do culto nas cathedraes do que a Santa Sé, e que quem faz guerra ás nomeações dos conegos, que a Santa Sé tem pouco a peito, aliás viria a accordo sobre a circumscripção ecclesiastica, faz guerra a Deus, porque eu respondo que similhante argumentação importa uma aberração de espirito, do que s. ex.ª tem de penitenciar-se diante da sua propria consciencia. (Apoiados.)

Guerra á propriedade!... Mas quem fallou de guerra á propriedade? salvo se s. ex.ª julga que a crise politica póde affectar a propriedade do governo, considerando propriedade, sua a cadeira em que está sentado. (Riso.)

É certo que, s. ex.ª fallou com tal desconsideração dos derribadores de ministerios, que nós, para não incorrermos n'essa desconsideração, deviamos deixal-o n'aquella cadeira por toda a sua vida. (Apoiados.)

Guerra á familia!... Pois quem quer que o direito da familia se amplie sobre o cadaver d'aquelle que em vida lhe fóra tão caro, em vez de ser entregue o cadaver ao regedor de parochia, faz guerra á familia? (Apoiados.)

Devo dizer a v. ex.ª que me sinto hoje, tão benevolo, (Riso.) e tão tranquillo, que venho na resolução de fazer confidencia plena de todos os meus pensamentos.

Muitas pessoas procuraram-me, para me dizerem que eu tinha feito mal em levantar uma questão que podia prejudicar me de futuro.

Declaro a v. ex.ª que, na manifestação das minhas opiniões, levanto as questões de principios, quer ellas despertem sympathias, quer ellas despertem antipathias, seja de quem quer que for, porque n’isto é que está a honra do homem publico. (Apoiados.) O homem publico deve collocar-se acima de todas as conveniencias de momento, para sustentar sempre as suas opiniões, envolvam ellas ou não envolvam questões de principios. (Apoiados.)

E eu não vim levantar a questão dos enterros civis. Esta questão estava morta. Pois alguem mettia-se n'ella desde que o patriarcha de Lisboa a resolvêra da fórma que, todos sabem? Quem levantou esta questão foram as portarias e o procedimento arbitrario do sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

O que eu perguntei ao nobre presidente do conselho, e a que s. ex.ª me não respondeu, como não respondeu a nenhuma das minhas observações, foi, se era verdade, que a força publica cercára a casa de um cidadão que pranteava a morte de um filho, e lhe arrancára violentamente o caixão que encerrava, o cadaver, mesmo nas ruas do transito para o cemiterio, a fim de o entregar ao regedor do parochia. (Apoiados.)

Eu ter-me ía calado, se, o governo adoptasse contra os especuladores dos cadaveres uma resolução quasi analoga ao preceito que estabelece a legislação civil, tanto nova, como velha, com respeito aos que são impedidos de fazer testamento.

Pela nossa legislação vigente, e pela nossa legislação de seculos, quando a auctoridade sabe que alguem é impedido de fazer testamento, apresenta-se em casa do testador com o tabellião e testemunhas para lhe garantir a liberdade de testar. Se o governo ordenasse á auctoridade administrativa que ao constar que os especuladores de cadaveres queriam

Sessão de 26 de janeiro de 1878

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arrancar o cadaver do poder da familia para o enterrarem civilmente, fosse procurar a familia, saber as ultimas resoluções do testador, e na falta de testamento a vontade da familia, a situação do governo ainda seria desculpavel. Mas a entrega dos cadaveres ao regedor de parochia é uma iniquidade!

N'um paiz liberal não póde, não é licito á auctoridade publica arrancar violentamente o cadaver do filho do poder do pae para o entregar ao regedor de parochia.

Bem sei, e já o sabia, antes do sr. presidente do conselho me citar um artigo do codigo civil, (Riso.) que o pae não póde lançar o cadaver do filho ao Tejo, e que ha de observar a legislação reguladora dos enterramentos nos cemiterios.

Mas do que ninguem se lembrou foi de que ainda houvesse no paiz um governo que ordenasse que o cadaver, antes de ir para o cemiterio, devia receber a benção papal do regedor de parochia. (Apoiados.)

A assembléa está de certo com desejo de acabar quanto antes este debate; e o sr. presidente do conselho pediu a palavra e ha de forçosamente responder, porque tem necessidade de se explicar.

Não quero demorar a votação da camara. O meu desejo n'este momento era que o governo se explicasse de uma maneira tão completa, tão satisfatoria, e tão cabal, que não tivessemos de lamentar a existencia nos conselhos da corôa do governo mais reaccionario que ha muitos annos tem estado á frente dos negocios publicos em Portugal.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por quasi toda a camara.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Tenho de fallar com immensa difficuldade, porque tenho de responder ao illustre deputado o sr. Dias Ferreira, e apesar da attenção com que o ouvi, e dos esforços que empreguei para poder seguir a argumentação de s. ex.ª, confesso francamente, que pondo de parte as allusões claras e patentes que o illustre deputado apresentou contra mim, pouco achei a que deva responder.

Mas farei o possivel para que o illustre deputado não julgue que eu não dei toda a attenção ao que s. ex.ª disse. Tenho outra grande desvantagem, é a hora em que vou fallar.

Permitta-me o illustre deputado o sr. Camara Leme e a camara que lhes diga, que quando se apresentou aqui uma moção em virtude da qual se pretendo demonstrar que o governo tem violado as leis, e se deu tanta extensão ás accusações feitas com relação á sua gerencia financeira, pedia a justiça que a camara não quizesse fechar o debate sem serem ouvidos os ministros que tão severamente tinham sido atacados. (Apoiados.)

O sr. ministro da fazenda precisava fallar, e não póde fallar, é impossivel, ao menos na extensão em que queria e lhe era necessario fazel-o. O mesmo digo do sr. ministro da justiça.

Vozes: — Fallem, fallem.

Uma voz: — Ha oito dias que está em discussão este debate.

O Orador: — Não é exacto, e quando o fosse quem é que tem fallado?

Uma voz: — Fallou v. ex.ª tres vezes.

O Orador: — Eu fallei uma só vez.

Eu pedia aos illustres deputados que deixassem este costume, que não póde admittir-se, e que é pouco acceitavel, de estarem com ápartes, interrompendo a cada passo quem está fallando.

Os illustres deputados têem estado a fallar tão largamente contra o ministerio desde o começo do debate, apresentando cada um accusações novas, e hoje e a esta hora é que se lembram de pôr uma rolha, permittam-me esta phrase, na bôca dos seus adversarios.

Peço aos illustres deputados que ao menos nos deixem fallar tranquillamente e não nos obriguem a calar, como fizeram ha pouco ao sr. Luciano de Castro. Não é possivel fallar a estas horas, com os ápartes repetidos dos illustres deputados.

Os illustres deputados quizeram fechar-nos o debate; d'aqui a uma hora ninguem tem coragem de fallar, nem os illustres deputados têem coragem para estar aqui, nem o publico para assistir a esta discussão.

Insisto e constato o facto de que a camara, depois de terem os illustres deputados que contrariam o governo occupado a maior parte do tempo, não deixando fallar os ministros que foram tão severamente atacados, praticou um acto que realmente não praticaria em outras circumstancias, se não fosse o desejo vehemente que ella tem, e que eu hei de apreciar, de derrubar o ministerio; n'um debate d'esta natureza era necessario que se dessem aos adversarios todos os meios de defeza e os illustres deputados não os deram. (Apoiados.)

O sr. Dias Ferreira aproveitou-se de uma phrase que eu aqui pronunciei. Eu disse «a minha missão não é derribar ministerios». A rasão é simples, é porque não os quero substituir, não faço de mim tão elevado conceito que entenda que posso gerir melhor os negocios publicos do que quaesquer outros ministros.

Parecia-me que esta declaração podia ser taxada de sincera e modesta mesmo, e não merecia censura. A tarefa de derribar ministerios, deixo-a para outros; o illustre deputado tomou conta d'essa tarefa, não lhe invejo essa gloria!

Queria o illustre deputado que tivesse sido mandada para a mesa uma moção de confiança no governo. Para que? Já lá está uma moção de desconfiança. Quem não está satisfeito com os actos do governo approva-a, quem está satisfeito rejeita a. (Muitos apoiados.)

Era realmente uma barbaridade que todos os srs. deputados que quizessem fallar mandassem para a mesa moções e se arrogassem o privilegio de fallar quando quizessem, como o fez o illustre deputado, e está determinado no regimento.

Se, a exemplo do que fizeram os srs. Dias Ferreira, Julio de Vilhena e Thomás Ribeiro, os cavalheiros que têem confiança no governo mandassem para a mesa moções, usando assim do privilegio que está no regimento, e que não ha de estar lá por muito tempo, porque é absurdo, alterava-se a cada momento a inscripção, e os debates seriam impossiveis.

Eu tinha já notado que o illustre deputado tinha tomado a retirada, porque todos ouviram aqui o seu primeiro discurso.

O que disse o illustre deputado? Atacou o governo pela nomeação dos supplentes do supremo tribunal administrativo e do tribunal de contas, pela creação da cadeira de sãoskrito, pela nomeação de conegos, por causados enterros civis e mais nada.

Hoje já se não falla em supplentes, não se falla no sãoskrito, falla-se muito pouco de conegos e falla-se alguma cousa com relação a enterros civis.

E a esse respeito, pergunto ao illustre deputado que meio havia de s. ex.ª empregar para evitar o escandalo de haver aqui uma associação que tinha a ousadia de querer fazer propaganda contra o catholicismo, com os enterros civis, comprando os cadaveres de catholicos que tinham morrido no seio da religião para os enterrarem civilmente.

Inquestionavelmente a auctoridade teria obrigação de examinar se esse homem cujo cadaver essa associação queria enterrar como pagão, tinha declarado em vida que queria ser enterrado assim; e se se não achasse essa declaração, quem se havia de oppor a que não fosse respeitada a sua ultima vontade? Necessariamente a auctoridade publica. (Muitos apoiados)

Deu-se n'esta capital o seguinte facto: veiu o parocho de uma freguezia queixar-se-me de que queriam enterrar civilmente o cadaver de um seu parochiano, e que elle es-

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tava muito afflicto com isso, porque era o primeiro acto d’esta natureza que se praticava na sua freguezia, e acrescentou, que se a familia (com isto respondo ao sr. Thomás Ribeiro), que se a familia não podia fazer as despezas do enterro, elle (parocho) fazia todas á sua custa.

Louvei o procedimento d'este ecclesiastico e dei conhecimento d'este facto ao consul da nação a que pertencia o fallecido, que era estrangeiro.

Achou-se porém nos seus papeis que elle era da associação do registo civil, e tinha n'essa qualidade assignado a seguinte declaração: «Nós abaixo assignados declarâmos que estamos ha muitos annos separados da religião catholica, apostolica romana, e por isso queremos ser enterrados civilmente. Pedimos ás auctoridades e aos nossos amigos que façam cumprir esta nossa vontade». Entre as assignaturas dos associados encontrava-se a do fallecido.

Que hz eu? Disse ao parocho: «Não quero fazer catholicos á força, não é essa a minha missão: este homem declarou espontaneamente em vida que queria ser enterrado civilmente, seja-o muito embora». (Muitos apoiados. — Vozes:) — Muito bem, muito bem.

Pois o sr. Dias Ferreira acha censuravel este procedimento?

Parece-me que não haverá ninguem n'esta camara que se atreva a dizer que não procedi como devia proceder. (Muitos apoiados.)

Repito, deixei que o cadaver d'este homem fosse enterrado como pagão, mas quanto aos catholicos que morrem com os sacramentos da igreja e que manifestam d’esta maneira a sua vontade de ser enterrados nos cemiterios benzidos pela religião e onde repousam seus paes, e os que têem as suas crenças religiosas (Apoiados.) não posso consentir que se não respeite a sua vontade, e os enterrem como pagãos por uma especulação torpe e que reputo altamente criminosa. (Muitos apoiados.)

E como podia eu consentir que houvesse uma associação que se introduzisse em casa de um catholico, que acabava de fallecer, seduzisse a sua familia e fosse enterral-o como pagão?

Podia a auctoridade consentir tal profanação?

Não foi respeitar a liberdade de todos o que eu fiz? (Muitos apoiados.)

A este respeito já o sr. Luciano de Castro tinha fallado muito melhor do que eu sou capaz de o fazer, mas tendo o sr. Dias Ferreira repetido a accusação, eu tinha obrigação de a repellir de novo.

O meu procedimento é muito mais liberal do que o que permittem as nossas leis. O illustre jurisconsulto sabe que eu podia oppor-me aos enterros civis invocando as disposições do codigo penal.

O sr. Dias Ferreira agoniou-se porque lhe citei o artigo 170.º do codigo civil. Que remedio tinha eu senão cital-o?

Agora não é a auctoridade do pae que o illustre deputado invoca, é a da familia; mas quem deu auctoridade á familia para pegar n'uma creança fallecida, e que foi baptisada, e fazel-a enterrar como pagã?!

Quem deu auctoridade á familia para isto?

Então para responder ao illustre deputado que defendeu esse abuso, citei-lhe o artigo 170.° do codigo civil. Esse artigo não tem resposta.

Tenha paciencia o illustre deputado, porque se lhe fiz essa citação, eu leigo a um distincto jurisconsulto, a culpa não foi minha, foi do illustre deputado.

O que diz o artigo 170.° do codigo?

«O poder paterno cessa com a morte do pae ou do filho.»

O pae por consequencia não tinha auctoridade nenhuma sobre o seu filho catholico, embora fosse menor, embora fosse uma creança de quatorze mezes ou de um anno, para o fazer enterrar sem as solemnidades da religião a que elle pertencia.

Perdõem-me os illustres deputados que apoiaram tão calorosamente o sr. Dias Ferreira, quando s. ex.ª foi obrigado a ler um trecho da discussão de 1871, a respeito da communa.

Pois isto é argumento?!

Não prova que o illustre deputado não tinha já que dizer e só tratava de ferir os seus adversarios?

Eu podia ler ao illustre deputado n'essa mesma discussão trechos que bastante o affligiriam, com relação a um individuo que s. ex.ª já tinha accusado, e a respeito de quem s. ex.ª fazia aqui declarações da maior amisade.

Esta circumstancia devia fazer com que o illustre deputado fosse um pouco mais cordato na leitura que fez, com relação á communa.

Pois o illustre deputado ousa defender a communa?

Quer esse beneficio do céu para este paiz?

O illustre deputado sustenta ainda a interpretação que aqui deu á lei de abril de 1876, com relação aos conegos!

O illustre deputado entendeu que áquella lei não era senão uma auctorisação ao governo, ou uma especie de ameaça a Roma, para a obrigar a fazer a circumscripção das dioceses!

E diz isto um cavalheiro que foi ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, e é lente da universidade de Coimbra!

Eu disse e sustento, que para este ministerio seria uma vergonha, quando a lei lhe ordenava expressamente a nomeação dos conegos nas circumstancias em que estes foram nomeados, seria uma vergonha, digo, a recusa diante da despeza unicamente de dois conegos; (Apoiados.) porque acreditem os illustres deputados que os conegos providos, ou a prover, são vinte: quatro no Porto, quatro em Lamego, seis em Lisboa e seis em Evora, ao todo vinte. N’estes vinte ha quinze com onus de ensino, estes quinze conegos são pagos pelo cofre da bulla, restam portanto cinco, mas d’estes ha tres que pertencem á sé de Evora, e são pagos por consequencia pelos proprios do respectivo cabido.

Sobre o thesouro recáe, pois, unicamente a despeza da congrua de dois conegos!! E haviamos de fazer com que os seminarios não estivessem providos de professores para illustrar e clero por uma despeza tão insignificante?!

Custa-me, francamente o digo, estar a fallar n'estas materias, porque eu estou persuadido, e n'isto não faço injuria a ninguem, nem mesmo ao illustre deputado, de que estou fallando diante de uma camara catholica (Apoiados.), illustrada, de uma camara que, quando examinar esta questão a sangue frio, ha de reconhecer que o papel que se tem representado para atacar o governo n'esta parte, não tem defeza.

Diz o illustre deputado que eu perdi a serenidade nos debates de 1871. Pois não a perdi agora, assim como tambem me não faltou na discussão a que alludiu o illustre deputado.

Durante quatro dias esteve s. ex.ª n'aquella tribuna a dirigir-me considerações pouco amaveis, as quaes eu ouvi sem pestanejar. Mas logo que comecei a responder, s. ex.ª não se podia conter e interrompia-me a cada instante, a ponto de ser por isso repetidas vezes chamado á ordem. Se algum de nós perdeu então a serenidade foi o illustre deputado e não eu.

