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SESSÃO DE 28 DE ABEIL DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Leram-se: 1.°, um officio do sr. barão de Carvalho Borges., ministro do Brazil, participando que o teu governo lhe expedira um telegramma, dizendo que Sua Magestade o Imperador agradecia á camara dos senhores deputados a resolução que tomou a seu respeito. Lançou-se na acta a declaração de que esta communicação fôra recebida pela camara com especial agrado, 2.°, um officio do ministerio do reino, communicando, em resposta a um requerimento do sr. Consiglieri Pedroso, que por aquelle ministerio se não fizerem despeza alguma com as festividades do casamento do Principe Real. - Tiveram secunda leitura: 1.º uma nota do sr. Avellar Machado, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 26-D de 20 de março do anno passado, que tem parecer das commissões de guerra e de fazenda, sob o n.° 44; 2.°. uma nota do sr. Oliveira, Martins, renovando a iniciativa do projecto de lei n.º 62, da sessão de 1885; 3.º , um projecto de lei do sr. Oliveira Martins, que diz respeito a credito rural, ás associações de proprietarios, ao arroteamento de terrenos incultos, ao desseccamento de pantanos e salgados, a utilisação de aguas publicas, á arborisação por utilidade publica, á caça e pesca, e á indivisibilidade dos casaes. Deu-se-lhes destino. - Nomeia o sr. presidente a grande deputação que no dia 20 pela uma hora da tarde, ha de comparecer, no paço da Ajuda, por motivo do anniversario da outorgada carta constitucional. - é introduzido na sala e presta juramento o sr. Ernesto Julio Goes Pinto.- Approva-se uma proposta apresentada pelo sr. ministro das obras publicas, para que o sr. Elvino José de Sousa e Brite possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do cargo que exerce n'aquelle ministerio. - Instam pela remessa de documentos que tinham pedido os srs. José de Azevedo Castello Branco e Marçal Pacheco. - O sr. Arroso, estando proxima a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, lembra a necessidade de serem distribuidas na camara o orçamento rectificado relativo ao exercício de 1886-1887 e o relatorio e documentos que acompanharam as propostas de fazenda. - Apresentam representações: o sr. Tavares Crespo, da companhia do gaz do Porto; o sr. Abreu Castello Branco, dos empregados menores do lyceu de Angra, do Heroismo. - O sr. Alves de Moura e Alves Matheus fazem algumas considerações advogando a necessidade; da construcção da estrada n.º 28. de Braga a Chaves. Responde o sr. ministro das obras publicas. - Apresentam notas de renovação de iniciativa de differentes projectos os srs. Moraes Sarmento, Fernandes Vaz e Antonio Candido. - Justificam faltas os srs. Francisco Ravasco e José Maria de Alpoim.

Na ordem do dia entra em discussão o parecer sobre a eleição do circulo, n.º 27 (Felgueiras), mas tendo havido um requerimento assignado por quinze srs. deputados para que o processo eleitoral fosse ao tribunal especial, e sendo o parecer n.° 84 da commissão em sentido contrario, entendeu o sr. presidente, e a camara conveiu, que isto constituia uma questão prévia, que primeiro devia ser resolvida antes da discussão do parecer sobre a eleição. Tomaram parte no debate os srs. Fuschini, que apresentou uma nomeação de ordem, Emygdio Navarro, como deputado, João Arroyo, que apresentou uma moção de ordem, e o sr. Alves da Fonseca, relator. A questão ficou pendente.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 59 srs. deputados. São os seguintes:- Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, António Castello Branco, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Pereira Borges, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Lobo d´Avila, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Goes Pinto, Madeira Pinto, Francisco de Barro?, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Gabriel Ramires, Sá Nogueira. Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arrojo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal. Alves Matheus, Joaquim da Veiga Oliveira Martins, Simões Ferreira. Alves de Moura, Barbosa Collen, Ferreira Galvão, Barbosa de Magalhães, Abreu Castello Branco. Pereira tios Santos, José de Napoles, Rodrigues de Carvalho. José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marcai Pacheco, Miguel da Silveira. Pedro Victor, Estrela Braga, Visconde dó Monsaraz e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Anselmo do Andrade, Baptista de Sousa, Campos Valdez. Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto. Moraes Sarmento, Maziotti, Jalles, Pereira Carrilho, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Emygdio Julio Navarro, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Gomes Monteiro, Francisco Matoso, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Scarnichia, Selva Cordeiro, Jorge O´Neill. Avellar Machado, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Manuel d´Assumpção, Pinheiro Chagas, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Tito do Carvalho, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano do Mello, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Antonio da Fonseca, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Fontes Ganhado, Urbano de Castro, Santos Crespo, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Estevão do Oliveira, Firmino Lopes, Francisco Beira-o, Casal Ribeiro, Cardoso Valente, Izidro da Reis, Souto Rodrigues; Dias Gallas, Santiago Gouveia, Vieira do Castro, Oliveira Valle, Dias Ferreira, Laranjo, Ferreira Freire, Alpoim, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Pedro Diniz e Vicente Monteiro.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Consiglieri Pedroso, que por este ministerio não se effectuou despeza alguma com as festividades para o casamento de Sua Alteza Real o Principe D. Carlos.

Á secretaria.

2.° Do mesmo ministério, remettendo o mappa indicativo dos contratos de valor superior a 500$000 réis, realisados por este ministerio no anno de 1886, o bem assim um mappa addicional relativo aos contratos de igual valor effectuados em 1885.

Á commissão de fazenda.

3.° Legação imperial do Brazil. - Lisboa, 27 de abril de 1887.- Illmo. e exmo. sr. - Em cumprimento de ordem do meu governo, tenho a honra de levar ao conhecimento de v. exa. que o mesmo governo expediu-me, em data de hontem, o telegramma seguinte:

«Imperador agradece muito á camara dos senhores deputados a resolução que tomou a seu respeito.»

Deus guarde a v. exa. Illmo. e exmo. sr. dr. José Ma-

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na Rodrigues de Carvalho, presidente da camara dos Senhores deputados. = Barão de Carvalho Borges.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Desde que em Portugal começou o movimento das descobertas, conquistas e colonisações, começou tambem aquillo que podemos chamar á questão rural portugueza. Até então os cuidados quasi exclusivos dos governos tinham-se voltado para o fomento economico de um territorio devastado por seculos demorados; depois voltaram-se de preferencia para os paizes ultramarinos; e quando, terminada a epopêa maritima, pela perda do Oriente e pela separação do Brazil, fomos obrigados a voltar os olhos para casa, o espectaculo appareceu desolador. É esse ainda hoje o adjectivo conveniente e adequado.

No litoral do norte temos uma lavoura quasi horticola, uma população densissima, uma emigração abundante, e capitães moveis a preços relativamente ínfimos; no litoral do sul, no centro meridional e ao longo de toda a fronteira de leste, vêem-se steppes como as da Russia, desertos como o Sanara, e uma penuria de capitães com juros que tambem, já hoje, apenas são correntes fóra da Europa. O vale obliquo do Tejo póde dizer-se que divide o Portugal povoado do deserto, o Portugal culto do inculto; e a primeira necessidade da nossa economia interna é compensar estas duas metades, unificar estas duas partes, transladar para as regiões deficientes aquillo que ha nas opiparas: o homem, os capitães. É realisar dentro das fronteiras do reino um movimento de translação, que hoje se faz, sim, mas para fóra do paiz.

Nem se objecte que um tal estado de cousas é consequencia fatal do clima, porque a historia desmente similhante opinião. Julio Pacense diz-nos que o censo de Augusto achará na Lusitania 5.068:000 pães de familia, isto é, cerca de 20.000:000 de habitantes. O Portugal despovoado de hoje era bem diverso nos bons tempos romanos, A Lusitania de Augusto tinha por fronteiras, Como é sabido, o Douro até Toro, e d´ahi, por Talavera e Merida, o Guadiana até ao mar. Excluia, o nosso Minho e Traz os Montes, incluía parte da actual Estremadura hespanhola, quasi identica ao nosso Alemtejo. Antes do imperio, Sertorio não teria posto em Évora a séde do seu governo, se a região transtagana fosse então o que hoje é.
As guerras da queda do imperio romano, a decadencia social que se prolongou atravez da monarchia dos godos, e depois as guerras da reconquista aos árabes, foram a causa da esterilisação d'essas regiões, que durante os primeiros quatro seculos da monarchia portugueza iam sendo gradualmente chamadas; para a povoação e para a cultura.

Depois, as idéas politicas e as instituições sociaes conspiraram para a esterilisação da obra encetada. Os vicios accumulados da legislação e dos costumes occasionam o abandono das terras; as encostas e os cumes dos montes despovoam-se de florestas; lavra a queimada, começa o alqueive; os homens preferem ao trabalho a aventura, e os capitães a agiotagem aos empregos socialmente reproductivos.

No fim do seculo passado, a benemerita pleiade da academia real das sciencias, iniciando um vasto inquerito á economia interna portugueza, á legislação e aos productos, aos usos, á lavoura, á pesca e ás mais industrias, vê, porém, os seus esforços abafados pelas invasões e pelas guerras que assignalaram a primeira metade d'este seculo. E a legislação novissima, inspirada em principios demasiado geraes e demasiado abstractos, não alterou a ordem anterior das cousas, antes em parte a aggravou mais.

Necessitamos hoje implantar homens e implantar arvores: dar á terra quem a fecunde. É necessario sangral-a n'uns pontos, laqueal-a em outros. É necessario chamar outra vez ao regimen da propriedade a caça e a pesca. É necessario oppor um dique á divisão excessiva e á fragmentação das glebas. E necessario canalisar os capitães para a terra, porque se o homem é o agente, se a arvore e a agua são os collaboradores, se as leis são um coeficiente, o capital é o instrumento sem o qual os braços humanos cairiam inertes e impotentes.

Eis ahi, summariamente, o pensamento que inspirou o projecto de lei submettido ao vosso exame, e cujas diversas partes vou estudar, não com a demora que taes assumptos necessitam, mas com o minimo desenvolvimento que me foi possivel dar-lhes para não abusar da vossa paciencia.

I

População e emigração portugueza

E de tal magnitude esto assumpto que vale a pena demorarmo-nos a registar o que sabemos da historia da colonisação e povoação do reino, para d´ahi inferirmos as lições da experiencia que são as mais fecundas.

Na sua Historia de Portugal, e principalmente nos documentos colligidos no corpo dos Portugalliae monumento, historica, o sr. Alexandre Herculano deixou-nos elementos para formarmos uma idéa do que seria o reino á epocha da sua fundação: ao norte da serra da Estrella uma população ainda escassa e manchas apenas de cultura disseminada; ao sul matagaes e charnecas mosqueados de oásis em volta das poucas villas e cidades. Não será ousadia affirmar que na segunda metade do seculo XII a população não excedia 500:000 habitantes, quando em principio do seculo XV, antes das emprezas coloniaes que nos dessangraram, se sabe que apenas attingia escassamente 1.500:000 almas.

Como se augmentou assim a população? Colonisando. Os nossos reis, da primeira dynastia foram os constructores das bases do nosso edificio ethnico. Para isso aproveitavam os naturaes hispano-godos, os mouros, os arabes e os judeus, aproveitando as immigrações de forasteiros. Por doações, similhantes ao que na linguagem hodierna chamamos concessões, e por aforamentos collectivos, creavam nucleos a que mais tarde davam ser politico, outorgando constituições foraleiras. Assim nasceram centenas de povoações.

Villa Verde, a Lourinhã, Athouguia dos Francos, Alcanede, Almada, Azambuja e outros logares circumdantes da bacia marítima do Tejo foram povoados pelo conquistador de Lisboa, principalmente com elementos tirados dos auxiliares Cruzados. Um Jourdan estabeleceu-se na Lourinhã; Azambuja era povoada por Childe Rolim, Athouguia por Guilherme e Roberto de Ia Corne, Villa Verde por um D. Alardo e seus companheiros. Nas doações vêem-se os nomes de Ligel, Britou e outros, evidentemente estrangeiros. Ao mesmo tempo, o rei conquistador doava ao mosteiro de Alcobaça os vastos tratos de territorio estremenho que os monges dividiram, aforaram, edificando villas e casaes, com tanto acerto e tamanho porvir, que a lavoura das suas terras fazia ainda a admiração dos inglezes viajantes em Portugal no fim do seculo passado. D. Sancho manda buscar gente á Flandres e com ella povoa a Villa dos Francos, ou Villa Franca, Azambuja e Montalve de Sor (Ponte de Sor) colonisando as lezirias do Tejo, cuja feracidade era já celebrada pelos geographos arabes; ao mesmo tempo que constituia os nucleos de Penamacor e de Valença do Minho, de Penella e de Sortelha, de Montemór o Novo e de Figueiró, de Folgosinho e da Covilhã, de Pinhel e da Guarda, dando fóros às povoações de Ceia, de Gouveia, de Refez e de Torres Novas.

Como se vê do nome d´estas terras ainda hoje existentes, a acção da Corôa ia de um extremo a outro da região que fôra doada aos reis de Portugal, um pouco á maneira do que mais tarde elles fizeram para com os seus donatarios no Brazil. O reino era, com effeito, uma especie de capitania a conquistar aos barbaros, e a explorar depois.

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D. Sancho II tem ainda na historia da povoação, apesar dos accidentes do seu reinado, um logar eminente. É sua a creação de Idanha a Velha, de Castello Mando, de Salvaterra do Extremo. E tão efficaz fora a acção dos primeiros reis, que os successores quasi se resumem a dar foraes às terras já constituidas. São de Affonso III as cartas foraleiras de Cezimbra, de Cacella, de Mertola, de Aljustrel, de Ayamonte, doadas á ordem de S. Thiago; são-no as de Odemira, de Monforte, de Extremoz, de Villa Viçosa, de Valença do Minho, de Vianna, de Monsão, de Melgaço, do Prado, de Vinhaes, de Villa Flor, de Mirandella, de Freixo de Espada á Cinta, de Villa Nova da Cerveira, de Villa Real, de Mugem, de Salvaterra, da Atalaia, de Aceteira, de Montargil, de Beja.

Completára se a conquista do reino até ao Algarve, e a população árabe preexistente mantinha-se em Faro, em Loulé, em Silves, como se mantivera em Lisboa, segundo a regra de toda a Hespanha, desde a tomada de Toledo que poz ponto ao systema de exterminio das populações musulmanas.

Na Nota sobre alguns fragmentos da legislação e cultura de El-Rei D. Diniz, impressa na collecção de memorias da academia de Lisboa, o academico Dantas Pereira esboça o modo como, sob o ponto de vista da colonisação, procediam os nossos reis. No Minho dividiam-se os terrenos em casaes distribuidos a grupos de dez, vinte ou trinta povoadores, pagando de ordinario cada casal o seu foro em cereaes, gallinhas e dinheiro. A cada casal de lavoura correspondia uma porção de bravio para romper e outra para pastos e estrumes vegetaes. Morrendo o colono, todos os terrenos lavrados entravam em partilha, sendo cada um dos herdeiros obrigado a pagar ao foreiro encabeçado, ou principal, o seu quinhão de fôro. As terras incultas revertiam para o directo senhor, a Corôa, o Concelho, ou outro.

Em Traz os Montes o systema era diverso. Vigoravam ahi com mais energia as tradições primitivas de propriedade communal, e os aforamentos faziam-se a um certo povo, que repartia entre si os encargos, como entre os romanos na curia municipal, ou entre os russos no mir, e como entre nós depois, se repartiu a siza. No centro do reino vigorava o systema da jugada, ou contribuição predial directa, e ao sul do Tejo predominava o das doações ou concessões, como diriamos á moda de hoje.

É facil inferir, mettendo em linha de conta a acção concomitante das condições agrícolas das differentes regiões portuguezas, a influencia d´estes systemas. No sul estavam lançados os fundamentos legaes da propriedade latifundiaria; no centro os da propriedade media e do regime mixto de lavradores proprietarios e de jornaleiros; ao norte, finalmente, os dois systemas que o Tamega divide. Em Traz os Montes, os aforamentos, sanccionando as tradições da vida communal, mantendo o forno, o moinho, a pastagem, a conservação dos caminhos e frequentemente a propria cultura, no regime collectivo, fechavam a communidade onde cada um que chegasse de fóra era um intruso e um inimigo, um estrangeiro, para a pequenina nação concelhia. No Minho, pelo contrario, o regime individualista e associado franqueava a entrada a todos os que quizessem vir levantar os seus casaes ao lado dos casaes já construidos. Alem Tâmega, o systema reduzia o progresso da população aos limites naturaes da procreação; aquém ampliava-o com a immigração. E ampliava-o com tal exito que, no tempo de El-Rei D. Manuel, se torna já necessario impedir que se rompam mais maninhos, porque a falta de matos e charnecas era sensivel.

Soares de Barros, nos seus estudos sobre o arrolamento do Conto dos besteiros de 1260 a 1279 e de 1422, no reinado de D. João I, publicados nas Memorias económicas da academia de Lisboa, calculou a população do reino. Os numeros relativos a 1422, discutidos e admittidos poste; dormente por Balbi e Rebello da Silva, são os seguintes:

[Ver tabela na imagem]

Um seculo mais tarde, o Numeramento de 1527, estudado por J. P. Ribeiro, nas suas Reflexões historicas, apresenta os seguintes numeros:

[Ver tabela imagem]

A um seculo de distancia, a população portugueza parece ter crescido 20 por cento. Possuimos, todavia, outro documento coevo por onde podemos contrastar a probabilidade de exactidão d'estes numeros: é a Resenha dos logar es que vem ás cortes e os visinhos que têem: anno de 1535, impressa na Memoria para a historia e theoria das côrtes geraes, do visconde de Santarem. Diante dos numeros que a resenha accusa, iremos pondo os do censo de 1878, e d'essa comparação, que nos servirá para deducções ulteriores, resulta desde logo ver-se, a quasi quatro seculos de distancia, a variação que teve a população das principaes terras do reino.

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

A somma d'estes numeros dá:

[Ver tabela na imagem]

A relação entre a população dos logares representados em côrtes em 1535 e a dos mesmos logares em 1878 é proximamente de 1:3, sereia igual a relação enter a população restante, no seculo XVI e hoje? É crivel que fosse, porque não temos, nos ultimos três seculos, nem povoações que desapparecessem, nem outras que surgissem. O censo de 1878 dá ao continente do reino o total de 4.348:551 habitantes, e deduzindo os já contados, que sommam 1.879:276 ficam 2.469:275.

Ora, se estabelecermos com este numero a mesma relação de 1:3, teremos de elevara a população de 1535 em 823:000 habitantes, ficando as seis comarcas d'esta fórma:

[Ver tabela na imagem]

Traz os Montes ....
Entre Douro e Minho ....
Beira ....
Extremadura ....
Entre Tejo e Guadiana ....
Algarve ....
Total ....

Parece-me pois que a população do reino, no meiado do seculo XVI, se deve orçar em 1.500:000 habitantes, total um pouco superior ao que obtém pelo Numeramento de 1527. Assim, n´um seculo, a população portugueza crescera 50 por cento, o que é enorme, se attendermos a que a rasão dos progressos de hoje não é applicavel a esses tempos. Observando por partes, vemos, porém, que no Alemtejo a população se conserva estacionaria; que na Beira diminue; que no Minho sobe de 89:000 a 338:000 almas; na Extremadura de 202:000 a 430:000; em Traz os Montes de 85:000 a 108:000 e no Algarve de 44:000 a 76:000.

O Alemtejo, que no primeiro quartel do seculo XV era a província mais populosa do reino, vê passarem-lhe adiante a Extremadura e a Beira. Beja, que em 1422 tinha cerca de 17:000 almas, apparece na resenha de 1535 com 7:708 (1927 X 4.) O censo de 1878 dá-lhe 8:394; mas entre estes dois numeros estão epochas em que a população desceu a 4:000 ou 5:000 habitantes. Exemplos analogos se poderiam apresentar de muitas outras populações alemtejanas.

«Mas alem d'estes documentos estatisticos e historicos, diz o sr. Gerardo Perry na Memoria annexa á sua bella carta agricola do concelho de Cuba, outro genero de documentos de caracter mais positivo e incontestavel fornece

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ainda hoje provas materiaes que confirmara todas as deducções que d'aquelles se tiram. Consistem esses documentos nos vestigios de habitações em localidades, em herdades, que de ha longos annos se acham despovoadas. Encontram-se esses vestigios, tanto no concelho de Beja, como no de Cuba. N'este ha tradição de haver existido uma villa denominada Malcabron em sitio hoje completamente deserto, no outeiro do Tijolo, sobranceiro ás hortas de Manteigas. E não é só a tradição, porque em documentos antigos faz-se referencia a uma povoação desse nome.

«Mas não é necessario remontar tanto no passado para encontrar provas d´esta diminuição de população propria mente rural: bastará um exemplo. Em vinte e sete herdade; da freguezia de Cuba ha hoje sómente seis montes ou casaes, mas encontram-se restos de montes em novo polo me nos d´aquellas herdades, os quaes ha trinta ou cincoenta annos eram ainda habitados por lavradores e seus creados de lavoura. Igual facto só observa nas outras freguezias do concelho, assim como no de Beja, como já tive occasião de indicar.

Estas palavras não reclamam commentarios, e os numeros anteriormente adduzidos mostram claramente a acção do regime da propriedade no progresso da população. Os aforamentos singulares do Minho quadruplicam-na, os aforamentos collectivos de Traz os Montes duplicam-na; o regime latifundiario paralysa-a e diminue-a no Alemtejo.

A resenha de 1535 talvez dê o maximo a que attingiu a população portugueza nos periodos historicos. Ainda então o systema vincular se não expandira com a importancia que teve posteriormente; e a descoberta da India datava apenas de trinta e sete annos antes. E quem percorre as biographias e memorias da nossa empreza oriental, quem consulta os fastos da nossa colonisação insulana e americana, vê como por toda a parte predomina o alemtejano e o extremenho: os homens do norte, mais enraizados no solo, não se abalançavam a aventuras, como os do sul. onde abundavam os desherdados da terra.

Se D. João I, para a expedição de Ceuta, póde facilmente armar 20:000 homens; se D. Affonso V, para ir a Arzilla, pôde armar 30:000: D. Sebastião, para ir morrer a Alcacer, apenas pode colligir 11:000 á custa dos maximos vexames e propotencias. Allucinada pelos thesouros das colónias ultramarinas, a nação desaprendeu as lições dos tempos da sua primeira dynastia. No dizer dos chronistas a Índia absorvia ao anno o melhor de 8:000 homens, e do seculo XVI para o seguinte a população teria baixado de metade. Em troca da gente branca que saía, entrava uma tal quantidade de negros que, na segunda metade do século XVI, Garcia de Rezende escrevia a conhecida trova:

Vemos no reino metter
Tantos captivos crescer
E irem-se os naturaes,
Que, se assim for, serão mais
Elles que nós, a meu ver.

Hoje, a nossa população refaz-se lentamente. Os 4.500:000 de habitantes do ultimo recenseamento representam o triplo de 1535. Houve, porém, n'este intervallo de tres seculos e meio, accelerações de marcha e paralysações de desenvolvimento; houve tambem, de certo, movimentos diversos nas varias regiões do paiz; das não existem dados por onde se possam avaliar essas circumstancias.
Na Memória, de Soares de Barros, a que alludimos já, regista-se o recenseamento do reino em 1776, pela Luta dos povos das comarcas d'este reino, mandada elaborar por Pina Manique, em 744:980 fogos, e pela Lista das freguezias e fogos dos bispados do reino, no fim do seculo, em 633:432. Quadruplicados, estes numeros representam 2.979:920 e 2.533:728 habitantes. Entre 2.500:000 e 3.000:000 de habitantes sommava no fim do seculo XVIII a população portugueza, que hoje é de 4.500:000. O Minho alimenta agora 1.000:000 de habitantes, attingindo a densidade maxima de 189 e minima de 92 por kilometro quadrado. O Alemtejo contem 800:000 com a densidade maxima de 17 e minima de 14.

Eis-aqui os resultados numericos dos dois ultimos recenseamentos de 1864 e 1878:

[Ver tabela na imagem]

Para que se veja agora quanto, em conclusão de tudo o que deixâmos escripto, a nossa população rural está desigualmente repartida, convém ainda oppor os concelhos mais populosos do norte aos desertos alemtejanos. Braga tem a densidade de 281 habitantes; Gaia, Ilhavo, Bouças, Louzada, tem-na de entre 267 e 200; Povoa, Guimarães, Paredes, de entre 184 e 147. Por outro lado, em Monforte, Aljustrel, Montemór, Benavente, a densidade é de 9 e 8 habitantes; em Coruche, Grandola e Aviz e de 7 a 6; e finalmente em Alcacer do Sal é de 5.

Este problema do desequilibrio da densidade da população, nas duas metades do reino, não encontrou ainda solução. Dir-se-ía que são duas faces de nina medalha irreductiveis; e os males que d´ahi provem traduzem-se no facto anormal da nossa emigração, perante a densidade media da nossa população.

Os registos da emigração declarada apresentam os seguintes numeros:

[Ver tabela na imagem]

1875 ....
1876 ....
1877 ....
1878 ....
1879 ....
1880 ....
1881 ....
1882 ....
1883 ....
1884 ....

Quaesquer considerações baseadas sobre estes algarismos seriam incompletas, porque, segundo é sabido a nossa emigração clandestina attinge proporções que elevam a emigração total annual a menos de 22:000 ou 25:000 habitantes. Note-se, porém, o progresso que estes numeros apresentam a partir de 1878.

A emigração media annual de 14:294, resultante da decada de 1875 a 1884 basta, porém, para denunciar, comparativamente, uma chaga medonha no nosso organismo economico. A emigração hespanhola não excede numericamente a nossa; todavia a Hespanha tem, com densidade igual, uma população quadrupla. Em Inglaterra, onde a densidade é de 105, emigra 1 habitante por cada 116; na

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Allemanha, com a densidade de 79, emigra 1 em 335 habitantes; e entre nós, com uma densidade inferior a metade da ingleza, a emigração é de 1 por cada 283 habitantes, se computarmos conjunctamente os districtos continentaes e insulanos, sendo de 1 por 90 habitantes nos Açores e de 1 por 185 na Madeira.

N´este phenomeno morbido da sociedade portugueza temos pois a principal causa do pequeno acréscimo annual da nossa população que, representando-se por 6,3 por 1:000, se inscreve n´um logar quasi infimo na lista dos povos europeus, sem ter, como a França tem, uma causa de paralysação na densidade elevada e na distribuição proporcional dos seus habitadores.

Eis-aqui a tabella do acréscimo annual sobre 1:000 habitantes no período de 1860 a 1878:

[Ver tabela na imagem]

II

Possibilidade de aproveitamento dos incultos

Vejamos agora a outra face d´este problema fundamental da economia do nosso paiz, formulando o cadastro summario dos terrenos incultos, conforme o Relatorio ácerca da arborisação geral do paiz, de 1868:

[Ver tabela na imagem]

N'esta superficie inculta calcula-se que haja uns 50:000 hectares de terrenos alagados. «Sob o nome dê incultos, diz o relatorio a que nos referimos, acham-se comprehendidos muitos milhares de hectares que estão permanentemente de mato, ou que não recebem cultura senão com mui grandes intervallos; e tambem encerra uma immensa área sujeita ao tradicional systema dos alqueives que não foi possivel extremar-se. Portanto, se considerarmos a parte do paiz que num dado anno fica por cultivar, não erraremos talvez muito reputando-a em 5.000:000 de hectares, numero redondo.»

Este numero excede a metade da superfície total do paiz. Serão terrenos estereis incapazes de aproveitamento? Não; porque «na área de 5.000:000 de hectares, continua o mesmo relatorio, comprehendem-se vastas superfícies de terreno proprio para as mais variadas culturas, como são grandes extensões do solo alluvial ubéerrimo no fundo de muitos vales, especialmente ao sul do Tejo; muitos salgadiços desaproveitados, e emfim muitos brejos e pântanos que, mediante algum trabalho, poderiam reduzir-se a chão cultivavel, salvando-se ainda as populações contíguas da sua maléfica influencia». Proseguindo, o mesmo relatorio acrescenta que o solo inculto naturalmente se divide em duas categorias distinctas : uma propria para a cultura das plantas alimentares e outra que só póde e deve ser destinada á silvicultura, e divide-as assim:

1.ª categoria:

1. O solo alluvial e os salgadiços.

2. A maior parte do solo da epocha quaternária cotado abaixo de 250 metros.

3. A maior parte do solo das formações secundarias tambem cotado abaixo de 250 metros.

4. A parte dos terrenos paleozoicos e das regiões graniticas abaixo da curva de 375 metros nas provincias do sul do Tejo e abaixo da de 500 metros no resto do paiz ao norte d´aquelle rio.

2.ª categoria:

5. Os medãos e areias da costa maritima.

6. Parte do solo das planuras formadas pelas camadas arenosas mais grosseiras do periodo quaternario.

7. Toda ou a maior parte da superficie das serras e mais solo das formações secundarias de cota superior a 250 metros.

8. Toda a superficie das encostas e cumiadas compostas de rochas schistosas e graniticas acima de 375 metros ao sul e acima de 500 metros ao norte do Tejo.

Os extractos que acabo de fazer provam não ser utopia a esperança de reduzir á cultura uma parte consideravel dos incultos do reino, e o que sabemos dos tempos transactos confirma as nossas observações presentes.

Do seculo XV para o X VI estaca o desenvolvimento da população do Alemtejo. Já alludi ás causas historicas d'esse facto, mas apenas de passagem toquei nas causas sociaes referentes á constituição da propriedade, que abafaram n'essa região do paiz o movimento colonisador dos primeiros seculos da monarchia portugueza.

D. Affonso II reduziu a escripto o direito antigo de linhagem, ou de Avoenga; direito de preferencia conferido a certos herdeiros na transmissão dos bens hereditarios; instituição da qual nascem os morgados, que, embora appareçam já no seculo XIV com todos os seus caracteres, só vieram a ser consagrados legitimamente na Ordenação Manuelina, depois de D. Affonso V ter extinguido o direito de Avoenga, mostrando com isso o archaismo da instituição que se transformava n'um typo mais definido.

Com os morgados, no seculo XIV, apparece no Alemtejo o systema agricola dos afolhamentos, e o typo de exploração rural das Herdades, estudado na interessante Memoria do academico Henriques da Silveira. A herdade não vinculada, nem emphyteutica, e por isso divisivel, ficava sendo explorada entre os herdeiros pro-indivisamente. O

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administrador chamava-se senhorio ou posseiro e os interessados quinhoeiros com direito, ou a um quinhão certo, ou a uma quota parte do rendimento da propriedade. D´este modo se obviava á difficuldade das partilhas em propriedades latifundiarias no regimen da grande cultura.

Na lei de 24 do junho de 1773 determinou-se que todos os quinhões se adjudicassem aos posseiros ou senhorios para que a estes ficasse in solidum o dominio das herdades, mas esta disposição provocou taes abusos e extorsões que; foi necessario o decreto de 17 de junho de 1778 revogar: aquella disposição da lei de 1773, mantendo as cousas no estado em que anteriormente se achavam.

Morgados, herdades, afolhamentos, despovoação, absentismos e charnecas, eis portanto o concurso de circumstancias que actuam constantemente e provocam a reacção legislativa da segunda metade do seculo passado: as leis de 9 de setembro de 1769 e 3 de agosto de 1770, coarctando a liberdade de instituir vinculos, e distinguindo entre morgados e capellas; bem como as leis do 25 de junho de 1766 : e 9 de setembro de 1 769 limitando ao seu património os bens de raiz consentidos ás corporações de mão morta.

Fôra em vão que, desde o ultimo quartel do seculo XIV, sem se corrigirem as causas do despovoamento e abandono: das terras alemtejanas, se pensara em compellir os proprietarios a cultival-as.

É em 1375 que se promulga a lei das sesmarias, obrigando os donos das terras a cultival-as ou a transferil-as: a quem as cultive - prova evidente dos inales que se começavam a sentir.

O academico Alvares da Silva, na sua Memoria historica sobre a agricultura portugueza, e Severim de Faria, nas suas coriosissimas Noticias de Portugal proporcionam subsidios importantes para apreciar este desvio que se deu na evolução agraria do meio dia portuguez. A lei das sesmarias obrigava os proprietarios a lavrar as terras que tivessem, ou a dal as a outrem quando o não podessem fazer; taxava os preços dos bois, obrigando tambem os proprietarios a possuir um determinado numero; instituia os sesmeiros, a cujo cargo estava inspeccionar o cumprimento da lei e servirem de juizes arbitraes na determinação das pensões que o lavrador devia ao proprietario que abandonasse as terras.

A opinião, indiscretamente generalisada com frequencia, de que as leis, exprimindo as relações das cousas, conforme a definição de Montesquieu, são impotentes para encaminhar os phenomenos sociaes, merece ser lembrada agora; porque a lei das sesmarias é um exemplo de que as medidas coercitivas, quando querem contrariar os effeitos, sem curar das causas e tendencias, são constantemente estereis. Foi-o a lei das sesmarias, porque não procurava corrigir as causas da despovoação e abandono das terras, limitando se a prohibil-o. Canalisa-se um rio, porém jamais se lhe poderá imprimir um curso inverso daquelle que a pendente do terreno estabelece.