Ahi estão os Diarios da camara para o attestar.

Fui eu que levantei á questão dos enterros civis, diz o illustre deputado. Queria porventura s. ex.ª que eu consentisse que se continuassem os escandalos narrados pela imprensa, de enterros civis feitos a cadaveres de catholicos fallecidos no seio da igreja, a creanças baptisadas, e tudo isto para fazer propaganda contra a religião do estado?

Comprazo-me com as providencias que tomei a este respeito. E pergunto eu, perigou, soffreu com isso a liberdade? De certo que não. (Apoiados.)

O illustre deputado não quer a intervenção do regedor. Que medo tem do regedor? Pois o governo o que não quer, e foi ao que pretendeu obstar nas providencias que tomou,

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é a intervenção violenta, illegal de uma associação que, denominando-se do registo civil, é uma associação de atheus fazendo guerra a todos os cultos, mas com especialidade ao culto catholico. (Apoiados.)

Fallou o sr. deputado nas cutiladas do passeio, e já o seu collega, o sr. Manuel d'Assumpção, tinha tambem fallado a esse respeito.

Devo declarar que não é exacto ter eu dissolvido a camara municipal de Lisboa por não ser composta de homens da minha politica. Nunca tive conflicto algum com essa corporação, e mesmo a respeito do que se passou relativamente á construcção do muro no cemiterio, se houve alguem que devesse queixar se eram de certo os amigos dos illustres deputados, visto que a portaria que ordenou o levantamento do muro era do sr. Sampaio, que se continuasse por mais tempo a gerir a pasta do reino havia de resolver este negocio com a sua prudencia costumada, no sentido em que eu a resolvi.

Portanto eu não tinha motivo algum pessoal contra a camara a respeito d'esta questão.

Quanto á historia das cutiladas a camara fez um contrato para a illuminação do passeio, adjudicando-o a um dos dois licitantes que concorreram. Mas o outro licitante veiu depois offerecer nova proposta, e a camara em vista d'ella annullou o contrato que já tinha feito.

Ora o procedimento da camara foi irregular e illegal, porque não podia estabelecer as condições d’esse contrato sem previa approvação do conselho de districto. (Apoiados.), e porque não tinha auctoridade para annullar um contrato feito com todas as formalidades legaes.

O licitante com quem a camara contratára requereu ao poder judicial que o mantivesse na posse d'esse contrato, e o respectivo juiz assim o ordenou. A camara por seu turno requereu a outro juiz para que a mantivesse na posse do passeio, e aquelle magistrado deferiu este requerimento.

Este despacho não foi intimado ao arrematante, que considerando-se de posse do passeio pelo despacho judicial que obtivera para o facto da illuminação, porque alem do que fica referido o segundo despacho tinha sido dado muito tarde, começou a illuminar aquelle recinto, ao qual affluia já o publico convidado pelos annuncios que haviam sido affixados nas ruas da capital.

Os homens que queriam sustentar a camara no segundo despacho trataram de fazer apagar os candieiros e evacuar o passeio, e assim começou o conflicto que acabou com as cutiladas.

Ninguem deplorou essa desgraça, mais do que eu; mas não me era possivel deixar de reconhecer que quem lhe tinha dado origem era a camara municipal por ter procedido irregularmente fazendo um contrato e querendo annullal-o depois...

O sr. J. J. Alves: Protesto contra essa phrase. Não posso admittir que v. ex.ª diga que a camara foi culpada.

O Orador: — O sr. Alves tem rasão, duplicada rasão porque não teve culpa nenhuma da segunda resolução da camara. Mas peço que me não obrigue a ler os actos publicados no Archivo municipal, em que se vê que o proprio presidente da camara declara que a camara tinha andado levianamente.

O sr. J. J. Alves: — Eu votei contra e honro-me muito com isso.

O Orador: — Eu já disse que o sr. Alves não tem responsabilidade n'aquelle acto, porque o seu voto foi contrario ao que se fez.

O sr. J. J. Alves: — E honro-me muito com isso.

O Orador: — E tem rasão. Receba os meus emboras por esse facto. S. ex.ª preencheu agora o seu fim, que era ficar a camara sabendo que o sr. Alves votou contra a rescisão do contrato.

Mas a camara rescindiu o contrato, ainda que contra o voto de alguns vereadores, e pergunto eu, se effectivamente ella não tivesse feito o contrato pela maneira irregular por que o fez, se depois de feito o tivesse respeitado, teria tido logar o conflicto que se infelizmente se deu? (Apoiados.)

O sr. J. J. Alves: — Mas as medidas que se tomaram de tarde é que não foram as que se deviam tomar para se evitar o conflicto.

O sr. Presidente: — Peço que não haja interrupções.

O Orador: — As medidas da tarde tambem as sei. As medidas da tarde consistiram no seguinte:

O vice-presidente da camara apresentou-se-me com um despacho judicial para que se entregasse a posso á mesma camara.

Era tarde, muito tarde.

Eu disse ao vice-presidente da camara; este negocio pertence ao governador civil; vá procural-o e apresente-lhe o despacho.

Infelizmente o governador civil estava doente, e residia por isso fóra de Lisboa, mas d'onde estava deu as suas ordens ao commissario geral da policia.

Este recebeu as ordens muito tarde, e quando chegou ao passeio já a desordem tinha começado. Mas esta desordem, repito, não teria tido logar se não fosse a insistencia da camara em requerer ao poder judicial a posse do passeio depois de annullar ella mesma o contrato que havia feito (Apoiados.)

O que havia de eu fazer?

Não sei se todos os srs. deputados estavam em Lisboa n'essa occasião; mas o que eu posso affirmar á camara é que nunca vi symptomas de uma perturbação tão imminente como n'aquella conjunctura.

A cidade estava toda profundamente indignada (Apoiados.) e eu entendi que era preciso dar-lhe uma satisfação completa, e essa satisfação foi a seguinte: primó, dissolvendo a camara municipal; secundó, suspendendo o commissario, e declaro a v. ex.ª que entendi dever suspender o commissario até o poder judicial se pronunciar a este respeito, apesar de estar convencido de que elle era innocente; tercio, mandando ao poder judicial todas as informações a que fiz proceder, mandando fazer um inquerito na guarda municipal, e mandando esse mesmo inquerito ao poder judicial.

Que mais tinha eu a fazer?

Não podia fazer mais nada.

O poder judicial não achou senão um individuo nas circumstancias de dever ser pronunciado, pronunciou-o: era um commissario de policia.

Que queria o sr. Assumpção que eu fizesse mais?

Entreguei ao poder judicial o auto de investigação dos acontecimentos do passeio; o poder judicial, depois de ter inquirido muitas testemunhas, entendeu que não havia senão uma pessoa que devesse ser pronunciada: havia eu obrigar o juiz a pronunciar mais alguem?

Levantei a suspensão ao commissario geral de policia, visto que não havia nenhum facto pelo qual o poder judicial entendesse que elle era criminoso.

E que fez a população de Lisboa?

Applaudiu as resoluções que tomei, e elegeu a camara que succedeu á dissolvida por uma espantosa maioria, por uma maioria de que não havia memoria! Portanto os habitantes de Lisboa deram-me rasão, e a tempestade desappareceu. (Vozes: — Muito bem.)

Na minha vida politica tenho commettido muitos erros, e oxalá que não os tivesse commettido; mas declaro a v. ex.ª que com relação a esta questão a minha consciencia diz-me que cumpri bem o meu dever. (Apoiados.)

Custa-me estar a cansar a camara; mas eu fui atacado rudemente; e visto que o fui, permitta-me o illustre deputado o sr. Assumpção que responda á sua phrase, «de que apoiou o ministerio de 6 de março, porque julgava que elle se apoiaria no partido regenerador, e que depois que viu

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que o ministerio se apoiava em outro partido, lhe retirou o seu voto».

Ora, eu não disse, quando me apresentei na camara, que me apoiaria no partido regenerador. Eu appello para a camara toda.

Eu disse que um dos meus mais vehementes desejos era congraçar todos os membros da familia liberal, porque as differenças que havia entre os diversos grupos eram mais apparentes que reaes.

Não prestei homenagem a nenhum grupo: entendi que devia governar segundo a minha consciencia e segundo os meus principios.

A camara acceitou-me assim com applauso, tal qual era e tal qual sou ainda hoje. (Apoiados.)

E empreguem os illustres deputados toda a argumentação que quizerem, que nunca poderão destruir a má impressão que ha de produzir no paiz a violencia com que estão atacando o ministerio, sem facto nenhum que os possa justificar de assim praticarem. (Apoiados.)

E o que mais me faz possuir d'este sentimento é ver que n'este debate ha uma questão dominante: é a penitenciaria. (Apoiados.) Tudo o mais são pretextos. (Apoiados.)

O illustre deputado o sr. Luciano de Castro disse já com muito bom senso uma cousa, que eu vou ainda repetir por outras palavras.

Nenhum partido politico se deve considerar ferido no seu amor proprio ou no seu melindre, porque um membro d'elle praticou qualquer acto que merecesse qualquer censura. Para que estão, pois, os illustres deputados a tomar para si aquillo que nada tem com elles?

Mas isto é providencial!

Eu fui membro de um ministerio, já o disse aqui, e repito, em 1849. Esse ministerio caiu por causa de um movimento revolucionario a que se deu o nome de regeneração. Levantou-se uma bandeira para fazer caír o ministerio, que appellidaram de corrupto e corruptor. Gritou-se: «Abaixo o ministerio corrupto e corruptor». Publicaram-se folhetos infamatorios contra esse ministerio, e um dos auctores d'esses folhetos, foi depois, na outra casa do parlamento, pedir perdão ao chefe d'esse ministerio da injustiça com que o havia tratado, e os mais violentos adversarios d'esse homem, quando elevados ao poder, encarregaram-n'o de uma importante missão de confiança, de que se não poderia encarregar um homem a quem, com justiça, se tivesse dado a qualificação de ministro corrupto e corruptor.

Eu era membro d'esse ministerio, como ministro da fazenda, e descobri irregularidades, mais que irregularidades, em varias repartições publicas do estado. Achava-se á frente de uma d'essas repartições tambem um homem muito honrado e respeitavel, cuja honestidade eu era o primeiro a reconhecer, o sr. Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, irmão de um dos homens mais illustres d'este paiz, o sr. João de Sousa Pinto de Magalhães; (Apoiados.) aquelle cavalheiro estava á frente de uma d'essas repartições, mas isto não me conteve. Entendi que esse cavalheiro honestissimo não tinha tido a fortuna de evitar o roubo que ali se praticava, suspendi-o, e metti em processo todos os individuos que estavam implicados n'esse roubo. Ninguem se levantou n'este paiz para dizer que eu estava a desfeitear um partido.

Foi isto feito por um ministerio alcunhado pela regeneração de corrupto e de corruptor, e que a regeneração, que deitou abaixo esse ministerio, que levantou essa bandeira, devia seguir o seu exemplo, e não fazer o que está fazendo. (Apoiados.)

Mas isto, como disse já, é providencial! Estes peccados pagam-se.

O illustre deputado, o sr. Manuel d'Assumpção, por quem eu tehho muitas sympathias, disse algumas cousas que eu entendo que foram filhas unicamente da sua fertil imaginação.

Disse o sr. Assumpção: «O presidente do conselho foi socialista quando votou, em 1852, contra a abolição da pena de morte nos crimes politicos. Foi socialista, quando votou a lei de repressão da liberdade de imprensa. Foi socialista quando fechou as portas do Casino».

Ora eu respondo em boa paz ao illustre deputado, que eu já tinha feito todas estas cousas feias antes do dia 6 de março de 1877 (Apoiados.) E apesar d'isso o illustre deputado prestou-me então o seu apoio.

Mas não me contento só com esta resposta. São factos historicos, e é conveniente que a camara os saiba bem.

O illustre deputado foi mal informado quando lhe disseram que eu tinha votado em 1852 contra a abolição da pena de morte nos crimes politicos.

Eu conto o que houve, e está no Diario da camara. E direi até uma cousa, que não é indiscrição, mas é um facto que talvez na camara ninguem o saiba.

Em 1851 fez se o movimento regenerador, e o chefe d'esse movimento escreveu uma carta a Sua Magestade, na qual expunha o seu programma, e uma das condições d'elle era a reforma da carta; mas um ministro d'essa epocha, que já morreu, tomou a si a empreza de extractar essa carta e de a mandar para o Diario; e por sua conta, quando escrevia «reforma da carta» accrescentou «pelos meios estabelecidos na mesma carta».

(Grande sussurro na sala, em consequencia de uns gritos afflictivos que se ouviram no exterior das galerias.)

Quando se discutiu aqui o acto addicional, regulando-me pelo que estava escripto no Diario, sustentei que os deputados não tinham nas suas procurações os poderes necessarios para reformar a carta, e n'este sentido apresentei uma moção, que, como era de esperar, não foi approvada, não obstante o grupo a que eu tinha a honra de pertencer ser numeroso, e tanto que se nos retirassemos da camara, ella não poderia funccionar por falta de numero.

Resolvemos então, e assim o declarei na camara, que nos não retiravamos, mas que não tomariamos parte na discussão d'aquella proposta.

(Interrupção.)

Disse o sr. Manuel d'Assumpção que eu era socialista quando propuz a lei de liberdade de imprensa.

Ora peço ao illustre deputado que ouça a historia d'essa lei, que consta das actas da camara dos dignos pares.

O presidente do conselho e ministro do reino, o sr. conde de Thomar, apresentou na camara uma proposta de lei para reprimir os abusos da liberdade de imprensa.

Esta proposta foi remettida á commissão de legislação, que era presidida pelo sr. José Bernardo da Silva Cabral. Esta commissão alterou essencialmente a proposta, e o sr. conde de Thomar acceitou o parecer da commissão, que foi approvado pela camara.

Na camara dos dignos pares a commissão de legislação fez o mesmo que tinha feito a commissão de legislação da camara dos senhores deputados, alterou essencialmente o projecto que d'aqui foi.

O sr. conde de Thomar acceitou essas alterações, e não podia deixar de as acceitar; porque o que elle queria era que se podessem evitar os abusos commettidos pela imprensa.

(Interrupção que não se ouviu.)

Acabar com a imprensa?! Nunca nenhum de nós teve essa idéa, porque isso produz sempre o effeito contrario. (Apoiados.)

É essa a minha opinião. Antes quero a imprensa com toda a liberdade possivel, abusando largamente d'essa liberdade, do que a imprensa escravisada. (Muitos apoiados. Vozes: — Muito bem.)

Foi á discussão esse projecto; e na discussão os homens que estavam á frente do partido liberal n'aquella camara, que eram os srs. marquez de Sá, e condes da Taipa e do Lavradio, mandaram para a mesa uma grande quantidade de emendas e additamentos que foram mandados á commissão.

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O sr. conde Thomar apresentou-se na commissão e declarou que acceitava todas essas emendas e additamentos, e a lei foi lá redigida exactamente n'esta conformidade. De maneira que a lei veiu para esta camara, provavelmente cá não se gostou muito das alterações feitas n'aquelle trabalho, porém a maioria acceitou-a.

A parte principal d'essa lei pertence, por consequencia, aos homens que representavam o partido liberal na camara dos pares.

Sou socialista porque fechei as portas do Casino. Vou fazer a historia do Casino.

As conferencias do Casino não me agradavam. Sabia, e sabem todos os illustres deputados que se têem occupado d'este assumpto, que a internacional aconselha que quando se não possa estabelecer patentemente uma succursal d'ella, se estabeleçam conferencias para se ganhar terreno pouco a pouco com as mesmas conferencias.

No Casino, por exemplo, sustentava-se que a religião catholica apostolica romana tinha sido a causa da decadencia da Peninsula, sustentava-se que era necessario abolir as nacionalidades. E n'este caso é claro que não havia senão uma sociedade unica, por consequencia era o iberismo, que espero em Deus que nunca ha de ter sympathias n'este paiz. (Apoiados geraes.)

Finalmente tinha-se annunciado para uma noite uma conferencia sobre os criticos de Jesus, na qual se combateria, por certo, a divindade do sublime fundador do christianismo, isto é, se procuraria destruir pela base a religião do estado.

E tudo isto á porta aberta, e admittindo-se quem queria entrar!

Fui informado de que por essa occasião entrariam n'aquelle recinto pessoas, a quem repugnavam taes doutrinas, que promoveriam uma desordem, maltratariam o conferente e os seus defensores.

Eu era ministro do reino, e entendi que tinha o dever de evitar tal excesso. Ora o meio mais efficaz para o obter era mandar fechar as portas do Casino, em vista das doutrinas que ali se sustentavam e queriam sustentar.

Podiam, é verdade, fazer um protesto contra esse acto, mas era melhor que o fizessem, indo para suas casas sãos e salvos, do que ter eu de lamentar um grave conflicto, cujas consequencias não poderia prever.

Creio ter respondido cabalmente n'esta parte ao sr. Assumpção.

Direi tambem duas palavras ao sr. Thomás Ribeiro, que disse que eu tinha ameaçado a camara com a dissolução. Prezo-me de conhecer a organisação do systema representativo, e de o respeitar tambem. Eu nunca comprehendi que houvesse alguem que podesse dizer que o ministerio foi exigir do poder moderador a dissolução da camara; nenhum ministerio o póde fazer; o unico direito que tem é dizer ao poder moderador «o ministerio não tem maioria na camara, o poder moderador que proveja». (Apoiados.) Não se póde sustentar outra doutrina.

Eu não havia de vir ameaçar a camara com a dissolução, porque a camara estava no ultimo anno da sua existencia.

Eu disse que a camara se estava dando ares de uma camara nova, que o que parecia regular nos primeiros annos da sua existencia não o era no fim quando estava proxima de dar contas do seu mandato ao paiz; no anno em que ella talvez já não podesse representar a opinião do paiz, tanto mais que em todas as propostas da reforma da carta apresentadas n'esta camara, só se davam tres annos de existencia á camara electiva, porque se suppunha que passados esses tres annos ella não podia representar já a opinião do paiz.

N'estas circumstancias esta camara não podia já pretender para si a gloria de derribar ministerios.

Fallou-se tambem da intolerancia do ministerio. Permitta-se-me que lembre que logo que este ministerio veiu occupar estas cadeiras oito governadores civis pediram a sua demissão. Um d'elles foi o governador civil de Lisboa, moço que eu estimava e a quem dei ainda uma demonstração da consideração em que o tinha, nomeando-o supplente do supremo tribunal administrativo, nomeação que elle merecia. Quando elle me disse que pedia a sua demissão, perguntei-lhe espantado — metto-lhe medo? Insistiu na demissão; que havia de fazer? Havia de obrigal-o a ser governador civil de Lisboa? (Apoiados.) Exonerei-o.

O mesmo fiz a respeito do governador civil do Porto, homem por quem tinha tambem muitas sympathias, e com os governadores civis de Vizeu, de Braga e de Castello Branco. Foi então acto de intolerancia da minha parte dar a exoneração a homens que a pediram e insistiram por ella? (Apoiados.)

Mais tarde exonerei o governador civil do Funchal. Porque? Pediu licença para vir á Europa e depois não houve meio algum de o obrigar a voltar para o seu districto, que queria ter um magistrado administrativo á sua frente. Não era possivel obrigal-o a ir. Hoje estava doente, ámanhã dizia eu vou, mas a final não ía. O sr. Camara Leme sabe as instancias que se fizeram commigo para mandar para a ilha da Madeira um governador civil; por consequencia exonerei-o.

Ha apenas dois governadores civis que exonerei evidentemente porque não tinha confiança n'elles; mas d'aqui a ser o ministerio intolerante ha uma grande distancia e uma grande injustiça em lhe chamar intolerante. (Apoiados.)

Tambem se disse, e parece-me que foi o meu amigo o sr. Thomás Ribeiro, que eu tinha chamado internacionalistas aos deputados regeneradores. O que eu disse foi que a associação do registo civil era uma succursal da internacional, e acrescentei que os srs. deputados, sem o querer, estavam sustentando doutrinas que eram o programma da internacional. (Apoiados.) Dizer que os srs. deputados, sem o querer, estavam sustentando o programma da internacional, não é chamar-lhes internacionalistas. (Apoiados.) Deus me livre que eu suppozesse que a internacional tinha assentado arraiaes na camara dos senhores deputados! Deus me livre.

Quero aproveitar a occasião para dizer que, com relação aos enterros civis, o sr. Thomás Ribeiro disse uma cousa muito sensata e justa.

Disse o illustre deputado «se querem acabar com os enterros civis, reduzam as tabellas dos emolumentos parochiaes». De accordo. Tenha o illustre deputado a certeza de que eu pedi a alguns parochos d'esta capital, dos mais illustrados, que me fizessem um trabalho n'esse sentido.

A minha convicção é que todos estes actos devem ser gratuitos. (Apoiados.) E que o paiz deve fazer um pequeno sacrificio, porque é indispensavel incluir no orçamento uma verba para indemnisar os parochos do prejuizo que hão de experimentar tornando-se estes actos gratuitos. (Apoiados.) E creiam que os parochos não se oppõem a isto. Encontrei nos da capital o melhor concurso. E aproveito esta occasião para lhes fazer esta justiça; nenhum d'elles deseja a situação actual, que foi resultado de embaraços financeiros de outra epocha; mas hoje que as circumstancias financeiras vão melhorando, o paiz deve convencer-se de que precisa ter um clero illustrado e bem retribuido. (Apoiados.)

Bem retribuidos, até porque a casa do parocho é um asylo muitas vezes para o desgraçado que vae estender a mão para lhe pedir pão e lhe pedir soccorro. Creia portanto o illustre deputado que são estas as idéas que tenho.

Estimo muito que o illustre deputado tomasse a iniciativa d'ellas; porque vindo da sua bôca tem mais auctoridade. Creio que estou inteiramente n'esse proposito. Não quero fazer censura a ninguem, mas é verdade que em alguma parte se fez uma tabella de emolumentos que parece não tinha por fim senão dar um premio aos enterros civis.

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Eu já disse alguma cousa a respeito das suspeições politicas, e não sei a que proposito se fallou em suspeições politicas. Estou convencido de que se ellas infelizmente se estabelecessem n'este paiz, estava acabado o systema representativo.

Eu ainda ha pouco vi aqui um cavalheiro que fez parte de uma commissão na camara dos pares, que deu um parecer a este respeito, e posso citar o seu nome, que é o meu illustre amigo o sr. José da Costa Sousa Pinto Bastos. Eu fiz parte d'essa commissão, fui seu presidente o relator, e pronunciei-me abertamente no parecer que redigi, e está impresso, contra as suspeições politicas. Entendo que ellas são a negação do systema representativo; e tenha o illustre deputado a certeza de que nunca as hei de consentir, ou como individuo ou como auctoridade.

Peço desculpa á camara de ter occupado por tanto tempo a sua attenção; entendo que lhe faço um serviço, dando por acabadas estas observações que não tiveram por fim senão demonstrar que nós temos a consciencia tranquilla pelos actos que praticamos. Sinto que a resolução tomada pela camara não permitta que alguns dos meus collegas, principalmente o sr. ministro da fazenda, tomem a palavra. Mas a camara assim o resolveu; estava no seu direito, ainda que não posso deixar de manifestar a minha desapprovação pelo modo por que ella exerceu esse direito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Arrobas: — Começo por perguntar a v. ex.ª se algum dos srs. ministros pediu a palavra?

O sr. Ministro da Fazenda (Mello Gouveia): — Peço a palavra.

O Orador: — V. ex.ª sabe muito bem que o regimento no artigo 69.° dá preferencia aos srs. ministros. Por consequencia os srs. ministros podiam ter fallado quantas vezes quizessem. O sr. presidente do conselho fallou duas vezes.

O sr. ministro das obras publicas tambem fallou duas vezes. Foi-me concedida a palavra, mas cedo-a a qualquer dos srs. ministros, reservando-me para fallar depois d'elle.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: — (S. ex.ª não póde ser ouvido, e o seu discurso será publicado quando o entregar.)

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, em má occasião me cabe a palavra, quando a camara está já fatigada, pois já passa das sete horas da noite, e estamos no meio de uma crise estomacal; já passaram de ha muito as horas habituaes do nosso jantar e ao uso nada resiste. (Riso e apoiados.) Infelizmente, sr. presidente, estou collocado em situação por tal modo especial, que não posso prescindir da palavra; porém serei breve, não dizendo senão o essencial para justificar o meu voto.

Acaba de fallar a honra personalisada, a sizudez, a tolerancia politica. O sr. ministro da fazenda e da marinha é geralmente estimado e devidamente apreciado por toda a camara (Muitos apoiados.); sirva isto de lição aos seus collegas, que tambem o podiam ser do mesmo modo, se como elle se comportassem na gerencia dos negocios publicos. (Apoiados.)

Quando pela primeira vez se apresentou n'esta casa o actual governo, disse eu, sr. presidente, que me reservava para o apoiar ou combater, segundo os seus actos fossem, mas que ficava em espectativa benevola, desejoso de o poder apoiar pela confiança que me inspiravam as virtudes do sr. marquez d'Avila, que de longa data eu estava habituado a venerar, como um dos portuguezes mais dignos, já pelos seus importantes serviços ao paiz, já pelo seu amor ás instituições liberaes e o seu respeito aos direitos adquiridos.

Tinha grande ambição de poder apoiar um ministerio presidido pelo sr. marquez d'Avila, e tendo por collegas o sr. Carlos Bento, de quem sou amigo e respeitador de ha muito, e o sr. José de Mello Gouveia, cujas qualidades todos nós apreciâmos.

Já os tinha apoiado quando em 1868 constituiram ministerio.

Quanto aos outros cavalheiros, que completam o ministerio, posto saber que eram cavalheiros perfeitos, não tinham precedentes como homens d'estado, e por isso não me podiam inspirar igual confiança, pelo que esperava os seus actos para me decidir.

Infelizmente tive decepção sobre decepção, e convencido de que não era conveniente á cousa publica a permanencia dos actuaes ministros nas cadeiras do poder, venho agora, que sou, chamado a dar um veridictum a seu respeito, declarar os motivos por que dou o meu voto á moção de desconfiança que o sr. José Dias Ferreira mandou para a mesa e que está em discussão, e faço-o com profunda dor do coração, por se tratar de um governo presidido pelo sr. marquez d'Avila, mas o dever acima de tudo.

Logo em seguida ao encerramento da sessão de 1877 se deu um caso importante que constituiu a minha primeira decepção.

A lei que auctorisou o governo a contrahir o emprestimo de seis milhões e meio de libras para consolidar a divida fluctuante, foi publicada em 7 de abril; pois, sr. presidente, mesmo antes d'essa publicação choviam as propostas de nacionaes e estrangeiros, qual d'ellas melhor para aquella operação em condições vantajosissimas para Portugal!

Uma conheço eu perfeitamente, que foi a do banco de Portugal, feita em 4 de abril.

Estavam os fundos portuguezes então em Londres por um preço elevado, e ainda em 12 estavam a 53 1/4

A guerra do Oriente só começou em 24 d'esse mez e foi então que os nossos fundos desceram a 50 1/1.

O governo tinha tido muito tempo para concluir a operação.

O banco de Portugal juntamente com o County bank e outra casa bancaria de primeira importancia de Londres, garantiam firmes tres milhões e quinhentas mil libras do emprestimo.

Depois de começada a guerra, e já na data de 16 de junho, ainda o banco do Portugal se compromettia a tomar o emprestimo, ficando para o governo a 50 por cento, livre de commissões, e o banco mantinha a sua offerta da responsabilidade por tres milhões e meio, isto é, por mais de metade do emprestimo.

Estava o banco preparado com capital sufficiente, por sociedade e pelos creditos necessarios, para cumprir o seu compromisso, mesmo no caso de revez, que não teria tido de certo porque tudo estava bem combinado.

O preço dos nossos fundos tinha já subido a ponto de que ainda em 26 d'esse mez estavam a 52 3/8.

Ora, sr. presidente, o governo teve a desastrada idéa de ir contratar com a casa Bering uma emissão a 50 por cento, mas com uma commissão de 1 ½ por cento, alem de 1/8 de commissão e despezas geraes, e peior do que tudo, sem responsabilidade alguma, sem a menor garantia por parte da casa contratante.

Era preciso estar cego para não ver que a intervenção official do banco de Portugal n'aquelle emprestimo era uma grande condição para o bom exito da transacção no estrangeiro, por verem que o primeiro estabelecimento de credito de Portugal tomava, não só a iniciativa, mas tambem a responsabilidade firme do mais de metade do emprestimo. (Apoiados.)

Nada havia que mais confiança inspirasse lá fóra do que era ver que este banco, que devia conhecer os recursos do paiz, tinha tambem tanta confiança do bom exito para o governo e para os prestamistas. (Muitos apoiados.)

Dizia então o governo que tinha dado preferencia ás propostas estrangeiras, porque queria que os capitaes portuguezes se não distrahissem da divida interna; dizia-se mais que se dava a preferencia aquella casa por ser a unica bastante poderosa para dar certeza de bom exito.

Ora, sr. presidente, isto era não ver que os portuguezes

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que quizessem especular ou possuir fundos n'este emprestimo assignavam, tanto em Londres como em Lisboa, com a differença que assignado aqui não pagava o governo tão pesada commissão, e os cambios não teriam sido tão desfavoraveis, porque parte da subscripção portugueza ficaria aqui, e assim teve de ir para Londres muito oiro, o que causou em Lisboa grandes embaraços.

Por outro lado os outros proponentes, vendo-se preferidos por quem offerecêra condições menos favoraveis, a titulo de maior respeitabilidade, era natural que creasse antipathia pela operação, e isso não podia deixar de influir tambem para o mau exito que houve.

De Portugal pediu se ainda um milhão, ao menos na operação mas foi-lhe negado; pediram tambem participação alguns banqueiros de Amstardam e Hamburgo, e foi-lhes recusada a todos essa participação.

Em resultado de tanta inconveniencia fez fiasco o emprestimo; não subindo a subscripção a mais de tres milhões em Londres e París.

A subscripção foi aberta em 26 e fechada a 28 de junho, e sabe v. ex.ª qual era o preço dos nossos fundos n'essa epocha em Londres? Era no dia 26, quando se abriu a subscripção, 52 3/8 e no dia 29 ainda era de 52 ¼.

Este desastre fez descer o preço logo a 49 ¾

Mas, sr. presidente, o que me fez pasmar foi ver o governo, que tanto horror tinha mostrado pela interferencia portugueza no emprestimo, foi offerecer um milhão de libras ao banco Lisboa & Açores, e a sua direcção, que é um modelo de boa administração, acceitou, e por menor commissão do que a casa Bering tomou os 4.500:000$000 réis firmes a 50 por cento, só com 1 por cento de commissão, e isto depois do fiasco Bering, e este governo foi ainda pagar 22:500$000 réis de commissão á casa Bering por esta parte que áquella casa não tinha emittido! Tambem pagou a corretagem, quando elle proprio é que foi o corretor.

Este governo logo em seguida foi contratar com o banco de Portugal o emprestimo para pagamento ás classes inactivas, importando em 2:375:000$000 réis, e com o banco Lisboa & Açores a emissão do emprestimo para os caminhos de ferro.

E tudo teve optimo exito quanto foi contratado em Portugal.

Dura, mas tardia lição para este governo.

D’este modo o governo contratava em Portugal, em seguida ao fiasco que soffreu em Londres, 8.400:000$000 réis effectivos!

Dir-se-ía que fez isto para matar o ultimo pretexto que tinha anteriormente allegado, para desfazer as melhores condições de preço e de garantia que lhe tinham sido offerecidas em Portugal. (Apoiados.)

Tudo isto, sr. presidente, que fez perder ao estado muitos centenares de contos de réis, trouxe ao meu espirito a convicção da impericia dos srs. ministros, e comecei a receiar pela sorte do meu paiz, se este governo existisse por occasião em que se desenvolvesse alguma crise.

Foi por causa da sua inepcia que em abril não foi paga a divida tanto externa como interna; foi por sua falta de pericia que o credito nacional soffreu um grande abalo.

Foi esta a minha primeira decepção. (Apoiados.)

Quem podia esperar economias de um governo que começou por causar tão grande prejuizo de mais de réis 800:000$000 ao estado por simples falta de competencia? (Muitos apoiados.)

As propostas de fazenda com que o governo tanto se ufana, e a respeito das quaes o sr. ministro das obras publicas tanto provocou a commissão de fazenda a dar parecer, vão ser rapidamente analysadas por mim, que sou membro da commissão de fazenda, que as examinei e que ás não achei no caso de serem approvadas por parlamento algum que preze a sua dignidade. (Apoiados.)

Apparecem logo oito d'essas propostas importando auctorisações ao governo, para alterar quadros, vencimentos e aposentações, e penas e attribuições judiciaes, renovação de armamento das guardas, serviço telegraphico especial em toda a costa; muro de circumvallação no Porto, imposto de transito nos caminhos americanos do Porto, etc., etc.