Á expansão dos morgadios, vinha juntar-se a mão morta, contra a qual já Affonso II promulgara a lei que prohibia ás corporações adquirirem mais terras do que as necessarias para a satisfação dos anniversarios dos defuntos; contra a qual se outorgara a lei de 21 de março de 1329, prohibindo aos clérigos regulares o adquirem mais bens de raiz.

Tudo era, porém, inutil.

Dois escriptores do começo do seculo XVII registam o estado de abandono a que as cousas tinham chegado. Se verim de Faria diz que a causa do despovoamento é «por de não terem (os homens) n'este reino terras que cultivem e de que possam tirar sua sustentação, porque as provincias de entre Douro e Minho estão bastante povoadas, e não ha n'ellas logar para se fundarem novos povos que possam cultivar a gente que cresce. E Alemtejo que poderá concorrer a esta falta (porque é quasi tão espaçoso como O resto do reino); como está todo dividido em herdades, e as mais d'ellas muito grandes, nem se povoa, nem se cultiva».

Por seu turno, Luiz Mendes de Vasconcellos, na sua obra do Sitio de Lisboa, deplorava ver desaproveitadas tantas superfícies que aradas podiam enriquecer os celleiros do paiz, emancipando-o da necessidade de exportar todos os annos as espécies metallicas para se fornecer de trigo em França e na Allemanha; deplorava o mau regime das aguas que encharcavam os melhores terrenos, e dizia que os pantanos inutilisavam nos vales do Tejo, do Sado, do Mondego e de outros rios, extensos tratos de que uma cultura mais cuidadosa saberia tirar grandes lucros.

O paul de Asseca, então quasi inteiramente alagado, pagara antes 1:000 moios de pão ao dizimo; e o de Salva-terra, que ahi por 1608, apenas dava 60 moios nos bons annos, já rendera 800 e 900.

Deplorava que se não fizesse o que era urgente, que se não traçasse um plano geral de obras hydraulicas.

Citava os exemplos da Hollanda e apontava a utilidade da construcção de um canal que de Tancos fosse até ao cabo de Affirmar, com as inclusas ou adufas necessarias pura se regarem por meio d'elle, nas epochas de secca, as campinas marginaes, á similhança do que succedia no Aragão, onde as aguas do Ebro sustentavam terras viçosas e fecundas.

Por ultimo, deplorava que tivessemos os olhos postos nas conquistas de Africa e Asia, suppondo inexgotaveis os thesouros que nos promettiam.

Tudo quanto Luiz Mendes de Vasconcellos deplorava em 1608, devemos nos deplorar hoje ainda, porque, decorridos quasi tres seculos, não houve alteração sensivel no estado das cousas.

Nem os alvarás de 21 de maio de 1764, de 1 de junho de 1765, de 20 de junho de 774, de iniciativa do marquez de Pombal; nem o de 27 de novembro de 1804; nem, em epochas mais proximas as leis de 30 de julho de 1860 e 19 de maio de 1863, abolindo finalmente os morgados, poderam conseguir a reforma da propriedade latifundiaria alentejana.

Pelo contrario.

De um lado, a prohibição dos contratos de sub-emphytheuse e do outro a propria suppressão dos vinculos, trouxeram a terra do Alemtejo para o regime franco da concorrencia e do capitalismo, determinando o consequente movimento de concentração progressiva, que mais adiante exporei.

Varios exemplos, todavia, provam que, se de um lado as leis permittissem certas formas de contrato, e se de outro lado o estado proporcionasse certas fórmas de auxilio, a colonisação e o aproveitamento dos terrenos incultos seriam praticaveis.

Um d'esses exemplos é antigo e mostra-nos hoje uma povoação creada por iniciativa particular.

É a Casa Branca, freguezia de 1:432 habitantes, pertencente ao concelho de Souzel, e ponto de entroncamento do ramal de Evora na linha do Alemtejo. Conta Severim de Faria que o conde de Sabugal, D. Duarte de Castello Branco, fundou essa povoação n´uma herdade que tinha junto a Aviz, dividindo a em courellas que deu a vários foreiros com obrigação de certo fôro e os quartos, vindo a fazer uma aldeia do cem vizinhos, que em 1608 lhe rendia já o dobro do que a herdade produzia anteriormente á fundação da colonia.

E o exemplo da Casa Branca não faz senão repetir em tempos mais proximos o que succedêra nos remotos, quando os governos se inspiravam n'uma politica de colonisação systematica.

Foi D. Sancho I que povoou Elvas, Benavente e Montemór; foi D. Sancho II que fundou Extremoz, Beja, Odemira, Villa Viçosa, Evora Monte, Monforte e Portalegre; foi D. Diniz que creou o Redondo, Olivença e outras terras alemtejanas.

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O cabido de Evora instituiu Monsaraz e a Vidigueira; Villa de Frades foi uma creação dos cónegos regrantes; Torrão e Garvão dos mestres de Santiago; Aviz, Galveias, Seda, Fronteira, Veiros, Alandroal e outras, dos mestres de Aviz; Tolosa, Mourão, dos priores do Crato; Souzel fundou a o condestavel Nuno Alvares Pereira; Terena e Vianna, Gil Martins; Alvito e Portei, D. Estevão Annes; Villa Boim, D. João Peres.

Se todas estas povoações, ainda existentes e florescendo na maxima parte, se poderam fundar e medrar no seculo XII, no seculo XIII, no seculo XIV, porque será que no seculo XIX se allegaria um caso natural de força maior? A historia não consente que assim se julgue.

Vamos porém aos exemplos de hoje. Um d´elles é a colonisação e arroteamento do paul de Rio Frio, junto ao Pinha! Novo.

São 400 casaes occupando a superfície de 2:000 hectares de terreno, divididos em courellas de 4 e 6 hectares. Os colonos foram implantados por contratos de arrendamento e procedem da Beira. Pagam a renda de l$000 réis por hectare.

Julgam-se senhores ou donos da courella por contratos de emphyteuse, e alternam o trabalho no seu campo com a jorna nas propriedades proximas do senhorio, proporcionando assim a mão de obra jornaleira e a si proprios a satisfação das primeiras necessidades. Eram caramellos beirões semi-nomadas: vivem hoje n'uma casa telhada, têem a arca fornecida de grão, no chiqueiro um porco, junto á casa uma horta, e contiguo um campo de semeadura com mais ou menos pés de vinha.

Esse campo mede 4 ou 6 hectares e não mais; porque se medisse 9 ou 10, o lavrador teria sempre que fazer n'elle, deixando de prestar ao senhorio o seu trabalho jornaleiro.

É isto socialmente uma vantagem?

Era certos casos é; porque a combinação da grande com a pequena propriedade parece ser a mais efficaz para regiões como esta de que trato.

Não me parece, comtudo, igualmente vantajoso o contrato de arrendamento, porque importa a possibilidade da evicção em dadas circunstancias contra colonos que de si para si se consideram donos do terreno por contratos de aforamento.

Os arroteamentos de Rio Frio trouxeram para a cultura um terreno arenoso, em parte diluviai e moderno, e em parte quaternario, fresco e humoso; terreno que tem contra si, todavia, a necessidade de estrumações frequentes. A essa necessidade obtempera a pouca distancia a que estão da capitai, cuja limpeza os aduba. Por outro lado tambem, esta mesma condição dá um valor anormal aos productos de uma exploração quasi exclusivamente horticola.

E o conjuncto d'estas circumstancias leva-me a perguntar se o exemplo de Rio Frio obteria um exito similhante em outros pontos do Alemtejo.

O arrendamento e a lavra de 4 ou 6 hectares de terreno dá um supplemento de salario ao jornaleiro; mas não chega a fazer d´elle um proprietario, porque nem a courella basta para que viva, nem está livre da evicção. Por outro lado, a cultura horticola e cerealífera seria possivel em terrenos distantes de uma grande cidade? E sendo-o, daria o rendimento liquido necessario para os colonos enriquecerem em vez de apenas vegetarem?

Outro exemplo, finalmente, é o que vem descripto no relatorio do jury para o concurso viticola em 1885, instituido pela commissão central anti-phylloxerica do sul do reino. É a granja viticola do Pinheiro, em que o seu proprietario introduziu todos os processos de viticultura e vinificação do meio dia da França. Diz assim o mencionado relatorio:

«Ao tempo da compra pelo actual possuidor, a herdade tinha alguns terrenos arborisados que hoje se acham bastante augmentados; pinhaes, montados, etc, e terras, campos, alagamentos para arroz, terras do semeadura, pastagens, paues incultos e alagados (pantanos) abundando principalmente a charneca inculta avaliada em 3:781 hectares.

«Hoje aquella extensa propriedade vae soffrendo uma transformação profunda. A cultura dominante é a vinha; secaam se os terrenos, rompe se a charneca, e fixam-se as areias para plantas grandes bacelladas. Os cereaes só são cultivados para gasto da exploração; toda a propriedade é por assim dizer tributaria da superficie cultivada de vinha.

«Para se avaliar o acréscimo de valor que têem tido as torras cultivadas hoje de vinha, basta comparar as avaliações pelas quaes o sr. Bartissol comprou a herdade e o valor que actualmente representa cada hectare de vinha. Na avaliação, cada hectare de charneca computou-se em l$800 réis, os paues em 2$000 réis e os alagamentos de arroz em 180$000 réis. Hoje tanto valem os paues como os arrozaes; em ambos crescem excellentes vinhas; e não será exagerado dar-lhes um valor de 1:000$000 réis por hectare, pois que n´esta superficie devem colher-se pelo menos dez pipas de vinho. As charnecas de terra pobre, que valiam 1$800 réis, valem bem hoje 500$000 réis o hectare, calculando pelo baixo a producção media de cinco pipas por hectare.

«É de notar que a chameca do Pinheiro é da mais vil do Alemtejo. A vinha vegeta ali, graças aos cuidados contínuos e á excellencia do nosso clima. Vem a propósito citar a exploração de mr. Bartissol como um grande ensinamento para a agricultura alemtejana. Todos sabem que no Alemtejo se cultivam cereaes, montados e abunda a charneca. As propriedades são extensas e em grande parte incultas; o rendimento por hectare, a não ser nos montados de sobro e excepcionalmente nas boas terras de cereaes, é absolutamente insignificante. Pois se, em vez de uma grande extensão de culturas pouco rendosas, junta a uma consideravel superficie de charneca improductiva, a actividade, o trabalho e o capital fossem applicados a uma superficie limitada, cultivada de vinha, quanto não augmentaria a riqueza da provincia e a da nação?

«Bastava que seiscentos proprietarios alemtejanos plantassem 200 hectares de vinha, como tem feito o sr. Bartissol, para que viessem para Portugal 12.000:000$000 réis, quasi metade do orçamento do estado, calculando que cada hectare de mau terreno, mas grangeado convenientemente, produz 25 hectolitros ou 5 pipas approximadamente. vendendo-se cada uma a 20$000 réis, preço aliás baixo; 12.000:000$000 réis que entrariam em Portugal, que fariam a riqueza de seiscentos proprietários e a mediania de muitos, que chamariam braços a uma provincia sem população rural, fomentariam o estabelecimento de novas industrias, fariam alimentar e vestir melhor a população, augmentando lhe os salarios e o bem estar, etc.»

N´outro ponto o relatório diz:

«Os trabalhos de enxugo de terrenos mereceram particular attenção ao distincto viticultor, e causa verdadeiro enthusiasmo ver a maneira facil como aquelles terrenos tão ricos e que estavam perdidos foram transformados e notavelmente valorisados.»

Concluindo, a commissão propõe que se confira o primeiro premio do concurso ao proprietario do Pinheiro:

«1.° Pelas plantações de vinhas em charnecas consideradas improprias para qualquer cultura, e como taes mantidas numa grande parto do Alemtejo, dando assim a estas terras um valor que a cultura cereal, se ella fosse economica, lhes não poderia dar.

«2.° Pela plantação de vinhas em paues alagados, insalubres e improductivos e era terrenos cultivados de arroz, não menos insalubres, posto que mais productivos do que os anteriores, creando assim terras de grande fertilidade, proprias para grandes producções, elevando-lhes extraordinariamente o valor, e mantendo vinhas de primeira or-

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dem, havendo alem d´isso modificado completamente as, condições de salubridade da propriedade. Os trabalhos de enxugo doestes terrenos são de uma simplicidade notavel.

«3.° Pelo aperfeiçoamento dos grangeios dados às plantações, emprego das charruas e outra alfaia no amanho das vinhas, de modo a baratear a mão de obra e pela direcção intelligente guiada pelos melhores processos culturaes.

«4.° Pela plantação da vinha americana, com o fim de ir estabelecendo vinhedos resistentes á phylloxera, dando assim exemplo de boa cultura d´estas castas e formando indicações sobre a adaptação de cada uma n´aquelle solo e clima.»

Não multiplicarei exemplos, pois bastam os que cito, parece-me, para convencer os mais incrédulos da possibilidade de cultivar com proveito grande parte dos nossos maninhos, desde que uma legislação adequada, não só permitta, como fomente a multiplicação de focos de cultura.

Ácerca da granja do Pinheiro nada ha que dizer sob um ponto de vista unicamente chrematistico; mas o legislador não tem apenas de attender, muito principalmente quando se trata da terra, a producção da riqueza. E mister considerar a sua repartição, e convém saber se, ate no que diz respeito á producção, será o typo de grandes explorações agricolo-industriaes, análogas às fazendas ultramarinas, aquelle que melhor satisfaz.

Para conseguir o que se conseguiu no Pinheiro, é mister sobretudo capital, muito capital; e não se repetem com frequencia exemplos de homens como o proprietario do Pinheiro, que possam e queiram applicar os seus haveres e o seu tempo ás fainas improbas da agricultura.

Sob um ponto de vista social, o Alemtejo, reduzido ás condições da herdade do Pinheiro, seria como eram as fazendas de assucar ultramarino, aparte a escravidão. Ao grande proprietário de montados ou searas succederia o grande proprietário de vinhedos que uma crise facilmente destruiria, e, faltando o alicerce indestructivel da população densa e proprietaria, as vinhas de novo se tornariam charnecas. O exemplo hodierno da região do Douro é illustrativo, e ao lado do Douro está o Minho, onde uma molestia destruiu os castanhaes. Essas arvores, porém, substituiram-se por outras. Porque? porque, de todas as plantas, o homem é a mais resistente quando possue a terra que lavra; e de todos os capitães o mais duradouro é aquelle que se encontra disseminado em parcellas minusculas nas mãos de uma população de pequenos proprietarios.

III

Formas de colonisação

Todas as nações coloniaes têem estabelecido para a terra, alem do regimen commum em vigor nas zonas exploradas, um regimen especial destinado a reduzir á exploração e cultura os terrenos incultos.

As leis do Brazil de 19 de janeiro de 1867, instituindo as colonias do estado, e de 30 de junho de 1855 para a venda das terras; a lei de junho de 1873 da republica Argentina; as dos Estados Unidos da America, e finalmente o Act para a Registration of tittle da Australia, são prova do que affirmo.

E a lei brazileira, promulgada agora em fins de 1886, apresenta por certos lados tantas analogias com o projecto que tenho a honra de propôr á camara, que não me poupo ao trabalho de registar as suas disposições principaes.

Por essa lei, com as terras de domínio publico se fará um cadastro em que sejam medidas e repartidas em lotes de 25 hectares, para serem vendidas amigavelmente ou em hasta publica ao preço mínimo de 3$000 réis, e maximo de 4$000 réis por hectare.

O pagamento poderá ser feito a dinheiro, ou a praso de tres annos; e os compradores ficam obrigados a arrotear pelo menos a quinta parte da superficie, a crear gado cujo valor seja tambem peio menos igual ao do terreno, e finalmente a residir sobre a propriedade adquirida.

Ninguem poderá adquirir mais de quatro lotes ou 100 hectares, mas o governo póde fazer concessões até 20:000 hectares a sociedades de colonisação, e às companhias de caminhos de ferro sobre as margens das linhas, comtanto que estes concessionarios se obriguem a submetter-se às formas de alienação prescriptas.

D'este modo se evita o monopolio das terras pelas companhias, mal que hoje nos Estados Unidos está a ponto de ameaçar com uma revolução agraria.

Nos paizes ultramarinos, porém, ha terras vagas a distribuir, ao passo que entre nós os incultos, existem na maxima parte no regimen da propriedade particular como consequencia que são de vicios historicos, communs a toda a Hespanha, desde a epocha da decadencia do império romano. E o que succede na nação vizinha, e tambem na Argelia, por tantos lados similhante ao meio-dia da nossa peninsula.

Eis o motivo porque o titulo III d'esta lei se inspirou em parte na lei hespanhola de 3 de junho de 1868, ampliando-a porém consideravelmente, de modo a supprimir as deficiencias que a meu ver são causa do pequeno exito obtido.

Mas, para obedecer aos preceitos actuaes, desde que o criterio evolucionista, primeiro introduzido pela escola historica, dominou sobre o racionalismo abstracto dos legisladores que nos precederam, cumpria sobretudo ir ao arsenal das instituições enraizadas na tradição portugueza, e aproveitar d'aquella que sabidamente tivesse dado no passado os resultados que se reclamam para o presente.

Essa instituição é o aforamento, e por isso as colonias do titulo III d'esta lei são colonias emphyteuticas. O fôro, esse grande moralisador da terra, na phrase de Alexandre Herculano, está vivo ainda no coração das nossas populações.

Os colonos de Rio Frio não acreditam que a pensão annual que pagam seja uma renda: crêem que é um foro, e seria talvez um dia angustioso aquelle em que o proprietario quizesse exercer a evicção.

O contrato de aforamento possue isto de exclusivamente benefico: dá propriedade a quem não dispõe de capital, garantindo ao senhor da terra o rendimento actual. Por outro lado, sendo lei averiguada que o valor do capital, e portanto o da moeda, seu denominador, diminue em rasão directa do progresso de uma sociedade, o lavrador foreiro, ao proprio tempo que arroteia e beneficia a sua gleba, amortisa a pensão fixa expressa em dinheiro, que pelo contrato se obrigou a pagar.

Este principio fundamental do aforamento foi prejudicado no decurso dos séculos ha que existe entre nós, desvirtuando-se-lhe a sua excellencia primitiva, que era uma forma de associação permanente do capital e do trabalho, do proprietario e do lavrador, do fidalgo e do plebeu, para o arroteamento dos terrenos incultos. As reformas introduzidas pelo código civil obviaram a estes males; mas por isso mesmo crearam para o caso de que aqui tratâmos um embaraço grave.

A grande maioria das terras portuguezas é emphyteutica, e, tendo o codigo abolido os contratos de sub-emphyteuse, haveria um sério obstaculo ao arroteamento dos incultos por meio dos contratos de aforamento. Pareceu-me, pois, que a sub-emphyteuse devia ser permittida, mas unicamente para os terrenos previamente declarados incultos, nos termos estabelecidos pela secção I do titulo III d'esta lei.

Alem d'isto, pensei que a perpetuidade do prazo, nestas condições, devia ser facultativa, dando-se ao emphyteuta e ao sub-emphyteuta o direito de remir o fôro, desde que o desiderato social do desbravamento das incultas estivesse conseguido.

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No seu relatorio de 29 de janeiro de 1886, dizia o então ministro das obras publicas:

«Em primeiro logar digamos de passagem que já hoje raro se mantem o modo primitivo de constituir emprazamentos. Antes, procurava-se obter do senhorio directo um campo para o desbravar; hoje, o credor achou meio de obter o dominio directo de bens alheios, já desbravados e cultivados, dos quaes se lhe constituo emphyteuta o proprio senhorio, transformando d'este modo os juros em pensões perpetuas, abusivamente chamadas foros; hoje o credor achou meio de com um credito usurariamente explorado, mais tarde adquirir fatalmente as propriedades que lhe ficaram sujeitas em pleno direito, as quaes o verdadeiro senhorio não póde beneficiar pelos onus que o extenuam, e muito menos libertar total nem parcialmente, porque, o senhorio não consente na alienação de uma parte do praso para mais facilmente estar segura a sua preza.

«Estão pois, n´uma grande parte dos prazos, trocados os papeis: a emphyteuse creou-se para o lavrador adquirir terrenos incultos do senhorio, hoje mantem-se principalmente para a usura, representando de senhorio directo, adquirir por baixo preço os prédios de seu devedor que prefere chamar-se emphyteuta. Um artificio arteiro e ruinoso da agiotagem, explorando o decoro do senhorio.»

Como, porém, o fim que esta lei tem em vista não é alterar o regimen vigente da propriedade, quaesquer que sejam os abusos de que elle possa estar inquinado, mas sim apenas crear condições especiaes para os terrenos declarados incultos, a fim de tornar possível a sua utilização, é sómente n´esses, e para o fim indicado, que se reinstituo a subemphyteuse e se estabelece a remissão do fôro.

Achada a forma adequada-para levar a effeito o arroteamento o crear a propriedade dos colonos sobre o chão que desbravaram, cumpria ter presente que não basta preparar as condições para que um desejo se torne realidade; e que as mais das vezes, pelo contrario, é necessario intervir directamente de um modo efficaz. A instituição do afora mento deixaria nas mãos dos trabalhadores e dos proprietarios individualmente o futuro d´esta lei, e a apathia que caracterisa as nossas populações ruraes leva a receiar que, entregues a ellas só, o seu exito fosse duvidoso. Sem, portanto, embaraçar de modo algum qualquer forma de colonisação iniciada pelos proprietarios, o estado procurará das sociedades capitalistas de hoje a mesma acção que n´outras eras tiveram as ordens monasticas, militares e não militares..

O que ha seculos se chamavam doações, chamam-se agora concessões; e se n´outras idades o espirito religioso era, de um modo mais ou menos definido, o incentivo do trabalho, hoje o instincto de apropriação, o desejo do lucro, são a unica base sobre que se pode construir. As sociedades que vierem a formar-se para os fins d'esta lei não poderão ser perpetuas, como o eram as ordens religiosas, porque as concessões o não são tambem como eram as doações. Essas sociedades não serão tão pouco proprietarias, senão transitoriamente, e assim se evitam os problemas graves que n'outro tempo levantou a ordem de cousas estabelecidas.

As sociedades do colonisação, ou implantarão desde logo os colonos, construindo-lhes o casal e ministrando-lhes os instrumentos, de lavoura, e n'esse caso terão direito a fruir de metade das pensões que a lei estabelece para o aforamento dos incultos públicos, ou desbravarão esses terrenos por sua conta, implantarão as culturas, e, ao cabo de um prazo sufficiente para as indemnisar em parte dos capitães consolidados, aforarão as terras, constituindo proprietarios os seus lavradores.

D´esta fórma se abrirá aos capitães moveis um terreno de actividade remuneradora, útil para elles e para a nação, desviando-os de occupações estereis ou ruinosas, quaes têem sido a agiotagem bolsista e a especulação mineira. Facultada a terra, compensado o capital, resta olhar para o terceiro elementos d´este problema, que é o colono.

Ninguem ignora que a nossa emigração, principalmente a insulana, sáe com destino ao trabalho agrícola em paizes ultramarinos. Ninguem ignora tambem que a nossa emigração, principalmente a minhota, sáe para fugir ao recrutamento. Ora, desde que existam proprietarios e sociedades, tão interessados em alliciar colonos, como o são as sociedades de emigração ultramarina; e desde que os colonos, encontrem aqui mesmo, dentro de Portugal, alem da propriedade, essa mesma isenção do recrutamento a que obedecem fugindo, affigura-se me que o exito ha de ser completo. Nem se diga que a nação perderá soldados, porque o facto é que os perde hoje da mesma fórma; e ainda quando assim não fosse, é fora de duvida que nas condições actuaes da sociedade portugueza urge mais reduzir a cultura os nossos desertos, do que augmentar com algumas centenas de homens o effectivo das nossas guarnições.

Attendidos pois os tres elementos fundamentaes da questão: a terra, o capital e os braços, o regime de excepção creado para esta especie de territorios reclama tambem um systema de registo especial destinado a simplificar as engrenagens pesadas pelas quaes se move hoje o antiquissimo direito de propriedade.

Reclamam instantemente os francezes a implantação da lei de registo da Australia, chamada a lei Torrens, do nome do seu auctor, o Registration of title act, em virtude do qual as courellas de terra ficam equiparados aos bens moveis ou mobilisados, porque o titulo de propriedade é negociavel como qualquer outro papel de credito. Esta reclamação dos francezes para a França, e que é mais insistente ainda para a Argelia, especialmente depois de se ter implantado, como se implantou já na Tunísia, era uma urgência para os nossos incultos a desbravar.

Não se concebe, porém, que n´um territorio contíguo, como é o portuguez da Europa, exista indefinidamente um modo de ser excepcional e sem duvida alguma favorecido no que respeitarás obrigações communs dos cidadãos para com o estado. É por isso que esta lei prescreve as epochas em que as colonias, chegadas ao periodo de virilidade, irão gradualmente entrando no regimen administrativo commum, constituindo-se, primeiro em freguezias, depois em concelhos.

Era assim que procediam os nossos primeiros reis: outorgavam doações a ordens colonisadoras e contratos de aforamento a povoadores. Depois, quando os nucleos de população estavam constituídos, estabeleciam a administração e a justiça, outorgando as cartas de foral. O resultado foi bom: sigâmol-o pois, adaptando-o ás condições novas dos tempos.

IV

Preferencia de culturas

Alem das mais vantagens conferidas por este projecto de lei aos arroteadores de incultos, estabelece elle uma tabella de insenções de imposto que vae desde cinco até trinta annos, graduando-se conforme a distancia a que as explorações estiverem de povoado, conforme os terrenos cultivados, fossem ou não fossem antes alagados, e finalmente conforme as culturas implantadas forem annuaes, arbustivas ou mixtas.

O criterio que presidiu a esta gradação é obvio: o favor mede-se na rasão do capital despendido e na dos encargos da exploração. Todavia, não errará quem vir na maior isenção concedida ás culturas arbustivas um incentivo a que ellas tenham a preferencia sobre as annuaes. Com effeito, assim é.

Nos terrenos como são em geral os nossos incultos, medram melhor, ou por outra, rendem mais as plantas que mais pedem ao ar os elementos da sua subsistencia. Se é necessario olhar para o problema da povoação, é indispensavel ter em vista que populações occupadas em culturas sem rendimento liquido são viveiros de gente miseravel

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que melhor fôra não existissem. Crear Mandas no nosso seio seria absurdo e um absurdo perigoso.

A oliveira e a vinha são quanto a mim, dentre as culturas indigenas, aquellas que mais predominantemente devem entrar na plantação dos nossos incultos seccos. Não penso, de certo, que o regimen agricola de uma nação possa subsistir entregue a uma cultura exclusiva, como as colonias que eram fazendas das metropoles. Não. Os perigos que d´ahi provêem são conhecidos. Mas é que entendo tambem que ao regimen económico de uma região, embora ella esteja constituída autonomicamente sob um ponto de vista politico, não póde impor-se o exercicio de uma cultura que não dê lucros ou dê até prejuizos, reclamando-se a deficiencia do bolso commum dos cidadãos sob a fórma de direitos que elevem o preço venal dos productos. Ponderar estes dois pontos do dilemma, ou temperar esta antinomia é, n'este como em todos os outros problemas de economia social, o fim das leis bem concebidas.

Se recorremos aos nossos chronistas, vemos que a lucta das culturas cerealiferas e das culturas arbustivas é antiquissima entre nós. Hoje estão em scena os trigos dos Estados Unidos, amanhã estarão os da India, depois os da America argentina; mas hontem estavam os da Europa central e os do Oriente, que eram os celleiros dos paizes meridionaes.

Quando foi que Portugal deu trigo para si em condições prosperas de economia? Foi talvez só nos primeiros tempos, quando a população portugueza não excedia 600:000 ou 700:000 habitantes. Já no seculo XIV, na epocha de D. Fernando, Fernão Lopes falla dos navios que vinham de Inglaterra e da Flandres a Lisboa trazer trigo e carregar sal e vinho. No tempo d´El-Rei D. João II introduziu-se em Portugal a cultura do milho chamado grosso de maçaroca, trazido da Guiné para os campos de Coimbra, d´onde se estendeu á Beira, ao Minho, e depois a todo o reino.

A applicação do milho á alimentação devia ter reduzido consideravelmente a necessidade de importar cereaes; mas parallelamente o movimento ultramarino veiu contrariar os progressos da lavoura, a ponto de que o Tejo, como é sabido, se via constantemente cheio de navios que, trazendo grãos do norte europeu, levavam os especiarias do Oriente. Portugal já não era uma nação agrícola e um cantão isolado, como fôra até ao seculo XIV; trocara a lavoura pelo commercio, e, n'este regimen, como é obvio, a cultura dos cereaes abandonava-se, e só o vinho e o azeite, reclamando poucos braços, davam rendimentos liquidos animadores.

Este estado de cousas teve a sua ultima consagração, em 1703 com o tratado do Methewen, ácerca do qual diz Coelho da Rocha, no seu bello Ensaio sobre a historia do governo e da legislação, as seguintes palavras:

«Logo no primeiro anno, as exportações (de Inglaterra) para Portugal subiram a 13.000:000 cruzados e a saída de vinhos portuguezes, ainda que em menor proporção, foi comtudo bastante para os elevar a tão alto preço que os do Douro chegaram a 60$000 réis a pipa. Todos se deram então á cultura deste genero. Em poucos annos, a sua abundancia e a sua adulteração, excitada pela soffreguidão do ganho e talvez por calculo permeditado dos negociantes inglezes, fel-os descer de tal maneira que desde 1700 a 1705 os melhores vinhos não passavam de 10$000 réis e ainda por este preço não tinham consumo. Os lavradores, principalmente os do Douro, estavam perdidos: para lhes valer, creou-se no ministerio do marquez de Pombal, a companhia geral de agricultura e das vinhas do alto Douro.»

Como é sabido, o tratado de 1703 resumia-se a um favorecimento reciproco de direitos aduaneiros, aos tecidos de lã inglezes em Portugal e aos vinhos portuguezes em Inglaterra. O seu resultado foi destruir os rendimentos da industria nacional reduzindo a pobre agricultura portugueza ás condições das fazendas de assucar ou de café das colonias.

Em 1681, o conde da Ericeira, esse precursor da politica economica do marquez de Pombal, provocara a fundação das fabricas de lanifícios de Portalegre e da Covilhã, conseguindo-se nacionalisar em grande parte, senão por completo, o consumo de tecidos de lã. Em 1684 e 1685 as importações totaes de Inglaterra baixavam a 400:000 libras, e em 1704, logo depois do tratado, excediam o triplo, checando a 1.300:000 libras.

Lucrava com isso a lavoura? Não; porque a exportação de vinhos, que nos quatro annos anteriores ao tratado fôra de 31:324 pipas, é nos quatro annos seguintes de 32:022 apenas. A Memoria anonyma sobre o estado da agricultura e do commercio do Alto-Douro, publicada na collecção da academia, fornece os documentos mais fulminantes contra esse desastre diplomatico de 1703, que devera ter sido escarmento para os propugnadores do livre cambismo dos nossos dias.

As consequencias foram fataes.

Nós tinhamos roças de canna no Brazil; os inglezes tinham campos de vinha em Portugal. A população portugueza talvez não excedesse então 2.000:000 de almas, e a producção cerealifera não dava para o consumo de mais de uma sexta parte d'esse numero.

D'este deploravel estado de cousas nasceram as medidas violentas que o marquez de Pombal poz em pratica, mandando, pelo alvará de 26 de outubro de 1765, arrancar as vinhas em todas as terras baixas dos valles do Tejo, do Mondego e do Vouga, e obrigando a que voltassem de novo a cultivar-se de cereaes. As doutrinas que entre nós tiveram no marquez de Pombal o seu órgão eminente não se coadunam com as idéas mais comprehensivas do nosso tempo; e menos ainda os processos coercitivos de que usava o absolutismo são adequados á magnitude que em nossas consciências tomou o pensamento da liberdade individual.

Todavia a legislação pombalina, abrangendo os varios aspectos da questão economica portugueza, coarctando a expansão das instituições vinculares, reprimindo a creação de capellas, limitando a acquisição de propriedade pelas corporações de mão morta, regulando as relações de proprietários e colonos nas herdades do Alemtejo (onde chegou a introduzir colonos insulanos), regulando o regimen hydraulico das lezirias do Tejo, fazendo o canal da Vieira, ordenando a plantação de amoreiras; a legislação pombalina, repito, apresenta um corpo de idéas inspirado por um pensamento que, sem duvida alguma, tem de ser o que presida á legislação compativel com os costumes e com as instituições actuaes.

Em 1779, o governo da Rainha D. Maria I deu ao Terreiro do Trigo, instituição do reinado de D. Manuel, o seu ultimo regimento; e, a meu ver, é na regulamentação do commercio de grãos e sua moagem, e na do fabrico e venda do pão que está o meio de conciliar a vantagem social que ha em uma nação produzir, tanto quanto possivel, os grãos necessarios á sua alimentação, com a vantagem indeclinavel que tambem ha, para a economia do consumo e para a exploração proveitosa das terras, no facto de se preferirem as culturas arbustivas cujo typo em Portugal é a vinha.