Só com a auctorisação pela reforma das alfandegas haveria um augmento de despeza de mais de 400:000$000 réis, pelo que se lê nos dois relatorios que precedem esses pedidos de auctorisação!

Ha, pois, ali a considerar o que se vê e o que se não vê. O augmento da despeza tão enorme é, que o governo o occultou, e realmente fez bem, porque não é augmentando tanto a despeza ordinaria que se acaba o deficit, e o governo dizia que ficava acabado com as suas propostas.

A innocente proposta para a reforma do real de agua, alem da auctorisação para fixar penas, para crear um quadro de pessoal especial novo, fixando-lhe o vencimento ad libitum, ainda nos dava a esperança de termos barreiras em todas as cabeças dos districtos e dos concelhos, e assim andavam alguns seculos para traz em materia de economia tributaria!

Pois a belleza de obrigar os productores do vinho, azeite, aguardente, etc., a denunciarem ao fisco as pessoas a quem vendessem os seus generos e para onde os destinavam os compradores, ficando tambem estes obrigados, bem como os dopositarios d'este genero de commercio, a delatar-se a si proprios, revelando os seus segredos ácerca do destino que derem aos mesmos generos.

Não relato á camara as demais bellezas que tem esta proposta inquisitorial, porque o tempo o não permitte.

Nas auctorisações para reformar a legislação do imposto industrial, da decima de juros, do imposto predial e do imposto sobre a renda das casas e sumptuaria, abunda a revisão das tabellas tributarias, o estabelecimento era todas as reformas de novas penas e alteração das antigas, poder para restringir isenções de impostos dos predios urbanos fóra de Lisboa e Porto; o estabelecimento da sujeição ao imposto predial dos predios urbanos devoluto nas cidades de Lisboa e do Porto, ficando assim o imposto a racair, não sobre o rendimento, mas sim sobre o capital, a declaração do que o rendimento collectavel dos predios urbanos seja igual á renda bruta dos ditos predios, o isto tudo a pretexto da falta de predios urbanos, e creio que para animar a emprehender novas construcções urbanas! Faz dó, sr. presidente, ver tanta impericia no poder.

Podem ser muito boas todas estas cousas, porém o que não póde ser admittido é que o parlamento feche os olhos e entregue ao governo as attribuições de legislar e de organisar a materia tributaria, que é de todas a mais grave e que só na camara dos deputados póde ter iniciativa. Ora, se nem a camara dos pares, o póde fazer, que é um ramo do poder legislativo, quanto mais entregar tudo ao governo para elle legislar como entender!

Uma camara que tal votasse era indigna do mandato popular, e dava documento de reconhecer a sua propria imbecilidade. (Apoiados.)

As propostas que não importam simples auctorisações não são melhores do que estas oito.

A primeira, que se refere ao augmento dos impostos de exportação do gado e da cortiça, é um verdadeiro contra-senso. (Muitos apoiados.)

Diz o governo no relatorio que precede esta proposta, que a cortiça tem duplicado o triplicado do preço nos ultimos annos; pois foi mal informado, porque ha dez annos o preço d'este genero não tem augmentado; o que tem augmentado é o rendimento das propriedades, por que d'antes os sobreiros não eram limpos e por isso não davam cortiça, e nos ultimos tempos têem dado uma colheita de sete em sete annos (Apoiados.) Ora, se o rendimento das herdades que dão cortiça tem por isso augmentado tambem, eleva-se do mesmo modo o rendimento collectavel d'essa propriedade e o seu

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valor de venda, e portanto lá cobra o estado a parte que lhe compete do augmento de rendimento. (Apoiados.)

Tambem no mesmo relatorio se diz que o nosso commercio de exportação de cortiça está livre de concorrencia, ou quasi desafrontado d'ella; pois engana-se ainda n'este ponto o governo, porque quem menos cortiça leva aos mercados estrangeiros é Portugal; a Hespanha leva a cortiça já em rolhas, livre de imposto em Inglaterra; de Argel, que tem matas de sobreiros maiores do que todo o Portugal, exporta-se immensamente mais cortiça do que Portugal.

Estão ali formadas companhias para desenvolver cada vez mais a limpeza das arvores e aproveitamento das cortiças.

Para tirar todas as duvidas ao governo vou mandar para a mesa um requerimento, para se pedir ao governo que mande vir informação dos consules portuguezes em Inglaterra, França, Allemanha, Suecia, Noruega e Dinamarca ácerca da importação de cortiça n'aquelles estados, com indicação de procedencias.

O governo parece ignorar que a cortiça depois de colhida é levada á fabrica, onde é primeiro raspada, depois cozida e depois dividida em oito classes que têem preços muito differentes. Assim a cortiça mais fina valerá 50 libras por cada tonelada, emquanto a de infima qualidade se tem de valor 4 libras e só serve para a pesca.

Ha grande difficuldade em collocar esta ultima qualidade, e ella é equivalente a um terço da producção total da cortiça.

Ora, sr. presidente, o imposto de 100 réis por cada 15 kilogrammas equivale a 6$666 réis por tonelada, isto é, a cerca de 35 por cento ad valorem.

Sr. presidente, isto era simplesmente um imposto prohibitivo da exportação, porque os lucros d'esta exportação ficam muitissimo abaixo d'este imaginado imposto.

Como queria o governo que fosse justo o economico um imposto de exportação fixo para todas estas qualidades, que variam de valor desde 50 libras até 4 libras por tonelada? (Apoiados.)

Querem cortar a arvore para mais commodamente colher os fructos!

Deus livre a minha patria d'estes extinctores do deficit.

Com relação ao augmento do imposto de exportação do gado tambem estamos no mesmo caso.

Todos sabem quanto é difficil, despendioso e arriscado o transporte por mar do gado que se exporta.

Nem ha companhia que queira segurar navio, nem carga quando se trata do transporte de gado, e muitos navios se têem perdido na bahia de Biscaia por levarem gado a bordo. É sabido que ao menor temporal o gado cáe a um lado com os solavancos que faz o navio, e isso tende a fazer adornar a embarcação.

Pretende o governo que a industria da engorda é remuneradora. Será por isso que a quer esmagar quando ella ainda nem chegou a ser regular nos processos que emprega?

Mas ainda que fosse muito remuneradora, seria isso motivo para lhe difficultar a exportação do seu producto?

Não tem lá o fisco o meio de tirar directamente pelo imposto predial, pela rectificação das matrizes a parte, que lhe compete, se ha augmento de rendimento para os que exploram as propriedades rusticas com destino a esta industria?

O governo acha que é muito lucrativo o commercio do gado gordo, e que tem pouca concorrencia em Inglaterra; pois eu assevero á camara que tudo se passa da maneira opposta. Para provar que esse commercio não é muito lucrativo, basta dizer que não ha em Portugal negociantes que especulem com este commercio; são os armadores que para dar frete aos seus navios fazem contratos de fornecimento para o exercito e armada com o governo britannico, e portanto basta que tirem o frete do navio n'estes casos.

Se não fosse isto não se exportaria o gado. Agora quer o governo carregar com 3$000 réis por peça de gado vaccum a exportação do mesmo gado, que vae concorrer em Inglaterra com o gado da Belgica, da Hollanda, da Allemanha e da França, onde a industria da engorda está muito mais adiantada e em muito melhores condições de exploração e de transporte. (Apoiados.)

Deixe-se o governo da idéa de carregar com impostos pesados a exportação, porque se o fizer aggravará em vez de melhorar a situação do paiz.

O caracter do nosso paiz é o agricula; nós estamos ainda muito atrazados em agricultura, e é caro e difficil o capital para o agricultor. Produzimos ainda caro e pouco em comparação ao que importâmos. Precisâmos facilitar e promover a exportação, e não embaraçal-a. (Apoiados.)

Esta proposta do governo é inadmissivel o contraproducente. É anti-economico este imposto, e não haverá camara que ouse votal o. (Apoiados.)

Temos tambem a infeliz proposta para substituir o imposto de 1 por cento ad valorem, na importação, pelo addicional de 4 por cento sobre os impostos.

É impossivel que o governo tivesse estudado este assumpto, aliás não diria no § unico do artigo 1.°:

«Exceptuam-se as mercadorias de producção franceza emquanto vigorarem as disposições do tratado de 11 de julho de 1866.

Pois o governo ignora, que o tratado com França ficou extensivo a quasi todas as nações com que temos commercio de alguma importancia, e portanto que o favor concedido ás fazendas francezas iria aproveitar a todas as outras com as quaes temos tratado?

Tambem o governo não viu que ía estender o beneficio da isenção do addicional, não só aos objectos mencionados no tratado francez, porém tambem todos os outros de origem franceza, e que não gosam dos beneficios do mesmo tratado!

E não viu tambem o governo que em virtude de um artigo que existe em cada um dos contratos com as diversas nações, são applicaveis a todas ellas qualquer isenção, privilegio ou vantagem de qualquer especie que seja concedido a qualquer outra potencia, e que d'esse modo todos os generos procedentes de qualquer das nações a que se applicou o tratado com a França ficavam isentos, menos os que viessem das Americas do Sul e do Norte, de Marrocos e de pouco mais.

D'este modo era claro que o imposto não produziria mais do que 80:000$000 réis em vez de 375:000$000 réis como o governo calcula, e que mesmo, corrigindo a redacção de modo que só se exceptuassem os generos descriptos no tratado com a França, e a respeito de todas as nações com as quaes ha tratados de commercio, a receita não excederia mesmo assim a 319:000$000 réis, e portanto o acrescimo de receita seria de 59:000$000 réis, e não réis 116:000$000 como o governo calculou.

E quanto não era vexatorio e absurdo este methodo que o governo diz que não grava nenhuma industria e que torna o imposto equitativo e suave!

Para a camara o poder avaliar basta notar alguns resultados.

O acido nítrico ou asotico, que fica por 100 réis o kilogramma posto em Lisboa, e que pela pauta actual paga 200 réis do imposto, isto é, 200 por cento, ficaria agora pagando 208 por cento. Não será o acido asotico essencial para as industrias?

Muitos objectos de ferro, como parafusos, etc., que chegam a pagar actualmente 300 por cento, ainda haviam de pagar agora mais 12 por cento! Não iria isto gravar industriaes já tão mal tratadas? O que isto era vê-se; era um meio brutal de augmentar as protecções já tão exageradas que com escandalo ainda subsistem nas nossas pautas.

Pois não viu o governo a rasão por que a lei exceptuava

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do imposto de 1 por cento o tabaco, o oiro e as pedras preciosas?

Não viu que o tabaco pagando agora mais de 400 por cento de imposto ad valorem já offerece um grande incentivo ao contrabando, e que os 4 por cento addicionaes equivaliam a 16 por cento ad valorem, isto é, que augmentaria mais de 80:000$000 réis o producto do imposto do tabaco com esta novidade.

Não viu o governo que o imposto de 50$000 réis por kilogrammas do oiro, alem de 1 por cento do valor que pagam hoje estes objectos preciosos, é já quasi um direito prohibitivo, a ponto de se ver pela estatistica que é quasi imperceptivel a quantidade e valor dos objectos despachados, e quando se observa nos ourives uma immensidade de objectos de oiro e joias com pedraria estrangeira, que se vê que fugiu ao imposto pela exorbitancia da pauta.

Parece-me que isto em vez de augmentar diminuiria a receita, mesmo admittida a correcção da reducção que indico.

Como está o § unico, não sómente não haveria augmento, porém antes uma diminuição de receita de cerca de réis 120:000$000.

Eis-ahi como as propostas da fazenda íam acabar o deficit e fomentar o desenvolver riqueza publica.

Que sorte esperava este pobre paiz se tão sabio governo continuasse a estar no poder!

Tambem a lei do sêllo não escapou.

Todos os annos alterâmos o imposto do sêllo, o que prova a incompetencia para tratar d'estas materias.

Pautas e sellos estão sempre na ordem do dia.

Entre varias bellezas deparo com o imposto sobre os cheques á vista.

Ora, sr. presidente, quando o capital se retira velozmente dos depositos dos bancos, e o commercio e a industria difficilmente por isso encontram n'elles os auxilios de que carecem, é que o governo se lembra de vir com esta novidade, que contraria o salutar impulso para depositar nos bancos o capital disponivel.

Quanto menos depositos houver nos bancos é claro que menos lucros elles terão, e portanto menor será o imposto que têem que pagar ao estado. Faz portanto mal ao commercio e ás industrias em geral um tal imposto, promovendo a reducção do capital disponivel para os descontos, e o proprio governo nem lucra immediatamente, porque cobraria por um lado o que perderia por outro.

Eram sobretudo os monte pios e as caixas economicas que haviam de soffrer com esta novidade, por que ali os levantamentos de dinheiro fazem-se por quantias minimas e o imposto iria contrariar completamente o incentivo, que por todos os modos se deve promover, para os menos abastados, os trabalhadores capitalisarem as suas pequenas economias; isto moralisa estas classes e ao mesmo tempo serve ao desenvolvimento da riqueza publica, augmentando o capital reproductor de valores. Merece realmente ser eterno um governo que se ufana de salvar a patria com taes esquisitisses.

A proposta para a refundição da moeda subsidiaria tambem tem sua novidade: nós tinhamos excesso de moeda de cobre e bronze, estão depositados no banco de Portugal cerca de 500:000$000 réis d'esta moeda pelo excesso que della existe: pois bem, o governo augmenta ainda a quantidade existente com mais 200:000$000 em bronze do que o total que se calcula estar em circulação.

O governo não nos diz que despeza faria esta refundição; nem uma palavra só a tal respeito; não nos diz ao menos quantas peças de cada typo seriam cunhadas e em quanto tempo a casa da moeda poderia ter concluido toda a cunhagem e refundição.

O que nos diz com toda a certeza é que a refundição e cunhagem se faria á porproção que o governo fosse mandando para a casa da moeda o cobre e o bronze antigos que fosse recebendo.

Ora, sr. presidente, de cobre existe apenas na circulação, cerca de 650:0O0$000 réis e do bronze ha 1.150:000$000 réis; o bronze não serve para a refundição, porque tem outra afinação do que a requerida para a moeda, e mesmo com muito trabalho a casa da moeda só em muitos annos poderia concluir a nova cunhagem: e durante esse tempo todo ficaria conjuntamente em circulação moedas de peso e valor intrínseco differentes e com o mesmo valor nominal. Ora, sr. presidente, diz o governo no seu relatorio, que esta é a unica moeda de muitas povoações; pois, bem se assim é, deve ser curiosa a luta para receber por um vintem uma peça antiga que pesa 25 grammas de cobre e pelo mesmo valor uma outra pesando apenas 20 grammas de um metal menos valioso, e isto durante muitos annos.

Acho engraçado, mas já não é nova esta belleza nos passados governos das nações que se acham na ultima extremidade e no meio da anarchia, como por exemplo durante a revolução franceza e mais tarde mesmo, em resultado da fundição dos sinos das igrejas e dos conventos.

Para que serviu nomear uma commissão de pessoas competentes para consultar com respeito a esta importante questão da refundição de moeda subsidiaria? Por que motivo preferem o bronze ao nikel para a nova moeda? Emfim, esta proposta no estado em que se apresenta não destoa em nada de todas as outras.

Faltava-me ainda a ultima das propostas: é para auctorisar a caixa geral dos depositos a fazer toda a casta de operações que o governo lhe consentir, alem d'aquellas que a lei de sua instituição permitta.

Foi receiando este triste desfecho mais tarde ou mais cedo, que eu impugnei esta nova repartição publica. Teremos agora mais uma caixa de prego: teremos os depositos á ordem, os descontos de letras, fará a caixa tambem operações del credere e seguros.

Emfim, o governo é que sabe o que quer, mas como é de segredo limita-se a pedir mais esta auctorisaçãosinha e quer que deleguemos todas as nossas attribuições, porque só elle é que sabe o que faz.

O que vale é que o governo, se conseguir o que deseja, absorve todo o dinheiro da caixa por varios titulos e escaninhos; é elle quem fixa o juro que lhe convem e pagará o que quizer.

Eu nunca esperei outra cousa desde que uma lei collocou o deposito publico em uma caixa, por assim dizer do governo.

A noite está adiantada, e a camara impaciente, e com rasão, por terminar os seus trabalhos; não posso porém deixar de tocar ainda em dois pontos importantes, sendo o primeiro a questão dos conegos, e o segundo a dos attentados praticados pelo governo contra o poder judicial.

Eu entendo que a questão dos conegos não deve ser tratada no campo da analyse grammatical da lei de 20 de abril de 1877. O que é preciso é mostrar se havia ou não urgencia indeclinavel para fazer as nomeações de duzias de conegos e quaes os resultados que resultam d'essas nomeações.

Eu entendi sempre que a intenção do governo regenerador era usar da auctorisação, mas só depois de feita a concordata e emquanto depois se não fazia a fixação dos quadros dos cabidos.

E o motivo é porque então já taes nomeações não podiam ir prejudicar a obtenção da concordata para a circumscripção das dioceses, e que fazer antes essas nomeações era quebrar o governo uma arma poderosa que tinha para concluir áquella diligencia diplomatica, pendente desde 1845 isto é, ha trinta e tres annos.

Quanto mais representassem os bispos reclamando os provimentos, mais responsabilidade resultava para a curia romana por demorar uma conclusão tão necessaria.

Ora, a santa sé já tinha concordado em principio na fórma da circumscripção, e o governo da regeneração tinha até já feito os necessarios trabalhos para chamar os

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reverendos bispos a Lisboa, para depois de vir com elles a accordo sobre o referido assumpto, enviar com os papeis para Roma uma acta pelos mesmos bispos, assignada para assim facilitar a rapida conclusão de tão grave assumpto.

Ora, se o governo em vez de tratar da nomeação dos conegos fizesse o pouco que faltava fazer para a concordata ser assignada, tudo estaria terminado já e o governo podia ter-se fartado depois de satisfazer a sua clientella nomeando conegos até não poder mais.

Bastava isto para se conhecer a intenção do governo; mas procuremos por quaesquer outros dados se effectivamente podia ser a piedade religiosa o motor d'este inesperado acontecimento.

O governo diz no seu relatorio remettido ás côrtes sobre o assumpto, e disse-o tambem agora mesmo o sr. presidente do conselho, que a rasão principal das nomeações fóra a necessidade de cuidar da instrucção ecclesiastica, visto que acabavam o onus de ensino; quatro conegos em Lamego, quatro no Porto, quatro em Lisboa e quatro em Evora, e era necessario substituil-os. E depois tambem para a decencia do culto nas cathedraes.

Quanto á primeira parte bastava dizer que os quatro nomeados para Lamego e os quatro nomeados para o Porto já eram professores das respectivos seminarios e continuavam a leccionar as mesmas cadeiras.

As nomeações não levaram aos seminarios nem mais a sombra de um professor, pois os nomeados já lá estavam no mesmo serviço que vão continuar. (Apoiados.)

São os mesmos professores que ficam, com a differença que se chamam agora conegos e vão ganhar muito mais do que recebiam até aqui.

Mas se o governo quizesse curar da instrucção do clero tinha cousas muito mais uteis que fazer.

Os seminarios, que é aonde essa instrucção se dá, não têem ainda um regulamento geral, apesar de ser disposição da lei de 28 de abril de 1845 que elle fosse decretado. Manda a mesma lei que nos seminarios só se dê a instrucção ecclesiastica, aprendendo-se a instrucção secundaria nos lyceus da mesma localidade. Ora, sr. presidente, eu vejo que ha seis seminarios, aonde, alem do ensino ecclesiastico, existem cadeiras de latim, francez, rhetorica, etc., havendo tambem as mesmas aulas nos lyceus contiguos; e n'isso não ha anarchia! No seminario de Braga ha oito cadeiras de instrucção secundaria, no de Santarem sete, no do Porto seis, no do Funchal tres, no de Bragança dois, e no de Angra um. E para cumulo de variedade no seminario de Faro ha quatro conegos com onus de ensino, ganhando, alem da prebenda, a gratificação do ensino, mas não ha nem um só discipulo de instrucção ecclesiastica. Ha porém vinte e seis alumnos internos estudando instrucção secundaria com professores do lyceu contiguo. Ora, sr. presidente, se é essencial ensinar instrucção secundaria nos seminarios, estabeleça-se isso, mas para todos os seminarios e com regularidade, isto é, iguaes cadeiras em todos elles.

Eu vejo, sr. presidente, que ha seminarios em que ha mais professores do que estudantes; assim, por exemplo, em Beja ha sete professores para seis estudantes; em Castello Branco ha quatro professores para quatro estudantes; em Pinhel ha cinco professores para quatro alumnos.

São muito differentes os vencimentos dos professores comparando uns com os outros seminarios, quando a lei manda que sejam iguaes ao maximo dos lyceus.

Manda a lei que o curso dos seminarios seja triennal e com doze cadeiras; pois, sr. presidente, todos elles têem numero differente de cadeiras.

Os compendios e as materias que se ensinam são differentes de uns para outros seminarios, e com tudo todos ensinam para o mesmo fim; o pessoal de administração está quasi sempre em divergencia com o numero de alumnos internos: uma vez é excessivo e outras insufficiente; os vencimentos d'este pessoal são tambem muito differentes de uns para outros seminarios.

A junta da bulla manda, é verdade, as contas da sua gerencia para o tribunal de contas, desde junho de 1869 em diante, mas nem uma só conta foi ainda julgada.

As contas anteriores a 1869, que deviam ser organisadas na secretaria da justiça, ainda em nove annos que têem decorrido não têem podido ser organisadas, e portanto nem remettidas têem sido para o tribunal de contas.

Os seminarios, não obstante serem estabelecimentos pios, nunca deram contas judiciaes; dão-nas apenas administrativas aos bispos, mas isso não suppre a falta.

Não ha uma inspecção aos seminarios; o governo ignora como n'elles se ensina e que principios se incutem no animo dos educandos.

O governo não manda publicar, como devia, os balancetes mensaes da junta da bulla.

O decreto do 1.° de dezembro de 1869, que extinguiu as collegiadas, que mandou averbar ás despezas do culto e da instrucção ecclesiastica os titulos de divida fundada pertencentes a essas corporações ainda não foi executado, nem tão pouco se pensou ainda no regulamento para a execução d'aquelle decreto.

Era dever do governo mandar verificar qual é hoje o rendimento proprio dos diversos cabidos, depois de augmento que têem tido com a desamortisação importante que se tem feito dos seus bens durante nove annos.

Ora, o governo entendeu que tudo isto era pequeno e pouco importante para a instrucção do clero e para a boa administração ecclesiastica, e por isso preferiu o que era mais simples; serviu afilhados ás duzias, augmentou sem necessidade a despeza publica, quebrou nas suas mãos a unica arma que tinhamos para accelerar a terminação do negocio da concordata para a circumscripção das dioceses, mas nomeou conegos a titulo de melhorar a instrucção do clero, de que realmente não faz caso algum, porque se o fizesse occupava-se de acabar a anarchia que n'ella existe, como acabo de provar, e não de nomear conegos que em nada alteraram, nem o nome das pessoas, que já estavam regendo essa instrucção antes de nomeados conegos. (Muitos apoiados.)

Encarando agora as nomeações com relação á decencia do culto, como diz o governo, bastava dizer que agora que vieram para o serviço do côro os quatro conegos que estavam no ensino, ficava mais pessoal no serviço do côro do que estava antes do actual governo.

E se alguem tem ainda a menor duvida sobre a urgencia de acto tão inconveniente, pela inopportunidade, basta dizer que as quatro nomeações feitas para a sé do Porto levaram o cabido ao seu maximo, pois lhe preencheram o quadro legal.

Tratando da sé de Lisboa, para onde vão ser nomeados seis conegos, notarei que agora, que o governo deu pela necessidade tão urgente, que ainda a achou mais urgente que o proprio sr. patriarcha, agora vem para o serviço do côro os conegos professores do seminario de Santarem.

O actual governo achou a insufficiencia só porque se tinha elevado o numero de conegos a fazer serviço no côro!

Ora, sr. presidente, descontando os doentes, os ausentes e os impossibilitados por qualquer outra causa, ainda existem na sé de Lisboa em serviço de côro:

Conegos e dignidades........... 8

Beneficiados.................. 11

Capellães cantores............. 7 - 26

Ha, portanto, vinte e seis presbyteros na sé promptos para sustentar o esplendor do culto, ainda mesmo para a mais pomposa das ceremonias da igreja.

Para esclarecimento vou ler os artigos dos estatutos da sé de Lisboa, os quaes foram elaborados pelo sr. patriarcha D. Manuel, e approvados pelo governo por decreto de 2 de julho de 1862.

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N'estes estatutos leio eu o seguinte:

Artigo 79.º Os beneficiados substituirão, segundo a sua antiguidade, os conegos no seu impedimento, e igualmente se substituirão uns aos outros.

Art. 93.º Os capellães cantores substituirão, segundo a sua antiguidade, os beneficiados no seu impedimento, e se substituirão igualmente uns aos outros.

Art. 123.º Quando acontecer ficar só no côro um capitular, este exercerá simultaneamente as funcções de presidente e hebdomadario.

Já se vê, sr. presidente, que os proprios estatutos consideram possivel que no côro só esteja um conego. Não se póde, pois, dizer que com vinte e seis conegos, beneficiados e capellães cantores, promptos para serviço, não possam fazer-se com decencia as festas religiosas na sé de Lisboa.

Não é, pois, a decencia do culto, nem as necessidades da instrucção, o motor que levou o governo a praticar este acto, que não póde deixar de influir no retardamento da concordata para a circumscripção das dioceses.

Vou terminar, lendo á camara os documentos que provam o desacato feito ao poder judicial pelo actual governo, com tentativa de introducção de anarchia no serviço judicial.

A camara vae ouvir.

«Ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, direcção geral dos negocios de justiça, segunda repartição. — Illmo. e exmo. sr. — Em officio datado de 10 do corrente, e recebido em 11, participou o ministerio do reino que, tendo fallecido em 30 de junho um individuo que havia entrado no hospital de S. José com um ferimento grave que recebêra em Campolide, e havendo seguidamente sido avisados os juizes do 1.° e 2.° districto criminal, a fim de se proceder a corpo de delicto, nem um nem outro d'esses juizes se promptificou a proceder pessoalmente a esse acto, não obstante a urgencia e importancia do caso, declinando ambos o exercicio d'essas funcções para o juiz ordinario de S. Mamede.

«Este juiz apresentou-se effectivamente no hospital no dia 2, mas desacompanhado de peritos, e por isso ficou de voltar no dia seguinte.

«Consta, porém, que não voltou, e que tendo decorrido mais de dois dias sem que a justiça comparecesse, foi necessario, para evitar o prejuizo que poderia advir ás boas condições hygienicas d'aquelle estabelecimento, da conservação de um cadaver em estado de putrefacção, que elle fosse sepultado sem que se tivesse verificado um acto tão essencial e indispensavel do processo criminal.

«E sobremodo notavel que a auctoridade judicial competente, depois do aviso que teve do hospital, se portasse com tal negligencia no cumprimento de tão importante dever.

«S. ex.ª o ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, a quem foi presente a sobredita participação, sente que se tenha dado tal acontecimento, e encarrega-me de rogar a v. ex.ª se sirva de o fazer constar á auctoridade competente, ordenando que immediatamente se proceda á exhumação do cadaver e a exame e corpo de delicto, afim de que aquella falta não tenha por complemento a impunidade do crime.

«Outrosim deseja s. ex.ª que v. ex.ª ouça por escripto sobre esta negligencia os dois referidos juizes, bem como o juiz ordinario de S. Mamede, e o informe dos motivos ou pretextos d'esta notavel omissão; convindo que v. ex.ª providenceie de modo que similhantes casos se não repitam.

«É tambem conveniente que v. ex.ª se sirva de avisar os juizes dos districtos criminaes de Lisboa, que no hospital de S. José não podem ser conservados os cadaveres por mais de vinte e quatro horas, porque isso póde causar damno aos doentes ali recolhidos

«Deus guarde a v. ex.ª Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 14 de julho de 1877. — Illmo. e exmo. sr. conselheiro presidente da relação de Lisboa. = Thomás Ribeiro, director geral.

«Está conforme. = Thomás Ribeiro, director geral.»

Na mesma occasião foi dirigido, sobre o mesmo assumpto, um officio pelo ministerio da justiça ao procurador regio em 19 de julho de 1877, e n'esse officio lê-se o seguinte:

«S. ex.ª o ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, a quem foi presente a sobredita participação, sente que se tenha dado tal acontecimento, e encarrega-me de rogar a v. ex.ª, que, servindo-se de dar conhecimento d'este facto aos seus delegados nesta capital, lhes transmitta as ordens mais terminantes, a fim de que, nos casos occorrentes, promovam sempre, como lhes cumpre, a formação dos corpos de delicto, em conformidade das leis, de modo que se não repitam casos tão escandalosos, como o que fica narrado.»

Eis-ahi, sr. presidente, o sr. ministro da justiça a assumir as attribuições do tribunal, a relação de Lisboa, em sessão plena: eil-o a dar reprehensões aos membros do poder judicial por actos de exercicio judicial! Eis-ahi o governo a ordenar ao presidente da relação de Lisboa que ordene a exhumação de um cadaver para se praticarem actos do processo crime, que o ministro entende que os juizes por desleixo não fizeram.

Isto, sr. presidente, é de pasmar por tanta audacia!

Pois não sabe o governo que os juizes só podem ser censurados pela relação em sessão plena, e com um processo especial de que trata o artigo 774.° da reforma judiciaria, e depois de ouvidos ácerca do facto imputado?

Pois não sabe o governo, que nem o governo nem o proprio presidente da relação são competentes para ordenar a um juiz que mande exhumar um cadaver, para emendar um erro ou preencher uma lacuna em processo judicial?

Não conhece o governo o artigo 47.° da reforma, que fixa e descreve quaes sejam as attribuições do presidente da relação, isto é, todas administrativas e nenhuma de interferencia, nos termos dos processos ou ingerencia em acto de julgar?!

Os presidentes são encarregados de fazer cumprir as leis, mas bem expressamente diz a reforma, que é unicamente no que abranger as suas attribuições.

O governo o que devia e que podia ter feito era enviar ao procurador regio, para informar, a communicação recebida do ministerio do reino, e depois ordenar ao ministerio publico que promovesse o que fosse de justiça e de direito.

A exhumação, se devesse, fazer-se havia de ser requerida pelo agente do ministerio publico ao juiz competente e não ordenada pelo governo ou pelo presidente da relação, pois nem um nem outro são competentes para dar ordens aos juizes em materia de julgamento ou andamento de processos. (Apoiados.)

Mas o que fez o governo? Não ouviu ninguem; expediu para o poder judicial uma censura e uma ordem para um juiz emendar um erro ou supprir uma falta supposta no andamento de um processo, e aos agentes do ministerio publico, aos quaes o governo poderia censurar por não promoverem que se fizesse o que se suppunha faltar no processo, limitou-se o governo a dizer que evitassem a repetição de actos tão escandalosos!

Tanta difamação, tanta censura para os juizes, sem para isso haver attribuições e nem ao menos ter verificado antes a existencia dos factos imputados!

Veja a camara que anarchia mansa que é essa que vae no ministerio da justiça.

Eu queria limitar-me a provar que o sr. ministro havia exorbitado das suas attribuições; mas como o sr. ministro recalcitra e quer que leia o resto, assim com ares de quem ficará com isso justificado, eu vou ler a resposta que a esta censura deu a presidencia da relação de Lisboa em 23 de julho de 1877.