Este assumpto exorbitava a esphera natural d'este projecto de lei, mas força é que tenha, e em breve, uma solução adequada.

V

Divisão e fragmentação da propriedade

É universalmente assente que, se os latifundios são nefastos para a economia rural de um paiz, a excessiva divisão e mais ainda talvez a fragmentação das courellas de um mesmo dono, se tornam um mal igualmente grave. Os nossos emprazamentos antigos eram um meio de corrigir a pulverisação da propriedade, mas a jurisprudencia actual

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e as evoluções tendencionaes dos costumes, annullaram quasi esse beneficio. Seria erro pretender restaurar o passado, mas é urgente oppor diques a um movimento que, nas nossas regiões de pequena propriedade determina, pela força brutal das cousas, a transferencia progressiva da terra, das mãos de quem a lavra, para as mãos de capitalistas que sobre ella constituem rendas. De tal fórma se annulla a obra social de tantos seculos; e evitar essa destruição, e prevenir de futuro o que viria a succeder nos terrenos incultos que agora vierem a ser emprazados, foi o pensamento gerador do titulo viu d´esta lei.

Boyd Kinnear, nó seu luminoso tratado Principles of property in land diz-nos que o erro das leis francezas (que serviram de typo ás nossas) está na divisão de uma propriedade rural em partes iguaes, entre os herdeiros de um proprietario.
«É obvio, acrescenta, que similhante disposição, não só divide a terra mais do que devera ser, mas que vem a dar a um mesmo dono retalhos dispersos separados por distancias consideraveis». Esta questão acha-se cabalmente discutida nos tomos do relatorio do commissario geral do inquerito agrícola francez de 1869; e nas suas conferencias agricolas, George Ville afirma que, em media, cada dono de terras em França possue quartorze retalhos!

N'uma escala, maior ainda porventura, mas que não é possivel determinar numericamente, dá-se o mesmo no nosso Minho.

Os publicistas Foville e Leroy Beaulieu têem chamado instantemente a attenção dos poderes publicos para este mal que em França denominam morcellement, e que traduzido devemos dizer fragmentação. Divisão e fragmentação são phenomenos concomitantes no regimen francez, que é tambem o portuguez, das successões hereditarias; e d´esses phenomenos resulta a evicção do lavrador, por impossibilidade de cultura proveitosa, e a reconstituição da propriedade, não já em poder de quem directamente a explora, mas sim na mão de capitalistas que a compram em praça.

Os francezes classificam assim a propriedade com relação á superficie:

Pequenissima .... de 0 a 2 hectares
Pequena .... » 2 » 6 »
Media .... » 6 » 50 »
Grande .... » 50 » 200 »
Maxima .... » mais de 200 »

Para podermos avaliar, tanto quanto os elementos officiaes o consentem, o movimento de divisão da propriedade rural portugueza, extractarei para aqui os numeros do Annuario estatistico da direcção geral das contribuições directas, comparando os numeros de 1877, primeiro anno d´essa publicação, com os de 1881, ultimo que existe publicado.

[Ver tabela na imagem]

Não se póde apurar o progresso da divisão da propriedade, sem se terem linha de conta as percentagens parallelas do augmento numerico e do augmento de valor collectavel. Sommando os numeros respectivos aos districtos n.ºs 1 a 7 observamos que, emquanto os predios inscriptos sobem na rasa o de mais de 15 por cento, o rendimento collectavel sobe apenas na de menos de 3. A differença enorme d´estas percentagens está mostrando como o facto que se dá não é a inscripção de predios, que antes andassem fora das matrizes, mas sim a divisão progressiva das parcellas ruraes. A contraprova d'esta observação está no exame dos numeros respectivos aos districtos n.º 15 a 17, que compõem a zona latifundiaria, e onde, apesar da revisão das matrizes feita nos districtos de Beja e Evora, as inscripções sobem na rasão de 17 por cento, emquanto o rendimento sobe na de menos de 25 por cento.

Nos districtos n.ºs 8 a 14, que representam a zona mixta de grande e pequena propriedade, o acrescimo numerico e de 20 por cento e o do rendimento de quasi 6 por cento.

[Ver tabela na imagem]

A approximação d'estes algarismos é eloquente, apesar do espaço sobre que incidem as observações ser demasiado breve, para que por si só ellas permitiam afirmações seguras. Cumpre portanto corroboral-as com o exame directo o com as queixas das populações, contra a divisão excessiva e a fragmentação da propriedade.

A freguezia de Moreira de Rey, no concelho de Fafe,

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é porventura entre nós o mais grave exemplo do ponto a que póde chegar a divisão da propriedade. Couto antigo, gosando dos privilegios das Tabuas vermelhas de N. S. da Oliveira de Guimarães, a freguezia é muito extensa (445 fogos pelo censo de 1878) e a população distribue-se aldeada pelos logares da Feira, Marinhão, Barbosa, Villela, Villa Pouca, etc. Em toda a parochia a divisão da propriedade é extrema; mas tomarei para exemplo a veiga de Marinhão que é agricultada e possuida, na sua quasi totalidade, pelos habitantes do logar, havendo apenas dois ou tres proprietarios absentistas.

O logar de Marinhão assenta a meia encosta; em baixo estende-se a veiga e em frente ha um monte que pertence ao logar. A veiga está dividida em leiras, ou fitas parallelas que parallelamente só vão subdividindo em tantas leiras, quantos são os herdeiros do uma sucessão. A divisão fez-se por muito tempo seguindo a direcção longitudinal, mas como esta chegou já ao extremo limite, hoje partem-se as leiras no sentido transversal. Agora as dimensões de cada leira, ou de cada propriedade, regulam entre o maximo de 5 metros e o minimo de 0m,80, para a largura, e 100 a 10 metros para o comprimento. A superficie media de cada propriedade é de 160 metros quadrados ou 0h,0l6, segundo estes números; mas as propriedades mais pequenas que são as mais numerosas reduzem consideravelmente a media real. Chega a não poder-se lavrar e a ser necessario o uso exclusivo da enxada. O cavador leva o estrume ás costas n'um cesto e 1 litro ou 1/2 litro de semente no bolso, ou n´um saquitel de bragal. Em taes propriedades, as vaccas pastam presas á soga, e nas maiores sob a guarda da familia, 4 ou 5 pessoas.

Estes terrenos foram sempre allodiaes e por isso o costume de os dividir data de tempos remotos, e o progresso da divisão acompanhou o da população. A morte do pae tudo é escrupulosamente repartido, desde as leiras da, veiga até aos terrenos de mato. É uma população que vive miseravelmente, quando se compara com os lavradores proprietarios das freguezias limitrophes, onde as terras, em virtude da indivisibilidade prescripta nos prasos, não soffrem uma pulverisação igual. Como a lavoura não seria capaz de alimentar os habitantes, soccorrem-se as industrias subsidiarias: são pedreiros da especie mais grosseira, tamanqueiros e jornaleiros de trabalho.

Nos outros logares da freguezia observa-se uma situação analoga. Em Villa Pouca, nos confins da parochia e na sua parte mais montanhosa, os habitantes valem-se da industria das manufacturas de verga ou vime, ou dos lacticínios pastoreando as vaccas n´um monte commum.

Em todo o concelho de Fafe e em muitos outros do Minho é já hoje costume corrente dividir os terrenos allodiaes em tantos retalhos quantos são os filhos de uma familia. Se numa successão ha seis filhos e seis campos que constituiam um casal, não se dá um campo a cada filho, mas sim uma sexta parte de cada um dos campos a cada um dos filhos. N´esta hypothese, em vez de um proprietario, passa a haver seis, o que é em si um bem; mas em vez de seis courellas, passa a haver trinta e seis, o que é um grande mal pela divisão e pela fragmentação.

Dado o allodiamento progressivo da terra e a partilha igual em bens de raiz, é de crer que, no decurso de um periodo que não temos numeros estatisticos para calcular, se generalise a toda a provincia a condição miseravel dos habitantes de Moreira de Rey que todavia não é excepcinal.

A reacção contra a divisão e fragmentação da propriedade tem-se estendido a toda a Europa central. Em França, a lei de 16 de junho de 1824, reclamando apenas um franco de contribuição de registo pelas transmissões de propriedades contiguas, tinha em vista a reunião, emparceiramento ou congregação das glebas; mas de facto beneficiou principalmente a grande propriedade, como é obvio. Em 1834 aboliu-se esse regime de excepção pela lei de 24 de maio; porém com o decorrer dos annos as queixas foram crescendo, a ponto de que a lei de 27 de julho de 1870 restabeleceu um regime de favor, reduzindo de tres quartas partes a contribuição de registo, mas sómente para as propriedades de meio hectare ou menos de superficie, alem de outro? requisitos que, sommados, tornaram illusoria a acção da lei. Foi portanto necessario abolir o limite, impondo apenas a exigencia de serem parcellas separadas de um mesmo dono, localisadas n'uma mesma communa ou em communas limitrophes: é isto o que dispõe a lei de 3 de novembro de 1884, actualmente vidente, e que a Belgica reproduziu quasi no projecto apresentado em côrtes, mas não approvado ainda.

Em França, a lei favorece os emparceiramentos; mas deixa á liberdade dos proprietarios o effectual-os, como de facto tem succedido n´uma escala consideravel. Alem-Rheno, porém, em Inglaterra e nos paizes scandinavos, o emparceiramento era e é obrigatorio em determinadas condições. A tradição vem de longe. Na Suissa a propriedade rural do cantão de Berne foi totalmente remodelada em l591. Na Suecia, uma lei de 1765 permitte a qualquer proprietario exigir dos vizinhos o seu arredondamento.

Na Austria, a lei de 7 de junho de 1883 auctorisa e até prescreve a revisão periódica e methodica de todas as terras para o fim do emparceiramanto, sempre que metade dos donos, possuindo duas terças partes da superfície, o reclamem.

Na Dinamarca, as ordenações de 1758, 1781 e 1792 prescreveram a revisão geral e a reunião dos predios dispersos. No anno de 1800 metade do reino fora já submettido a essa operação. Já tambem em 1695 o parlamento escocez votava um bill dando a cada proprietario o direito de exigir dos vizinhos rectificações de limites a bem do arredondamento dos casaes; e no fim do seculo XVIII a Inglaterra facultava., mediante auctorisação parlamentar, a partilha dos bens communaes e a aggregação dos predios dispersos, sempre que n'uma parochia dois terços dos vizinhos o pedissem. Desde 1774 até 1793 as camarás votaram 748 operações d'esta especie, e d´esde 1794 até 1813 votaram 1813.

Em parte alguma da Europa esta ordem de medidas é tão geral e tão radical, porém, como na Allemanha. Nos seculos XVII e XVIII, o principado de Kemten (Baviera), e algumas communas da Alta Suabia foram de todo reorganisados predialmente, á imitação do que o fôra Berne em 1591. O principio de que a maioria dos proprietarios de uma communa, variando entre dois terços e tres quartos, tem o direito de exigir a reorganisação e o emparceiramento dos predios, é o que inspira as leis hanoverianas de 1842, 1853 e 1856, as leis saxonias de 1834, 1846 e 1861, a lei ducal de Bade de 1856, a de Hesse de 1867 e a da Prussia de 1821.

A Prussia, porém, sentiu a necessidade de actuar mais funda e energicamente, e d´ahi nasceu a lei de 13 de maio de 1867, prescrevendo o resgate das servidões, a partilha dos bens indivisos e a reunião ou emparceiramento, quando pedido pelos proprietarios de mais de metade das terras sobre que as permutações tivessem de recair.

Em 1875 havia já emparceirados pelas revisões mais de 1.000:000 de hectares na Prussia, 100:000 no ducado de Nassau, e a quinta parte da superficie cadastral do reino de Saxe. Em Cassel, de 1867 a 1881, foi reorganizada a quinta parte da superficie cadastral e 600:000 glebas, pertencendo a 41:112 donos, foram, pelo emparceiramento, reduzidas a 80:000. Na communa de Hohenhaida, junto a Leipzig, havia 774 glebas da área media de hectares 0,45, pertencendo a 35 proprietarios; em 1865 essas glebas foram congregadas em 60 casaes da area media de hectares 9,82. As operações de emparceiramento custaram apenas 2:500 marcos, e foi tal o beneficio resultante do aproveitamento das areas occupadas até ahi por caminhos e vedações, que se tornou necessario augmentar as proporções das granjas e curraes.

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Não se satisfez ainda a Prussia com a legislação exposta anteriormente, e a lei de 18 de março de 1885 veiu ordenar que fossem cultivadas em commum todas as glebas intercaladas, sempre que a quarta parte dos seus donos assim o reclamasse.

O regimen coercitivo da Allemanha não se coaduna com o temperamento do nosso povo, mais similhante, n´este caso, ao francez; é todavia á Allemanha que fui buscar a idéa primordial do titulo VIII d´esta lei, porque as de 24 de abril de 1874 do grão ducado de Oldemburgo se affastam de um modo original e pratico do systema geral das disposições coercitivas. Esse paiz modelo, que estabeleceu já a indemnisação a dinheiro para os reus absolvidos pelo tempo de prisão preventiva, conservava em uso uma instituição similhante aos nossos prazos de livre nomeação. As duas leis de 24 de abril de 1874 supprimiram a indivisibilidade hereditaria, e ao mesmo tempo auctorisaram os proprietarios a constituir predios indivisiveis numa geração: um predio, declarado indivisivel pelo actual proprietario, póde deixar de o ser pelo seu herdeiro, e, quer a indivisibilidade se dê, quer não, isso não modifica de modo algum o regimen da successão, cuja integridade se regula por meio de tornas,

Em março de 1874 coutavam-se no grão ducado 44:017 predios com a superficie de 520:433 hectares. D´estes predios eram propriedade particular 41:949, com a superficie de 399:210 hectares, e tinham casa de habitação (só a estes se póde applicar o regimen da indivisibilidade) 32:618 com a superficie de 365:691 hectares.

Desde logo, em abril, se constituiram indivisiveis 8:709 predios, com a superficie de 156:345 hectares, o que representa, sobre o numero, a percentagem de 26,7 e sobre a área a de 46,3. A área media dos casaes indivisiveis do Oldemburgo é portanto de 17,9 hectares.

Afigura-se-me que esta combinação, sem ferir o legitimo uso da propriedade, e dando ao proprietario a faculdade, sem lhe impor a obrigação de constituir indivisivel o seu casal, é a que mais convém para o nosso caso.

Varias leis têem entre nós concorrido para o progresso da divisão e da fraccionação das glebas. As de 1860 e 1863, que aboliram os vinculos, são as primeiras, e estão a seu lado as de desamortisação, por virtude das quaes se têem vendido os domínios directos das corporações religiosas, transformando assim os bens de prazo indivisíveis em allodiaes divisiveis e fraccionaveis. O codigo civil veiu depois abolir todos os privilegios de partilhas e ordenar a divisão igual entre os herdeiros. Ordenou, alem d´isso, o codigo o registo dos onus reaes, mandando registar os foros; e d´ahi resultou a suppressão de innumeros fóros minusculos, que seus donos preferem vender, e a consequente allodialidade e divisão ulterior dos prédios. Por cima de tudo isto, veiu a lei de 18 de maio de 1880 impor o pagamento da contribuição de registo por titulo oneroso ás tornas devidas em acto de partilha.

Desappareciam por um lado todos os vinculos que impediam a divisão da propriedade; ao mesmo tempo que, pelo outro, se onerava o encabeçamento, usual no norte do paiz, equiparando as tornas a uma venda.

Estas disposições não são, a meu ver, criticaveis em absoluto: são até uteis, desde que a propriedade excede o limite abaixo do qual a sua exploração é prejudicada; são uteis para que a pequena propriedade se não conglomere e para que a grande se divida. São nefastas, porém, quando as parcellas de terra attingem aquelle grau alem do qual a divisão importa a evicção do lavrador, ou a sua reducção ao estado de miseria que observámos na freguezia de Moreira de Rey.

O titulo VIII d´esta lei não pretende revogar, pois, a legislação vigente: pretende apenas evitar-lhe as consequencias funestas, creando um regimen especial para aquellas propriedades que attingiram o limite abaixo do qual não convém que sejam divididas; e estabelecendo ao mesmo tempo o processo de união ou congregação das glebas dispersas em virtude da fragmentação. Não é, pois, um ataque á nossa jurisprudencia civil: é um correctivo necessario para determinados casos em que ella se encontra em conflicto com a utilidade social e economica.

VI

Os capitães e a lavoura

O titulo I d´esta lei estabelece as bases para a creação de uma instituição cuja necessidade é urgentemente sentida. A companhia do credito predial, reunindo-se ás operações do credito hypothecario e ampliando a sua acção, não no sentido da agricultura, mas sim no de emprestimos ás municipalidades e juntas de districto, não tem concorrido por fórma alguma para o fomento da lavoura portugueza. Não era obrigado a isso, e não entendeu conveniente fazel-o. Se os seus relatorios discriminassem os emprestimos hypothecarios que tem como garantia propriedade urbana dos que têem propriedade rustica, ver-se-ía, alem disso, parece-me, que a enormissima maioria é dos primeiros.

Não falta quem accuse a companhia de não cumprir o seu dever de auxiliar a agricultura; a verdade, porém, é que a companhia não foi instituida para o fazer por obrigação, e não póde ser accusada de o não ter feito por devoção, pois da sua conveniencia própria só ella é juiz.

Nem se confunda o credito predial ou hypothecario com o credito rural ou agricola; são cousas inteiramente diversas.

O primeiro designa apenas a natureza do penhor que ha de servir de garantia aos emprestimos, os quaes podem ir beneficiar indifferentemente, tanto a agricultura, como a industria, como até o simples amor da dissipação. No segundo, o caso é differente, porque os emprestimos são unicamente feitos para beneficiar a lavoura, e tanto podem ter como garantia a hypotheca predial, como o penhor de bens inoveis, como, finalmente, o credito pessoal do mutuario.

Se todos os lavradores fossem proprietarios da terra que agricultam, o credito agricola, propriamente dito, não daria logar a tantas hesitações e a tão largas controversias, porque a propriedade da terra seria desde logo a garantia de qualquer emprestimo. Não é porém assim. A lavoura, como qualquer outra industria, carece de capitães, e frequentissimamente o lavrador não é o proprietario. Por outro lado, só excepcionalmente o lavrador terá o que se chama credito pessoal, condição aliás commum do commerciante que nas cidades está em contacto directo e permanente com o mercado dos capitães moveis. N'estas condições, o unico meio de estabelecer a garantia dos emprestimos está na constituição do deposito, nas mãos do lavrador, d'aquelles objectos que sirvam de penhor ao seu debito. E o que esta lei estabelece para as operações de credito rural movei. Disposições analogas se encontram na lei belga de 1883 e na italiana de 1869; nem se concebe que possa haver outras, como o provou á saciedade o tombo das respostas dos consules francezes ácerca das instituições de credito agricola na Europa, publicado em 1880.

Se, porém, o lavrador for proprietario, ou se, por exceção, gosar do que se chama bancariamente credito pessoal, elle poderá facultativamente obter os capitães de que necessita, ou commercialmente por meio de letras, ou predialmente por meio de hypotheca.

Só, porém, o proprietario de uma terra póde necessitar capitães para a beneficiar, e por isso, no que esta lei denomina credito predial immovel, a hypotheca é a garantia typica das transacções effectuadas com tal fim.

Approximam-se de certa fórma as operações d´esta ordem das do credito predial, mas na essencia divergem profundamente d'elle; porque o credito rural não prestará capitães, nem para a acquisição de novas propriedades (salvo o caso dos

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emparcelamentos de glebas dispersas para constituir casaes indivisiveis) nem para qualquer outro fim que não seja a beneficiação da propriedade.
Não me parece que a dissipação seja um vicio mais particular dos proprietarios do que de qualquer outra classe, embora o absenteismo rural produza frequentemente o espectaculo de um despendio considerável nas cidades; mas o que e um vicio inherente á propria condição de proprietário, especialmente nos paizes de tradições latifundiarias e morgadias, é a avidez de se alargar, empregando na acquisição de terras, recursos que, na quasi universalidade dos casos, seriam melhor applicados ao fomento e beneficiação das propriedades possuidas do que á acquisição de novas superficies.
O Landscultur-Rentenbank da Saxonia. fundado em 1881, offerece um exemplo typico de instituições destinadas a proporcionar o credito rural immovel; e as leis inglezas que vem desde 1833 até 1849, dão-nos uma prova real de quanto aquellas proprias nações em que o principio da não intervenção do estado na economia social é mais corrente, põem de parte as doutrinas o lançam mào dos meios efficazes, desde que ha uma necessidade urgente a resolver.
O primeiro dos Land improvement acts tem a data de 24 de junho de 1833, e votou se com o fim especial de proporcionar capitães para o enxugo dos pantanos irlandezes. Depois, a lei de 4 de agosto de 1840 estendeu á Inglaterra o systema das beneficiações directamente prescriptas e fiscalisadas pelo estado. Mais tarde, a lei de 5 de agosto de 1842 fixou certos detalhes especiaes; e a de 28 de agosto de 1846 auctorisou o governo a emprestar ate 3.000:000 de libras esterlinas aos proprietarios da Inglaterra, Escocia e Irlanda para o fim indicado, exclusivamente, e ao preço de uma annuidade de 6 l/2 por cento que amortisava os debito? ao cabo de vinte e dois annos. Em muito pouco tempo se esgotou este capital, facto que determinou a promulgação da lei de 1 de agosto de 1849, pela qual se conferiu ao Exchequer bank a faculdade de receber capitães particulares e emprestal-os nas condições e com as garantias estipuladas para os capitães do thesouro.
O mechanismo estabelecido nesta lei com referencia á fiscalisação dos capitães destinados á beneficiação das terras é analogo ao que estabelecem as leis inglezas. Dá, porém, a lei italiana de 21 de junho de 1869 dos bancos agricolas a faculdade de emittirem titulos circulantes pela importancia dos emprestimos de credito rural movei contraidos; mas não me pareceu que, no estado dos nossos costumes bancarios, fosse conveniente essa liberdade, e por isso a restringi aos empréstimos de credito rural immovel.
Já não succede o mesmo com relação á maneira de effectuar as operações, quer moveis, quer immoveis. Nos emprestimos prediaes, segundo o typo francez trasladado para a nossa companhia de credito predial, o mutuário recebe a quantia contratada em titulos que negoceia e fica obrigado ao pagamento da anuuidade estipulada em todo o praso do emprestimo.
Nos emprestimos bancários communs, o commerciante, ou desconta uma letra pagando antecipadamente o juro de todo o praso, ou obtém a abertura de um credito que se liquida em conta corrente. E esta segunda fórma a mais adequada, a mais economica nos emprestimos de credito rural; é a que foi adoptada n´esta lei e se encontra estabelecida em todas as analogas da Europa, á imitação do que primeiro que ninguem praticaram os bancos escocezes com resultado quasi maravilhoso para a agricultura d´essa parte do Reino Unido.
O capital realisado por acções e o producto das emissões de titulos de credito rural immovel, constituem o fundo da instituição projectada, ao qual virão addicionar-se os depósitos dos bens moveis das misericordias, confrarias, irmandades, igrejas e outras pessoas moraes. Estudemos, pois, agora esta outra face da economia do projecto.
As nossas duas leis, de 22 de junho de 1866 e 27 de junho de 1877, tiveram em mente tranformar as misericordias e confrarias disseminadas pelo paiz em bancos decredito agricola e industrial; mas a excessiva latitude consentida ás suas operações, a indeterminação da especie de funcções que esses bancos deviam exercer, fizeram com que os raros que se crearam á sombra das leis citadas, se não distinguem hoje de outros quaesquer bancos commerciaes.
O relatorio da companhia de credito predial, no exercicio de 1881, contem dados estatisticos aproveitaveis n´esta parte do meu trabalho. Os emprestimos prediaes realisados pela companhia attingiam a somma de 9.941:000$000 réis; o total da divida hypothecaria, no continente do reino, sommava, em 1861, 32.73l:000$000 réis, e, finalmente, o rendimento collectavel em, em 1878, de 24.740:000$000 réis. Infere-se d´aqui que as hypothecas representam 6 1/2 por cento do valor total da propriedade, calculando-o em réis 494.800:000$000 réis, ou vinte vezes o rendimento colloctavel. A somma das dividas hypothecarias não se reparte, porém, proporcionalmente entre todos os districtos. Agrupa-os a companhia em três categorias, segundo os fins do seu estudo; eu, porém, agrupai os hei em três categorias tambem, mas conforme a divisão feita ao determinar as zonas de grandeza da propriedade rustica. Na primeira categoria incluem-se, pois, Aveiro, Vianna, Coimbra, Braga, Vizeu, Leiria e Villa Real; na segunda, Porto, Guarda, Bragança, Faro, Santarem, Castello Branco e Lisboa; e na terceira, Portalegre, Evora e Beja.

[ ver tabela na imagem]
Categorias Percentagens

Apura-se summariamente d´estes numeros que a percentagem dos emprestimos hypothecarios sobe em rasão inversa da grandeza da propriedade, o que mais uma vez demonstra o mal estar dos pequenos lavradores; e que a companhia de credito predial consegue chamar a si os emprestimos, tanto mais, quanto maior é a area media das propriedades. As rasões são obvias. Ás formalidades necessarias aos contratos de emprestimo, acresce a taxa do juro; e é nos districtos de pequenissima propriedade que as misericordias e confrarias se multiplicam mais, emprestando dinheiro em concorrência com os pequenos capitalistas, emigrantes repatriados, a juros muitas vezes diminutissimos.
Não é ousadia affirmar que logares ha no Minho onde o dinheiro não encontra 3 por cento de juro hypothecario, havendo muitos outros pontos do paiz onde o preço do dinheiro mutuado por esta fórma attinge percentagens inverosimeis. Isto posto, é evidente que a instituição verdadeiramente util será aquella que, centralisando esses capitães, possa regular convenientemente a sua distribuição, sem ferir, porém, os interesses creados á sombra das condições locaes ou regionaes.
A experiencia de vinte annos demonstrou que a structura, não o pensamento, das leis de 1866 e 1867, era inadequado. Espontaneamente, os bancos locaes agricolas não se formam; e compellir as corporações a creal-os, como queria um projecto de lei apresentado recentemente a esta camara por um ministro das obras publicas, seria indiscreto

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a todos os pontos de vista. Não é em paizes como o nosso (e muitas regiões europêas estão n´esse caso) onde falta a instrucção pratica e onde a vida das localidades obedece, acima de tudo, a uma tradição que não prima pela iniciativa; não é nas nossas villas, ás quaes, se faltasse o estimulo partidario politico, faltaria de todo o pessoal, tal ou qual, que exerce as funcções representativas locaes; não é em taes condições que se póde esperar a creação de um systema de focos minusculos de credito rural, similhante ao que se vê na Lombardia, na Saxonia, nas provincias rhenanas da Allemanha, ou na Escocia.

A estas populações do Meiodia, entre as quaes muitos seculos de providencialismo religioso e administrativo crearam habitos de passividade, só corrigiveis no decurso de largos tempos, são necessarios os meios de acção que venham de fóra ou partam de cima. Esperar o contrario, contar com a espontaneidade popular, afigura-se-me chimerico.

Eis ahi o conjuncto de motivos que me levaram a dar uma fórma diversa ao pensamento fecundo que inspirou as leis de 1866 e 1867, congregando os capitães sobre que essas leis se propunham operar dispersos. Um banco, fundado em taes condições, é por força uma instituição quasi publica; mas seria tambem indiscreto transformal-o em um mechanismo administrativo, prescindindo do estimulo activo do capital particular. Combinar as duas forcas, associar as duas acções, foi o principio que presidiu â constituição do credito rural, a qual, de resto, se molda nos typos geralmente adoptados para os bancos de circulação da Allemanha, da Belgica, da Russia, da França, e de varias outras nações.

VII

Economia hydraulica portugueza

Não é só o arroteamento dos incultos, não é só a indivisibilidade dos casaes, não é só o credito rural que constituem as necessidades mais urgentes da economia agricola portugueza. O aproveitamento das aguas publicas e o desseccamento de pantanos e salgados são uma urgencia reconhecida para que falta uma legislação adequada. Dar-lh´a, assentando as varias fórmas sob que devem executar-se essas obras de primeira necessidade, eis o pensamento dos titulos IV e V d´esta lei.

Calcula-se que a superfície actual de terrenos alagados, pantanosos e apaulados não susceptíveis de cultura, juncaes, sapaes e brejos, regula por 50:000 hectares, abrangendo uma superficie proximamente igual á que era no principio do seculo XVIII. Quasi trezentos annos de vida rural, muito pouco ou nada fizeram no sentido de sanear e utilisar essas superficies.

No fim do seculo XVI, durante o reinado de D. Sebastião, o regimento das lezirias e paúes do reino, de 24 de fevereiro de 1576, não se refere ao enxugo de novos pantanos, mas sim apenas aos meios de conservar as lezirias de Vallada, ou do Tejo, que eram propriedade da Corôa e que em 1834 foram vendidas á companhia que as possue actualmente. O regimento attende á ordenação das aguas, á conservação das abertas, aos reparos e tapumes, abertura de valas e outros beneficios; e alem d´isso prescreve as providencias necessarias para que não faltem as sementes aos lavradores e para que as sementeiras se façam de um modo adequado.

Ainda n´esta especie, são os quatro primeiros seculos da monarchia os activos, os progressivos. E não admira que assim seja. Povoação, colonisação, arroteamento, enxugo, irrigação e arborisação, são operações congeneres e inseparaveis; e desde que as attenções politicas da nação se tornavam para o ultramar de preferencia, esquecendo á economia da metropole, natural era que assim seccedesse.

Começa no reinado de D. Affonso III a obra do desseccamento dos paúes, que, todavia, nem se estendeu alem da Extremadura, nem se prolongou aquém do terceiro quartel do seculo XV. Pelo menos não consta de outras obras importantes d´essa natureza. Foi por ordem de D. Affonso III e a expensas do seu thesouro que em 1291 se enxugou, conforme diz Santa Rosa de Viterbo no seu Elucidario, o paul de Ulmar, do termo de Leiria, dirigindo as obras o monge de Alcobaça, fr. Martinho. As terras depois de sangradas, foram repartidas a colonos que as lavraram. Em 1295 e 1304 desseccaram-se os paúes de Salvaterra de Magos, de Muge e de Vallada, procedendo-se da mesma forma com os terrenos saneados, por meio de emprazamentos que, entre outras clausulas, estabeleciam o praso de quatro annos para o arroteamento completo, pagando os colonos, alem do quarto dos fructos uns e do quinto outros, mais um moio de trigo collectivamente para a conservação das abertas e pontes a cargo da Corôa. É a estes campos que se applica o regimento de 1576, a que me referi.

Em 1473 a abbadia de Alcobaça, de tradição tão benemerita, como em geral o foi a das ordens religiosas para a lavoura e colonisação do reino, sangra e arroteia, tambem por aforamento, o paul de Otta.

Paralysado desde o seculo XV até hoje o trabalho do enxugo dos pantanos naturaes, a cultura do arroz, introduzida em Portugal durante o reinado de D. José, veiu incitar os proprietarios a converterem em pantanos muitas terras até ahi enxutas, com grave prejuizo da salubridade publica, e, apesar das successivas medidas a tal respeito, o interesse illegitimo apoiado â influencia politica, zomba de todas as leis, de toda a auctoridade.

Eu já disse que, no nosso tempo, as sociedades capitalistas são, n´este ponto de vista, as successoras das antigas ordens monasticas; porque evidentemente ha emprezas para que, em via de regra, não chegam, nem os recursos, nem até os motivos dirigentes dos proprietarios e capitalistas isoladamente.

Se do enxugo de pantanos, passâmos a outra ordem de obras hydraulicas, nos velhos tempos da nossa historia, apenas encontrâmos a junta de Coimbra em 27 de abril de 1627 para o encanamento do Mondego; as disposições de D. João V para o do Tejo, os decretos do marquez de Pombal, e finalmente o alvará de 1804 para o aproveitamento das aguas publicas. Tudo isto reunido é pouco, mais do que nada, a não serem as obras do Tejo e do Mondego, concebidas e executadas quasi exclusivamente sob o ponto de vista da defeza dos campos marginaes contra as cheias.

Todavia, a respeito do Tejo, transcreverei o que em 1790 dizia Estevão Dias Cabral: «Medidos por mina no mappa que me foi dado, todos os mouchões e areaes existentes dentro do alvéo e leito do rio desde Tancos até á Azambuja e Salvaterra, e excluidas as margens e tudo o que está fora d´ellas e as partes superiores que não estão no mappa, reduzido tudo a braças quadradas de 10 palmos, achei 9 538:500 braças, as quaes distribuidas em moios de terra, a rasão de 10:368 braças em cada moio, fazem 961 moios de terra perdida, que por ser tudo plano e bem fundado e da qualidade dos campos n´esta parte experimentados, bastaria para sustentar uma cidade de 40:000 ou de 50:000 habitantes. Tal é a ferida que no Ribatejo padece a agricultura!» Esta ferida alastra-se porém, Tejo acima, mas o auctor não dispõe ahi de calculos de superficies.