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«Copia — Presidencia da relação de Lisboa — Illmo. e exmo. sr. — Em observancia da ordem de s. ex.ª, transmittida a esta presidencia em officio de 14 do corrente mez, expedido pela segunda repartição da direcção geral dos negocios de justiça, mandei ouvir os juizes de direito do 1.° e 2.° districto criminal d'esta comarca e o juiz ordinario do julgado de S. Mamede, sobre os motivos ou pretextos de sua negligencia e omissão, deixando de proceder a exame e corpo de delicto do ferimento grave que recebêra em Campolide um individuo entrado no hospital de S. José e ali fallecido em 30 de junho proximo preterito, e sepultado dias depois sem se ter verificado aquelle acto tão essencial e indispensavel ao processo criminal; e simultaneamente ordenei ao juiz competente que immediatamente se procedesse á exhumação do cadaver e a exame de corpo de delicto, a fim do que aquella falta não tenha por complemento a impunidade do crime. Todos os ditos juizes deram as respostas que tenho a honra de remetter adjuntas a v. ex.ª Da resposta do juiz de direito do 2.º districto criminal, e copia de que vem acompanhada, se mostra não ser verdadeira a parte dada a v. ex.ª o sr. ministro do reino, e por este communicada a v. ex.ª de não se ter procedido a corpo de delicto do mencionado ferimento; porquanto em 28 de junho ainda em vida do offerecido Joaquim da Silva se procedeu no hospital de S. José á formação do corpo de delicto pelo primeiro substituto servindo no impedimento do juiz ordinario do julgado de S. Mamede, com intervenção de peritos competentes, e mais formalidades legaes, como consta da copia do mesmo corpo de delicto a fl. 3 v. Depois de fallecido o offendido, e recebido aviso d'isso, voltou ali no dia 2 do corrente o mesmo juiz substituto d'aquelle julgado, por ordem do juiz de direito do 2.° districto, para se proceder á autopsia do cadaver, e como os empregados lhe dissessem que sem consentimento do director da escola não podiam remover o corpo para, a casa das dissecções, e que officiasse ao director: isto fez, pedindo-lhe licença para, a autopsia, se effectuar na dita casa no dia seguinte 3 pelas doze horas, e comparecendo elle juiz n'esse dia 3 com seus empregados e facultativos, foi-lhe entregue um officio do director da escola, em que declarara não consentir que a autopsia, do cadaver se fizesse na casa das dissecções. Em vista d'isto, e de não haver no hospital outra casa, em que se podesse fazer a autopsia, como lhe foi ali, declarado, retirou-se e participou tudo o occorrido ao juiz do 2.º districto criminal, remettendo-lhe o officio do director da escola, que vem transcripto na dita copia, a fl. 16. O cadaver foi removido n'esse dia para o cemiterio oriental; e não podendo o dito substituto do juiz ordinario de S. Mamede conseguir a intimação de facultativos, que ali fossem, para se fazer a autopsia do referido cadaver, como declarou no officio dirigido em 4 do corrente ao sobredito juiz de direito, transcripto na copia a fl. 7, passou este no dia 5 ao dito cemiterio, acompanhado do competente delegado do procurador regio, dos empregados do juizo e de dois facultativos, que por obsequio pessoal, como o juiz declara, conseguiu que fossem, e ahi se procedeu ao exame constante do auto a fl. 8 da referida copia, não se fazendo a autopsia, por ser dispensavel n'aquelle caso para complemento do corpo de delicto, conforme as declarações dos peritos, constantes do mesmo auto.

«A querela está dada pelo crime de ferimentos que occasionaram a morte, como diz o juiz em seu officio, e parece-lhe que nos dois exames feitos ha elementos sufficientes de prova; e que em vista das declarações dos peritos no auto levantado no cemiterio é desnecessaria a exhumação do cadaver para a autopsia, alem da grande difficuldade, senão impossibilidade, de se fazer agora, depois de decorridos tantos dias, a exhumação de um cadaver enterrado na valla. O juiz de direito do 1.° districto criminal limita-se a responder que não teve conhecimento do caso de que se trata, nem era de sua competencia proceder a corpo de delicto.

«Em vista do exposto e das respostas dos juizes v. ex.ª ordenará o que tiver por mais legal e conveniente a melhorar e facilitar os corpos de delicto, em que têem de intervir medicos ou cirurgiões e que cada vez se tornam mais difficeis pelo capricho do director da escola medico cirurgica de não consentir que as autopsias se façam na casadas dissecções, onde costumam fazer-se e onde ha mesa propria e o mais necessario para as mesmas se effectuarem, sendo os cadaveres conduzidos para a casa do cemiterio, onde falta tudo, alem da difficuldade da distancia.

«Não cabe nas attribuições do presidente da relação providencia alguma que possa fazer cessar as mencionadas causas que difficultam os exames de corpo de delicto, e principalmente as autopsias cadavericas dos fallecidos no hospital de S. José, quando precisas.

«Deus guarde a v. ex.ª Presidencia da relação de Lisboa, 23 de julho de 1877. — Illmo. e exmo. sr. ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça. = Vicente Ferreira Novaes, presidente,

«Está conforme, secretaria d’estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 25 de julho de 1877. = Thomás Ribeiro, director geral.»

Bem vê a camara por esta resposta, que as imputações feitas aos juizes eram inexactas o que a ordenada exhumação não devia, nem necessitava fazer-se, e que o processo crime estava em andamento regular.

Ora este documento que o sr. ministro tanto queria que se lesse, veiu aggravar ainda mais a situação do governo, porque elle vem provar, que alem do abuso de auctoridade e usurpação de attribuições judiciaes, houve leviandade e culpa do parte do governo.

Tudo era inexacto; os juizes não tinham feito nada do que se lhes imputava, e o sr. ministro pensa que isto attenua o seu abuso; mas a verdade é que o aggrava.

Se s. ex.ª antes de exorbitar tivesse mandado ouvir o agente do ministerio publico, tinha conhecido que as cousas se passaram da parte do juiz muito regularmente e não teria praticado o desacato que praticou.

O sr. ministro é bastante ousado; no proposito de usurpar attribuições é useiro e vezeiro.

Ora veja a camara o que existe n'este documento: é um officio dirigido ao procurador regio perante a relação de Lisboa em 24 de outubro de 1877.

«S. ex.ª o ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça não vê que para se proceder a uma autopsia cadaverica, seja mister que um ajudante habilitado ministre os ferros, exigencia que só póde ser rasoavel para as melindrosas operações cirurgicas em vivos, e ainda só nas operações mais delicadas, etc.»

Aqui foi o sr. ministro, junta de saude ou academia de medicina; pois resolve em sua sciencia dispensaveis os ajudantes habilitados nas autopsias cadavericas. Foi pena que depois de dizer isto em outubro fosse em dezembro mandar pagar 54$000 a tres ajudantes de uma autopsia, recusando pagar aos cirurgiões medicos que fizeram essa autopsia.

Um outro documento que aqui tenho prova que s. ex.ª nas horas vagas tambem se divertia a fazer de jurado. Um advogado requereu, para juntar á defeza do seu cliente no processo pelo assassinato de Cypriano Soares, certidão da importancia paga a cada um dos cirurgiões medicos que foram a Mafra fazer a autopsia no cadaver do assassinado, e o sr. ministro, que sem duvida poderia ter lançado o deferimento ou indeferimento simples n'este requerimento preferiu antes explicar-se, o resultou fazer muito bem o papel de jurado, lançando o seguinte despacho:

«Indeferido, por nada, terem com a defeza, dos réus as despezas feitas por este ministerio, 21 de abril de 1877. = Mexia Salema.»

Finalmente vou ler á camara alguns documentos que provam que o sr. ministro censurava os juizes por aquillo de que elle é causa, e com verdadeiro escandalo e desleixo.

Em junho de 1877 houve um crime de morte no concelho do Belem; o juiz ordinario mandou o cadaver para a

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casa das dissecções da escola cirurgica por não terem os facultativos de Belem os instrumentos necessarios para fazer uma autopsia cadaverica.

Foi o juiz ordinario da freguezia dos Anjos com os necessarios peritos os srs. Abranches Bizarro e Martins Lavado para fazerem a autopsia, em 12 de junho, e elles declararam encontrar o cadaver em tal estado de putrefacção, que não podiam proceder á autopsia, nem determinar conseguintemente a causa da morte.

Em officio da mesma data, dirigido pelo director da escola medico-cirurgica ao juiz do 3.º districto, diz o mesmo director o seguinte:

«Illmo. e exm. sr. — Em virtude das ordens de v. ex.ª vieram a esta escola o juiz ordinario da freguezia, do Soccorro e os peritos, os quaes foram de opinião que não era possivel fazer a autopsia do cadaver a que me referi no meu officio de hontem. — Esperei que o meu juiz desse ordem para a remoção do corpo, que se está desfazendo em putrefacção adiantada. V. ex.ª comprehende os perigos de similhante foco dentro da escola, sobretudo n'esta occasião em que a casa das dissecções é frequentada pelos alumnos que têem de fazer os seus respectivos exames. — Por conseguinte rogo a v. ex.ª que se digne dar as providencias que julgar convenientes, a fim de que o juiz competente ordene immediatamente a remoção do cadaver.»

N'esse mesmo dia foi o juiz do direito com outros peritos, os srs. Chaves e Bragança, os quaes depois de verem o cadaver declararam que a autopsia não podia fazer-se sem perigo das pessoas que a ella assistissem, e especialmente por não terem os ajudantes e moços proprios para isso, desinfectantes e mais preparativos.

E tendo declarado os ajudantes que foram intimados bem como os peritos, que não se prestavam a fazer tão perigoso serviço sem a remuneração correspondente e para a camara poder bem avaliar o que se se seguiu lerei a parte correspondente do processo:

«Em vista do que pelo delegado do procurador regio na 6.ª vara, foi dito que substenha n’esta diligencia, porque ía pedir providencias ao seu chefe, ao que elle juiz deferiu. Pouco depois, voltando elle doutor delegado, disse que, fallando com o procurador regio, e indo este á secretaria da justiça, dissera depois que ía officiar ao director da escola para providenciar, a fim dos empregados se prestarem, ao serviço necessario. Em seguida perguntou elle juiz aos moços intimados qual a remuneração que exigiam, e pelos mesmos foi dito que exigiam dezoito mil réis para cada um.

«Em vista do que elle juiz, não tendo pessoas competentes que podesse fazer intimar para este serviço, ordenou se substivesse na diligencia até se providenciar pelo modo que fica dito, visto não estar o juiz habilitado a satisfazer estas despezas, e mais que fossem precisas, nem estar dada, para isso a competente auctorisação. N'este mesmo auto pelos peritos foi declarado que eram precisos pelo menos tres moços para o auxiliar no serviço de que se trata, e que tendo já declarado que na, autopsia, attentas as circumstancias em que se acha, o cadaver, havia perigo para as pessoas que n'ella, interviessem, declaravam tambem que quando porventura venha a fazer-se, sendo extraordinario este serviço pelo perigo que corria a sua saude, exigiam tambem a remuneração equivalente, e condigna ao serviço que prestassem.

«Em vista de tudo isto, vendo elle juiz pela hora adiantada a impossibilidade de proceder a qualquer diligencia, ordenou, se sustasse, e esperasse as providencias a que se referiu. E para constar fiz este auto, que depois de lido e ratificado, e assignado pelo juiz, delegados, peritos, moços intimados e official de diligencias, Luiz Augusto Peixoto, que estava presente. E eu José Justino Dias Torres, escrivão que o escrevi, e assigno. = José Joaquim, Rodrigues = José Joaquim de Sousa Cavalheiro = Joaquim de Matos Chaves = José Antonio Fernandes Bragança = José Manuel Morgado = Xavier Regente = José Justino Dias Torres.»

Foi o juiz do 3.° districto representar ao presidente da relação, que não podia fazer-se o corpo de delicto, por não ter o governo auctorisado a despeza indispensavel, visto haver perigo de vida.

Auctorisou o sr. presidente da relação o ajuste do pessoal para aquelle serviço sob sua responsabilidade pessoal, se o governo se recusasse ao pagamento.

Fez-se a autopsia, e tão difficil e perigosa, como se vê pelo auto que vou ler.

«Em seguida passaram os peritos a fazer a outopsia, sendo n'ella coadjuvados pelos serventes, e finda ella, e o seu exame, fizeram a seguinte declaração:

«Encontraram sobre uma mesa da sala das dissecções da escola medico-cirurgica um cadaver em decubito dorsal, com tronco e cabeça cobertos de cal, com os braços abertos, e um pouco levantados, assim como os membros inferiores, que se achavam em meia flexão, notando-se debaixo da epiderme, nos braços e mãos, que estavam ennegrecidas, os movimentos de grande quantidade de vermes. Em rasão d'este estado, e do cheiro pestilencial que exhalava, julgaram conveniente que se transportasse o cadaver para cima de uma mesa, collocada no palco do theatro anatomico, em local onde as correntes de ar tornassem menos perigoso o seu exame.

«Habito externo: Retirada, a cal que o cobria, e cortado o fato, que se compunha de uma camisola de chita azul, camisola grossa de algodão, e calça de ganga azul, observaram o cadaver de um individuo adulto do sexo masculino, cuja côr na face e mãos era negra e verde escura, com laivos arroxeados no tronco e extremidades inferiores.

«A face estava tumefacta, a bôca grandemente aberta, com projecção da lingua, que se apresentava muito volumosa, conservando a impressão dos dentes que estavam inteiros.

«Enorme quantidade de vermes, supeava por cima e por baixo da epiderme, na face, no tronco e nos membros, havendo perfurações por onde penetravam.»

Dirigiu o presidente da relação um officio ao governo, relatando o caso e reclamando o pagamento por elle auctorisado aos medicos, aos ajudantes e moços, declarando que tinha tomado a responsabilidade da despeza se o governo a não pagasse.

Apesar das muitas diligencias feitas pelos interessados, e não estando feitos os pagamentos ainda em dezembro, dirigiu o presidente dá relação ao governo uma segunda reclamação para ser paga tão justa despeza. Vou ler este officio.

«Copia. — Presidencia da relação de Lisboa. — N.° 973. — Illmo. e exmo. sr. — Tendo em officio de 13 de julho d'este anno dado conta a v. ex.ª dos motivos pelos quaes não podia adiar-se alem do dia, 14 de junho d’este mesmo anno a autopsia, do cadaver de José Antonio, morto violentamente em 8 d'esse mesmo mez em Belem, e que não tendo podido conseguir-se, apesar da maior diligencia, a intimação judicial de medicos ou cirurgiões, que n'aquelle mesmo dia fossem proceder á autopsia do referido cadaver, ordenára, ao juiz do 3.° districto criminal que impeterivelmente fizesse proceder n'esse dia 14 á referida autopsia, exame e corpo de delicto, convidando para esse effeito facultativos, ainda, com a promessa de, pagamento de seu, trabalho, se tanto for necessario; que por mim seria satisfeito, se o governo resolvesse não mandar pagar essa despeza; e tendo com o sobredito meu officio remettido a conta, da despeza feita, com a, mencionada autopsia, assim no pagamento dos facultativos, como no custo dos desinfectantes fornecidos pela, pharmacia, e na gratificação dos empregados da escola medica, que coadjuvaram os peritos, como foi indispensavel, recebo agora, novas contas enviadas pelo director da referida escola. e pelos facultativos, dizendo-me que o sobredito meu officio dirigido a v. ex.ª se desencaminhára. Não sei se effectivamente houve o asserto descaminho; mas, na duvida, entendo não me será censurado levar ao conhecimento de v. ex.ª, como por este meio tenho a honra de levar, a adjunta nova conta, que me foi remettida pelo mencionado

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juiz de direito, sendo a importancia da mesma em tudo igual á que remetti em julho d'este anno com o officio a que acima me referi. Deus guarde a v. ex.ª Presidencia da relação de Lisboa, 14 de dezembro de 1877. — Illmo. e exmo. sr. ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça. = Vicente Ferreira Novaes, presidente.

«Está conforme. Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 14 de janeiro de 1878. = Thomás Ribeiro, director geral.»

O sr. ministro, creio que por empenhos do sr. director da escola medico-cirurgica, mandou pagar 18$000 réis a cada um dos moços, e não mandou pagar aos facultativos, quando as contas de uns e outros estavam juntas, sendo ambos os pagamentos reclamados por duas vezes officialmente pelo presidente da relação.

Eis-ahi um caso notavel, e que mostra bem a especie de zêlo do sr. ministro da justiça, pelo bom serviço judicial e pela punição dos crimes!

Nega auctorisação para a despeza indispensavel para se poder organisar o processo por um crime de morte!

Se não fosse o sr. presidente da relação, tinha ficado impune o crime, e depois d'isto deixa compromettido o sr. presidente da relação, homem honrado, que de certo irá desempenhar a sua responsabilidade e ser assim victima da negligencia do governo, que depois censura injustamente os juizes de direito de negligentes, por imputações que só na sua imaginação tinham alguma cousa de verdadeiras.

Muitos outros factos eu tinha a notar, que influiram no meu animo, para me decidir a fazer opposição ao actual governo.

Como porém a noite vae avançada e a camara está, impaciente por concluir, aqui termino, sacrificando á falta de tempo o muito que tinha a dizer.

Não creio em dissolução da camara, por ver de um lado os representantes da nação, e do outro apenas uns nomes proprios e não principios definidos, nem cousa que possa por modo algum justificar uma tão violenta medida, a que só se deve recorrer nos casos em que o exige, a salvação publica.

O sr. Ministro da Justiça (Mexia Salema): — Ninguém de certo tem mais pena e ao mesmo tempo mais rasão de usar da palavra n'esta hora tão adiantada, do que eu. V. ex.ª e a camara comprehendem que não posso deixar de dizer alguma cousa em minha defeza, n'uma accusação acre que se acaba de me fazer em termos, embora mui confusos, e tal que custando a perceber o sentido d'ella, só mostram a offensa e a injuria.

Eu, sr. presidente, não costumo, como v. ex.ª sabe, fallar muito, e quando uso da palavra, é sempre forçado e sem pretensão.