Como se vê, os dois escriptores do principio do seculo XVII, citados por nós ha pouco, Severim de Faria e Luiz Mendes de Vasconcellos, se vissem o Tejo seculo e meio mais tarde, lamentariam ainda mais a cegueira portugueza. Melhorou-se hoje? Não me atrevo a affirmal-o.

A falta de precedentes historicos explica, portanto, mas a meu ver não desculpa, a incuria da nossa administração com referencia a aguas publicas, mormente quando temos a nosso lado a Hespanha, cuja lei de 13 de junho de 1879, recopilando toda a legislação anterior e introduzindo dis-

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posições adequadas ás modernas fórmas de exploração das riquezas naturaes, podia e devia ter servido de guia para inaugurar uma nova epocha.

Não se resumem, porém, ás disposições d´essa lei as attenções que no reino vizinho se dão incessantemente á utilisação das aguas publicas em geral, e em especial á irrigação dos terrenos lavrados. Entre outras, as leis de 24 de janeiro e 4 de fevereiro de 1870 concedem a subvenção de 210 pecetas ou 37$800 réis a cada um dos 90:000 hectares de terreno irrigavel que forem beneficiados no Aragão com as aguas do Ebro.

Para alem da fronteira pyrenaica, são para ver os trabalhos de irrigação e colmatagem, projectados o iniciados pelo engenheiro Duponchel, para a transformação dos pinheiros das landes da Gascunha, por meio do transporte hydraulico das terras fertilisantes das encostas dos Pyreneus francezes para sobre os areaes seccos, transformando-os em glebas cultivaveis.

Na Italia, vemos a sua bella lei de 29 de maio de 1873 regulando a instituição dos consorcios de aguas, quer para irrigação e colmatagem, quer para esgoto, quer para defeza, quer para desseccamento. São esses consorcios que mantém a rede espessa de valias e canaes da Lombardia e da Toscana; é a acção constante do governo que provê ao saneamento dos pantanos da Italia, principalmente meridional.

Desde a unificação do reino italiano têem sido desseccados quasi 600:000 (598:787) hectares de terrenos pantanosos, despendendo-se com essas obras 150.000:000 de liras (145.981:375) ou cerca de 27.000:000-5000 réis. E todavia Gianzana, na sua obra magistral sobre a jurisprudencia hydraulica italiana, transcreve os orçamentos pelos quaes se prova ter-se andado meio caminho apenas na empreza do saneamento da Italia.

São, com effeito, os paizes meridionaes e montanhosos, como o nosso é, como é a Hespanha, como é a Italia, aquelles que mais particularmente devem olhar para o regime das suas aguas publicas. A elevação da temperatura em determinadas epochas produz evaporações esterilisantes do solo; as chuvas copiosas combinadamente com as inclinações fortes dos terrenos fazem dos rios torrentes.
A agua some-se, foge, e, quando estagna, submettida a calores excessivos, fazendo fermentar as matérias orgânicas em suspensão, occasiona as febres e as malarias.

Por outro lado, se observâmos o estado a que, pelo abandono, chegaram os nossos rios do norte, vemos que a utilisação das quedas artificiaes por meio de barragens, tomou taes proporções, no regime anarchico em que temos existido, que todas ou quasi todas as aguas se tornaram communs ou particulares, sem vantagem correspondente a essa alienação do dominio publico; que não só muitas vezes os campos marginaes são prejudicados por inundações, como a navegação fluvial se impossibilita onde seria praticavel e util; e que, finalmente, a interrupção da corrente, por vezes junto á propria foz, occasiona o açoriamento das barras e a inutilização dos portos.

Na sua Memoria ácerca do aproveitamento das aguas no Alemtejo, elaborada pela commissão nomeada por portaria de 9 de janeiro de 1885, os commissarios indicam as obras que desde já conviria executar com o fim de beneficiar as condições agronomicas da provincia. Essas obras são o canal do Sorraia e as albufeiras de Veiros e do Baeta, nos ribeiros de Anna Loura e de Niza. A canalisação dos rios, estudando-se a possibilidade eventual de ligar entre si as bacias hydrographicas do Tejo, do Guadiana e do Sado, que limitam o Alemtejo; a represa das aguas pluviaes e, finalmente, os poços artesianos, são as tres fórmas que com o tempo ha de tomar a exploração de aguas na nossa adusta região meridional.

«Em toda a zona dioritica, diz o sr. Gerardo Pery, na sua monographia do concelho de Cuba, abundam as nascentes, bem como nos granitos e nos calcareos cristallinos, e se é certo que a circumstancia d´estes terrenos se apresentarem muitas vezes formando extensas planuras faz com que as aguas subterraneas não aflorem, não é menos certo que a pequena profundidade se encontram aguas abundantes e perennes.»

E o mesmo auctor, confirmando o que noutro logar d´este relatorio já disse, acrescenta:

«É certo que se encontram ainda hoje restos de represas destinadas para irrigação, e que são evidentemente de construcção arabe, em sitios ermos e actualmente cobertos de matagaes, o que não só denota cultura onde hoje ella não existe, mas boa e apurada cultura.»

Tornando agora á Memoria, eis o que lemos n´ella com respeito ao canal do Sorraia:

«Os terrenos do charneca que têem de ser colmatados foram no projecto divididos em tres talhões, sendo dois de 70 hectares cada um e o terceiro de 40 hectares. Convem, porém, que estes terrenos sejam adquiridas pelo estado e mandados colmatar por conta do governo, para que os resultados se obtenham regulares e sirvam assim de exemplo e estimulo aos agricultores.

«Os resultados economicos da colmatagem estão calculados minuciosamente no projecto. Demonstra-se n´elle que, reputando os terrenos de charneca no valor de réis 100$000 por hectare e passando elles, depois de colmatados, a valer 1:200$000 réis pela mesma unidade de superficie, attendidos que sejam todos os encargos da colmatagem, resulta ainda um augmento de valor do 701$000 réis por hectare ou de 126:180$000 réis para os 180 hectares.

«Quanto ás irrigações, mostra-se por um processo similhante, e attendendo ao custo do canal e obras accessorias desde o Divor até Coruche, que o lucro por hectare será de 158$000 réis ou de 126:400$000 réis para os 800 hectares destinados a gosar do beneficio das irrigações.

«Sendo as obras feitas pelo governo, e administrando este as aguas para as irrigações o colmatagens, obterá pela venda das aguas a quantia necessaria para fazer face ao juro e amortisação do capital em noventa e nove annos. Esta quantia, depois de deduzidas as despezas de administração e conservação, está computada no projecto, attendendo ás irrigações e colmatagens, em 10:800$000 réis.

«O augmento de materia collectavel dá em resultado um augmento nos rendimentos das contribuições directas a indirectas, que está calculado em 9:000$000 réis annuaes.

«Finalmente, a força motora da queda de agua, ao passar do canal superior para o inferior, está avaliada na equivalencia de 50 cavallos vapor e o seu producto annual em 3:000$000 réis.

«Em vista destes detalhes, conclue-se que, durante o periodo em que ha a pagar o juro e amortisação do capital empregado nas obras, resulta para o governo um rendimento annual de 12:000$000 réis, o qual se elevará areia 22:080$000 quando estiver amortisado o capital.»

cerca da regularisação das margens do Sorraia, entre o Couço e Coruche, orçada em 37:000$000 réis, diz ainda a Memória citada:

«Os trabalhos de regularisação das margens do Sorraia devem ser emprehendidos conjunctamente com os da abertura do canal de irrigação; porquanto, embora as primeiras aguas derivadas na secção do Couço ao Divor sejam apenas destinadas á colmatagem, tendo logar as irrigações da varzea só depois de realizadas as obras da segunda secção do Divor a Coruche, é para ponderar que o effeito da regularisação dos terrenos por meio de plantações e melhor disposição das margens, mesmo auxiliado por obras parciaes e directas, é demorado.

«Portanto, é acertado não adiar a realisação das obras que devem conduzir a este resultado e que são destinadas a beneficiar uma superficie de cerca de 2:000 hectares, que tanto mede approximadamente a bacia inundavel do Sorraia entre o Couço e Coruche.»

A albufeira de Veiros, no ribeiro de Anna Loura, é or-

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cada pela Memoria em 105:700$000 réis e deve colligir 6.536:344 metros cubicos de agua para rega. Os encargos annuaes de juro e amortisação a 7 por cento e a conservação são computados em 7:799$000 réis; que divididos pelos 506 hectares irrigaveis representam para cada um o encargo annual de 153413 réis. Capitalisando este encargo, sommando o capital ao valor do terreno reputado em 600$000 réis, e juntando a verba necessária para o preparar para receber a irrigação, obtem-se a somma de réis 874$000; e calculando em 1:100$000 réis o valor do terreno irrigado, resulta um lucro de 226$000 réis, ou quasi 40 por cento.

A albufeira do Baeta, finalmente, na ribeira de Niza, colligirá 1.386:750 metros cubicos, custará 56:000$000 réis e regará 140 hectares de terreno.

Este simples enunciado basta para avaliar o alcance das obras projectadas e o seu custo relativamente minimo. Emprehendidas ellas, nos termos do titulo IX d'esta lei, ter-se-ha effectuado o primeiro ensaio para iniciar o systema dos melhoramentos hydraulicos no sul do reino, que são incontestavelmente uma das condições da sua colonisação.

VIII

As legislações florestaes

Não é, porém, menos indispensavel para a colonisação do reino, e é essencial ao bom regimen da distribuição das aguas, determinar as bases em que se deve estabelecer a repovoação florestal do paiz.

Tambem n´este ponto o regime de abondono em que vivemos contrasta singularmente com o cuidado constante de outros tempos pela povoação florestal do reino. As poucas matas hoje possuidas e exploradas directamente pelo estado acham-se sujeitas a um regulamento e cuidados mais ou menos activos de conservação; mas as cumiadas e encostas dos montes, ou abandonadas ou apropriadas, jazem nuas, ou virão a desnudar se no estado de absoluto abandono em que a lei as conserva. Não ha entre nós um código florestal, como existe em quasi todas, senão em todas as nações cultas.

E tivemol-o. Esse codigo estava incluso na Ordenação do reino, nos regimentos do monteiro mór de 1435 e de 1605, e no Livro vermelho de El-Rei D. Affonso V, que a academia de Lisboa publicou na sua collecção de Ineditos de historia portugueza: Havia penas severissimas contra os incendiarios, havia multas para os que matassem caça defeza e para os que armassem redes á veação; havia regulamentos para o porte de armas. Era prohibido o córte de certo arvoredo pelo pé; eram obrigatorias as plantações de arvores nas margens da rios com o fim da segurança das terras; era prohibido o corte, nas tapadas de madeira grossa, de lenha que se tirasse a jorro com bois. Contra o habito barbaro das queimadas, prescrevia-se que no terreno lavrado pelo fogo, os caçadores não podessem entrar senão ao cabo de trinta dias, os pastores e rebanhos antes da paschoa das flores, e os carvoeiros sómente dois annos depois.

El-Rei D. Manuel, reformando as Ordenações, introduziu n´ellas muitas disposições regulamentares e penaes que a extincção decretada a varias das antigas coutadas tornava necessarias. O regimento das coutadas reaes abrangia taes extensões de territorio, que os seus regulamentos equivaliam a um codigo florestal.

O regimento de D. Duarte enumera os terrenos coutados que, ao sul do Tejo, são em Evora, em Portei, no Redondo, em Monsarás, em Montemór o Novo; e sobre o Sado vem desde a confluencia do Marateca, pelo termo de Montemór até Ganha, d´ahi ao Sôr, e do Sôr, passando para o norte do Tejo, abrangem todo o seu valle até ao Nabão, seguindo ao longo da estrada de Coimbra quasi até ao Porto. Na bacia do Tejo, ainda era coutado o terreno que vae desde Santarém até a confluencia do Atella pela ribeira do Chouto e de Mugem, pelas encostas da serra de Lamarosa até Coruche, d´onde, avizinhando-se do paul de Magos, vinha acabar em Albufeira sobre o Tejo. Na Extremadura havia as coutadas de Panças, de Otta, de Alemquer, dos Olivaes, de Obidos, de Athouguia, entre varias outras. Ao norte do Mondego, havia as de Aveiro, de Mira, de Casal da Comba, de Torres, do Bairro, de Jelfa, de Lagoa Limpa. Esta enumeração, embora incompletissima, basta para dar uma idéa das superficies que então abrangiam os terrenos coutados e portanto submettidos ao regimento do monteiro mór.

Ainda o regimento de 1605 accusa um dominio florestal que Rebello da Silva, na sua Memoria sobre a população e agricultura de Portugal até 1640 considera duplo do actual, nas monterias de Lisboa, de Alcacer, de Santarem, de Leiria e Coimbra, e do Mondego para baixo, que eram 162 coutadas, algumas de mais de 1 e 2 léguas; e d´essas pertenciam á Corôa 87 o a particulares 75. Depois de restaurada a independência, El Rei D. João IV, que pelo alvará de 20 de janeiro de 1646 isentara de direitos a importação de cereaes, por lhe ter sido representado pelas cortes em 1641 «ser tão preciso o pão que nunca rinha de sobejo» 5 D. João IV, que procurara cohibir a emigração, ordenou a plantação florestal dos baldios (alvará de 29 de maio de 1643). D. Pedro II mandou plantar de arvoredo o paul de Magos, no termo de Salvaterra, pelo alvará de 17 de março de 1691 «para segurar as terras e se não entupirem as valias, para conservar o ar sádio, para enxugar as terras e se poderem semear».

Defeza contra as inundações e contra as chuvas, contra os alagamentos que açoriam e contra as torrentes que desnudam; defeza, hygiene e enxugo, as tres acções beneficas do arvoredo, que no interesse commum é necessario conservar e propagar, eis-ahi o proposito de todas as legislações florestaes e o intuito que presidiu ao titulo VI d´esta lei.

A Memoria sobre o aproveitamento de aguas no Alemtejo, que já citei, diz que se póde estimar em 400:000 hectares a superficie total dos terrenos mais ou menos arborisados n´essa provincia; e sendo de 2.454:062 hectares a superficie total dos tres districtos de Portalegre, Evora e Beja, vê se que cinco sextas partes, ou 2.000:000 de hectares, estão desarborisados!

«Antigamente, diz a Memoria, os cultivadores da província tratavam de desenvolver os montados de azinho (quercus ilex), a fim de terem abundancia de bolota para a engorda do gado suíno; hoje resalvam-se sobro tudo os chaparros de sobro (quercus suber), porque é muito mais rendoso do que o outro. A plantação e sementeira artificial d´estas arvores póde e deve fazer-se em larga escala. Em todos os terrenos argillosos estas especies prosperam admiravelmente; logo porém que a parte arenosa augmenta no solo, o carvalho ordinario (quercus robur) apparece concomitante com os outros dois.

«Nos terrenos graniticos, a grandes alturas, dá-se perfeitamente o castanheiro, como se fôra no norte do paiz. Nos vales encaixados, onde ha humidade e temperatura mais constante, encontram-se pomares e arvores fructiferas de grande variedade. Nas charnecas escalvadas e arenosas de Ponte de Sor, Bemposta e Atalaya, em Tolosa, Alpalhão e Valle do Peso, o pinheiro (pinus maritima} é uma essência que se desenvolve perfeitamente, e cuja sementeira deverá alargar-se. O pinheiro de Alepo poderia ser semeado nos barros de maior altitude que não podessem ser lavrados.

«A importantissima questão dos melhoramentos do Alemtejo, para que tenha uma solução favoravel e radical, depende especialmente de cuidados assiduos em constituir nas zonas despovoadas e incultas arborisação densa em mata ou floresta que, refrescando o terreno com a sombra, evite a evaporação constante e a seccura que d´ella resulta, e

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que, á medida que as aguas da chuva cáem no solo, as retenha quanto possivel e facilite a sua infiltração.»

Opinião até certo ponto idêntica emitte o sr. Bernardino de Barros Gomes, no texto das suas preciosas Cartas elementares de Portugal quando diz que «a rearborisação acudiria a bem maiores necessidades ruraes nas zonas transmontanas e alemtejanas, do que no resto do paiz; e que é pois para os concelhos transmontanos e alemtejanos que mais utilmente póde ser promovida». Pondera o mesmo auctor que «o predominio do azinho e do sobro nas baixas do Alemtejo e nos estreitos valles transmontanos é indicio certo de grande seccura do clima, hoje como nas eras remotas em que o arvoredo se constituiu espontaneamente por essa fórma». E a rasão que justifica inteiramente esta primeira conclusão, é que na estructura anatomica e no mesmo aspecto dos nossos carvalhos de folha perenne está como que estampado aquelle rigor das estiagens peninsulares, que nos mezes de julho, agosto e setembro cos dão um clima tão diverso do da maior parte da Europa, tão mediterrâneo; esse clima sem chuvas que produz necessariamente nas baixas do sul do paiz, e ainda nos valles transmontanos, apesar de mais elevados do que aquellas, um alto grau de seccura que as observações meteorologicas de todo o ponto confirmam. E se tudo isto é o que se deve deduzir, em primeiro logar, do estudo das arvores florestaes do paiz, como attribuir antes a desarborisação que se lhe tem notado áquelles rigores de seccura que a arborisação que lhe resta tão bem indica terem sido taes desde remotas eras? Como esperar da rearborisação em grande escala grandes resultados, modificações no clima, de grande importancia?»

«É isto o que algumas vezes se tem feito; parecerá comtudo melhor deduzir, em segundo logar, d´aquelle estudo, que a rearborisação, grande ou pequena, só nos póde trazer modificações locaes secundarias, uteis talvez e não para desdenhar, mas que ao todo não fará senão accusar melhor ainda as zonas de grande seccura e menos seccura que já hoje se podem notar e circumscrever no paiz como existentes de longas data.»

Estas sabias considerações foram aqui transcriptas para que se não desvirtue o alcance attribuido á rearborisação. Ella temperará o calor e a seccura nos terrenos ardentes do sul, mas a prova de que lhes não poderá transformar completamente o clima está no próprio facto de que as essencias ahi introduziveis são unicamente as adequadas aos climas mediterraneos, conforme diz o sr. Barros Gomes. Essas arvores florestaes, porém, têem em si um rendimento consideravel na glande que serve de alimento ao gado suino e na cortiça hoje tão procurada.

O nosso Alemtejo é quasi inteiramente similhante á Argelia e á Tunisia, onde tambem os olivaes alternam com os vinhagos, e ambos com as florestas de sobreiros de cortiça, nas zonas interiores, e nas marítimas com estas e com as florestas de pinheiro bravo.

A arborisação das encostas altas e das cumiadas dos montes em geral tem, porém, quaesquer que sejam as especies introduziveis segundo as zonas climatericas, um papel de outra ordem: uma acção propriamente mechanica, no sentido de impedir que as aguas das chuvas se precipitem produzindo torrentes em vez de se infiltrarem no solo. É esse um ponto de vista de conservação da riqueza rural que se abriga sob as eminencias das montanhas, e não propriamente um ponto de vista de exploração directa de riqueza vegetal.

É sabido que o norte da Allemanha contrasta com o sul no despovoamento florestal dos seus territorios. Calcula-se na terça parte da superficie total a area das florestas da Allemanha austral; e pontos ha, como o gran-ducado de Nassau, a Thuringia, Baden, o Wurtemberg e parte da Baviera, onde as florestas representam metade da superficie total.

No inquerito a que a este respeito se procedeu na Prussia para o estudo da sua lei de 1870, encontram-se observações importantíssimas sobre a alteração do nivel dos cursos de agua determinada pela desarborisação. Nos cincoenta annos anteriores, o uivei do Rheno baixara 0m,56; o do Oder 0m,40; o do Elba outro tanto, e o do Vistula 0m,61. A esta baixa, originada pelo menor represamento das aguas pluviaes nas encostas, correspondia, especialmente no Oder, um augmento de inundações.

Como estabelecer, porém, o limite acima do qual é necessario obviar a que os montes se desnudem, e fazer com que se arborisem os desnudados? A lei italiana de 10 de fevereiro de 1878 deu á zona do castanheiro esse papel.

«O castanheiro, diz o sr. Barros Gomes na sua obra já citada, longe de parecer preferir as regiões transmontanas às cimentarias, ou vice-versa, apparece como arvore de toda a zona montanhosa do paiz, acompanhando mais ou menos por todo elle, tanto o roble como o carvalho da Beira.»

A altitude da sua zona coincide com o que se observa fóra de Portugal, como se vê do que o mesmo auctor escreveu no seu artigo Sur les arbres forestiers du Portugal publicado no Jornal das sciencias mathematicas, physicas e naturaes, onde diz:

«Lê châtargnier est encore une espèce forestière tres importante ser les deux régions dont nous venons d´indiquer les limites; surtout à cote du tauzin (negral) dans lês contrées transmontaines; car à cote du rouvre, une maladie survenue il y a quelques années, a reduit tellement à peu ce qu´il y eu avait autrefois, qu´on peut le considérer comine disparu dans plusieurs arrondissements dont la culture l´avait adopte et propagé. En Portugal comme ailleurs, il se plait ser les terrains granitiques qu´il monte avec le tauzin jusqu'à des hauteurs de 1000 mètres et plus ser la mer, n´arrivant pas, cependant, chez nous aussi haut que celui-ci».

A determinação de um regimen especial para os terrenos superiores á zona do castanheiro, para áquelles terrenos marginaes dos rios cujo curso desordenado possa occasionar invasões e maleficios, e para as dunas das costas maritimas, incluindo-os a todos num vinculo florestal, eis o pensamento da lei italiana de 10 de fevereiro de 1878 e que se acha reproduzido no titulo VI d´este projecto. Sem ataque á propriedade individual, antes fomentando-a, protegendo-a e abrigando-a, pareceu-me ser este o meio mais pratico e mais efficaz de conciliar os interesses da exploração capitalista das florestas com as indeclinaveis necessidades que, no interesse commum, ha de conservar e fomentar a arborisação.

Seria fastidioso, por ser excessivamente demorado, o citar as leis dos varios, paizes e suas disposições diversas, que por uma ou por outra fórma têem procurado obviar, com melhor ou peior êxito, a esta urgencia economica e ao mesmo tempo hygienica dos paizes. Em França vigora o codigo florestal de 21 de dezembro de 1827; e a lei de 18 de junho de 1859 não consente que se arranquem, matas para pôr terrenos em lavoura sem aviso previo e declaração á prefeitura.

O systema da lei prussiana de 1870 estabelece, a creação de sociedades ou consorcios florestaes destinados á plantação e conservação de matas e á arborisação obrigatoria, sob requerimento das communas, nos areaes moveia que tendam a invadir as terras proximas, para impedir que torrentes ou outros cursos de agua prejudiquem os terrenos, para evitar as inundações, e finalmente quando a vizinhança de algum lençol de agua exponha as terras cultivadas ou as povoações a ventanias agrestes. Os proprietarios dos terrenos a arborisar são indemnisados pelos que fruem das vantagens da arborisação; e para resolver as questões suscitadas por esta lei, criam-se os tribunaes florestaes. Tal é em summa a lei prussiana de 1875.

Na legislação austriaca vigora o systema francez da declaração previa á auctoridade; e a Suissa prohibe terminantemente a desarborisação das encostas, cuja desnudação possa occasionar desmoronamentos sobre as estradas ou

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sobre os rios. A fiscalisação official estende-se na Suissa aos córtes de quaesquer florestas particulares. Em Hespanha, a lei de 24 de maio de 1863 provê ao modo de regular e constituir o domínio florestal do estado, por expropriações de terrenos nus, por compras, por trocas com particulares, prescrevendo a arborisação dos ermos e areaes e marcando os limites das matas alienaveis e das inalienaveis. Depois, a lei de 11 de julho de 1877 creou a capatazia florestal, e os regulamentos em vigor determinam as multas e penas contra os ataques ás matas. Na Italia, finalmente, as leis successivas de 20 de junho de 1871, de 1 de novembro de 1875 e de 4 de julho de 1876, prepararam a lei de 10 de fevereiro de 1878, a que já me referi.

Seria, porém, illusorio instituir um vinculo florestal e estabelecer um regimen de propriedade para a caça e para a pesca, segundo a estabelece o titulo VII d'esta lei, em cujo estudo vamos entrar já; seria ocioso impor penalidades aos contraventores das disposições legaes sem ao mesmo tempo crear a policia correspondente.

Póde dizer-se que não ha entre nós policia rural e se o nosso temperamento ethnico e as condições de existencia do nosso povo não provocam attentados consideraveis contra a propriedade rural, não é menos verdade que o uso, a tolerancia, a affectação de mendicidade criam por muitas partes uma rapina passiva e exacções a que o lavrador não póde eximir-se, porque, se o quizesse fazer, veria incendiada a seara com uma completa impunidade. Submette se pois a esse pesado tributo. «D'estes pobres, dizia em 1799 Henriques da Silveira, fallando do Alemtejo, se poderá formar um exercito numeroso. Todos elles andam girando ou roubando de dia e passam as noites nas cabanas dos lavradores que lhes fornecem a sustentação.» Hoje em dia é exactamente assim: os nomadas, mais ou menos mendigos, mais ou menos ciganos, e mais ou menos ladrões, podiam formar ainda mais de um batalhão.

Das antigas leis policiaes contra a vagabundagem nada resta. Actualmente existem numerosas providencias e disposições administrativas sobre estes assumptos; todavia é facto universalmente reconhecido que são letra morta, ou simples hypotheses burocraticas. Nem os minguados recursos do nosso thesouro permittem, comtudo que se dote de um modo conveniente uma policia rural similhante á guardia civil e aos capatazes de montes do reino vizinho, ou á gendarmaria e á guarda florestal da França ou da Italia. É forçoso começar em termos mais modestos.

Esta lei, todavia, creará com o tempo uma importantíssima receita municipal, proveniente da emissão de licenças e dos contratos de concessões para a caça e pesca; e esses recursos, alem de outros, servirão a dotar no principio as brigadas florestaes, cujos regulamentos e organisação adaptados ás conveniencias locaes, sem serem uniformes, serão porém unificados.

Alem dos recursos directos, o augmento de valor trazido á propriedade rural pela encorporação do direito de caça ampliará a productividade dos impostos locaes; e finalmente a constituição dos coutos particulares levará os seus proprietarios a defender a arborisação, diminuindo assim o serviço da guarda florestal, que alem d'isso poderá obter um supplemento de subsídios na guarda dos predios particulares.

Como quer que seja, esta instituição, esboçada conforme se acha da secção VI do titulo VI d'este projecto de lei, não passa de um rudimento; mas estabelecido de modo que se tornará um ser completo pelo proprio e exclusivo desenvolvimento da sua existencia. Outra cousa era impossível crear, alem de mais rasões, porque, nem as forças do orçamento do estado, nem as dos municipios, permitem que se aggravem antecipadamente com encargos pesados e permanentes; e porque a instituição destinada a proteger uma propriedade nascente deverá acompanhal-a pari passu no seu crescimento.

IX

A caça e pesca

O titulo VII d'esta lei propõe-se regular o exercício da caça e da pesca, levantando-o do estado de abandono, anarchia e esterilisação em que se acha.
Recorrendo mais uma vez á nossa legislação historica, achamos as leis de 21 de julho de 1562 e 1 de julho de 1565, que constituem um verdadeiro codigo de caça e pesca, combinadamente com as disposições contidas nas ordenações e com os regimentos do monteiro mór. Essas leis prohibiam a caça de perdizes e mais aves durante os mezes de março, abril e maio na Extremadura, Alemtejo e Algarve, e durante os mezes de abril, maio e junho na Beira, no Minho e em Traz os Montes. Prohibiam a caça de lebres e coelhos em fevereiro, março e abril nas províncias do sul, e em abril e maio nas do norte. Prohibiam a pesca de rede nos rios e lagoas de agua doce, com mossas e covãos nos mezes de março, abril e maio, excluindo unicamente os saveis, bogas e tainhas; e prohibiam em qualquer tempo a pesca com redes varredouras, tresmalhos e galritos dobrados, impondo ás camaras municipaes o darem o modelo das redes. Prohibiam ainda corromper a agua dos rios lançando-lhe trovisco, barbasco, cóca ou cal.

São brilhantes os annaes da pescaria portugueza e a sua idade de oiro é tambem o seculo XIV, quando os moradores de Lisboa e Porto fizeram em 1353 um tratado com Eduardo III de Inglaterra para a exploração reciproca das costas dos dois paizes. A pescaria do atum de Lagos, esta industria explorada já desde o tempo dos romanos na costa meridional portugueza, rendia 80:000$000 réis, como refere o Livro antigo das Almadravas. D. Fernando protegia por todas as formas as industrias marítimas: a pesca, a construcção naval, a navegação. Dava de graça as madeiras aos que construíssem navios de mais de 100 toneladas, isentava de direitos todos os materiaes de construcção, tornava o embandeiramento gratuito, creava bolsas de seguros marítimos em Lisboa e Porto, e uma especie de banco. Todas estas instituições descreve Fernão Lopes, seu chronista; todas ellas serviam para nos abrir as portas do oceano, desviando-nos da obra menos brilhante, mas mais solida, de consolidar a riqueza interna, obra em que tinhamos gasto tres seculos com os resultados explendidos que por toda a parte se viam.

Por outro lado, se a caça era de uso commum e res nullius fóra dos terrenos coutados, a area dos coutos tinha tal extensão, conforme vimos, que bem se póde dizer que o principio era a excepção e que de facto a caça era uma propriedade reconhecida. Hoje, caça e pesca são dominio commum em todas as aguas não apropriadas e em todos os terrenos não vedados; e n'este regimen, dada a inefficacia absoluta dos regulamentos administrativos, é grande a perda de um elemento consideravel de riqueza, não só pela ausencia de uma exploração adequada, como pelo extermínio barbaro das especies.

Tres fórmas se encontram de regimen com referencia á caça e pesca: o communismo, a apropriação individual regulamentada, e a exploração communal collectiva. Como typos, no que diz respeito á caça, temos do primeiro o nosso regimen que foi tambem o belga até 1882; do segundo o regimen francez, e do terceiro o allemão. Combinar o segundo com o terceiro, nos termos que se me affiguraram adaptaram-se melhor ás nossas instituições e aos nossos costumes, eis o pensamento fundamental do titulo VII d'esta lei.

Tornar inherente, de um modo absoluto, a propriedade da caça á propriedade do solo, sujeitando o exercicio a regulamentações minuciosas e penalidades severissimas, é, como se sabe, o principio do codigo francez de 3 de maio de 1844, quasi servilmente copiado pela lei belga de 28 de

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fevereiro de 1882. A sombra d´essa legislação medra a industria criminosa da braconnage, viveiro e escola de salteadores que são o terror dos campos; e em França as reclamações contra o regimen vigente e pelo estabelecimento de alguma cousa analoga ao de alem-Rheno são instantes e repetidas.

Procede de outra fórma a legislação allemã. Na Saxonia são os proprietários associados que entre si regulam o exercicio collectivo da caça. Na Prussia, pela lei de 7 de março de 1850, são as municipalidades que adjudicam os coutos de caça, distribuindo pro rata entre os proprietários ruraes o producto d´estas concessões.

No systema d´esta lei tambem ás municipalidades fica encarregado o regular o exercido da caça em todos os terrenos que não estiverem nas condições necessarias para que seus proprietarios possam ou queiram exercel-o directamente. O regime da propriedade annexa ao solo subsiste ao lado do regime collectivo municipal, para que o tempo e a experiência mostrem qual d´elles é mais adequado. Esse, portanto, vigorará com o tempo, sobrepujando o outro, ou coexistirão ambos, como é mais provavel, segundo as conveniências locaes.

Pelo que respeita á pesca, póde dizer-se que em França vigora ainda o codigo de 15 de abril de 1829, apesar de algumas ordenações e decretos que o têem modificado, e das leis de 6 de junho de 1840 e 31 de maio de 1860. O codigo de 1829 attribue ao estado o direito da pesca nos grandes rios, onde as aguas são publicas, e aos proprietarios ribeirinhos nos cursos de agua communs ou particulares. A pesca maritima é livre, porém sujeita a regulamentos severissimos.

Em Inglaterra, a famosa lei de navegação, Navigation´s act, de Cromwell, em 1651, e recentemente a lei de 13 de julho de 1868 regulam a pesca maritima. Quanto á fluvial regalam-na as leis de 6 de agosto de 1861, de 5 de julho de 1865 e de 31 de julho de 1868.

Na Hollanda ha as duas leis de 13 de junho de 1857, uma referente á pesca maritima, outra á fluvial.

Na Dinamarca, alem da lei de 29 de dezembro de 1857 que regula especialmente a pesca da baleia, ha as de 31 de marco de 1860, de 4 de janeiro de 1861 e de 22 de março de 1867.

Na Suecia, tanto a pesca fluvial como a maritima, regem-se pela lei de 29 de junho de 1852, modificada em parte pela de 10 de setembro de 1869.

Na Noruega ha, póde dizer-se, uma lei para cada especie de pesca, entre outras as de 31 de agosto de 1854 e 27 de março de 1869 tratam da pesca da baleia, a de 5 de junho de 1869 regula a pesca nos golphos.

Na Belgica, a pesca fluvial regula-se ainda pela ordenação franceza de 13 de agosto de 1769 e pela lei de 14 floreal do anno IX (24 de abril de 1801); e a maritima pelo decreto de 20 de fevereiro de 1868.

Em Hespanha ha o decreto de 3 de maio de 1834 e outras disposições administrativas locaes, como entre nós, que o completam.

Na Suissa, cada cantão possue a sua lei; as mais interessantes, porém, são a dos Grisões, de 14 de junho de 1862 e a do Tieino de 15 de junho de 1845, com as modificações que lhe trouxe a de 15 de junho de 1857.

Na Austria, o regulamento de 6 de maio de 1835 estabelece as regras a seguir para a pesca ao longo das costas do Adriatico, e varias disposições locaes regulam a pesca fluvial nas differentes provincias do imperio.

Na Italia, finalmente, a lei de 4 de março de 1877 determina o regime da pesca, tanto maritima como fluvial.

«O direito de pesca nas aguas publicas, dizia o ministro Castagnola, ao apresentar o seu projecto de lei em 1871, é proximamente regulado pela mesma fórma em todos os paizes pelo que respeita ao mar. E livre, reservando se todavia o estado a faculdade de permittir occupações particulares, sempre que isso não traga embaraços sensiveis ao bem commum. Quanto ás aguas doces (publicas), em França e na Belgica, o direito de pesca pertence ao estado que o exerce mediante cessionarios. Em Inglaterra pertence a associações ou a particulares, que o possuem, de ordinário completamente, ou por tratos consideraveis de cursos de agua. Na Suissa, pertence em algumas aguas ao estado, em outras aos habitantes das communas e finalmente em outras ao dominio publico.
Em Hespanha e em Portugal é deixado ao uso publico, e o mesmo succede na maior parte dos cantões suissos, especialmente no Tieino e nos Grisões. Quasi sempre nos logares onde a pesca é dominio publico e particularmente nas aguas doces, existem direitos individuaes, derivados, ou de concessões do estado, ou de antigos privilegios feudaes.

«Todas as legislações concordam em proteger com disciplinas rigorosas a conservação e multiplicação do peixe nas aguas doces. São, pelo contrario, em geral livres de toda a espécie de tutela as aguas do mar alem de uma distancia maior ou menor das praias. A Hollanda, por uma das suas duas leis de 1857, aboliu todo o genero de obrigações para a conservação das especies piscatorias, até nas aguas mais proximas das praias; e as commissões de inquérito belga e ingleza opinaram no mesmo sentido. Nenhuma outra nação, todavia, seguiu este exemplo; antes, pelo contrario, novos regulamentos vieram proteger a conservação das especies animaes nas aguas maritimas: tal é o decreto francez de 1852, que, embora liberte a pesca do alto mar das obrigações antigas, sujeita a restricções protectoras a pesca das costas; taes são a lei noruegueza de 27 de março de 1869, que estabelece prohibição temporaria para algumas pescas maritimas; a de 5 de junho do mesmo anno sobre os golphos; e as quatro leis dinamarquezas ácerca da pesca no Lumfiord. E convém notar que o exemplo da Hollanda e as conclusões das commissões, belga e ingleza são ainda menos aproveitaveis para nós, porquanto é fóra de duvida que a pesca nos nossos mares é mais pobre que nos mares setentrionaes e deve portanto ser protegida, ainda quando aquella podesse prescindir de quaesquer medidas de garantia contra a destruição.»

Estas considerações que deixo transcriptas dizem o que haveria a dizer ácerca dos fundamentos d´esta parte do projecto de lei. Os systemas seguidos pelas varias nações europêas quanto á pesca nas aguas doces, reduzem se a tres: o francez, segundo o qual o estado avoca a si o direito de pesca nas aguas publicas; o inglez, que até n´essas admitte a apropriação particular; finalmente, o systema hespanhol e portuguez de usufruição commum. Seguindo com esta especie norma analoga á adoptada para; a caça, o titulo VII d´esta lei, inspirado principalmente na italiana de 1877, estabelece o principio da apropriação da pesca fluvial, combinando no seu exercicio o regime francez das licenças com o inglez das concessões.

Com respeito á pesca maritima será mister rever e completar os regulamentos existentes a fim de embaraçar o exterminio progressivo da povoação piscatoria das costas; será necessario reformar o imposto do pescado e prescrever muitas outras medidas que não cabem na esphera natural d´este projecto de lei. Entendi, porém, dever consignar nelle o principio dos prémios a conceder á pesca a vapor, que nos mares da Europa tem produzido resultados tão consideraveis; e julguei necessario obtemperar ás reclamações expressas no relatorio do inquerito industrial de 1881, prescrevendo a creação de monte pios municipaes nas praias de pesca e o estabelecimento de cabrestantes ou debadoyras, como se dizia no seculo XIV, no tempo de El-Rei D. Fernando que as mandou installar, com aquella previsão e sabedoria governativa que, fomentando a nossa navegação commercial, nos habilitou a effectuar a grande obra das descobertas.

Alem d´isso, e conforme as indicações do mesmo relatorio, o titulo IX d´esta lei, entre as varias auctorisações para

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obras de diversa natureza, inclue a de um pequeno porto de abrigo na Povoa de Varzim.

«O producto da pesca, diz o citado relatorio, é cerceado antes da divisão pelo fisco, na decima sexta parte: imposto de uma voracidade unica entre nós, e tanto mais abusivo quanto a população vive n´um estado primitivo e isolado em que, póde dizer-se, nada pede nem recebe do estado. A sua estrada é o mar, não carece de quem lhe abra caminhos. Não conhece a necessidade de ler, dispensando por isso as escolas. Por leis só conhece os seus usos, por patria só conhece o bocado de praia onde vive desde seculos. Uma unica cousa necessita e pede ha muito tempo: a conclusão de abrigo que a natureza construiu a meio, para que de inverno sejam menores as catastrophes ao demandar o porto aberto aos temporaes do mar.»

Reconhecer finalmente como entidades juridicas as sociedades ou companhas de pescadores, seria uma necessidade, e é sem duvida um ponto omisso n´este projecto; todavia para o fazer carecem-se informações exactas sobre os usos ao longo das costas portuguezas, e não ha trabalhos sobre que se possa actualmente fundar o quer que seja.

X

Os proprietarios e a associação

Não se acham no mesmo caso as sociedades ou consorcios de proprietarios de que trata o titulo II d´esta lei, instituindo-os e dando-lhes entidade juridica; porque afóra os consorcios de aguas no nosso Minho, mantidos e reconhecidos apenas pelo uso, não ha, que me conste, outros exemplos de similhantes instituições entre nós.

E todavia é certo que o principio da associação se torna indispensavel para que seja efficaz a exploração da terra e para que entre o individuo e o estado haja uma molecula intermediaria onde os interesses collectivos dos proprietarios de uma zona, ou de uma certa especie, encontrem força e solidariedade.

Ás associações de proprietarios devem as campinas da Lombardia e as veigas da Hespanha mediterranea a conservação das suas maravilhosas redes de canaes e valias de irrigação; a ellas se deve, ainda que em menor grau, à rega de que gosam alguns dos valles do nosso Minho.

Tendo em vista as disposições da lei italiana de 1873 que actualmente regula esta especie de associações de proprietários, o titulo II d´esta lei institue consorcios de duas especies: os facultativos ou particulares, e os obrigatorios ou municipaes. Por toda a parte onde a falta de accordo espontaneo dos proprietarios não consentir que se funde a associação para fins, aliás necessarios, o municipio, orgão dos interesses locaes, servirá de propulsor agremiando e dirigindo os interessados.

A area de acção dos proprietarios associados não se limita aos trabalhos de irrigação, embora fossem estes que primordialmente dessem o typo de uma instituição fecunda e comprovada. Abrange as differentes espécies tratadas nesta lei, com relação ao fomento rural e inclue portanto, alem das irrigações e colmatagens, a defeza contra as inundações e açoriamentos, o enxugo de pantanos e salgados, a adjudicação de obras hydraulicas ou florestaes emprehendidas pelo governo, a creação de matas e florestas, e finalmente a constituição de coutos de caça e exploração de concessões de pesca.

Os consorcios de proprietarios, instituidos e reconhecidos juridicamente, serão, a meu ver, um dos solidos fundamentos da fecundidade futura d´esta lei.

XI

Conclusões

No titulo IX, finalmente, deste projecto de lei pedem-se auctorisações para obras e despezas que avultam em algumas centenas de contos de réis, e cujo alcance e rendimento foram pesados no decurso d´este relatorio. Esta despeza será como o primeiro impulso que é necessario imprimir ao volante de uma machina para a pôr em movimento; e oxalá que os capitães immobilisados pelos governos tivessem tido sempre uma applicação tão immediatamente remuneradora como esta.

Quando nós em Portugal acordámos para a vida económica, despertou-nos do nosso somno historico o silvo agudo da locomotiva, e, estonteados por elle, suppozemos que todo progresso economico estava em construir estradas e caminhos de ferro. Esquecemos todo o resto. Não pensámos que as facilidades da viação, se favoreciam a corrente de saída dos productos indigenas, favoreciam igualmente a corrente de entrada dos forasteiros, determinando internacionalmente condições de concorrência para que não estávamos preparados e para que não soubemos preparar-nos, orno exemplo, apenas, eu pergunto se porventura a situação dos nossos cultivadores de cereaes seria a mesma que hoje é, caso não houvesse caminhos de ferro para levarem, quasi de graça, a toda a parte as farinhas produzidas em Lisboa com os trigos estrangeiros. Isto não é condemnar os caminhos de ferro: seria absurdo; é condemnar apenas a falta de instituições economicas indispensáveis á concorrencia com nações de outro modo instrumentadas.

Com relação á economia interna do paiz, pensâmos que os progressos da viação augmentam, sim, o valor dos productos das regiões prosperas; mas que não podem crear producção ahi onde causas de ordem superior o impedem. Pensâmos que em taes regiões as facilidades do transito se tornam até anti-economicas, pois, estabelecendo a media dos preços combinadamente com os centros de população onde elles são mais elevados, encarecem a vida local, sem por outro lado lhe darem novo alento, antes pelo contrario facilitando e fomentando o absenteismo, e a despovoação dos campos pelas grandes cidades, molestia fatal dos tempos antigos e que nos modernos já é declarada no centro da Europa.

O caminho de ferro, lembremo-nos bem d´isto, é um instrumento de uma energia incomparavel sem duvida, mas é um instrumento apenas. Applicado a um organismo são e capaz de o supportar, avigora-o; applicado, porém, a um organismo depauperado, extenua-o.

Pelos caminhos de ferro, esquecemos a terra, mãe omnipara de toda a riqueza; tratámos do instrumento, abandonando a matéria prima; olhámos para as obras, sem olhar para a fazenda. Por isso hoje vemos a lavoura em crise e a usura florescendo onde as searas floresciam antes. Já é tempo de reflectirmos e de nos lembrarmos de que os nossos terrenos incultos têem logar para 1.500:000, para 2.000:000 de portuguezes, e de que é facil augmentar em um praso relativamente breve a população do paiz de 50 por cento, e a sua riqueza de 100 ou mais por cento. Haverá porventura empreza mais levantada, mais util, mais digna das attenções de um povo? Haverá titulo de gloria maior para um parlamento, do que lançar os fundamentos de uma obra de tal magnitude?

O valor e a importancia das nações não se medem pela área: medem-se pela densidade da sua população e pela concentração da sua riqueza. Comparemo-nos á Belgica e meditemos este ponto. Propriedades vastissimas, extensos morgados por cultivar são sempre ruinosos: n´esta condição estamos nós, com metade do nosso territorio inculto e com a nossa emigração phenomenal.

Iniciar um movimento de restauração económica, eis-ahi o pensamento summario d´esta lei, a que todavia é necessario que outras venham juntar-se. E tenho a firme esperança de que hão de vir. É mister nacionalisar todos os fornecimentos publicos, para dar esse mercado á industria nacional; é necessario inquirir e resolver de qualquer modo a questão actual e gravissima das culturas cerealiferas; é necessario realisar os comicios e exposições periodicas agri-

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colo industriaes; é necessario fazer representar nos conselhos supremos do commercio, da agricultura e da industria, as corporações e associações de classe, para que em sessões periodicas os seus delegados venham apresentar as reclamações superiores da economia nacional. É mister, por outro lado, acabar com o privilegio singular, que permitte, em nome de uma liberdade absurda, aos capitães estrangeiros virem exercer em Portugal o serviço dos seguros o da bancos, sem as garantias, e sem os onus de impostos que se reclamam dos nacionaes. É indispensavel organisar os soccorros mutuos, dando consistencia a essas instituições, e applicando os seus fundos aos pequenos emprestimos sobre penhores, lepra de usura que hoje corroa as classes operarias das cidades. É necessario, finalmente, que, paiz marítimo como somos, voltemos a ter uma marinha mercante, nacionalisando o serviço dos nossos transportes.

É necessario, n´uma palavra, senhores deputados, que a riqueza de Portugal pertença a portuguezes: só assim poderemos resolver as nossas tres grandes questões - a da emigração, a do parasitismo official e a do desequilíbrio das finanças.

TITULO I

Do credito rural

SECÇÃO I

Da constituição de um banco rural

Artigo l.° O banco rural será formado com o capital de 10.000:000$000 réis, dividido em acções, e realisavel por series do 1.000:000$000 réis cada uma.

§ unico. A emissão successiva das series de acções far-se-ha de accordo com o prescripto no artigo 21.°

Art. 2.° O banco ficará sujeito á lei das sociedades anonymas em tudo o que não for contrario ás disposições da presente lei.

Art. 3.° O seu contrato com o estado durará pelo praso de vinte annos, prorogaveis indefinidamente em periodos successivos de dez.

Art. 4.° O banco tem por fim especial proporcionar capitães, quer á lavoura, quer á propriedade rustica, não só para o desbravamento de terrenos incultos como para o melhoramento dos cultivados.

Art. 5.° A sua área de operações comprehenderá o continente do reino e ilhas adjacentes.

§ 1.° Para se levar a effeito esta disposição, o banco fundará uma agencia em cada concelho de população igual ou superior a 40:000 habitantes, ou em cada grupo de concelhos que reunidos tenham entre 50:000 e 60:000 habitantes.

§ 2.° Estas agencias serão constituidas:

a) Por um gerente retribuído e responsavel de nomeação do, banco;

b) Por um conselho fiscal composto de cinco pessoas idoneas do concelho, nomeadas por proposta do banco, approvada pelo governo.

§ 3.° Os membros d´estes conselhos fiscaes serão isentos, emquanto servirem, de todos os encargos pessoaes de serviço administrativo e judicial, bem como da obrigação dos aboletamentos.

§ 4.° Alem d´estas agencias obrigatorias, o banco poderá crear outras, sempre que assim o entenda conveniente.

§ 5.° Os estatutos do banco determinarão o quadro ou rede das agencias obrigatorias e suas respectivas sédes, as funcções e attribuições de que ficam investidas, o limite das quantias que podem emprestar sem auctorisação superior, e todas as mais disposições correlativas.

SECÇÃO II

Do deposito de bens de certas pessoas moraes

Art. 6.° O estado constituo o banco depositario e administrador legal de todos os bens actuaes e futuros, comprehendendo os fundos consolidados das seguintes pessoas moraes: igrejas, corporações religiosas, irmandades, confrarias, misericordias e quaesquer outros estabelecimentos de beneficencia ou piedade existentes ou que venham a fundar-se.

§ unico. Excluem-se da disposição anterior as misericordias, hospitaes, irmandades e confrarias que até ao fim do anno economico de 1886-1887 tenham formado bancos de credito agricola e industrial, em conformidade com as Íeis de 22 de junho de 1866 e 22 de junho de 1867.

Art. 7.° As pessoas moraes, mencionadas no artigo anterior, serão consideradas como credores privilegiados do banco, pelas quantias ou valores entregues em deposito e administração; e no caso de dissolução ou liquidação do banco terão preferencia pelos seus créditos e respectivos juros sobre todos e quaesquer outros credores.

Art. 8.° A administração a cargo do banco será gratuita para as pessoas moraes acima referidas, na parte relativa ao recebimento dos dividendos ou juros, que lhes serão pagos nas cabeças dos respectivos concelhos, sem deducção a favor do banco de commissão alguma; mas, ficando á conta d'ellas, as estampilhas, sellos e quaesquer deducções legaes inherentes aos titulos ou seu rendimento.

§ unico. Sendo necessario demandar algum ou alguns devedores por titulos outorgados directamente pelas indicadas pessoas moraes, as despezas correrão por conta d´estas.

Art. 9.° A cada uma d´ellas o banco abrirá na agencia respectiva uma conta de inventario na qual serão descriptos, por verbas especificadas, os valores que receber desde logo e for recebendo de futuro, dos quaes passará recibo pela fórma que se estabelecer, constituindo esse recibo o titulo legal dos bens entregues.

§ unico. Alem da conta anteriormente mencionada, abrirá o banco outra de receita e despeza na qual se lançarão a credito os rendimentos recebidos e a debito as despezas feitas.

O pagamento do saldo far-se-ha no fim de cada trimestre, á face de um extracto d´essa conta passado em duplicado.

Art. 10.º O banco será responsavel para com as referidas pessoas moraes:

1.° Pelos titulos de divida publica, nacional e estrangeira, acções- de bancos, companhias e outros papeis de credito que tiver recebido; mas se durante a sua administração houver conversões, reducções de juros ou liquidações de quaesquer d´estes titulos, não será responsavel pelos prejuízos que d´ahi possam advir, excepto se acontecerem por culpa sua;

2.° Pelos titulos de mutuo, particulares ou hypothecarios, no caso dos emprestimos se não distractarem durante a sua administração, e distractando-se pela importancia effectivamente recebida;

3.° Quanto aos depositos que as pessoas moraes tiverem feito a praso ou á vista em casas particulares ou estabelecimentos de credito, o banco só será responsavel pelas quantias effectivamente recebidas depois de liquidados os mencionados depositos nos prasos de seu. vencimento.

Art. 11.° Quando, por effeito de amortisações. ou liquidações, quaesquer dos valores mencionados no artigo precedente forem convertidos em dinheiro, o seu producto não será applicado em especie analoga, mas sim nas operações activas do banco, ficando em poder d'elle como deposito nos termos geraes d´este titulo.

Art. 12.° Os contratos de mutuo particulares entregues á administração do banco serão por elle convertidos, dentro do praso de tres mezes, em hypothecarios, com os mesmos devedores, e quando estes não possam dar hypotheca sufficiente, liquidados.

Art. 13.° Os contratos de mutuo hypothecarios serão mantidos nas condições em que tiverem sido outorgados pelas referidas pessoas moraes, e não poderá ser exigido

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o seu pagamento senão pela falta de cumprimento das clausulas estipuladas.

Art. 14.° Os papeis de credito mencionados no n.° 1.° do artigo 10.°, dos quaes o banco se constituir depositario e administrador, poderão ser usilisados pelo mesmo banco como penhor para o levantamento de capitaes destinados ás suas operações.

§ unico. Para este fim, todos os titulos serão rubricados de modo que se conheça estarem em administração e deposito do banco com a faculdade de servirem de penhor a qualquer emprestimo.

Art. 15.° As agencias de que trata o § 1.° do artigo 5.°, cada uma na sua circumscripção, arrecadarão todos os bens das pessoas moraes designadas no artigo 6.° e classifical-as-hão para os devidos effeitos em duas categorias:

1.° Os titulos de divida publica, nacional ou estrangeira, as acções de bancos ou companhias e outros quaesquer papeis de credito;

2.° Os titulos de mutuo, particulares ou hypothecarios, de deposito a praso ou á vista, em casas de particulares ou estabelecimentos de credito, quaesquer outros titulos a receber e o dinheiro existente.

§ 1.° Os titulos da primeira categoria, depois de inventariados, serão remettidos ao governo do banco para os de vidos effeitos.

§ 2.° Os titulos e valores da segunda categoria ficarão em poder da agencia e constituirão desde logo o seu fundo para emprestimos.

Art. 16.° Até ao limite das quantias liquidadas, segundo o prescripto no § 2.° do artigo precedente, o banco é obrigado a proporcionar a cada agencia capitães para operações de credito rural, podendo todavia dispôr do fundo das mesmas agencias, ou transferil-o temporariamente de umas para outras, conforme entender mais proveitoso, sempre que não haja tomadores para o capital total.

Art. 17.° Os depositos em dinheiro, quer provenientes do distracte, liquidação ou venda de titulos e contratos, quer provenientes da arrecadação temporaria das sommas annualmente disponiveis, vencerão juro.

§ 1.° Pelos depositos permanentes a taxa será igual ao juro effectivo das obrigações ruraes de que trata o artigo 20.° e, emquanto se não effectuarem essas emissões, será de 5 por cento ao anno.

§ 2.° Pelos depositos temporarios, a praso não inferior a seis mezes, o juro será de 2 por cento ao anno.

§ 3.° Pelos depositos de praso inferior a seis mezes ou á vista não haverá abono de juro.

Art. 18.° Os saldos que, encerradas as contas dos exercícios, as pessoas moraes de que trata o artigo 6.° tiverem disponiveis para capitalisação, nos annos posteriores á promulgação d´esta lei, darão entrada no banco como depositos permanentes.

Art. 19.° As mesmas pessoas moraes poderão levantar todos os seus depositos permanentes ou parte d´elles quando para isso forem auctorisadas pelos poderes competentes, dentro de um praso nunca inferior a tres mezes.

SECÇÃO III

Da emissão de obrigações ruraes e outras operações

Art. 20.° O banco poderá emittir obrigações ruraes representativas dos emprestimos de credito rural immovel que tiver contrahido.

§ 1.° Estas obrigações serão de um typo unico e uniforme, e o juro que lhes for marcado não poderá exceder a taxa minima dos emprestimos anteriormente effectuados.

§ 2.° Serão amortisaveis por sorteio annual regulado por fórma que a circulação nunca exceda a importancia dos emprestimos contrahidos.

§ 3.° Ficarão isentas de pagamento do sêllo.

Art. 21.° A importancia dos bens recebidos em deposito e administração das pessoas moraes, segundo o disposto na secção precedente, sommada á das obrigações ruraes emittidas e á de quaesquer outras obrigações á vista, nunca poderá exceder o quintuplo do capital realisado por acções.

Art. 22.º Nas suas agencias o banco instituirá caixas economicas, cujo regulamento será ulteriormente formulado.

Art. 23.° Poderá tambem o banco exercer o desconto de letras commerciaes com tres assignaturas e receber depositos sem attribuição de juro, salvo aquelles de que trata a secção precedente.

Art. 24.° É expressamente prohibido ao banco effectuar emprestimos sobre penhores fiduciarios e commerciar em moeda ou papeis de credito.

SECÇÃO IV

Operações de credito rural

Art. 25.° As operações de credito rural dividem-se em duas classes, movel e immovel.

§ 1.° A primeira classe comprehende os emprestimos contratados com cultivadores, proprietarios, arrendatarios ou parceiros, com o fim de lhes fornecer os meios necessarios ao exercicio da industria agricola: serão garantidos com fructos, gados, alfaias e mobílias, sementes e outros materiaes agricolas, ou por fiador idoneo.

§ 2.° A segunda classe comprehende os emprestimos contratados sómente com proprietarios de predios rusticos, com o fim de augmentar o valor das terras, quer pelo arroteamento de terrenos incultos, quer pela limpeza, plantação e exploração de mattas, quer por drenagens, exploração e canalisação de aguas, ou por quaesquer outras obras que augmentem a capacidade productiva do solo: serão garantidos por hypotheca do predios rusticos, ou pela consignação de rendimentos dos mesmos, na forma estabelecida no artigo 873.° do codigo civil.

Art. 26.° São equiparados ás operações de credito rural immovel os emprestimos que, tendo por fim evitar a divisão de casaes e a dispersão ou parcellamento das suas glebas, sejam applicadas ao pagamento de tornas por effeito de partilhas, quer estas sejam devidas por licitações, quer por accordos, transacções ou encabeçamentos por sorteio, quer finalmente sejam méramente complementares e necessarias para partilha igual de bens immoveis nos termos dos artigos 2142.° e
2143.° do codigo civil.

Art. 27.° São tambem equiparados ás operações de credito rural immovel os emprestimos destinados á acquisição de parcellas dispersas para a constituição de casaes indivisiveis, nos termos do titulo VIII d´esta lei.

Art. 28.° As operações de credito rural, tanto movel como immovel, poderão ser contratadas com individuos, sociedades, corporações e pessoas moraes em geral.

Art. 29.° A duração dos empréstimos de credito rural movei será subordinada ao praso das colheitas que lhes servirem de penhor, e quando se não refiram a colheitas não poderá exceder o praso maximo de tres annos; a duração dos emprestimos de credito rural immovel terá como praso maximo vinte annos.

Art. 30.° O devedor de um emprestimo de credito rural movel ficará constituido para com o banco fiel depositario dos bens mobiliarios que, em conformidade com o § 1.° do artigo 25.° servirem de garantia a esse emprestimo; e o banco gosará quanto a esses bens do privilegio mobiliario especial para, pelo valor d´elles, se pagar do seu credito com preferencia a outro qualquer credor.

§ unico. O devedor, como fiel depositario, na falta de pagamento, fica obrigado a apresentar os bens que serviram de garantia ao contrato, a fim de sobre elles correr a execução para a cobrança, e, não os apresentando, fica sujeito á penalidade estabelecida no artigo 825.° e seus paragraphos, do codigo do processo civil.

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Art. 31.° Para a realisação dos emprestimos ruraes moveis proceder-se-ha do seguinte modo:

1.° O lavrador apresentará a sua proposta na agencia da sua circumscripção com a indicação exacta da somma de que necessita, dos bens que offerece para garantia, das epochas em que carece das prestações em dinheiro, do destino que o emprestimo ha de ter, do praso ou prasos em que se obriga a solver o seu debito, e finalmente do juro o mais encargos que as circumstancias lho permittem pagar.

2.° Quando o lavrador for arrendatario ou parceiro e offerecerem garantia os fructos dos bens arrendados, juntará á proposta auctorisação do proprietario e certidão de que o predio não está hypothecado.

3.° Quando o emprestimo for garantido por fiador idoneo, este assignará a proposta como fiador e principal pagador.

4.° Approvada a proposta, será o contrato reduzido a escriptura particular, firmada perante testemunhas, pelos devedores ou por alguem a seu rogo, pelo fiador e principal pagador, havendo-o, e pelo representante do banco. Estes titulos ficam equiparados aos documentos authenticos para todos os effeitos legaes, segundo o disposto no artigo 2425.° e seguintes do codigo civil.

Art. 32.° O banco fiscalisará pelos seus agentes se a applicação do dinheiro é conforme aos termos do contrato, e, quando o não seja, suspenderá o pagamento das prestações, se o mesmo contrato as estipular, rescindindo-o e promovendo contra o infractor o processo de applicação da multa de que trata o § 2.° d´este artigo.

§ 1.° Todas as duvidas e pendencias que se originarem da execução dos contratos d´esta espécie serão resolvidas em primeira instancia por um tribunal arbitrai composto do delegado do ministerio publico na comarca e de mais dois árbitros nomeados, um pelo banco e outro pelo mutuario; estabelecendo-se o compromisso pela fórma fixada no § 1.° do artigo 56.° do código do processo civil, e seguindo-se os mais termos do mesmo codigo para o julga mento arbitral determinado por lei. Das sentenças arbitraes poderá haver recurso para os tribunaes ordinarios quando a importancia em litigio exceder a 100:000 réis, mas a appelação não terá effeito suspensivo.

§ 2.° As decisões dos arbitros são exequiveis como as sentenças das justiças ordinarias em conformidade do artigo 54.° do codigo do processo civil.

§ 3.° Os erros voluntarios na redacção das proposta?, de que possam occasionar-se prejuizos para o banco, os desvios na applicação do dinheiro dos emprestimos e quaesquer outras fraudes serão punidas correccionalmente com a multa de 5$000 a 50:$000 réis e prisão.

Art. 33.° O limite minimo dos emprestimos de credito predial movei será de 20$000 réis e o maximo de 500$000 réis.

§ unico. O banco formulará uma tabella dos limites maximos dos emprestimos com relação ás diversas especies de garantia; e quanto aos fructos pendentes, a tabella determinará o maximo com relação a uma unidade de superficie cultivada e de especie de cultura.

Art. 34.° Para a realisação dos empréstimos ruraes immoveis proceder-se-ha do seguinte modo:

1.° O proprietario apresentará a sua proposta na agencia da sua circumscripcão com a indicação exacta da somma de que necessita, das epochas em que carece das prestações em dinheiro, do destino que o emprestimo ha de ter, do praso de duração e fórma de pagamento, do juro e mais encargos que as circumstancias lhe permittem pagar, o finalmente de uma nota descriptiva do predio que offerece para hypotheca com a indicação do seu rendimento e valor venal;

2.° Esta proposta será instuida com a) uma memoria explicativa dos trabalhos ou obras a que o emprestimo ha de ser applicado e o orçamento respectivo; b) um calculo pelo qual o proponente mostre que dos trabalhos ou obras a que se destina o emprestimo resultará para o predio um augmento de valor igual á importancia do mesmo emprestimo e mais 10 por cento, pelo menos, calculado pelo acrescimo da producção; c) os titulos pelos quaes o proponente mostre que lhe pertencem os bens offerecidos em hypotheca; d) finalmente, a certidão da conservatoria do registo predial mostrando que onus pesara sobre esses bens:

3.° Resolvendo o banco acceitar a proposta, o proponente fará na respectiva conservatoria o registo provisorio da hypotheca, em seguida será o contrato reduzido a escriptura publica, á vista da qual o registo provisorio será averbado de definitivo;

4.º O banco abrirá um credito da somma que tiver sido contratada, a favor do proprietario que a irá recebendo em prestações succesivas, pelo modo que tiver sido convencionado, á medida que £e forem realisando as obras a que se destina o emprestimo;

5.° O banco fiscalizará a execução das obras por delega-los seus que attestarão o estado de adiantamento, effectuando-se á face d´esses attestados o pagamento das prestações a que se refere o numero anterior.

Art. 35.° Todas as duvidas e pendências que possam levantar-se quanto á execução dos contratos d´esta especie até ao momento em que a somma do credito aberto estiver esgotada, serão resolvidas pela forma indicada no § 1.° do artigo 32.°; mas a exigencia dos creditos, como hypothecarios que são, seguirá as regras estabelecidas no artigo 949.° e seguintes do código do processo civil.

Art. 36.° De tres em tres annos o banco formulará uma tabella com relação a cada uma das zonas culturaes do paiz, indicando, não só os limites maximos dos emprestimos de credito rural immovel em referencia ás diversas especies de trabalhos ou obras, segundo a área de terreno a beneficiar e segundo forem contratados por individuos ou sociedades, companhias ou corporações, mas tambem o valor que os predios devem ter acima da importancia do emprestimo para sua cabal garantia.

SECÇÃO V

Subsidios do estado

Art. 37.° O estado garante ao banco para o seu capital effectivamente realisado em acções o dividendo minimo de 6 por cento ao anno.

Art. 38.° O estado subsidia o banco com o premio de 1 por mil sobre todas as operações de credito rural que elle effectuar a juro effectivo inferior a 6 por cento ao anno.

Art. 39.° Quando os lucros liquidos annuaes do banco excederem 6 por cento sobre o capital effectivamente realisado em acções, o excedente será dividido por metades entre o banco e o estado.

§ unico. Da metade de lucros afferentes ao estado, em consequencia da partilha determinada n'este artigo, metade reverterá a favor do thesouro publico e a outra metade a favor d'aquellas pessoas moraes de entre as expressas no artigo

6.° que sustentarem hospitaes e asylos e em proporção dos valores que tiverem em
deposito e administração do banco.

Art. 40.° O banco fico isento do pagamento de contribuições directas.

SECÇÃO VI

Administração

Art. 41.° A administração do banco será exercida simultaneamente por delegados dos portadores de acções e

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por delegados do estado, nos termos dos artigos subsequentes.

Art. 42.° O governo nomeará um commissario regio junto do banco. Este commissario será o presidente da assembléa geral e do conselho de administração.

Art. 43.° A assembléa geral dos accionistas do banco votará uma lista de seis nomes, de entre os quaes o governo escolherá o governador do banco e o seu substituto.

Art. 44.° O conselho de admistração do banco será composto de doze membros, fóra o presidente, e d´esses, oito serão eleitos pela assembléa geral dos accionistas e quatro nomeados pelo governo.

Art. 45.° As mais disposições relativas á representação e administração do banco e suas agencias serão expressas no projecto de estatutos que, subordinando-se ao que dispõe a lei das sociedades anonymas, será submettido á approvação do governo e por elle sanccionado.