Não faço discursos; nem os sei fazer, nem tenho os dotes oratorios precisos para esse fim, e que tanto abundam no illustre deputado! Digo franca e lisamente a verdade; como a sinto, sem cuidar de phrase, e só tratando de exprimir com simplicidade as minhas idéas. O que vou, pois, fazer, é responder d'essa fórma singela a tres ou quatro cousas que percebi me dizerem respeito, do estirado discurso que terminou. Tenha a camara paciencia e dispense-me a sua costumada benevolencia.

A velha questão dos conegos é uma questão que firmemente creio que está inteiramente morta. (Apoiados.)

O illustre deputado meu adversario, no entretanto, querendo ainda dar-lhe vida, começou por dizer que não concedia umas certas auctorisações pedidas nas propostas de fazenda, apresentadas pelo governo á camara, ao meu nobre collega e amigo o sr. ministro da fazenda, porque tendo, é certo, toda a confiança n'elle, ellas podiam passar de suas mãos a outras, e não queria que se usasse e abusasse d'essas auctorisações como eu usei e abusei da que fóra concedida na lei, na nomeação dos conegos!! (Apoiados.) Parece incrivel que se assevere isto!! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu entendo, em minha consciencia, que usando da faculdade concedida no § 2.° do artigo 2.° da lei de 20 de abril de 1870, satisfiz uma necessidade, cumpri um dever e não abusei; e que não abusei é uma pura e evidente verdade. Pois quantos conegos nomeei eu? E para que fim? Foram quatro para o bispado de Lamego, e quatro para o bispado do Porto, todos com onus de ensino. E porque? Porque não havia já, nem n'um, nem neutro bispado, conegos com o encargo de ensino no seminario, conforme os antigos decretos desde 1858.

Mas diz o illustre deputado que a instrucção não ganhou nada com essas nomeações, porque os conegos nomeados já eram professores! A obrigação dos conegos com a clausula do ensino, não é só serem professores do respectivo seminario, é tambem a do serviço divino, concorrendo assim para o esplendor do culto da religião nas sés, e para o governo das dioceses; e ambas aquellas dioceses estavam precisadas de conegos com onus de ensino, e ao mesmo tempo careciam d'elles para manter nos templos o esplendor do culto divino. (Apoiados.)

Diz o illustre deputado: «Para que servem tantos conegos para ensino, se não ha discipulos?» Oh, sr. presidente, pois em Lamego e no Porto succede isso? Pois não ha no Porto um seminario bem organisado e frequentado? Pois não é a diocese do Porto uma das primeiras do reino, e que não tem nunca, de ser extincta, e para a qual cumpre que sejam nomeados os conegos indispensaveis para que não haja prejuizo no ensino das disciplinas ecclesiasticas e falta do culto divino?! Ali, como se mostra da representação do reverendo prelado, a necessidade era urgente; não havia já conegos com o onus do ensino, os professores sobrecarregavam o cofre do seminario com mais 1:400$000 réis, pela falta d'aquelles, e os mais conegos, na maxima parte pela sua avançada idade, mal podiam desempenhar as funcções coraes.

A respeito de Lamego davam-se ainda peiores circumstancias. Existiam ali apenas cinco capitulares, a saber: uma dignidade e quatro conegos sem onus de ensino. Nomeei mais quatro com onus de ensino, e não houve n'isso inconveniencia alguma. Ainda assim ficaram menos dois capitulares que havia ao tempo do decreto de 12 de novembro de 1869, e menos quatro segundo o seu quadro.

Vozes: — Votos, votos.

O Orador: — Peço perdão á camara. Tenha uma pouca de paciencia, (Apoiados.), e vou passar adiante da questão dos conegos, porque essa está julgada. (Apoiados.)

Mas permitta-me a camara ainda que diga que em 1876 já o digno par e illustre prelado, o sr. bispo de Vizeu, fez na camara dos dignos pares, em sessão de 11 de fevereiro, uma pergunta ao sr. Barjona de Freitas, então ministro da justiça, de qual era a intenção do governo sobre o decreto com força, de lei relativo aos cabidos, referindo-se ao supracitado decreto de 12 de novembro, acrescentando então que os cabidos estavam na sua maior parte faltos de pessoal. «Aqui mesmo em Lisboa», disse s. ex.ª «estão uns poucos de velhos que já não podem quasi desempenhar as obrigações que lhes são impostas, e se continuassem os cabidos assim, morriam de inanição, e que era portanto necessario que o dito sr. ministro dissesse alguma cousa a tal respeito».

E o que disse o sr. Barjona de Freitas?

Disse que as observações do illustre prelado oram de rasão e de justiça, e reconheceu que era necessario acudir com prompto remedio, e tanto que ainda n'essa sessão havia de apresentar uma, proposta. Assim o fez e essa proposta foi a depois convertida na lei de 20 de, abril de 1876.

Note mais a camara, que o parecer da commissão da camara dos dignos pares sobre a dita proposta foi assignado tambem pelo sr. conde do Casal Ribeiro, que não póde ser suspeito para maioria d'esta casa, o que sendo d'elle relator o digno par e illustrado jurisconsulto o sr. Moraes Carvalho, não só no mesmo parecer foi ponderada a necessidade da nomeação dos capitulares, mas tambem elle

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proprio n'um conceituoso discurso fez bem sentir essa urgente necessidade.

Eu não devo agora estar a ler no livro das sessões que aqui tenho, o que então s. ex.ª disse em apoio da proposta n'este ponto, apesar de ser uma cousa que bem o estimava.

Sinto realmente que a palavra me chegasse n'esta occasião, mas a camara bem conhece que eu não posso parar aqui, e que tenho ainda de dizer mais alguma cousa. (Apoiados.)

Na camara dos senhores deputados quem foi o relator d'esse parecer, foi o nosso illustre collega o sr. deputado Freitas Branco, em cuja seriedade e saber todos nós cremos, e ahi se mostra a absoluta necessidade da nomeação dos conegos.

E note a camara que esse parecer esta assignado por dois illustres deputados que tambem não são suspeitos para a maioria d'esta camara, o sr. Marçal Pacheco e o sr. Neves Carneiro, que me estão ouvindo.

O dito sr. deputado Freitas Branco no seu optimo discurso, respondendo a uma observação que lhe fez o illustre deputado o sr. Luciano de Castro, tendente a mostrar que a auctorisação pedida para a nomeação de conegos e mais beneficios das sés importava a revogação do decreto de 12 de dezembro de 1869, que era uma arma que o governo tinha na mão e de que pela proposta se privava para obrigar a santa sé a vir a um accordo a respeito da circumscripção das dioceses, o que em todo o caso não concedia a dita auctorisação porque não tinha confiança no governo, disse, e muito bem, que quando se tratava de uma negociação a entabolar com a santa sé, não se devia partir do ponto de desconfiança, mas sim da confiança reciproca; (Apoiados.) que se á santa sé parecesse que não podia transigir não seria por meio de pressão que poderiamos obter a annuencia; que portanto essa arma não serviria para nada. A isto acrescentou a demonstração cabal de que effectivamente era preciso provimento de dignidades, canonicatos e beneficios nas sés.

Mas na camara dos dignos pares ainda se disse uma cousa notavel na discussão da proposta.

O sr. Moraes Carvalho fez sentir que pela lei de 29 de maio de 1843 se determinara tambem que não se provessem as dignidades, canonicatos e beneficios que de futuro vagassem nas cathedraes antes de se estabelecer quaes deviam subsistir; o que chegára o estado dos cabidos a ponto tal decorridos sete annos, que o ministro que em 1851 era da justiça se viu forcado a passar por cima da lei, e a nomear conegos, vindo pedir um bill de indemnidade ás camaras, porque não era possivel deixar de nomear conegos, porque ainda se não tinha podido resolver a questão da suppressão das dioceses, questão que já então era velha e agora é de quasi meio seculo.

Sendo assim, direi de passagem o que admira que o governo actual em tão pouco tempo não a resolvesse ainda, do que já foi accusado. (Apoiados.)

Ora nós que somos catholicos, nós que jurámos sustentar a carta constitucional, que manda que seja a religião do estado a religião catholica, apostolica romana, haviamos de concorrer para que nas cathedraes se abandonasse o culto divino? Não podia ser.

E se aquelle ministro da justiça de 1851 saltou por cima da lei, qual a de 29 de maio de 1843, para que se não désse então esse desdouro para a religião de nossos paes e nossa, não terei mais rasão eu que, passados muito mais de sete annos, desde igual prohibição do decreto de 12 de novembro de 1869, e ainda com os cabidos em peiores circumstancias, não fiz mais do que usar da disposição da lei de 20 de abril (Apoiados), lei que de certo esta camara fez para se executar e não para ser letra morta (Apoiados.)

(Áparte.)

Sim, senhor, opportunamente assim se fez depois de um anno da lei, quando as necessidades o exigiram, quando os prelados representaram e instaram, tendo eu só attendido até agora aquellas representações que careciam de mais prompto remedio.

Essa urgentissima necessidade mostraram-a, tanto o bispo de Lamego como o do Porto, e tanto o cardeal patriarcha como o arcebispo de Evora.

O sr. cardeal patriarcha ía tão longe na sua representação, que propunha que se nomeassem quatro conegos com o onus do ensino e sete sem elle; e eu só mandei abrir concurso para seis, sendo quatro com á obrigação do ensino no seminario de Santarem, e dois para o serviço do côro, que está em tal estado, que faz pejo a quem vae ás funcções religiosas vel-o deserto.

Com relação á archidiocese de Evora, v. ex.ª e a camara sabem, sem duvida, que a nomeação de conegos para áquella diocese, alem de ser indispensavel, não traz nenhum encargo para o thesouro, porque ha ali apenas duas dignidades, estando uma governando o bispado de Aveiro, e cinco conegos, e parece-me que não ha rasão alguma nem conveniencia nenhuma para estarem sete capitulares a disfructarem aquillo que deve ser prebenda para dezeseis, sendo por isso que consta que actualmente repartem para cada um anda por 2:500$000 réis.

Rematarei com esta velha questão dos conegos, dizendo á camara que, com a nomeação dos oito conegos para Porto e Lamego, e com o provimento a fazer dos doze para Lisboa e Evora, ainda que para estas dioceses não seja transferido algum das outras, ficam em todo o reino menos dezeseis dignidades e dezesete conegos que existiam no tempo do decreto de 12 de novembro de 1869, e menos vinte e oito dignidades e quarenta e nove conegos que devem haver, segundo os quadros capitulares, sem fallar nas dioceses que ha muito os não têem.

Tratarei agora, sr. presidente, de outra arguição que me fez o illustre deputado, quando disse que eu ataquei o poder judicial.

Eu já disse a v. ex.ª em outra occasião que eu não podia ter feito similhante cousa, não só porque não estava isso nos meus habitos, mas tambem porque eu não podia offender pessoas que são membros do mesmo poder do estado a que eu tenho a honra de pertencer.

Mas vamos á questão.

Nos fins de junho do anno passado deram umas facadas ahi para Campolide, em um homem chamado José Joaquim da Silva. Foi este homem para o hospital; o juiz ordinario de S. Mamede foi fazer o corpo de delicto, e n'esse acto foi declarado que o ferimento era mortal. Dahi a dois ou tres dias morreu o homem.

Esteve o cadaver desde o 1.º de julho até ao dia 3 sem que nenhuma das auctoridades judiciarias fosse fazer-lhe o devido exame. (Áparte.)

(Sussurro.)

Eu peço desculpa de estar fatigando a camara com estes promenores. Se o illustre deputado que me aggrediu não tivesse tanta, pressa em fazer a sua accusação e esperasse que se publicassem os documentos que pediu o illustre deputado o sr. Thomás Ribeiro, havia de convencer-se do que eu tinha alguma rasão.

Em 10 de julho de 1877 foi-me dirigido pelo ministerio do reino o seguinte officio que eu peço licença para ler e para inserir-se, n'este discurso.

«Illmo. e exmo. sr. — Tenho a honra de remetter a v. ex.ª o officio incluso do enfermeiro mór do hospital de S. José, dando conhecimento ao governo de que fallecendo no dia 30 de junho um doente que havia entrado no hospital com um ferimento grave que recebêra em Campolide, e participando-se logo o facto aos juizes criminaes, ainda no dia, 3 de julho se não havia procedido ao corpo de delicto no cadaver que se achava em putrefacção.

«Como v. ex.ª verá do officio, os juizes declinaram uns para ou outros este acto essencial do processo criminal, res-

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pendendo até um d’elles vocalmente que avisasse o fiscal do hospital e o juiz ordinario, como se fosse incumbencia da administração d'aquelle estabelecimento andar a solicitar nos differentes tribunaes ou juizos o cumprimento das leis!

«Ao que narra o enfermeiro mór devo acrescentar que o cadaver se conservou ainda dois dias no hospital sem que a justiça comparecesse, o que emfim foi sepultado sem se ter procedido a corpo de delicto por um crime de assassinato.

«Chamo a attenção de v. ex.ª para estes factos, prevenindo a v. ex.ª de que no hospital não podem ser conservados os cadaveres por mais de vinte e quatro horas, porque isso póde causar damno ao tratamento dos doentes ali recolhidos, que não devem ser sacrificados ás delongas da justiça.

«Deus guarde a v. ex.ª Secretaria do reino, em 10 de julho de 1877. — Illmo. e exmo. sr. ministro e secretario d’estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça. = Marquez de Avila, e de Bolama.»

Veiu com este outro officio, a que elle se referia, que é escusado ler, dirigido pelo enfermeiro mór do hospital de S. José, o sr. Antonio José Torres Pereira, dizendo no final que tudo estava indicando que não era possivel conservar ali o cadaver.

Em consequencia d'este officio do ministerio do reino, foi que se dirigiu o que passo a ler, o que tambem ha de ficar inserto n'este discurso, e é o seguinte: «Copia — Illmo. e exmo. sr. — Em officio datado de 10 do corrente, e recebido em 11, participou o ministerio do reino, que tendo fallecido em 30 de junho um individuo, que havia entrado no hospital de S. José, com um ferimento grave, que recebêra em Campolide, e havendo seguidamente sido avisados os juizes do 1.° e 2.º districto criminal, a fim de se proceder a corpo de delicto, nem um nem outro d'esses juizes se promptificou a proceder pessoalmente a esse acto, não obstante a urgencia e importancia do caso, declinando ambos o exercicio d'essas funcções para o juiz ordinario de S. Mamede.

«Este juiz apresentou-se effectivamente no hospital no dia 2, mas desacompanhado de peritos, e por isso ficou de voltar no dia seguinte.

«Consta, porém, que não voltou, e que tendo decorrido mais dois dias, sem que a justiça comparecesse, foi necessario, para evitar o prejuizo que poderia advir ás boas condições hygienicas d'aquelle estabelecimento, da conservação de um cadaver em estado de putrefacção, que elle fosse sepultado, sem que se tivesse verificado um acto tão essencial e indispensavel do processo criminal.

«É sobre modo notavel que a auctoridade judicial competente, depois do aviso que teve do hospital, se portasse com tal negligencia no cumprimento de tão importante dever.

«S. ex.ª o ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, a quem foi presente a referida participação, sente que se tenha dado tal acontecimento, e encarrega-me de rogar a v. ex.ª, se sirva de o fazer constar á auctoridade competente, ordenando que immediatamente se proceda á exhumação do cadaver e a exame o corpo de delicto, a fim de que aquella falta não tenha por complemento a impunidade, do crime.

«Outrosim deseja que v. ex.ª ouça por escripto, sobre esta negligencia, os dois referidos juizes, bem como o juiz ordinario de S. Mamede, e o informe dos motivos ou pretextos d'esta notavel omissão, convindo que v. ex.ª providenceie de modo que similhantes casos se não repitam.

«É tambem conveniente que v. ex.ª se sirva de avisar os juizes dos districtos criminaes de Lisboa, que no hospital de S. José não podem ser conservados os cadaveres por mais de vinte e quatro horas, porque isso póde causar damno aos doentes ali recolhidos.

«Deus guarde a v. ex.ª Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 14 de julho de 1877. — Illmo. e exmo. sr. conselheiro presidente da relação de Lisboa. = Thomás Ribeiro, director geral.»

Á vista d'este officio, o que é que se mandou que se não podesse mandar; e o que é que se disse que se, não podesse dizer?

No principio d'elle relata-se o que se dizia no do ministerio do reino tinha acontecido, mostrando-se que havia negligencia da parte das auctoridades judiciaes.