TITULO II

Dos consorcios de proprietarios

Art. 46.° Consorcios de proprietarios são associações formadas pelos donos de predios ruraes de qualquer natureza para a realisação n'esses mesmos predios dos fins seguintes:

1.° Creação ë conservação do matas e florestas;

2.° Plantações e outras obras destinadas á defeza contra as inundações e assoreamentos;

3.° Construcção e conservação de obras hydraulicas destinadas á irrigação e colmatagem;

4.° Enxugo de terrenos pantanosos ou salgados;

5.° Concurso em praça para a adjudicação de quaesquer obras da natureza das precedentes, emprehendidas pelo estado;

6.° Constituição de coutos de caça e exploração de concessões de pesca.
Art. 47.° Os consorcios são facultativos ou particulares, e obrigatorios ou municipaes.

§ 1.° Os primeiros formam-se por accordo de qualquer grupo de proprietarios; os segundos formam-se, de proprietarios tambem, mas por iniciativa das camarás municipaes.

§ 2.° Os consorcios para os fins do n.° 5.° do artigo precedente são sempre facultativos.

Art. 48.° O estatuto ou compromisso dos consórcios será submettido á approvação do governador civil do districto.

§ 1.° O compromisso ou estatuto descreverá a area dentro da qual os associados se propõem operar; designará com precisão as obras ou bemfeitorias que se tem em vista realisar, contendo o rol das propriedades associadas e indicando a quota parte de cada uma na constituição do fundo para a execução das mencionadas obras ou bemfeitorias e na da renda para a sua conservação; e finalmente determinará a fórma constitutiva e deliberativa das assembléas geraes dos associados, o modo de nomeação e exercicio das juntas executivas ou directoras e as condições de admissão de socios novos.

§ 2.° Quando for necessário, o compromisso indicará tambem a formula do rateio entre os associados dos rendimentos ou beneficios consorciaes.

Art. 49.° Approvado o compromisso pelo governador civil do districto, será publicado em dois jornaes da localidade, havendo-os, e na sua falta, nos do concelho mais proximo, estabelecendo-se o praso de dois mezes para quaesquer reclamações, e findo esse praso, sem as ter havido, estará ratificada a existencia do consorcio.

§ unico. No caso de haver reclamações, ou quando o governador civil negue a sua approvação ao compromisso, os interessados poderão recorrer para o governo.

Art. 50.° Exceptuam-se das disposições dos artigos precedentes os consorcios para a constituição dos coutos de caça que se organisarão mediante requerimento á respectiva camara municipal, assignado por todos os proprietarios interessados, pedindo a inscripção dos seus terrenos no registo dos coutos segundo o disposto nos artigos 206.°, 211.° e 212.°

Art. 51.° Poderão associar-se nos consorcios com individuos proprietarios as pessoas moraes proprietarias tambem, como misericordias, irmandades, confrarias, corporações administrativas, companhias de viação ordinaria e a vapor, conforme cada entidade tiver terrenos, ruas, praças, edificios, ou outros quaesquer bens a defender de inundações, assoreamentos e em geral a beneficiar.

§ unico. Os compromissos determinarão o modo por que essas corporações, companhias ou pessoas moraes em geral deverão ser representadas.

Art. 52.° A constituição dos consorcios obrigatorios ou municipaes é promovida pelas camaras, ou por iniciativa propria, ou a requerimento da maioria dos proprietarios de uma determinada arca.

§ 1.° Por maioria entende-se a agremiação dos proprietarios de duas terças partes, pelo menos, do valor total dos terrenos a que o consorcio diga respeito, verificando-se esse valor pela respectiva matriz predial.

§ 2.° Esta especie de consorcios é applicavel a todos os numeros do artigo 46.° com excepção do 5.°

Art. 53.° Aos consorcios obrigatorios ou municipaes poderá o governo facultar a expropriação por utilidade publica, decretada contra o proprietario ou proprietarios que, não adherindo á associação, possuam terras cuja entrada na mesma associação seja indispensavel ao fim commum.

§ unico. Os requerimentos para a applicação da expropriação por utilidade publica terão sempre o informe da estacão regional agronomica respectiva.

Art. 54.° As terras expropriadas serão immediatamente postas em praça e vendidas a quem mais der por conta do consorcio.

§ 1.° Quando o lanço offerecido em praça for inferior ao preço pago pela expropriação, os consortes poderão optar rateando entre si o custo da propriedade e dividindo-a correlativamente.

§ 2.° N´esta fórma de acquisição não será devida contribuição de registo.

Art. 55.° Nos consorcios obrigatorios ou municipaes a junta administrativa será a vereação, durante o primeiro período de existencia social marcado pelo compromisso.

Art. 56.° As execuções por falta de pagamento das quotas estatuarias, quer nos consorcios facultativos, quer nos obrigatorios, são equiparadas ás execuções fiscaes.

TITULO III

Do arroteamento de terrenos incultos

SECÇÃO I

Cadastro dos terrenos incultos

Art. 57.° Consideram-se terrenos incultos todos aquelles que não produzirem rendimento util para seus donos, e, alem d'isso, os de pousio em que as sementeiras se façam com intervallos superiores a dez annos.

§ 1.° Nas charnecas ou terrenos de mato, exploradas para adubos, pastagens ou combustivel, ter se-ha em conta a area effectivamente explorada com referencia ao numero de cabeças de gado, ao volume dos matos e lenhas corta-

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dos e ao do carvão fabricado, e, feita ao total da area a deducção da parte necessaria á exploração existente, o restante será declarado inculto.

§ 2.° A existencia de arvores dispersas que não constituam montado ou mata regular e tratada não obsta a que os terrenos sejam declarados incultos.

§ 3.° Não se consideram, porém, incultos os terrenos de mato, abertos ou tapados, cujo producto seja vendido por seus proprietarios em periodos não superiores a cinco annos.

Art. 58.° As estações regionaes agronomicas, creadas pelo decreto de 9 de dezembro de 1886, formarão o cadastro dos terrenos incultos de accordo com os seguintes preceitos:

1.° Cada area continua de terreno inculto, embora constitua em parte propriedade particular e em parte dominio publico, embora pertença a proprietarios differentes e assente em uma só ou em mais de uma circumscripção administrativa, constituirá uma planta parcellar desde que tenha superfície superior a 10 hectares;

2.° Cada planta parcellar deverá ter indicadas as divisões da propriedade e as das circumscripções administrativas e será cotada acima do nivel do mar em curvas uniformemente distanciadas e em uma escala planimetrica constante;

3.° Outra planta referida á mesma area indicará o plano geral das aguas existentes, quer brotem á superficie e possam ser distribuidas naturalmente, quer provenham de manancial mais ou menos fundo e precisem ser elevadas por meios artificiaes, traçando a rede dos regos, vallas e conductos, e o local adequado para o estabelecimento de diques, açudes ou albufeiras, convenientes para o bom regimen hydraulico, e quer no sentido da irrigação quer no do enxugo;

4.° Estas plantas serão acompanhadas por uma memoria topographica, indicando as confrontações da area respectiva, o regime ou regimes da propriedade, os nomes dos proprietarios e os das freguezias, concelhos e districtos que se inscrevam no perimetro, e um resumo histórico do que se poder apurar com referencia ao seu estado anterior;

5.° Outra memoria referir-se-ha especialmente ao regime das aguas, medindo o seu volume, expondo o systema do seu aproveitamento ou do seu esgoto, e os meios que se deveriam empregar para esse fim;

6.° Outra memoria, finalmente, indicará a natureza do solo, as observações referentes ao clima, as especies de vegetação existente e as opiniões ácerca das culturas mais adequadas a cada area.

§ 1.° As plantas e memorias annexas serão enviadas por copia ao governo e tanto os originaes como as copias estarão patentes ao publico na secretaria em Lisboa e na estação regional respectiva.

§ 2.° As memorias serão publicadas no Diario do governo.

Art. 59.° Decorrido que seja o praso de sessenta dias de publicidade, contados d'aquelle em que as memorias forem publicadas no Diario do governo, e não havendo reclamação em contrario, os terrenos a que esses documentos se referirem serão declarados incultos para os fins expressos n´esta lei.

Art. 60.° As estações regionaes instituirão em cada concelho uma junta de informadores presidida por um vereador, ouvindo-a sobre tudo o que respeita á organisação do cadastro dos terrenos incultos.

Art. 61.° Á medida que os terrenos incultos forem sendo successivamente reduzidos a cultura, nos termos d´esta lei ou independentemente d´ella, as estações regionaes irão enviando ao governo plantas e memorias, referidas sempre ás plantas parcellares de que falla o artigo 58.° designando as superficies cultivadas, os melhoramentos effectuados, as culturas implantadas e todas as mais informações necessárias ao fiel cumprimento d´esta lei.

SECÇÃO II

Dos terrenos incultos pertencentes a particulares

Art. 62.° Durante dez annos, a contar da data da presente lei e com o fim exclusivo de reduzir a cultura os terrenos declarados incultos, é permittido aos proprietarios:

1.° Estipular laudemios nos contratos de aforamento;

2.° Subemphyteuticar os prazos existentes, dividindo-os, no todo ou em parte, em predios não menores de 10 hectares nem maiores de 100, sendo o directo senhorio obrigado a consentir na divisão do prazo e no rateio do fôro.

§ 1.° Para que os proprietários possam lavrar contratos nos termos deste artigo, terão de apresentar certidão da estacão regional que mostre terem sido declarados incultos os terrenos a que o contrato se refere.

§ 2.° O laudemio a que se refere o n.° 1 d´este artigo, nunca poderá ser maior do quarentena, nem estabelecido para caso differente da transmissão por venda.

§ 3.° Na constituição da subemphyteuse terá opção o directo senhorio.

§ 4.° O subemphyteuta terá o direito de remir o fôro devido ao emphyteuta, passados que sejam dez annos do seu contrato, sendo a base d´esta remissão o preço de vinte pensões.

§ 5.° A subemphyteuse será regulada pelo respectivo contrato e pelas disposições do codigo civil para os sub-emprazamentos de preterito.

Art. 63.° Os proprietarios de terrenos incultos que se recusarem a effectuar contratos de emphyteuse ou de subemphyteuse nos termos do artigo precedente, sem que o motivo da recusa seja o porem em cultura as terras que outrem pretenda adquirir, e bem assim aquelles que, sem se recusarem, exijam um fôro excessivo, poderão ser compellidos, a requerimento de qualquer, ao emprasamento por utilidade publica, mediante um fôro equitativo.

§ 1.° Este requerimento será apresentado na respectiva estação regional, a qual, ouvido o proprietario ou seu representante, e dentro do praso de vinte dias o remetterá ao governo com a sua informação, indicando o quantum do fôro e laudemio se tiver de havel-o.

§ 2.° Perante a informação supra, o governo decretará o aforamento por utilidade publica dentro de um praso não inferior a 30 nem superior a 60 dias.

§ 3.° Durante esse praso, o proprietario poderá evitar o decreto obrigando-se a pôr em cultura os terrenos no período de tres annos, e depositando para esse fim, na agencia respectiva do banco rural, o valor de vinte pensões, segundo o laudo da estação regional.

§ 4.° Expirado o praso, e não tendo o proprietario arroteado os terrenos, a importancia da caução reverterá a beneficio do thesouro publico.

Art. 64.° Os terrenos incultos, que em virtude das disposições dos artigos precedentes foram reduzidos a cultura, ficarão isentos de contribuição predial por um praso variando entre cinco e trinta annos, conforme a tabella do artigo 85.°

§ unico. Esta isenção não annula, porém, a verba de contribuição predial que os proprietarios de terrenos incultos paguem actualmente.

Art. 65.° Os terrenos, cujos proprietarios se não aproveitarem dos beneficios que esta lei lhe concede, durante o praso de cinco annos a contar da data em que forem declarados incultos, serão inscriptos na matriz predial como se produzissem centeio ou aveia, e, recusando-se os proprietarios á inscripção, serão declarados vagos e incorporados no dominio do estado.

§ unico. Nas propriedades de área superior, porém, a 500 hectares, o proprietario poderá conservar inculta durante o praso maximo de dez annos até metade da area

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total quando tiver reduzido a cultura no praso de cinco uma superficie equivalente.

Art. 66.° Os proprietarios de terrenos incultos poderão fundar n´elles colonias agricolas, directamente ou por meio de concessionarios, nos termos da secção seguinte, e gomarão, elles e seus emphyteutas, cada qual na parte que lhes for applicavel, de todos os beneficios concedidos pela secção V d´este titulo.

SECÇÃO III

Dos terrenos incultos de dominio nacional e sua colonisação

Art. 67.º Nos terrenos incultos pertencentes ao estado e aos municipios, bem como n´aquelles que por virtude do artigo 65.º ou por qualquer outro motivo vierem a caír no dominio publico, poderá o governo conceder a insinuação de colonos e colonias o alieno r a propriedade das terras nos tenros dos artigos subsequentes.

Art. 68.° A alienação das terras effectuar-se-ha mediante contratos de aforamento sem laudemio e com fôro annual variavel entro 500 a 2$000 réis por hectare.

§ 1.° O aforamento não se tornará definitivo senão depois de decorridos cinco annos, durante os quaes o contrato se conserva provisorio.

§ 2.° Se, terminado o praso, o foreiro não tiver reduzido a cultura metade pelo menos do predio emprasado, o governo ou a camara municipal terão o direito de evicção.

§ 3.° Durante os cinco annos do contrato provisorio não é devido o pagamento do fôro.

§ 4.° O registo dos contratos provisorios de aforamento effectuar-se-ha na conservatoria da comarca respectiva, e o conservador remetterá copia d´elle á estação regional para os fins convenientes.

§ 5.° As estações regionaes serão presentes os requerimentos para contratos de aforamento, e com o seu parecer serão outorgados pelos delegados do governo ou pelas vereações municipaes, conforme os termos dos regulamentos que se publicarão opportunamente.

Art. 69.° Nos aforamentos de terrenos publicos a area dos predios não será inferior a 10 hectares, nem superior a 50; e a um mesmo individuo não se poderá conceder mais do que um predio ou lote.

Art. 70.° O foreiro é obrigado a construir casa de residencia no terreno emprazado, quando não habite em povoação proxima, a distancia não superior a dois kilometros.

Art. 71.° O foro é remivel mediante o pagamento de quinze pensões, logo que metade do predio esteja reduzido a cultura, e mediante dez pensões quando a reducção for completa.

§ unico. Em qualquer d´estes casos, a remissão poderá effectuar-se, ainda que não tenha expirado o praso provisorio de que trata o § 1.° do artigo 68.°

rt. 72.° O aforamento de predios isolados far-se-ha, tanto quanto possivel de um modo contiguo, para que o arroteamento dos terrenos proceda sem solução de continuidade.

Art. 73.° Se um emprezario ou empreza quizer implantar nunca determinada zona inculta certo numero de colonos, nacionaes ou estrangeiros, o governo poderá contratar a adjudicação d´essa área ao referido individuo ou empreza nora ser emphyteuticada em tantos lotes quantos forem os colonos, immediatamente á sua chegada.

§ 1.º Para que esta adjudicação possa fazer-se, é mister que e o individuo ou empreza apresente, com o requerimento respectivo, a prova de que dispõe dos capitães sufficientes para a primeira installação dos colonos.

§ 2.° Nos contratos desta natureza o estado cederá em beneficio do adjudicatario metade do producto dos fóros o remissões durante cincoenta annos.

§ 3.° Taes contratos nunca poderio abranger arcas inferiores a 1:000 hectares, nem superiores a 3:000.

§ 4.º Os colonos poderão ser aldeados mas os seus predios serão sempre, quanto possivel, contiguos.

§ 5.° Será licito às colonias aldeadas o uso de armas e a organisação da policia e defeza local.

§ 6.° As relações entre os emphyteutas desta especie e o estado seu directo senhorio, são em tudo o mais identicas às dos que tiverem lavrado contratos de aforamento sem o intermedio de emprezas ou emprezarios de colonisação.

§ 7.° As emprezas a que este artigo se refere poderão ser constituidas por qualquer das formas commerciaes das sociedades, incluindo a anonyma.

Art. 74.° Se a empreza ou emprezario de colonisação quizer proceder por sua conta ao desdobramento e cultura, poderá fazei-o addiando-se para uma epocha ulterior, nunca excedente ao praso de dez annos a contar da data da concessão, a divisão em predios de entre 10 e 100 hectares e o respectivo emprazamento aos colonos, tendo n´esse caso a preferencia, em igualdade de circumstancias, os trabalhadores e empregados mais antigos.

§ unico. Os contratos de adjudicação desta espécie designarão o numero e a superficie dos predios em que a concessão ha de ser ulteriormente dividida, bem como a tabella das pensões respectivas conforme a natureza das bemfeitorias realisadas, não podendo nunca estas pensões exceder o quintuplo do que fixa o artigo 68.°

Art. 75.° Quando um emprezario ou empreza pretender implantar colonos emphyteutas nos termos dos artigos precedentes, terá de o requerer ao governo pela estação regional respectiva, que informará competentemente.

§ unico. Se os terrenos a que o requerimento se referir forem no todo ou em parte municipaes, será ouvida a vereação respectiva.

Art. 76.° Outorgada que seja a concessão pelo governo, a estação regional procederá á demarcação do terreno, presentes o delegado da empreza e o administrador do concelho respectivo; e levantada a planta da concessão com a divisão dos predios effectuará o registo provisório de que falla o artigo 68.°

Art. 77.° Em todas as especies de emprazamento mencionadas n'esta secção, expirado o praso do registo provisorio e tornado definitivo, o aforamento será inscripto na conservatoria em um registo especial sujeito ás regras seguintes:

1.° Dando entrada na conservatoria os titulos de um processo de emprasamento e estando conformes á lei, o conservador annunciará por editos de trinta dias o emprasamento que vae fazer-se;

2.° Não havendo opposição no decurso d´esse praso, consideram-se prescriptas quaesquer reclamações de terceiro com referencia aos terrenos de que se tratar;

3.° Effectuado o registo e archivado o processo na conservatoria, o foreiro receberá uma certidão authentica na qual se copiará a planta do predio.

§ 1.° No emprasamento e na sua certidão authentica se inscreverão successivamente os onus e as transmissões do predio.

§ 2.° A certidão authentica da conservatoria será o titulo fundamental do predio e poderá vender-se, doar-se, empenhar-se como qualquer titulo fiduciario de bens moveis por simples endosso e sem necessidade de instrumento publico.

§ 3.° Os impostos devidos pelas operações feitas sobre os predios por meio de certidões authenticas serão pagos em sellos de estampilha.

§ 4.° Emquanto o endosso da certidão authentica, indicando a natureza da operação effectuada sobre o predio, não tiver sido registado na conservatoria, essa operação não terá validade.

§ 5.° No caso de haver opposição ao registo mencionado n´este artigo, o referido registo só se effectuará depois

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de resolvido o pleito pelos tribunaes competentes, e á face da respectiva sentença.

Art. 78.° Quando a população contínua de uma colonia, estabelecida a mais de 5 kilometros de povoado attingir um numero do fogos superior a cem, o governo a constituirá em parochia e lhe construirá uma estrada que a ligue com a rede da viação geral.

§ 1.° Os edificios necessarios ao culto, ao ensino, e á administração serão construidos á custa da colonia.

§ 2.° O governo pagará durante cinco annos os salarios do parocho, do professor de instrucção primaria e de um medico.

Art. 79.° Quando a população de uma colonia ou varias colonias limitrophes, aldeiada, dispersa, ou mista, attingir 1:500 fogos constituir-se-ha um concelho.

Art. 80.° Em todas as colonias aldeiadas se reservará no regime de propriedade collectiva uma certa área para logradouro commum.

SECÇÃO IV

Do regimen das aguas nas fundações coloniaes

Art. 81.° Na fundação de uma colonia em terrenos declarados incultos, quer publicos quer particulares, e cultivados com as isenções e privilegios que esta lei concede, a distribuição das aguas naturaes far-se-ha de um modo systematico ficando em commum o manancial, continuo ou descontinuo.

§ 1.° Quando as aguas provenham de um manancial artificialmente creado, o seu regime ficava sujeito ás disposições consequentes do titulo V.

§ 2.° A distribuição subordinar-se-ha aos planos e projectos a que se refere o n.° 3.° do artigo 58.°

Art. 82.° Noa contratos de emprazamento ou sub-emprasamento determinar-se-hão os regos de serviço, as servidões do passagens de agua, os dias ou horas de rega pertencentes a cada predio, e o encargo correspondente para a conservação das obras hydraulicas.

Art. 83.° Se depois da divisão dos predios, e fundação da colonia, se vier a descobrir algum manancial de agua, o dono do predio respectivo não poderá reter alem da que lhe for necessaria, sendo obrigado a ceder a sobeja aos vizinhos, que a possam aproveitar, devendo estes satisfazer a parte das despezas de exploração pro rata da quantidade que lhes for cedida.

Art. 84.° Nos aforamentos isolados de terrenos incultos, quando não tiver sido previamente fixada a distribuição systematica das aguas, e houver qualquer manancial, o seu dono terá de repartir a sobeja com os que posteriormente se estabelecerem adjacentemente.

SECÇÃO V

Beneficies que o estado concede á colonisação

Art. 85.° Os terrenos reduzidos a cultura por contratos coloniaes ficam isentos de impostos geraes directos por prasos variaveis entre cinco e trinta annos.

§ 1.° Gradua-se o periodo d´essa isenção conforme a natureza da cultura que se implantar, o estado em que estivessem os terrenos incultos, a distancia a que as colonias ficarem de povoado e finalmente conforme o estabelecimento das mesmas colonias for continuo ou descontinuo.

§ 2.° Entende-se por colonisação continua o aggregado de predios contiguos superior a cincoenta, e quer as moradias dos proprietarios estejam reunidas em aldeias, quer estejam dispersas pelos casaes.

§ 3.° Entende-se por colonisação descontinua aquella em que houver menos de cincoenta predios contiguos.

§ 4.° A natureza de cultura de uma propriedade determina-se pela sua exploração agricola dominante, embora na mesma haja culturas subsidiarias.

§ 5.° A tabella seguinte fixa os prazos de isenção de imposto:

[Ver tabela na imagem]

Art. 86.º As colonias continuas ficam isentas do pagamento de direitos de real de agora durante cinco annos e de impostos locaes até á epocha em que se constituam em municipios conforme o artigo 70.°

Art. 87.° Os predios coloniaes, continuos ou descontinuos, ficam isentos do pagamento de direitos de transmissão de propriedade n´uma successão causa mortis e em tres transmissões entre vivos.

Art. 88.° Os colonos ficam isentos da obrigação do serviço militar, dos cargos obrigatorios judiciaes ou administrativos e de quaesquer serviços ou, contribuições em trabalho, geraes ou locaes, durante duas gerações.

§ 1.° Pela palavra colonos entende-se, não só os proprietarios emphyteutas como os seus parceiros, arrendatarios e jornaleiros, como os feitores, abegões, regentes, administradores, caseiros, capatazes e jornaleiros das emprezas e emprezarios, e em geral todos os que viverem da colonia, comtanto que residam n´ella.

§ 2.° Esta isenção é extensiva aos funccionarios publicos em serviço nas colonias.

§ 3.° A isenção dos cargos e serviços concelhios termina porém universalmente desde que as colonias se convertam em municipios, conforme o artigo 79.°

Art. 89.° Os emprezarios ou emprezas coloniaes poderão transportar gratuitamente, em navios do estado ou subsidiados por elle, os colonos provenientes das ilhas adjacentes.

§ unico. Será tambem facultado o transporte gratuito nos caminhos de ferro pertencentes ao estado, tanto aos colonos insulanos como a quaesquer outros.

Art. 90.° Todos os materiaes, materias primas e producto destinados ás colonias ou d´ellas provenientes gosarão durante tres annos de transporte gratuito, e de transporte a meio preço durante os cinco annos subsequentes, rios navios e caminhos de ferro do estado ou por ella subsidiado.

Art. 91.° Os capitães pertencentes a estrangeiro o invertidos era colonias agricolas, arroteamento de terrenos dias dos proprietarios estejam reunidas em aldeias, quer incultos, desseccamento de pantanos e salgados e obras de igual natureza, ficam sob a salvaguarda do estado e ao abrigo de represalias, confiscos e embargos em caso de guerra.

TITULO IV

Do desseccamento de pantanos e terrenos salgados

Art. 92.° Os proprietarios de terrenos pantanosos ou salgados, em cultura ou exploração; que os queiram desseccar

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gosarão da isenção de imposto concedida pelo artigo 64.° com as reservas estabelecidas no seu paragrapho.

Art. 93.° Poderão os mesmos proprietarios, precedendo a competente auctorisação, extrahir dos terrenos publicos a terra e pedra necessarias para as obras de saneamento.

Art. 94.° Quando os terrenos pantanosos ou salgados pertençam a varios donos e não seja possível o desseccamento parcial, se algum ou alguns dos donos pretenderem effectuar obras de beneficiação, o governo poderá obrigal-os a todos a custearem as mencionadas obras na rasão da superficie de terreno que cada qual possuir, sempre que o desseccamento seja da vontade da maioria dos proprietarios, entendendo-se por maioria os que possuam uma superficie maior de terreno.

§ 1.° Recusando-se algum proprietario ao pagamento da quota parte do custo das obras, o governo poderá conferir á maioria dos proprietarios, collectivamente, o direito de expropriação por utilidade publica, mediante indemnisação.

§ 2.° Os consorcios ou associações de proprietarios que se formem com destino a este fim serão regidos pelas disposições do titulo respectivo d'esta lei.

Art. 95.° Quando algum terreno pantanoso ou alagado for declarado insalubre pelas auctoridades sanitarias, o seu saneamento é obrigatorio.

Art. 96.° Se os donos de terrenos declarados insalubres, tanto os de propriedade particular, como os de propriedade publica, se recusarem a cumprir o estabelecido no artigo precedente, poderá o governo conceder os mesmos terrenos áquella empreza ou emprezario que se propozer effectuar o dessecamento, nos termos dos artigos subsequentes.

§ 1.° Da mesma fórma poderá o governo conceder a qualquer empreza ou emprezario os terrenos vagos, alagados ou salgados, nos termos geraes da secção III do titulo III d'esta lei.

§ 2.° Para as concessões de que trata este artigo será necessario ouvir previamente sobre ella a estação regional respectiva, á qual serão presentes os projectos, memorias e mais documentos concernentes.

Art. 97.° A propriedade dos terrenos dessecados ficará pertencendo á empreza ou emprezario que tiver feito as obras, mediante o pagamento aos anteriores proprietarios de somma igual a vinte vezes o rendimento annual dos mencionados terrenos antes de beneficiados.

§ 1.° Sendo terrenos de propriedade do estado ou municipal, não haverá pagamento de indemnisação d'esta especie.

§ 2.° A determinação do rendimento annual anterior para os bens de propriedade particular far-se-ha por certidões do rendimento collectavel descripto na matriz predial, applicando-se para o calculo a media dos tres ultimos annos.

Art. 98.° Os terrenos saneados gosarão das vantagens conferidas pelo artigo 64.°, salva a reserva do seu paragrapho.

Art. 99.° Se o emprezario ou empreza quizerem implantar colonias sobre os terrenos desseccados, sujeitando-se ao disposto na secção III do titulo III d'esta lei, gosarão das vantagens inherentes, estabelecidas pela secção V do mesmo titulo.

Art. 100.° Se o desseccamento for effectuado por empreza constituida por qualquer das formas da sociedade commercial, a propriedade dos terrenos desseccados não poderá existir no seu dominio alem do praso de vinte annos, antes da expiração do qual os mesmos terrenos terão de ser alienados e liquidada a sociedade.

Art. 101.° Não havendo empreza que se proponha o saneamento dos terrenos insalubres, o governo ou as camaras municipaes poderão effectuar as obras de dessecamento, custeando as com os recursos que para esse fim se consignarem nos orçamentos respectivos.

§ 1.° N'este caso os municipios ou o estado ficam obrigados ao disposto no artigo 97.° com referencia á indemnisação a dar aos proprietarios.

§ 2.° Depois de saneados, os terrenos serão declarados incultos e submettidos ao regimen de alienação estabelecido na secção III do titulo III d'esta lei.

TITULO V

Da utilisação das aguas publicas

SECÇÃO I

Das concessões em geral

Art. 102.° Todo aquelle que desejar utilisar aguas publicas com um fim de interesse, quer particular quer collectivo, tendo para isso de fazer obras ou construcções permanentes, deverá requerer licença ao governo pela circumscripção hydraulica respectiva ao local, salvo os casos especiaes ao diante previstos por esta lei.

§ unico. As aguas publicas a que este artigo se refere são as mencionadas no n.° 3.° do artigo 380.° do codigo civil.

Art. 103.° Em todas as concessões para utilisação de aguas publicas se determinará a natureza dessa utilisação, o volume das aguas, e, sendo ellas destinadas á irrigação, a area de terreno que ha de ser regado.

§ unico. Se, nos casos de licenças ou concessões anteriores a esta lei, a quantidade de agua se não tiver fixado, entender-se-ha que foi concedida apenas a necessaria para o fim declarado e que a sobeja ficou disponivel.

Art. 104.° As concessões para a utilisação de aguas publicas entender-se-hão sempre feitas sem prejuizo de terceiro e com resalva dos direitos particulares legitimamente adquiridos.

Art. 105.° As concessões terão sempre prasos limitados; e a sua duração, que variará segundo as circumstancias, será sempre expressamente declarada.

Art. 106.° As concessões para utilisação de aguas publicas abrangerão sempre as dos terrenos de domínio publico necessarios á construcçao das obras correspondentes.

§ unico. Quando para o estabelecimento das mesmas obras forem necessarios terrenos particulares, seus donos terão de os ceder mediante a indemnisação correspondente.

Art. 107.° As aguas destinadas a um fim não poderão ser applicadas a outro sem requerimento e processo, como se se tratasse de uma concessão nova.

Art. 108.° O estado não será responsavel pela falta ou diminuição de aguas nos mananciaes de que a concessão for objecto, quer seja por erro de calculo, quer por outro motivo qualquer previsto ou imprevisto.

Art. 109.° Sempre que nas concessões de aguas se não expresse o contrario, entender-se-ha por uso continuo o de todos os instantes; por uso diario o de vinte e quatro horas a contar da meia noite; por uso diurno ou nocturno o que medeia entre o nascer e o pôr do sol, ou vice-versa; e por semanal o que principia na meia noite de um domingo, e termina na mesma hora do sabbado seguinte.

Art. 110.° Concorrendo pedidos diversos para a utilisação das mesmas aguas publicas, observar-se-ha na concessão a seguinte ordem de preferencia:

1.° Abastecimento de povoações;

2.° Abastecimento de caminhos de ferro;

3.° Irrigações e colmatagens;

4.° Motores industriaes;

5.° Meios de viação;

6.° Piscinas e viveiros.

§ unico. Dentro de cada especie serão preferidas as emprezas de maior importancia e utilidade, e, em igualdade de circumstancias, a prioridade do pedido.

Art. 111.° Se alguem requerer a utilisação de aguas publicas, já concedidas e utilisadas para um destino preferente segundo a ordem fixada no artigo anterior, o go-

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verno poderá annullar a primeira concessão e conferíl-a ao requerente, devendo, porém, este pagar a iudemnisação correspondente devida ao anterior concessionario.

Art. 112.° Em casos urgentes de calamidade publica, os agentes da auctoridade poderão lançar mão, sem processo nem indemnisação previa, das aguas necessarias para conter ou evitar o damno; e se essas aguas tiverem uma applicação industrial ou agricola, e com a sua distracção se occasionar prejuizo apreciavel, os lesados terão direito a indemnisação.

Art. 113.° Os capitaes estrangeiros empregados em obras de utilisação de aguas publicas por concessões dadas nos termos desta lei ficarão sob a salvaguarda do estado e isentos de represalias, confiscos e embargos em casos de guerra.

SECÇÃO II

Abastecimento de povoações

Art. 114.° A expropriação de que trata o artigo 111.° só poderá applicar-se para o fim do abastecimento de povoações quando estas não cheguem a dispor de 50 litros de agua por dia e por habitante, sendo potavel duas quintas partes.

Art. 115.° Os requerimentos das emprezas para concessões, de abastecimento de aguas a povoações serão feitos ao governo com um anteprojecto dos trabalhos a intentar e uma planta dos terrenos particulares ou publicos em que esses trabalhos têem de ser executados.

§ unico. O governo consultará a municipalidade respectiva, sem o accordo da qual a concessão não poderá ser feita.

Art. 116.° As concessões para abastecimento de aguas a povoações sujeitar-se-hão ás seguintes condições obrigatorias:

1.° Fixação da tarifa dos preços de venda de aguas;

2.° Determinação de um quantum de agua publica e para distribuição gratuita;

3.° Gratuitidade das canalisações communs para o publico ;
4.° Reversão para o municipio, expirado o praso da concessão, de todas as obras e canalisações.

§ 1.° As emprezas organisadas para explorar estas concessões constituir-se-hão sempre como sociedades anonymas.

§ 2.° Os regulamentos para a execução dos contratos, bem como a fiscalisação d'elles, ficarão a cargo das municipalidades.

SECÇÃO III

Abastecimento de caminhos de ferro

Art. 117.° As emprezas de caminhos de ferro poderão aproveitar, precedendo auctorisação competente, as aguas publicas necessarias á sua exploração.