Ora, caso assim fosse, não era esse facto sobre maneira «notavel», como se diz no officio dirigido ao sr. presidente da relação, e não era para que eu, como ministro, sentisse que as pessoas a quem competia este serviço, andassem com tal negligencia como a denunciada?! Era um caso muito serio, e parece-me que a camara assim o ha de julgar tambem. (Apoiados.)

Eu peço agora n'estas circumstancias licença ao illustre deputado, para lhe perguntar onde está aqui a censura aos juizes.

Mandou-se que o sr. presidente da relação officiasse aos juizes criminaes do 1.º e 2.° districtos, o sr. Rangel de Quadros e o sr. Maia, que é actualmente juiz da relação dos Açores, e os ouvisse bem, como o juiz ordinario de S. Mamede.

O sr. presidente da relação dirigiu-lhes por esta ordem minha, porque entendi que o podia fazer, um officio n'este sentido, e em que se mandava tambem que procedesse quem devesse será exhumação do cadaver, e levantasse o competente auto.

E note-se que aquelle magistrado não saíu da esphera da lei, porquanto o artigo 147.° da reforma judiciaria diz que ao presidente da relação compete fazer cumprir as leis, e até inclusivamente censurar os empregados de justiça e mandal-os processar.

Os juizes responderam com esses officios, cujo conteúdo me parece que o illustre deputado não leu todo, queixando-se o sr. Rangel de que tal negligencia não se dava comsigo, porque não tinha sido encarregado de fazer o corpo de delicto, e o sr. Maia mostrando que effectivamente da parte d'elle tambem não tinha havido culpabilidade.

O juiz ordinario tinha ido ao hospital, mas o director da escola medico-cirurgica não quiz que se fizesse ali o exame ao cadaver, e este foi levado para o cemiterio, onde fóra o dito juiz Maia do 2.° districto, e se levantára o auto que fóra preciso, escusando-se a autopsia.

Eu nada tive que lhes estranhar e levei tudo por copia ao conhecimento do ministro do reino, para que ficasse sciente e providenciasse. Portanto não fiz injuria, não pratiquei abuso algum, e antes pelo contrario tenho a consciencia do que fiz o meu dever. (Apoiados).

Agora quanto á accusação feita pelo illustre deputado, que me precedeu, de se não ter pago ainda aos peritos que fizeram a autopsia ao outro cadaver, disse elle, que eu me tinha opposto a que se lhes pagasse. Não é verdade que me oppozesse. Eu disse já em outra occasião, e repito, que era muito mau precedente pagar aos peritos por aquella fórma, porque se estabeleceria o em tudo prejudicial costume de se não fazerem as autopsias em tempo preciso para a boa administração da justiça, e o dos peritos se não prestarem a fazer esse serviço senão por dinheiro.

E acrescentei, que tanto pela reforma judiciaria como pelo codigo penal, os peritos tinham obrigação de se prestarem n'esse serviço e não podiam receber por elle senão aquillo que está marcado na respectiva tabella. (Apoiados.)

O artigo 903.º da reforma judiciaria é expresso, porque diz elle:

«Sendo necessario fazer-se algum exame, que dependa de conhecimentos particulares de alguma sciencia ou arte, será feito por dois peritos, etc.»

E a tabella dos salarios e emolumentos judiciaes diz quanto lhe pertence por esse trabalho.

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E o artigo 250.º do codigo penal diz:

«Todo o facultativo, que em caso urgente recusar o auxilio da sua profissão, e bem assim aquelle que competentemente convocado para exercer acto da sua profissão necessario, segundo a lei, para o desempenho das funcções da auctoridade publica, recusar exercel-o, será condemnado em prisão de dois mezes a um anno, etc.»

Ora aqui tem v. ex.ª o que eu disse e continuo a dizer. Se d'aqui por diante se deixarem chegar os cadaveres ao estado de putrefacção, antes de se fazerem os corpos de delicto, e os facultativos se não prestarem a fazer os devidos exames, então é necessario que a camara auctorise uma verba grande para essa despeza para se lhes pagar. (Apoiados.), ou então que crie estes cargos de peritos privativos para os exames de offensas corporaes com ordenados.

Mas eu sou um pouco contra essa providencia de crear estes cargos especiaes. E sabe v. ex.ª porque? É porque é possivel que sendo sempre os mesmos peritos, a administração de justiça não possa ser como deve ser.

É certo, sr. presidente, que consultado o presidente da relação pelo juiz respectivo de que os peritos se não prestavam a fazer a dita autopsia senão por dinheiro, e elle em taes circumstancias ordenou, e fez bem, para que não perigasse a administração da justiça, que se lhes pagasse, porque se o governo o não mandasse, pagaria da sua algibeira.

O officio em que este illustrado magistrado me dava conhecimento d'isto não dera entrada no ministerio da justiça a meu cargo.

O sr. Thomás de Carvalho, director da escola medico-cirurgica, de quem eram subordinados os homens que se tinham prestado a ajudar a autopsia, foi á secretaria fallar n'este negocio, de que só então tive conhecimento, e mostrando-se-lhe que lá não existia officio algum solicitando o pagamento dos serviços prestados, foi elle quem fez o officio ao presidente da relação para que repetisse o officio extraviado.

O sr. presidente da relação assim o fez, como se vé d'este officio que aqui tenho, e não leio para não fatigar a camara, e logo que appareceram esses homens na secretaria a reclamar, mandei-lhes pagar.

Ainda não appareceu ninguem mais, dos que prestaram esse serviço, a reclamar.

Quando apparecer ha de pagar-se-lhe, (Apoiados.)

Parece-me que não tenho mais cousa nenhuma a que deva responder.

Eu sinto ter abusado da paciencia da camara, mas a camara reconhecerá que eu não podia ficar debaixo da impressão das accusações que o illustre deputado me dirigiu. (Apoiados.)

Sou eu o proprio que faço justiça aos seus sentimentos acreditando que se tivesse conhecimento dos officios que li e a que me referi, e que estavam com outros documentos para serem mandados para a camara a requisição do illustre deputado Thomás Ribeiro, s. ex.ª não seria severo nas apreciações que fez, e sim mais benevolo para commigo quando as apresentasse.

Se no desempenho do meu cargo não tenho commettido senão estes mal pretendidos abusos, dou-me por feliz e muito satisfeito.

Erros, todos os commettem. Eu não sou isento d'elles e ainda menos que outros muitos homens. Só Deus é que está livre d'elles. (Apoiados.)

Peço novamente desculpa á camara por ter occupado por tanto tempo, contra o que desejava, a sua attenção, e agradeço do coração a sua bondade para commigo. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Fallar n'estas condições é difficil, e prender a attenção da camara, quando todos estão fatigados, seria talvez impossivel.

Conheço a anciedade em que estão os meus collegas por ver terminado este debate, e ainda que lamento ter de prescindir de dar resposta a alguns pontos que foram tratados durante a discussão, resolvi abster-me, limitando-me a dar as rasões por que voto a moção de desconfiança ao governo.

Não contribui para a prorogação da sessão, contra a qual votei, nem para transportar a larga discussão, que era indispensavel tanto aos diversos membros d'esta casa, como aos membros do governo, para uma moção politica, que pela sua natureza, e em todos os parlamentos, deve ser votada muito brevemente e votada pouco depois de ter sido apresentada.

A arguição que faço ao governo reduz-se simplesmente á falta do cumprimento de uma promessa sua, feita solemnemente a esta camara na ultima sessão, provocada por mim, promessa á qual e governo faltou, segundo mostram os documentos officiaes apresentados pelo sr. ministro da fazenda.

Na sessão de 10 de março do anno passado, eu que fui opposição, desde o primeiro dia, perguntei ao governo se o emprestimo era ou não sufficiente para saldar toda a divida fluctuante e para supprir o deficit do orçamento a ponto que na reunião da camara em janeiro não existisse divida fluctuante de qualidade alguma.

O governo tentou responder-me, não com a clareza que usa em conversações particulares quem quer ser entendido, mas com aquella linguagem sublimo e obscura que parece ser de rigor para guardar conveniencias parlamentares.

Eu insisti, e declarando reconhecer todos os inconvenientes da existencia da divida fluctuante como representação de deficit, mostrei-me disposto, apesar de ser opposição, a votar a este governo os meios necessarios para extinguir esse mal. E expressamente declarei, que se a somma pedida não fosse sufficiente, eu estava resolvido a votar um emprestimo maior, comtanto que a divida fluctuante ficasse extincta.

A final o sr. ministro da fazenda respondeu-me o seguinte:

«A importancia do emprestimo não póde alterar-se sem inconvenientes; e tanto mais que os factos que actualmente existem nos illustram sufficientemente para se poder saber que esta somma é bastante.»

Declarei-me satisfeito, votei o emprestimo e registei a declaração do governo. Agora, na abertura da sessão, pedi documentos.

Basta, porém, o relatorio apresentado pelo sr. ministro da fazenda.

É elle quem affirma, que tendo realisado por conta do emprestimo 8.663:044$500 réis, apenas applicou seis mil setecentos e tantos contos á amortisação da divida fluctuante, sendo assim evidente que a totalidade do emprestimo não foi applicada á amortisação da divida fluctuante, e que a differença foi portanto desfiada da applicação determinada por lei.

E era a somma votada bastante, como affirmou o governo, para saldar toda a divida fluctuante e cobrir o deficit até janeiro?

É ainda o relatorio actual, que, contrariando a declaração de março, affirma que temos dois mil contos de deficit e quatro mil de divida fluctuante, e isto ainda no caso mais favoravel, e na hypothese de se collocar a parte ainda não emittida do emprestimo, pelo preço de 47 por cento liquido de todos os encargos para o thesouro.

Eu declaro que não posso ter a menor contemplação com um governo, ao qual voto, sendo opposição, os recursos que me pede, e que falta assim aos compromissos que contrahe. Em março diz que applica tudo á divida fluctuante, e em janeiro vem declarar que só applicou parte. Em março affirma que a somma é bastante, em janeiro prova que é insuficiente, e o erro do calculo é apenas de 6.000:000$000 réis, na hypothese mais favoravel para o paiz.

Isto não póde ser, isto não quero eu.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não quero a continuação do governo que tenha por principio, ou, se não tem por principio, que tenha por pratica a sustentação e alimentação da divida fluctuante, e por consequencia fatal o recurso a emprestimos consolidados em certos e determinados periodos. Não faço esta declaração unicamente em relação ao gabinete actual; faço-a como declaração minha, categorica e para todos.

Não quero governo algum, nem posso apoiar ministerio algum que tenha por principio ou por pratica a alimentação constante da divida fluctuante, a sua conversão periodica em emprestimos consolidados, (Muitos apoiados.) o credito do paiz em risco permanente.

Resolvam a questão por uma vez, se a podem resolver; (Apoiados.) e se reconhecem a impossibilidade dos seus esforços para esta solução, declarem tambem que não querem ou que não podem, de uma vez para sempre. (Apoiados.)

Não posso, como disse, referir-me a outros pontos que desejava, tratar; referir-me-hei apenas e rapidamente a uma insinuação que, feita em resposta ao meu nobre amigo o sr. Dias Ferreira, parece menos dirigida á maioria d'este casa, do que especialmente destinada a produzir a nosso respeito uma certa suspeita de internacionalistas ou communista inconscientes, caso este de certo mais para rir que para combater.

De certo a minha simples posição é resposta cabal e demonstração evidente de que eu não estou habilitado para pertencer a associações de qualquer genero ou denominação, que tenham por fim guerrear a religião, familia e propriedade.

Os meus amigos igualmente, e para nos supporem inconscientes temos dado talvez mais que as provas precisas para se não duvidar de que sabemos o que fazemos. É systema do sr. presidente do conselho, systema antigo e pouco aproveitavel, combater os seus adversarios pela simples confusão das questões. Não falta, porém, quem ponha claro o que s. ex.ª confunde, e d'esta fórma, só s. ex.ª se illude, quando pensa ter conseguido um effeito de momento com argumentos que não produzem effeito algum serio e aproveitavel.

Apesar de tudo aproveito a occasião para dizer claramente n'esta casa que nem o sr. Dias Ferreira, nem nenhum dos seus amigos, nem membro algum do parlamento teve em vista, levantando esta questão, associar-se ou defender qualquer associação existente que seja delegação da internacional. (Apoiados.) Ou que proclame principios contrarios á familia, á propriedade ou á religião. (Apoiados.)

Se o nobre presidente do conselho de ministros conhece n'este paiz alguma associação que professe, proclame e pratique taes doutrinas, s. ex.ª, longe de poder accusar esta camara, lavrou a sua propria condemnação e do governo a que preside. O governo tem nas leis e nas suas attribuições o remedio efficaz, e se o não usa, e se prefere declamar n'esta casa inutilmente, não esqueça que é elle o principal culpado. O governo póde e deve pelos seus agentes, e para isso é que foi principalmente instituido o ministerio publico, levantar os autos, proceder ás investigações necessarias e mandar accusar perante o poder judicial todas e quaesquer associações illicitas ou criminosas.

É esse o procedimento dos governos liberaes em todos os paizes livres; o que se não admitte é um governo que, julgando-se supremo tutor de todos os direitos ou interesses sociaes, possa por seu mero arbitrio umas vezes exagerar o rigor, outras vezes esquecer a applicação de qualquer pena ou de qualquer lei. Tenho dito. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Luiz de Campos: — Não creio que ás oito horas da noite, depois de um debate tão longo, eu possa esclarecer a camara. Estou convencido que tambem ninguem a esclarece, nem a faz mudar de opinião. A crise é patente e clara, e não se resolve com eloquências. Estamos perfeitamente estafados de eloquencia, o que precisâmos é de votos. Cedo da palavra. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Rocha Peixoto (Manuel) (Para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga que a materia está sufficientemente discutida.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Osorio de Vasconcellos (Para um requerimento:) — Mando para a mesa uma proposta pedindo que esta camara nomeie uma commissão parlamentar a fim de syndicar das obras da penitenciaria. Não peço a urgencia; quando for dada para discussão tratarei de defender e liquidar certas responsabilidades que ainda estão pendentes.

O sr. Boavida (Para um requerimento): — O meu requerimento é o seguinte. (Leu.)

Como não posso fundamentar este requerimento abstenho-me de fazer considerações sobre elle e limito-me a pedir a v. ex.ª que haja de provocar da camara uma votação sobre elle.

Requeiro tambem que haja votação nominal sobre as moções. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. Dias Ferreira que foi a primeira apresentada. (Leu-se.)

Agora consulto a camara sobre se quer que ácerca d'ella haja votação nominal, conforme foi, pedido pelo sr. deputado Boavida.

Consultada a camara, foi approvado o requerimento para votação nominal.

O sr. Testa (Sobre o modo de propor): — Deseja perguntar a v. ex.ª se a proposta do sr. Dias Ferreira, tinha preferencia á do sr. Thomás Ribeiro; e faço esta pergunta porque, votando-se em primeiro logar a do sr. Thomás Ribeiro, eu votava a favor d'ella; votando-se primeiro a do sr. Dias Ferreira, eu sou forçado a rejeital-a, por isso que não concordo com os fundamentos com que este sr. deputado a justificou.

O sr. Presidente: — As moções votam-se segundo a ordem da apresentação, e approvada a primeira as outras consideram-se prejudicadas. (Apoiados.)

Vae proceder-se á chamada. Os srs. deputados que approvam a moção do sr. Dias Ferreira dizem approvo; os que não approvam dizem rejeito.

Feita a chamada:

Disseram approvo os srs.: — Osorio de Vasconcellos, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Pinheiro Osorio, Francisco Costa, Wan-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Perdigão, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Ferreira. Braga, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, J. J. Alves, Matos Correia, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, José Guilherme, Namorado, Ferreira Freire, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Luiz Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Mello e Simas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Jacomo, Thomas Ribeiro, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey, Gonçalves Mamede, Rocha Peixoto (Alfredo), Mouta e Vasconcellos.

Disseram rejeito os srs.: — Adriano de Sampaio, Braamcamp, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, Sousa Lobo, Augusto de Mello Gouveia, Carlos Testa, Conde da Graciosa, Francisco de Albuquerque, Pinto Bessa, José Luciano, Luiz de Campos, Pires de Lima, Pi-

Sessão de 26 de janeiro de 1878

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nheiro Chagas, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Placido de Abreu.

Foi portanto approvada a moção por 69 votos contra 19.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam publicados no Diario das sessões d'esta camara os nomes de todos os deputados inscriptos nos debates da questão religiosa e politica, que se tem ventilado nos ultimos dias. = O deputado, Antonio José Boavida.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a discussão de pareceres de commissões impressos no Diario da camara.

Está levantada a sessão.

Eram oito horas da noite.

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