§ 1.° Compete ao governador civil do districto conceder essa auctorisação quando o consumo não exceder 50 metros cubicos diarios num determinado ponto, e, caso excedo, compete ao governo.

§ 2.° Se as aguas publicas necessarias á exploração de um caminho de ferro, estiverem applicadas a qualquer outro fim, poderá ter logar a expropriação, segundo o artigo 111.°

Art. 118.° Quando os caminhos de ferro atravessarem terrenos regados, em virtude de obras collectivas, as emprezas terão o direito de tomar, nos pontos mais convenientes para a sua exploração, a quantidade de agua correspondente á area do terreno que tiverem comprado, ficando obrigadas a satisfazer na mesma proporção os encargos ordinarios da conservação das obras.

Art. 119.° Na falta ou insuíficiencia dos meios auctorisados nos artigos anteriores, as emprezas de caminhos de ferro terão o direito de abrir poços ordinarios ou artesianos, galerias de pesquisa ou exploração de aguas nos terrenos particulares, mediante.indemnisaçao, e nos publicos gratuitamente, precedendo licença administrativa.

Art. 120.° Poderão tambem utilisar-se das aguas particulares, não sendo destinadas a usos domesticos, indemnisando os seus proprietarios, uma vez que provem não ser possivel obter outras.

SECÇÃO IV

Irrigação e colmatagem

SUB-SECCÃO I

Obras de pequena irrigação.- Cursos descontinuos

Art. 121.° Os donos de predios contiguos a estradas e caminhos vicinaes poderão recolher as aguas pluviaes que se escoarem por elles e aproveital-as para a rega das suas propriedades, sujeitando-se ao que determinarem os regulamentos de conservação e policia das mesmas estradas.

Art. 122.° Os donos de predios marginaes de barrancos, torrentes ou enxurros, de caudal descontinuo, e cujo leito seja dominio publico, poderão construir barragens de terra e pedra solta, ou açudes moveis ou automoveis para utilisação dessas aguas, sem licença previa da auctoridade, comtanto que d'ahi não resulte prejuizo aos proprietarios vizinhos, nem embaraços ao transito nos caminhos publicos.

§ 1.° Quando a utilisação de aguas por esta forma tiver durado incontestada pelo praso de vinte annos, aquelle ou aquelles que se tiverem aproveitado d'ellas poderão impedir que os 40 nos de predios superiores os privem dessa utilidade.

§ 2.° Se porém utilisarem apenas parte dessas aguas, não poderão impedir que outrem utilise as sobras sempre que d'esse facto não resulte impedimento.

Art. 123.° Para a utilisação de aguas pluviaes com destino á rega ou colmatagem dos terrenos por meio de albufeiras, presas ou açudes permanentes, construidas em terrenos publicos, será necessario auctorisação do governo, civil do districto.

§ unico. Sobre os requerimentos para obras desta especie será ouvida sempre a repartição hydraulica respectiva.

Art. 124.° Nos cursos de agua navegaveis ou fluctuaveis, os proprietarios marginaes poderão estabelecer livremente bombas ou qualquer outro apparelho braçal ou de motor de sangue, destinado a levantar as aguas necessarias á rega dos seus terrenos, sempre que d'ahi não resultem prejuizos á navegação ou á fluctuação.

§ unico. Se porém á elevação de agua houver de applicar-se força motriz mechanica, será necessaria auctorisação do governo civil do districto que ouvirá previamente a repartição hydraulica respectiva.

Art. 125.° Não poderão construir-se sem auctorisação do governo canaes ou obras analogas destinadas a derivar aguas das correntes, lagos ou lagoas publicas; e essa auctorisação só poderá ser concedida quando a derivação não prejudique a navegação ou fluctuação.

§ unico Sobre as pretensões d'esta especie será sempre ouvida a repartição hydraulica respectiva.

SUB-SECÇÃO II

Obras de grande irrigação e colmatagem

Art. 126.° Compete às repartições das circumscripções hydraulicas levantar as plantas dos terrenos publicos e particulares, cultivados ou incultos, que podem ser beneficiados, por meio de aguas publicas, correntes e continuas, derivadas em canaes, de lagos lagoas ou rios, ou de aguas pluviaes represadas em albufeiras; bem como pelo transporte simultaneo de aguas e terras fertilisantes.

§ 1.° Essas plantas serão enviadas por copia ao governo, acompanhadas de memorias e anteprojectos que estabeleçam

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1.° O plano das obras a executar e o seu orçamento;

2.° O calculo das Areas beneficiaveis, natureza das culturas introduzireis o estimação do augmento de valor que as mesmas obras imprimirão nas zonas a que dizem respeito;

3.° Nos casos especiaes de emprego da colmatagem, designação do estado actual das zonas de extração do terras fertilisantes e prognostico do seu estado ulterior, depois da extracção.

§ 2.° As memorias serão publicadas no Diario do governo, e tanto ellas como as plantas e anteprojcctos estarão patentes ao publico na secretaria d'estado em Lisboa e nas repartições hydraulicas, para os fins adiante expressos.

Art. 127.° Se algum consorcio de proprietarios, algum emprezario ou empreza, ou alguma corporação publica, requererem ao governo o estudo de qualquer obra da natureza das do artigo anterior, ainda não executada officialmente, o requerimento será deferido sempre que os requerentes se obriguem a satisfazer as despezas dos estudos.

§ unico. No caso do requerimento ser de particulares, proprietarios ou não proprietarios, associados ou individualmente, é necessario o deposito previo da quantia orçada para os mesmos estudos.

Art. 128.° O governo poderá adjudicar em concurso publico as concessões de irrigação e colmatagem, e não só das previamente estudadas pelos seus delegados, como de quaesquer outras de que os pretendentes apresentem estudos analogos.

§ 1.° O concurso será aberto desde que algum pretendente habilitado o requeira.

§ 2.° Versando o concurso sobre obras não estudadas ainda officialmente, o governo ouvirá previamente a repartição hydraulica respectiva sobre o projecto apresentado e poderá recusar a abertura do concurso.

§ 3.° No concurso terá direito de preferencia, em igualdade de circumstancias, aquelle dos concorrentes que tiver elaborado á sua custa o projecto e estudos das obras.

§ 4.° Preferirá, depois, em igualdade de circumstancias, a proposta apresentada por um consorcio de proprietarios.

Art. 129.° As propostas para o concurso consistirão das seguintes peças, alem de quaesquer outras que sirvam a elucidar o jury:

1.° Se forem do proprietario do solo a que se destina o beneficiamento, justificação comprovante dessa qualidade e descripção da propriedade a beneficiar, sua arca e natureza de cultura;

2.° Se forem de consorcio de proprietarios do solo a beneficiar, as mesmas declarações e mais o compromisso de constituição do consorcio nos termos do titulo II;

3.° Se forem de empreza ou emprezarios não proprietarios, as mesmas declarações e mais a tabella das rendas em dinheiro ou em fructo que hão do pagar os donos das terras a beneficiar, conjunctamento com o convenio pelo qual a maioria d'elles declara o seu accordo, entendendo-se sempre por maioria a referencia á arca e não ao numero de individuos.

§ unico. Quando as obras se destinem a beneficiar terrenos officialmeute declarados incultos, esses terrenos gosarão das vantagens que o titulo III desta lei prescreve.

Art. 130.° As concessões desta natureza feitas a proprietarios do solo a beneficiar, isolada ou consorcialmente, serão perpetuas, ficando o beneficio encorporado na propriedade; e as concessões feitas a não proprietarios terão o praso maximo de noventa e nove annos, expirados os quaes as terras ficarão isentas do pagamento da renda estipulada, passando a todas ellas em commum o dominio collectivo das obras exclusivamente necessarias para a beneficiação.

§ 1.° A gerencia d'este dominio será confiada ao consorcio dos proprietarios, constituIdo por qualquer das formas que o titulo E desta lei estabelece.

§ 2.° As emprezas concessionarias de não proprietarios constituir-se-hão com observancia á lei das sociedades anonymas.

Art. 131.° Todos os terrenos comprehendidos na planta da area geral a beneficiar, que será, com o respectivo cadastro, annexa ao decreto da concessão, ficam sujeitos ao pagamento das rendas que tiverem sido expressas na mesma concessão.

§ 1.° No caso de recusa por parte de alguns proprietarios a aproveitar dos beneficios e a pagar a renda correspondente, os concessionarios têem o direito de adquirir esses predios amigavelmente, ou por via de expropriação por utilidade publica para esse effeito decretada.

§ 2.° Os predios adquiridos pelos concessionarios serão vendidos dentro do praso maximo de dez annos, ficando as transmissões deste genero isentas do pagamento de contribuição de registro.

§ 3.° Só os concessionarios desistirem de adquirir os predios, os proprietarios ficam por esse facto isentos do pagamento da renda e excluidos do beneficio inherente.

Art. 132.° Quando exista utilisação de aguas publicas correntes, estabelecida por um direito reconhecidamente valido, só se poderá effectuar concessão nova, se, deduzido o volume aproveitado em condições normaes, se vir que sobra a quantidade solicitada.

§ 1.° Em annos de estiagem não poderão os novos concessionarios tomar as aguas, emquanto se não acharem satisfeitas todas as necessidades dos que tiverem sobre ellas direitos anteriores.

§ 2.° Não será, todavia, necessaria a medição das aguas estivaes para outorgar concessões de aguas exclusivamente hybernaes, primaveraes ou torrenciaes que não estivessem aproveitadas em terrenos inferiores, sempre que a derivação se
estabeleça á altura ou nivel conveniente e se adoptem as precauções necessarias para evitar prejuízos ou abusos.

Art. 133.° Por virtude das concessões a que se referem os artigos precedentes poderão ser expropriadas, precedendo a respectiva indemnisação, as propriedades que tivessem direito a adquirir ou aproveitar no seu curso inferior as aguas que hajam de ser detidas em albufeiras, ou derivadas em canaes, uma vez que as condições não permitiam conciliar a beneficiação nova com o estado anterior.

§ 1.° Para que possa ter logar a expropriação é necessario que os concessionarios provem que a beneficiação nova abrange pelo menos o triplo da area anteriormente beneficiada.

§ 2.° Os requerimentos para expropriação desta natureza irão a informar á repartição hydraulica respectiva, para instrucção do governo.

§ 3.° Aos predios adquiridos nestas condições applica-se o disposto no § 2.° do artigo 131.°

Art. 134.º Os concessionarios gosarão:

1.° Da faculdade de explorar pedreiras, recolher pedra solta, construir fornos de cal, gesso, ladrilho, cimento e depositar materiaes ou fundar estaleiros nos terrenos contiguos ás obras; sendo gratuita esta faculdade se os terrenos forem do estado, e se forem particulares mediante indemnisação pelos rendimentos cessantes, combinada amigavelmente ou sentenciada em juizo;

2.° Do direito de expropriação por utilidade publica para os terrenos occupados por albufeiras, canaes, presas, diques, motas e todas as obras em geral destinadas, directa ou indirectamente, a installar os serviços de beneficiação hydraulica;

3.° De igual direito para as areas a explorar, com o fim de extrahir terras destinadas á colmatagem artificial;

4.° De isenção de contribuição de registo pela acquisição dos terrenos expropriados;

5.° Da cessão gratuita dos terrenos publicos nos casos dos n.ºs 2.° e 3.° e nos termos do artigo 106.°;

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6.° Da isenção do pagamento de contribuição industrial pelos estabelecimentos fabris necessarios para as obras;

7.° Do rendimento das culturas sobre os vallados, motas e diques, isentas de pagamento de contribuição predial.

Art. 135.° Os municipios, nos limites dos seus recursos orçamentaes, e o estado, mediante auctorisacão parlamentar, poderão conferir subsidios ás emprezas ou consorcios de irrigação e colmatagem.

§ unico. O quantum destes subsidios será uma das bases da licitação em concurso.

Art. 135.° Poderá tambem o governo conceder em beneficio dos concessionarios, no todo ou em parte, e com o limite de vinte annos, o excesso de rendimento dos impostos prediaes das terras beneficiadas, alem do praso de isenção concedido ás mesmas terras pelo artigo subsequente.

Art. 137.° O estado concede ás terras beneficiadas pelos canaes de irrigação e colmatagem:

1.° Isenção de contribuição predial sobre o augmento de rendimento collectavel, durante dez annos a todas as areas que de seccas passarem a ser regadas, e durante trinta annos a todas as que, anteriormente improductivas, vierem a tornar-se productivas pelo transporte hydraulico de terras fertilisantes;

2.° Isenção de contribuição de registo na primeira transmissão para as terras regadas, e em tres successivas para as terras colmatadas.

Art. 138.° Os concessionarios terão de conservar em bom estado o conjuncto das obras durante o praso da sua concessão; e inutulisando-se para o fim a que são destinadas, es proprietarios ficarão desobrigados do pagamento das rendas estipuladas.

§ 1.° Ás repartições hydraulicas compete a fiscalisacão do estado das obras e do funccionamento geral das irrigações e colmatagens.

§ 2.° No caso de inutilisação parcial ou geral accusada pela repartição respectiva, o governo fixará um praso para a reconstrucção ou reparação.

§ 3.° Expirado esse praso, e não tendo os concessionarios reposto as obras em condições de satisfazerem aos seus fins, será a concessão declarada caduca.

§ 4.° No caso de declaração de caducidade applicar-se-ha o disposto no artigo 130.°, quanto á de extincção de praso.

SECÇÃO V

Motores industriaes

Art. 139.° Compete ao governador civil do districto dar licenças para a installação de machinas e motores fluctuantes nos cursos de agua navegaveis e fluctuaveis, quer essas machinas e motores operem directamente, quer transmitiam o movimento a apparelhos fixos em terra.

§ 1.° O requerimento de licença deverá ser instruido com os documentos que provem:

1.° Ser o solicitante dono das margens a que as atracações devem eftectuar-se, ou haver obtido licença de quem o seja;

2.° Não oppor a installação obstaculos á navegação nem á fluctuação.

§ 2.° Antes de conceder a licença, o governo civil ouvirá sobre o requerimento os proprietarios de ambas as margens e os donos dos estabelecimentos industriaes que possa haver a jusante.

§ 3.° Quando a nova installação fluctuante occasionar prejuizos, ou aos proprietarios marginaes, ou a industrias estabelecidas, a indemnisação d'esses prejuizos será paga pelo concessionario.

§ 4.° No caso de obstaculo insanavel por outra fórma, a licença poderá ser cassada, ouvida a repartição hydraulica respectiva, sem direito a indemnisação para o concessionario.

Art. 140.° Quando um estabelecimento industrial localisado na proximidade de uma corrente, communique ás aguas substancias ou propriedades nocivas á saude publica, á vegetação ou á conservação e propagação das especies ichtyologicas, a auctoridade administrativa, ouvidas as queixas dos interessados, procederá a uma vistoria technica e, sendo fundadas essas queixas, mandará suspender o exercicio da industria até que se dê remedio aos males occacionados.

§ 1.° As despezas da vistoria serão pagas pelo queixoso se a queixa for infundada, e pelo dono do estabelecimento industrial no caso contrario.

§ 2.° Quando, ao cabo de seis mezes, o dono do estabelecimento não tiver empregado o meio indicado para evitar o mal, entende-se que renuncia a continuar a exploração da sua industria.

Art. 141.° As concessões para utilisação de aguas publicas como motores industriaes são perpetuas; mas se, pelos motivos indicados no artigo precedente, vierem a caducar, os concessionarios não terão direito a indemnisação de especcie alguma.

Art. 142.° Todo aquelle que aproveitar aguas publicas para machinas e motores industriaes, nos termos d'esta lei, ficará isento do pagamento de contribuição industrial durante cinco annos.

§ unico. Esta isenção será extensiva ao aproveitamento de aguas communs ou particulares.

SECÇÃO VI

Barcas, pontes e canaes de navegação

Art. 143.° Todo aquelle que pretender estabelecer nos cursos do agua sómente fluctuaveis barcas do passagem ou pontes de madeira para pôr em communicação caminhos vicinaes ou ruraes, solicitará a licença respectiva do governo civil do districto, declarando o logar onde pretende collocar a installação e suas dimensões, o seu systema e a tarifa de preços de passagem que intente estabelecer.

§ unico. A concessão da licença fica dependente da manutenção das condições fluctuaveis do curso de agua.

Art. 144.° Só ao governo compete conceder licenças; para o estabelecimento de barcas de passagem ou pontes nos cursos de agua navegaveis, devendo ellas fixar as tarifas de passagem e as mais condições necessarias para que o serviço de navegação e fluctuação não soffra, bem como para a segurança dos transeuntes.

Art. 145.° As concessões ou licenças a que se referem os artigos precedentes serão permanentemente revogaveis; somente haverá logar de indemnisação quando o estado necessite fazer uso das obras a que se referem e quando essas obras sejam utilisadas em beneficio publico.

Art. 146.° As mesmas licenças não impedem, tão pouco, que o governo possa ordenar o estabelecimento de barcas de passagem e pontes fluctuantes ou fixas, sempre que o interesse publico assim o reclame.

Art. 147.° As concessões destinadas á canalisação de um rio, com o fim de melhorar as suas condições de navegação ou fluctuação, á derivação de aguas para construir canaes de navegação, ou finalmente á instalação em algum rio navegavel de cabos ou correntes de reboques para estabelecer systemas de navegação especial, carecem de auctorisação do poder legislativo.

§ unico. A duração destas concessões não póde exceder noventa e nove annos, findos os quaes o estado entrará na posse completa das obras e seu material de exploração.

Art. 148.° Decorridos os dez primeiros annos de exploração, proceder-se-ha á revisão das tarifas que por lei tiverem sido outorgadas, e aspira se procederá sempre em periodos successivos de dez annos.

§ unico. Os typos das tarifas serão em todo o caso uniformes, não podendo haver contratos especiaes, nem tari-

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fas differenciaes, segundo o peso ou o volume, nem segundo a distancia.

SECÇÃO VII

Piscinas e viveiros

Art. 149.° Compete aos governadores civis dos districtos emittir as licenças para a formação de lagos, tanques, ou remansos para viveiros de peixe, sempre que dahi não provenha damno á saude publica, prejuizo á navegação ou fluctuação, nem a direitos adquiridos, e depois de ouvida a repartição hydraulica respectiva.

Art. 150.° O peticionario da licença apresentará o projecto completo das obras e titulo pelo qual mostre ser dono do terreno onde essas obras se hão de executar, ou ter obtido licença de quem o for.

Art. 151.° Os concessionarios de aguas publicas para irrigação e outros fins, podem, com auctorisaçao do governo civil do districto, formar em seus canaes, represas ou albufeiras, ou nos terrenos contiguos para esse fim adquiridos, remansos, tanques ou lagoas, para a creação de peixe ou outros animaes aquaticos.

Art. 152.° As licenças para os fins desta secção são perpetuas e subordinar-se-hão ás disposições especiaes do titulo VII d'esta lei na parte que lhes for adequada.

TITULO VI
Da arborisação por utilidade publica

SECÇÃO 1
Do vinculo florestal

Art. 153.° O vinculo florestal submette ás condições impostas por esta lei todas as terras, qualquer que seja o seu proprietario, cuja arborisação se torne essencial á salubridade publica e ao bom regime hydrographico; comprehendendo, portanto:

1.° As cumiadas e as encostas dos montes superiores á zona onde o castanheiro vegeta, silvestre ou cultivado, e, quando não apparecer esta especie, á zona productora de outras essencias florestaes analogas quanto á altitude, orientação e outras condições geraes vegetativas;

2.° As margens dos rios, quando as condições topographicas reclamarem a arborisação como meio de evitar corrosões e desabamentos que, precipitando-se, lhes embaracem ou desordenem o curso;

3.° As dunas das costas maritimas, para a fixação de areias soltas;

4.° As regiões palustres;

5.° As immediações dos grandes centros de população.

§ 1.° Exceptuam-se do n.° 1 d'este artigo:

1.° Os terrenos dispostos em socalcos ou terraços artificiaes, convenientemente preparados para conciliar a cultura com a defeza contra o desnudamento das encostas;

2.° Os comprehendidos em zonas superiores á vegetação dos castanheiros, que á data da publicação desta lei estiverem agricultados e que possam continuar a sei o sem prejuizo dos fins que esta lei tem em vista realisar.

§ 2.° Ficam comprehendidas no vinculo florestal todas as matas nacionaes, quer do estado, quer dos municipios ou parochias, ainda que não estejam incluídas em nenhuma das categorias do n.° 1.° a 5.° d'este artigo.

Art. 154.° Nos terrenos vinculados florestalmente e que estejam desarborisados proceder-se-ha á arborisação nos termos d'esta lei.

Art. 155.° As repartições circumscripcionaes florestaes formarão o cadastro dos terrenos que devem ser submettidos ao vinculo florestal de accordo com os seguintes preceitos:

1.° Levantarão uma planta parcellar para cada área continua de terrenos de cada uma das cinco especies designadas no artigo 153.° que houver em cada região. Estas plantas, uniformes com a carta corographica do reino, serão cotadas acima do nivel do mar em curvas de altitude traçadas uniformemente, e designarão a cores e signaes conveucionaes a constituição geognostica e o estado de vegetação dos terrenos, bem como as linhas divisorias das circumscripções administrativas e dos limites das propriedades;

2.° Cada planta será acompanhada por uma memoria descriptiva contendo os nomes das propriedades e de seus proprietarios, os das circumscripções administrativas respectivas, bem como a indicação das servidões que porventura onerem as propriedades;

3.° Outra memoria descreverá geognostica e hydrographicamente a arca estudada, indicando o estado actual da sua vegetação e as modificações que será necessario introduzir para evitar as corrosões, o desnudamento, a formação de ravinas e barrancos, ou a estagnação das aguas, ou a marcha das areias das dunas;

4.° Acompanhará finalmente um projecto das plantações, sementeiras e obras accessorias a executar com o respectivo orçamento.

§ 1.° De todas estas peças se tirarão copias que serão enviadas ao governo, ficando os originaes na repartição circumscripcional respectiva.

§ 2.° Todas estarão patentes ao publico, na secretaria de estado em Lisboa e na repartição respectiva, sendo as memorias publicadas no Diario do governo para os
fins adiante expressos.

Art. 156.° O proprietario de qualquer terreno incluido no vinculo florestal poderá reclamar contra essa inclusão dentro do praso de seis mezes da data da publicação das memorias respectivas no Diario do governo, apresentando ao governo, por intermedio da repartição circunascripcional, os fundamentos da sua reclamação.

§ 1.° Não se conformando o governo, a questão será resolvida em ultima instancia pelo supremo tribunal administrativo.

§ 2.° Decorrido porém o dito praso de seis mezes sem reclamação por parte do proprietario, ou, havendo-a, a área definida na planta o respectivas memorias ficará implicitamente declarada sujeita ao vinculo florestal para os effeitos d'esta lei.

Art. 157.° Á medida que as repartições circumscripcionaes forem levantando as plantas das areas vinculaveis irão extractando d'ellas as que pertencerem ao dominio publico, quer sejam propriedades do estado, quer dos municipios ou parochias, de forma a constituirem o cadastro geral das matas nacionaes.

§ unico. Como elucidação a cada planta parcellar dos terrenos de dominio publico sujeitos ao vinculo florestal, designar-se-hão as areas que conviria adquirir ou trocar para melhor arredondamento e constituição d'essas matas.

Art. 158.° O cadastro das matas nacionaes indicará quaes d'ellas são alienaveis e quaes o não são, ficando expresso que só póde ser alienada em virtude de disposição legislativa especial toda a mata de superficie superior a 100 hectares. As de superficie menor, quando entre ellas não medeie distancia inferior a 5 kilometros, poderão alienar-se ou trocar-se no caso de as condições especiaes não permittirem maiores extensões ou arredondamento.

§ 1.° As matas alienadas continuarão sujeitas ao vinculo florestal nos termos d'esta lei, quando estejam incluidas em algumas das cinco especies do artigo 103.°

§ 2.° Em todo o caso, o governo não poderá alienar matas, nem auctorisar a sua alienação ás corporações administrativas, sempre que o valor d'essas matas seja superior a 2:000$000 réis, sem auctorisação parlamentar.

§ 3.° As corporações administrativas ficam igualmente sujeitas ao prescripto no paragrapho precedente, não podendo alem disso effectuar alienações de qualquer valor sem auctorisaçao do governo.

§ 4.° A troca entre o governo e as corporações admi-

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nistrativas, e entre qualquer destas entidades e particulares, para o fim do arredondamento, é permittida quando o valor das superficies trocadas não exceder a 10:000$000 réis; no caso de exceder esta importancia, será necessaria auctorisação parlamentar.

§ 5.° A troca entre as corporações administrativas e particulares precisa sempre de auctorisação do governo, seja qual for o seu valor.
§ 6.° As trocas dos §§ 4.° e 5.° ficam isentas de contribuição de registo.

SECÇÃO II

Da arborisação dos terrenos vinculados

Art. 159.° Os donos de terrenos desarborisados submettidos ao vinculo florestal terão de proceder á sua arborisação nas condições officialmente determinadas.

Art. 160.° Os proprietarios poderão substituir a arborisação por obras de defeza contra a corrosão, insalubridade ou areamento, quando essas obras obtenham approvação do governo, ouvida a repartição respectiva.

§ 1.° As obras emprehendidas com o fim de subtrahir terras ao vinculo florestal terão de concluir-se dentro do praso de dois annos a datar do dia em que tiver sido feita a declaração, nos termos do § 2.° do artigo 156.°

§ 2.° Á repartição florestal vistorisará a execução de taes obras, e, quando as ache conformes, informará o governo, ao qual compete declarar a area excluida do vinculo florestal.

Art. 161.° No caso de impossibilidade ou recusa dos proprietarios a effectuarem a arborisação ou melhoramentos prescriptos, as propriedades poderão ser expropriadas por utilidade publica, para o estado ou para os municipios, conforme apontarem as indicações cadastraes.

§ unico. Os proprietarios poderão todavia readquirir os seus antigos terrenos, depois de arborisados, sempre que paguem as despezas feitas com a arborisação e ficando sujeitos, quanto á exploração d'elles, ao disposto no artigo 168.°

Art. 162.° Para os fins da creação e conservação das matas vinculadas, os proprietarios poderão constituir consorcios florestaes nos termos do titulo II d'esta lei, juntando às faculdades ahi concedidas a de hypothecarem collectivamente os terrenos a arborisar.

Art. 163.° Tanto o estado como as corporações administrativas inscreverão annualmente nos seus orçamentos uma verba destinada á arborisação dos terrenos de dominio publico vinculados e á acquisição daquelles que tiverem de ser expropriados.

§ unico. O producto das vendas de quaesquer parcellas, nos termos dos artigos 158.° e 166.°, de entre os que o cadastro das matas nacionaes declarar alienaveis, irá juntar-se ao fundo orçamentario com o destino indicado n'este artigo.

Art. 164.° Nos terrenos vinculados que sejam propriedade do estado, o governo poderá dar concessões florestaes por prasos não excedentes a noventa e nove annos a emprezas ou emprezarios que arborisem e explorem os referidos terrenos com sujeição aos preceitos desta lei e seus regulamentos.

§ 1.° Os municipios poderão fazer iguaes concessões, ficando todavia os contratos sujeitos á approvação do governo.

§ 2.° Os concessionarios poderão constituir-se em sociedade de qualquer natureza incluindo a anonyma e o consorcio.

Art. 165;° Nos terrenos vinculados que forem arborisados ou beneficiados, o estado concede a isenção de imposto predial sobre o excesso de valor durante cincoenta annos e a isenção de contribuição de registo em duas successões causa mortis, ou tres entre vivos.

Art. 166.° Os terrenos vinculados pertencentes a municipios ou parochias que; devendo ser arborisados; o não sejam dentro do praso de cinco annos da promulgação d'esta lei, serão alienados, ou por venda ao estado, quando devam ser incluidos no cadastro das matas nacionaes, ou por concessões nos termos do artigo 164.°, ou finalmente por venda ou aforamento a particulares, para os arborisarem ou beneficiarem em conformidade com esta lei.

Art. 167.° Cumpre ás repartições florestaes e ás estações regionaes agronomicas a conservação dos depositos de sementes que serão distribuidas gratuitamente aos proprietarios de terrenos vinculados na rasão das areas que cada um tiver a arborisar; bem como a dos viveiros para plantação dos quaes, tambem gratuitamente, se abastecerão os mesmos proprietarios.

SECÇÃO III

Da conservação do dominio florestal

Art. 108.° Todas as matas incluidas nas areas submettidas ao vinculo florestal, e tanto as existentes anteriormente á constituição d'este, como as que de futuro venham a crear-se, ficam sujeitas, no que diz respeito á sua exploração, ao regimen estabelecido pelos regulamentos das matas nacionaes.

Art. 169.° Os direitos e servidões sobre os terrenos sujeitos ao vinculo florestal deverão ser registados á face dos titulos na conservatoria da comarca respectiva, e na falta destes, á vista das justificações feitas em juizo, dentro de dois annos, a datar da declaração do vinculo noa termos do § 2.° do artigo 156; e faltando esse registo no praso indicado, caducarão quaesquer direitos ou servidões.

Art. 170.° Os direitos e servidões que pertencerem em commum a quaesquer povoações sobre terrenos declarados vinculados serão registados pela respectiva camara municipal, que terá de promover os termos do processo, sendo necessario, se assim lhe for requerido pela maioria dos interessados, ficando ella responsavel por qualquer omissão no cumprimento d'esse dever.

Art. 171.° É, permittido, tanto ao governo como ás municipalidades, no interesse da conservação do dominio florestal, e dentro dos seus recursos orçamentarios, indemnisar os proprietarios de terrenos vinculados para que excluam por um determinado tempo a pastagem de uma ou mais especies de animaes sobre os mesmos terrenos.

§ unico. A determinação da indemnisação de que trata este artigo, será feita por accordo, e na falta d'elle seguir-se-ha, na parte applicavel, o processo de expropriação por utilidade publica.

Art. 172.° Depois de vinculado florestalmente um terreno, não poderá constituir-se n'elle servidão de qualquer natureza, excepto se pela repartição respectiva for decidido que essa servidão não prejudica a conservação e natural desenvolvimento das matas.

SECÇÃO IV

Dos terrenos arborisaveis não comprehendidos no vinculo florestal

Art. 173.° Em todas as estradas reaes, districtaes ou municipaes, em que não está estabelecida a arborisação das bermas e dos taludes dos aterros, poderão os proprietarios confinantes effectual-a, ficando as arvores de propriedade particular, embora sujeitas aos regulamentos de policia e conservação das mesmas estradas.

Art. 174.° O proprietario de terrenos de mato, tapados ou abertos, não incluidos no vinculo florestal, e que tenham pelo menos a área de 1 hectare, se os quizer arborisar gosará das isenções seguintes:

1.° Não pagará durante vinte annos contribuição predial pelo augmento do rendimento collectavel;

2.° Receberá gratuitamente dos depositos e viveiros regionaes ou municipaes, as sementes ou plantas necessarias á arborisação;

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3.° Gosará do direito de guarda e defeza commettido pela secção VI d'este titulo á guarda florestal de caça e pesca para os terrenos vinculados, sempre que desista do direito de caça nos termos do artigo 213.°, ou faculte a passagem para o exercicio da pesca segundo o artigo 242.°

Art. 175.° Os terrenos arborisados com as isenções do artigo anterior ficarão de futuro sujeitos, quanto á sua exploração, aos regulamentos especiaes que para esta classe de matas serão elaborados pela repartição florestal em cada circumscripção e sanccionada pelo governo.

SECÇÃO V

Das penalidades

Art. 176.° O proprietario que, em conformidade com o disposto na secção II d'este titulo, tiver optado pela arborisação e consequente sujeição de seus terrenos ao vinculo florestal, e os desarborisar, arrotear ou explorar, contra as prescripções do artigo 166.° incorrerá na multa de 5$000 a 50$000 réis por hectare, ficando a demais obrigado a effectuar a rearborisação ou melhoramentos que a substituam, conforme o artigo 160.° dentro do praso de dezoito mezes.

Art. 177.° Verificando-se por meio de vistoria administrativa, requerida pela repartição respectiva que durante o praso indicado se não effectuou a arborisação ou as obras alludidas, o proprietario terá de depositar no praso de um mez a quantia que for julgada necessaria para a rearborisação, ou para as obras que serão feitas sob a inspecção da repartição e por ella administradas.

Art. 178.° O processo para haver as multas e o deposito de que tratam os artigos precedentes seguirão os tramites das execuções fiscaes.

Art. 179.° Os cortes feitos com inobservancia dos regulamentos das matas nacionaes, ou outras infracções ao disposto nos mesmos regulamentos e aos termos desta lei; bem como os cortes de arvores e o arranque de raizes e outros actos que produzam a desarborisação sem repovoamento, serão punidos com a multa pecuaria do duplo ao quadruplo das plantas destruidas e do damno commettido.

Art. 180.° A pastagem abusiva ou fraudolenta de gado nos terrenos sujeitos ao vinculo florestal será punida com as seguintes multas pecuniarias:

De 150 a 500 réis por cabeça para o gado vaccum;

De 100 a 400 réis para o caprino;

De 50 a 300 réis para o cavallar, muar ou asnal;

De 20 a 100 réis para o lanigero ou suino.

§ 1.° Estas multas serão applicadas no seu maximo quando a infracção se dê em matas com menos de dez annos de existencia, em caso de reincidencia, ou quando a introducção dos gados tiver logar de noite.

§ 2.° Alem da multa o transgressor pagará os damnos causados.

Art. 181.° Os damnos commettidos em viveiros ou sementeiras do estado ou dos municipios serão punidos com o decuplo da pena ordinaria.

Art. 182.° As penas pecuniarias, quando não forem pagas, serão convertidas em prisão á rasão de l$000 réis por dia;

Art. 183.° Os proprietarios são responsaveis por todas as infracções commettidas pelos seus agentes, e estes incorrerão por sua parte nas penas corporaes impostas pelo codigo penal quando commettam crime por elle previsto.

SECCÃO VI

Da guarda florestal

Art. 184.° Nas matas nacionaes administradas directamente pelo governo, a policia florestal ficará a cargo deste e sob a superintendencia da repartição florestal em cuja circumscripção as matas se encontrarem.

Art. 185.° Nas matas municipaes e parochiaes, e em todas as que o vinculo florestal abranger, a policia florestal ficará a cargo das camaras municipaes que a exercerão por meio de um corpo de guardas florestaes de caça e pesca.

§ unico. O corpo de guardas florestaes policiará igualmente as matas do que trata o artigo 174.°

Art. 186.° Cumpre mais ao corpo de guardas florestaes exercer a fiscalisação do cumprimento das disposições do titulo VII d'esta lei.

Art. 187.° Os guardas florestaes de caça e pesca poderão accumular com o serviço publico, e sem prejuizo d'elle, a guarda das propriedades particulares percebendo os proventos inherentes.

Art. 188.° Para a dotação da guarda florestal de caça e pesca, as camaras municipaes abrirão nos seus orçamentos uma verba fixa, que será ampliada com o producto do arrendamento dos coutos e licenças de caça, com o das concessões e licenças de pesca, o das tomadias e multas, conforme o estabelecido no titulo VII, e bem assim com o producto das multas por transgressões conforme a secção V d'este titulo.

Art. 189.° Os quadros do corpo de guardas florestaes de caça e pesca, era cada municipio, conforme a extensão do seu dominio florestal, e os rendimentos disponiveis; os regulamentos do fiscalisação, e as instrucções de serviço, serão formulados para cada concelho pela respectiva repartição florestal e approvados pelo governo.

§ unico. As camaras municipaes pertence a nomeação dos guardas e a fixação dos seus vencimentos.

Art. 190.° Os guardas nomeados, antes de entrarem em serviço, apresentarão as suas nomeações ao juiz de direito da comarca onde servirem, o qual lhes deferirá juramento de bem e fielmente cumprirem os deveres do seu cargo.

§ 1.° Ajuramentados, os guardas levantarão autos de noticia das transgressões, podendo usar do armas, prender os delinquentes em flagrante delicio, e reclamar a presença das auctoridades administrativas e judiciaes, e o auxilio da força publica, segundo as attribuições que respectivamente lhes forem marcadas nos regulamentos.

§ 2.° As desobediencias, injurias, offeusas corporaes e resistencia a estes empregados ajuramentados serão punidas com as penas que a lei penal impõe aos que commettem aquelles delictos contra os empregados publicos.

Art. 191.° Alem dos vencimentos que lhes forem arbitrados, os guardas perceberão o terço de todas as multas cobradas em virtude dos autos que tiverem levantado.

Art. 192.° Os delictos previstos na secção V d'este titulo, e aquelles que forem designados nos regulamentos desta lei, serão julgados em processo de policia correccional, promovido pelo agente do ministerio publico da respectiva comarca, servindo-lhe de base ou de corpo de delicto o auto levantado pelo guarda florestal.

§ unico. Estes autos serão acreditados em juizo até prova plena em contrario, e serão entregues ou remettidos ao agente do ministerio publico no praso de tres dias pelo guarda ou guardas que os levantarem.

TITULO VII

Da caça e pesca

SECÇÃO I

Da caça

SUB-SECÇÃO I

Coutos municipaes

Art. 193.° Em todos os terrenos que não forem propriedade particular ou, sendo, não estiverem tapados, pertence às camaras municipaes dispor da caça, em conformidade com as prescripções da presente lei.

§ 1.° Exceptuam-se as matas nacionaes administradas

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pelo governo, nas quaes este disporá da caça nos termos d'esta lei e seus regulamentos.

§ 2.° Exceptuam-se igualmente os caminhos de ferro e suas dependencias, incluindo os taludes dos aterros onde a caça é prohibida.

Art. 194.° Para regular o exercício da caça, os terrenos a que se refere o artigo precedente serão divididos em coutos.

Art. 195.° Couto de caca é uma superficie possuida por um só ou mais proprietarios, dentro da qual os animaes bravios que constituem a caca propria de cada região, ficam sob a guarda das auctoridades, e especialmente dos guardas florestaes de caça e pesca, nos termos e com as garantias expressos nesta lei.

Art. 196.° Os coutos constituem-se por meio de um registo contendo a designação dos terrenos que os formam; registo que será conservado nos archivos das camaras municipaes.

§ unico. As matas nacionaes serão tambem constituídas em coutos de caca e os registos respectivos ficarão a cargo da repartição florestal era cuja circumscripção estiver a mata.

Art. 197.° As camaras municipaes farão o cadastro summario dos terrenos que podem constituir coutos de caça, e dividindo-os em lotes, adjudicarão em praça o direito de caçar dentro d'elles.

Art. 198.° Os terrenos a que se refere o artigo precedente são, conforme o preceituado no artigo 193.°:

1.° Os publicos, pertencentes ao estado, aos municipios ou a outras corporações administrativas;

2.° Os abertos, de logradouro commum, dos habitantes de uma parochia ou de um logar;

3.° Os abertos, de propriedade particular.

§ 1.° Se os terrenos anteriormente designados forem cultivados, a caça só será permittida depois de effectuada a colheita, nos termos dos artigos 385.° do codigo civil e 214.° d'esta lei.

§ 2.° Se, subsequentemente ao estabelecimento do couto nos terrenos de propriedade particular, algum trato vier a ser tapado, esse trato poderá ser desacoutado, quando o proprietario assim o requeira, devendo declaral-o antes de nova adjudicação.

Art. 199.° Para o estabelecimento dos coutos, as camaras municipaes cumprirão as formalidades seguintes:

1.° Organisarão o cadastro summario, effectuando a sua divisão em lotes, conforme dispõe o artigo 196.°;

2.° D'este documento, que será patente na secretaria da camara por espaço de oito dias, serão extrahidas copias para serem remettidas ás juntas de parochia onde estiverem situados os terrenos, a fim de serem affixadas á porta da igreja matriz de cada uma, ou em mais de uma, quando as parochias forem meeiras ou o couto abranger terrenos em mais do uma parochia.

3.° Os proprietarios que julgarem offendidos os seus direitos poderão reclamar, dentro do praso de quinze dias da affixação, perante a camara municipal.

4.° Poderão igualmente reclamar contra a divisão dos lotes, quer pelo que respeita á sua composição quer pelo que respeita ás suas proporções.

5.° N'esta ultima especie de reclamações a camara resolverá sem appellação; mas na do n.° 4 haverá recurso para o tribunal do contencioso administrativo da respectiva circumscripção, sendo os terrenos sobre que a reclamação versar excluidos provisoriamente do couto.

6.° Resolvidas as reclamações, se as houver, será reformado em conformidade o cadastro summario e ficarão constituidos definitivamente os coutos municipaes.

Art. 200.° A adjudicação dos arrendamentos de contos de caça effectuar-se-ha por licitação publica nos paços do concelho.

§ 1.° O praso dos arrendamentos não será inferior a tres annos, nem superior a cinco.

§ 2.° Cada camara municipal, ouvida a repartição agronomia respectiva, estabelecerá um praso uniforme para o arrendamento de todos os coutos.

§ 3.° O dia da praça será annunciado com um mez de antecedendia por editaes affixados nos paços do concelho e nas portas das freguezias, bem como por annuncios em dois jornaes da localidade, havendo-os, e não os havendo, do concelho mais proximo.

§ 4.° Os arrematantes ou seus procuradores pagarão no acto da adjudicação a renda correspondente ao primeiro anno, obrigando-se a pagar no principio de cada um dos subsequentes as rendas ulteriores.

§ 5.° O rol dos coutos adjudicados por seus titulos ou miseros, com os nomes dos adjudicatarios será affixado por espaço do um mez nos paçes do concelho e nas portas de cada freguezia o extracto que lhe disser respeito.

§ 6.° igualmente será affixado o rol dos coutos que não tiverem sido arrematados, ou para futura licitação, ou com a declaração de que ficam desacoutados.

§ 7.° O adjudicatario tem o direito de transmittir a outrora o seu arrendamento.

Art. 201.° O producto das adjudicações será exclusivamente applicado pelas camaras municipaes para subsidiar a dotação da guarda florestal de caça e pesca instituida pela secção VI do titulo VI d'esta lei.

Art. 202.° As camaras municipaes poderão emittir licenças para caça nos terrenos que, não tendo sido ajudicados, ficarem desacoutados.

§ 1.° Essas licenças serão annuaes ou transitorias até á epocha da nova licitação dos coutos vagos.

§ 2.° Poderão ser passadas a favor de um ou de muitos individuos.

§ 3.° São intransmissiveis.

§ 4.° O seu preço poderá variar entre 2$000 réis e 30$000 réis por pessoa, conforme o numero das pessoas e a extensão dos terrenos desacoutados temporariamente.

§ 5.° Abrangerão toda a area d'esses terrenos.

Art. 203.° O producto das licenças terá a mesma applicação mencionada no artigo 201.°

Art. 204.° As disposições anteriores são applicaveis, na parte que lhes for adequada, á formação de coutos de caça e emissão de licenças nas matas nacionaes administradas directamente pelo governo, revertendo o seu producto para o thesouro publico.

SUB-SECÇÏO II

Regime especial dos predios tapados ou vedados

Art. 205.° É licito a qualquer pessoa caçar nos terrenos de sua propriedade e independentemente de quaesquer regulamentos, uma vez que esses terrenos estejam tapados de um modo continuo, por muros, paredes, valos ou valiados que circuitem todo o predio.

§ 1.° O predio nestas condições fica constituindo um couto particular.

§ 2.° Para esse effeito é necessaria a declaração expressa do proprietario nos termos dos artigos subsequentes.

Art. 206.° Antes de constituidos os coutos municipaes de que trata a sub-secção anterior, os proprietarios de predios tapados serão convidados a declarar se reservam para si o direito de caça, ou se desistem d'elle nos termos d'esta lei.

§ 1.° Esse convite será feito por avisos affixados nas portas das freguezias.

§ 2.° As declarações dos proprietarios serão feitas perante as juntas de parochia que as enviarão á camara municipal respectiva, ou perante a propria camara.

§ 3.° Em vista da declaração, a camara dará gratuitamente ao proprietario uma certidão da constituição do couto particular.

Art. 207.° Havendo declaração do desistencia, ou não havendo declaração alguma, o predio será incluido no ca-

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dastro summario do artigo 197.°, entrando no regime dos coutos municipaes.

§ 1.° Exceptuam-se desta disposição os predios tapados por muros de altura superior a 1m,50 para os quaes será necessaria a declaração expressa de desistencia acompanhada pela indicação das portas ou cancellas por onde a entrada é permittida.

§ 2.° Nos predios que, em virtude do disposto neste artigo, forem incluidos em coutos municipaes, os guardas florestaes, alem da fiscalisação da caça e pesca, exercerão a policia quanto aos fructos e á segurança pessoal de seus proprietarios, usando de todas as attribuições que lhes confere a secção VI do titulo VI d'esta lei.

Art. 208.° Com os coutos municipaes formados por predios tapados seguir-se-hão os tramites indicados na subsecção anterior para a adjudicação, e o seu rendimento terá o destino indicado no artigo 201.°; podendo tambem emittir-se licenças iguaes às do artigo 202.° e com identica applicação de producto.

Art. 209.° O proprietario que não tiver declarado reservar para si o direito de caça, consentindo na inclusão do seu predio nos coutos municipaes, poderá revogar esse consentimento e fazer a declaração de reserva, expirado que seja o primeiro ou qualquer successivo praso de arrendamento e antes de nova adjudicação.

Art. 210.° Se o adjudicatario de um couto deixar, por proposito ou negligencia, desenvolver os animaes bravios por fórma a prejudicar as culturas, a camara municipal, ouvidas ambas as partes, poderá mandar exterminar os animaes bravios até aos limites convenientes, tendo o producto da venda da caça a mesma applicação do artigo 201.°

Art. 211.° O proprietario que, tendo reservado o direito de caça, constituindo o seu predio em couto particular, quizer arrendal-o, poderá fazel-o sujeitando-se ás disposições prescriptas para os coutos municipaes.

§ 1.° Os predios nestas condições serão inscriptos no registo dos coutos de caça, e pela inscripção o proprietario pagará 1 por cento do valor collectavel.

§ 2.º Pagará alem d'isso annualmente uma quantia igual como indemnisacão pela guarda e outros beneficios provenientes da equiparação aos coutos municipaes.

§ 3.° O producto da inscripção e das rendas, terá o destino indicado no artigo 201.°

Art. 212.° A disposição do artigo precedente é extensiva aos consorcios de proprietarios, constituido nos termos do titulo II d'esta lei.

§ unico. Nos coutos consorciaes será devido sempre o pagamento da inscripção e renda, quer o direito da caça seja arrendado a estranhos, quer seja exercido por um só, por muitos, ou por todos os proprietarios associados.

Art. 213.° A fiscalisação exercida pelos guardas florestaes de caça e pesca nos coutos municipaes e nos particulares, poderá abranger tambem os coutos reservados para uso exclusivo dos seus proprietarios, nos termos do artigo 205.°, quando estes queiram sujeitar-se ao pagamento da inscripção e da renda, expressas nos §§ 1.° e 2.° do artigo 211.°

SUB-SECÇAO III

Disposições policiaes

Art. 214.° É expressamente prohibido o exercicio da caça á pessoa que não seja o dono, ou por elle esteja auctorisado:

1.° Nos pateos ou glebas adjacentes ás casas de habitação, nos pomares, hortas, quintaes e jardins, em qualquer epocha do anno;

2.° Nos terrenos cultivados de cereaes, ou tendo qualquer outra sementeira ou plantação annual, antes de effectuada a colheita;

3.° Nos terrenos que se acharem de vinhago ou de outras plantas fructiferas vivazes de pequeno porte, desde que essas plantas comecem a abrolhar até que estejam colhidos os fructos;

4.° Nos terrenos plantados de oliveiras ou de outras arvores fructiferas de grande porte, desde o começo da maturação dos fructos até conclusão da sua colheita.

Art. 215.° Se o animal ferido se acolher em couto do caça alheio ao caçador que o feriu, não poderá este seguil-o dentro do dito couto sem licença de seu dono, mas se o animal ahi cair morto, poderá o caçador, ou quem o representar, exigir que se lhe entregue, ou se lhe permitia que o vá buscar mas sem nenhum sequito.

§ 1.° Em todo o caso, o caçador é responsavel pelo damno que causar, e terá de o pagar em dobro sendo o facto praticado na ausencia do offendido ou de quem o representar.

§ 2.° Sendo mais de um caçador serão todos solidariamente responsaveis.

§ 3.° O facto da entrada dos cães de caça em um couto, independentemente da vontade do caçador, em seguimento do animal, só produz a obrigação de mera reparação dos damnos que causarem.

§ 4.° A acção para a reparação do damno prescreve por trinta dias contados desde aquelle em que o mesmo damno foi commettido.

Art. 216 É absolutamente defeso destruir os ninhos, ovos ou ninhadas de aves de qualquer especie em contos de caça alheios.

Art. 217.° É absolutamente prohibida a venda, compra, e transporte de caça durante a epocha em que os regulamentos respectivos á região prohibir o exercicio da caça.

§ unico. Todos os agentes da auctoridade, de qualquer especie que forem, terão o direito e o dever de apprehender a caça exposta á venda ou para transporte. A caça apprehendida será vendida em leilão pelas auctoridades municipaes e o seu producto reverterá, metade para o apprehensor e metade para o concelho, com destino igual ao que marca o artigo 201.°

Art. 218.° Os regulamentos para a execução d'esta lei determinarão:

1.° A epocha em que a caça ou certa caça deve ser prohibida absolutamente ou por certo modos, bem como as multas que devem ser impostas por contravenção, não só d'esta disposição, como das demais prescripções regulamentares;

2.° A idade e mais condições requisitadas para que um individuo possa obter licença de caça ou adjudicação de um couto, e determinação expressa dos casos que o impedem;

3.° Os processos, apparelhos e instrumentos, que são licitos segundo as localidades, e aquelles que são defezos, não só localmente, mas em absoluto;

4.° As especies de animaes nocivos que é licito a todos exterminar, e as disposições convenientes para prevenir o exterminio dos animaes uteis em geral e das aves em particular;

5.° A maneira de transportar os cães de caça, quer da casa do caçador para o couto, quer de um local para outro, assim como as medidas policiaes a respeito dos cães vadios ou vagabundos, dos que forem encontrados nos coutos, e tambem dos gatos que ahi se acharem;

6.° Os casos especiaes em que é licito caçar de noite, e sob que condições;

7.° Os meios preventivos para evitar que os arrendatarios de coutos e portadores de licenças exterminem a caça na approximação do termo dos arrendamentos ou licenças;

8.° As normas a seguir, nos termos desta lei, para a adjudicação dos coutos, e emissão de licenças;

9.° As instrucções especiaes para o serviço dos guardas florestaes de caça e pesca.

10.° Os processos a seguir para o estabelecimento da estatistica da caça;

11.° Todas as disposições necessarias á boa execução desta lei, quer estejam expressamente reservadas para se

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rem regulamentadas, quer se contenham n'ella implicitamente.

§ 1.° Os regulamentos a que se refere este artigo serão elaborados para cada região pela respectiva estação agronomica regional.

§ 2.° Os regulamentos não deverão ser uniformes, mas sim adequados aos usos e conveniencias especiaes da região.

§ 3.° Os regulamentos serão outorgados pelo governo.

SECÇÃO II

Da pesca

SUB- SECÇÃO I

Nas aguas salgadas ou mixtas

Art. 219.° Compete ao governo regular o exercicio da pesca nas aguas salgadas e nas mixtas sobre que se estende a auctoridade das capitanias dos portos.

Art. 220.° Nas mesmas aguas o governo poderá fazer concessões de pescaria a emprezas ou emprezarios que as queiram explorar, ou estabelecer viveiros de creação de peixe ou outros animaes aquaticos.

§ 1.° Cada concessão terá por objecto uma superficie continua de agua, precisamente limitada, na qual, durante o praso concedido, sómente o adjudicatario terá o direito exclusivo de pescar ou estabelecer viveiros de peixes ou outros animaes aquaticos, para os explorar pela fórma previamente regulamentada.

§ 2.° As repartições departamentaes maritimas e as capitanias dos portos serão ouvidas pelo governo ácerca de todas as concessões requeridas, e ás mesmas instancias cumpre fiscalisar a execução d'ellas.

§ 3.° O praso maximo destas concessões será de noventa e nove annos.

§ 4.° Poderão ser feitas a individuos ou a emprezas constituidas segundo qualquer das formas da sociedade commercial.

§ 5.° Ficarão sujeitas aos regulamentos especiaes relativos á pesca nas aguas salgadas e mixtas.

§ 6.° O seu rendimento constituirá receita do thesouro publico.

Art. 221.° O governo poderá estabelecer beneficios e isenções até um terço do valor dos impostos de pesca, ás emprezas que quizerem estabelecer a pesca a vapor nos mares territoriaes.

Art. 222.° Em todas as praias abertas de pesca maritima onde não haja abrigos, portos artificiaes ou enseadas onde os barcos possam permanecer, sendo necessario alal-os a braço para terra, o governo, quando o numero de barcos registados exceder cincoenta, mandará construir cabrestantes para substituir o trabalho braçal directo.

Art. 223.° As camaras municipaes das povoações piscatorias organisarão monte pios cooperativos de soccorros e caixas de emprestimos sobre penhores, conforme os regulamentos que, elaborados por ellas, serão submettidos á approvação da auctoridade administrativa.

SUB-SECÇÃO II

Das aguas concelhias

Art. 224.° Compete ás camaras municipaes dispor da pesca nas aguas publicas doces e nas mixtas que não estiverem sob a alçada das capitanias dos portos.

Art. 225.° A pesca nestas aguas será exercida por meio de concessões, nos termos dos artigos subsequentes.

Art. 226.° As camaras municipaes formarão o cadastro das aguas publicas determinando a sua localisação e area por parochias.

§ 1.° Se uma corrente, lago ou lagoa, forem em parte agoa publica e em parte agua commum, o cadastro indicará com precisão os limites divisorios das duas especies.

§ 2.° O cadastro comprehenderá o registo de todos os direitos legalmente adquiridos por particulares, ou pelas populações marginaes, sobre a pesca em certos e determinados pontos.

3.° Dividirá finalmente a superficie das aguas concelhias em lotes ou concessões, fixando precisamente os limites de cada uma.

Art. 227.° A publicação das relações cadastraes e a organisação definitiva das concessões sujeitar-se-hão ás formalidades prescriptas no artigo 199.° para os coutos de caça, havendo os mesmos recursos ali mencionados.

Art. 228.° As camaras municipaes adjudicarão as concessões em praça seguindo tambem o estabelecido no artigo 200.°

§ 1.° O praso d'estas concessões será desde cinco até quarenta e nove annos, ficando porém as concessões de mais de nove annos sujeitas á approvação do governo.

§ 2.° O plano das concessões e respectivos prasos serão sujeitos ao exame da repartição hydraulica circumscripcional respectiva que sobre elles informará.

Art. 229.° Ficando por arrematar alguma ou algumas concessões, as camaras municipaes emittirão licenças annuaes de pesca nos termos do artigo 202.° para as de caça.

§ 1.° Estas licenças serão sempre pessoaes e instransmissiveis.

§ 2.° Abrangerão toda a superficie de aguas não concedida.

§ 3.° O seu preço terá o minimo de 2$000 réis e um maximo indeterminado.

§ 4.° Os preços das licenças constarão de uma tabella elaborada pelas camaras municipaes e approvada pelo governo civil do districto, segundo a especie do pescado, os apparelhos empregados e o numero de pescadores que formarem a companha do um mesmo barco.

Art. 230.° Se as conveniencias locaes assim o aconselharem, as camaras municipaes poderão applicar á pesca nas aguas concelhias exclusivamente o systema das licenças annuaes, pondo de parte por um periodo determinado o systema das concessões.

Art. 231.° O producto de concessões e licenças terá o destino marcado no artigo 201.°

Art. 232.° A guarda florestal de caça e pesca compete fiscalizar e garantir a effectividade dos direitos dos concessionarios e portadores de licenças.

Art. 233.° Os que tiverem, permanente ou transitoriamente, direito de pesca sobre determinadas aguas, e quizerem inscrevel-as como concessões no registo respectivo, poderão fazel-o mediante o pagamento de emolumentos o renda annual fixa, que serão arbitrados pela camara municipal, ficando por isso no goso das vantagens correspondentes.

§ unico. O producto d'estes emolumentos e rendas terá o destino indicado no artigo 201.°

Art. 234.° Compete igualmente ás camaras municipaes dispor da pesca nas aguas communs, segundo a definição do n.° 2.° do artigo 381.° do codigo civil, quer para se effectuar fluctuantemente, quer da margem, quando os terrenos marginaes forem publicos ou particulares não murados.

§ 1.° Sendo os terrenos murados, não poderá effectuar-se a pesca da margem sem licença do proprietario.

§ 2.° Sendo os terrenos abertos, a faculdade que este artigo confere só diz respeito ás epochas em que os mesmos terrenos estiverem sem cultura, porque do contrario será necessaria a licença do proprietario.

Art. 235.° As camarás municipaes elaborarão um cadastro das aguas communs do concelho pela fórma que for indicada nos regulamentos d'esta lei, comprehendendo as que estão nos termos dos artigos precedentes.

§ unico. Respectivamente a este cadastro e á faculdade ou reserva de passagem que os proprietarios ribeirinhos

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façam em seus predios, com respeito á pesca marginal, observar-se-ha o que dispõem os artigos 233.° e 234.°

Art. 236.° Determinadas as aguas communs e as condições em que n'ellas póde ser exercida a pesca, na fórma dos artigos precedentes, as camaras municipaes organisarão nessa conformidade os planos das concessões.

§ 1.° Na organisação destes planos, as camaras attenderão á largura e volume das correntes, assim como á livre disposição das duas margens, á reserva de ambas, ou de uma só.

§ 2.° Quando a corrente for suficientemente larga, para que a pesca se possa exercer em um lado, independentemente do outro, sem dar origem a contestações, as camaras poderão estabelecer os planos de concessões em uma só margem; mas do contrario estabelecer-se-hão comprehendendo as duas margens.

Art. 237.° O praso das concessões sobre as aguas communs variará entre quatro e sete annos.

§ unico. A estas aguas são applicaveis as disposições do § 2.° do artigo 228.° e dos artigos 229.° e 230.°

Art. 238.° As concessões serão adjudicadas em conformidade com o disposto no artigo 200.°, e as licenças emittidas de accordo com o artigo 229.°

Art. 239.° O producto das concessões e licenças para a pesca em aguas communs terá a applicação marcada pelo artigo 201.°

Art. 240.° Quando em um curso ou lençol do agua publica ou commum estiver a linha divisoria de dois concelhos, o governador civil do districto designará qual d'elles deve reger para o facto da adjudicação de concessões e emissão de licenças, rateando-se ao depois o producto na rasão da superficie das aguas de cada concelho.

SUB-SECÇÃO III

Das aguas particulares

Art. 241.° O direito de pescar nas aguas particulares pertence exclusivamente, e independentemente de quaesquer regulamentos ou fiscalisação, aos donos dos predios onde taes aguas estão ou correm, nos termos do artigo 397.° do codigo civil.

§ 1.° São para este effeito consideradas aguas particulares as piscinas, tanques, presas, lagos ou lagoas, naturaes ou artificiaes, e os pequenos cursos localisados dentro de um predio tapado de uma maneira continua.

§ 2.° São equiparados ás aguas particulares os canaes de irrigação, albufeiras e quaesquer presas ou correntes artificiaes de agua que forem possuidos por alguma empreza ou emprezario; sendo, porém, equiparados ás communs, quando pertençam a consorcios de proprietarios.

Art. 242.° Os donos de aguas particulares que queiram submettel-as ao regime estabelecido nesta lei para as publicas e communs, sob o ponto de vista da pesca, deverão declaral-o á camara municipal a fim de serem as mesmas aguas incluidas no cadastro respectivo.

§ 1.° Os mencionados donos não terão a pagar renda annual nem inscripção ou registo, e gosarão da defeza exercida pela guarda florestal de caça e pesca tanto n'essas aguas como nos predios adjacentes.

§ 2.° As camaras municipaes têem a faculdade de acceitar ou recusar a desistencia dos proprietarios.

SUB-SECÇAO IV

Disposições policiaes

Art. 243.° São absolutamente prohibidos a pesca, o commercio e o transporte de ovas e de peixe, e outros animaes aquaticos que não attingirem as dimensões regularmente determinadas.

§ 1.° Exceptuam-se os que se destinarem á piscicultura, ostreicultura e outras creações artificiaes, ou á isca dos anzões o apparelhos de pesca, sempre que se mostre não haver prejuizo para a propagação das especies, com observancia das disposições regulamentares estabelecidas.

§ 2.° Na applicação destas disposições ao commercio dos productos da pesca presumir-se-ha sempre, salvo prova em contrario, que taes productos vem de aguas de dominio publico ou de mares territoriaes, umas e outros não sujeitos á apropriação particular.

§ 3.° Todos os agentes da auctoridade, de qualquer especie que sejam, terão o direito e o dever de apprehender os productos de pesca, a que se refere este artigo, e que forem apresentados para venda ou transporte.

§ 4.° Os productos apprehendidos serão vendidos em hasta publica pelas auctoridades municipaes e o seu rendimento reverterá, metade para o apprehensor, e metade para o concelho, com o destino marcado no artigo 201.°

Art. 244.° É absolutamente prohibido o emprego da dynamite ou outra substancia explosiva no exercicio da pesca, bem como o lançar á agua materias toxicas com o fim de entorpecer, atordoar ou matar o peixe ou outros animaes aquaticos; sendo igualmente prohibida a colheita dos animaes assim atordoados ou mortos.

Art. 245.° É absolutamente prohibido collocar atraves da rios, torrentes, canaes e outros cursos de agua, bem como nas bacias, lagos ou lagoas, apparelhos de pesca moveis ou fixos que possam impedir por completo a passagem do peixe.

Art. 246.° Os regulamentos para a execução desta lei determinarão:

1.° A epocha em. que a pesca ou certa especie de pesca deve ser prohibida, absolutamente ou por certos modos, segundo a natureza das aguas em que for exercida, ou sejam salgadas, doces ou mixtas, publicas, communs ou particulares; bom como as multas que devem ser impostas por contravenções, tanto relativamente a esta disposição, como aos demais preceitos regulamentares;

2.° A determinação exacta das divisorias entre aguas mixtas e doces;

3.° As condições necessarias á conservação das especies de peixes e outros animaes aquaticos, bem como as referentes ás epochas, modos e instrumentos de pesca segundo o regime das aguas e seu volume;

4.° As distancias da praia ou costa, ou por outra, a profundidade de agua a que se devem applicar as prescripções regulamentares da pesca, tendo especialmente em vista a conservação e reproducção das especies;

5.° A distancia relativa e mais condições na installação de apparelhos de pesca, fixos ou moveis, permanentes ou transitorios, entre si; e bem assim com referencia á foz dos rios e aos parques, tanques, piscinas, viveiros ou quaesquer outros recintos destinados á creação de peixe e outros animaes
aquaticos;

6.° Em que aguas e de que modo é licita a pesca de noite;

7.° Os processos e apparelhos que são permittidos para a pesca, segundo as especies animaes, a qualidade das aguas e a sua profundidade;

8.° As instrucções especiaes para serviço dos guardas flores taes de caça e pesca;

9.° As normas a seguir, nos termos d'esta lei, para a adjudicação das concessões e emissão de licenças;

10.° Os processos a seguir para o estabelecimento da estatistica da pesca;

11.° Todas as disposições necessarias para a boa execução d'esta lei, quer estejam expressamente reservadas par serem regulamentadas, quer se contenham n'ella implicitamente.

§ 1.° Os regulamentos referentes á pesca nas aguas salgadas e mixtas a que refere a sub-sccção I serão elaborrados pelas repartições departamentaes maritimas e pelas a pitanias dos portos.

§ 2.° Os regulamentos referentes á pesca em outra.

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aguas serão elaborados pelas repartições circumscripcionaes hydraulicas.

§ 3.° Os regulamentos não deverão ser uniformes, mas sim adequados aos usos conveniencias locaes ou regionaes.

§ 4.° Os regulamentos serão outorgados pelo governo.

SECÇÃO III

Das penalidades e processo

Art. 247.° Aquelle que pescar ou caçar em qualquer couto de caça ou concessão de pesca sem consentimento do respectivo adjudicatario, ou que, nos terrenos e aguas livres, caçar ou pescar sem licença, incorrerá na multa de 4$000 réis a 40$000 réis.

Art. 248.° A infracção do disposto no § 2.° do artigo 193.° e no artigo 214.°, alem dos damnos causados, será punida com a multa de 4$000 réis a 40$000 réis.

Art. 249.° Os que caçarem ou pescarem em tempo defezo e os que incorrerem nas actos prohibidos pelos artigos 214.° 243.° e 244.° serão punidos com a multa de 5$000 réis a 50$000 réis.

Art. 250.° Os que forem encontrados com engenhos, animaes ou instrumentos de caça ou de pesca prohibidos, ou os que os usarem, bem como os que infringirem a disposição do artigo 240.° serão punidos com a multa de 10$000 réis a 100$000 réis e alem d'isso com o confisco d'esses engenhos animaes ou instrumento que serão destruidos.

§ unico. No caso de se não poder effectuar a apprehensão, o delinquente pagará alem da multa o valor do animal ou instrumento do delicto.

Art. 251.° Havendo mais de um delinquente para o mesmo delicio, applicar-se-hão as multas tantas vezes quantos forem os delinquentes, e todos ficarão solidariamente responsaveis pelo pagamento.

Art. 252.° O pae ou mãe, os amos e os mandantes em geral, são civilmente responsaveis pelas infracções previstas nesta lei e que possam ser commettidas por seus filhos menores, creados ou mandatarios.

Art. 253.° As penalidades applicaveis á pesca ordinaria, sel-o-hão no decuplo quando recaírem sobre armações maritimas fixas.

Art. 254.° As multas serão duplas, quando os delinquentes usarem de fraude, quando praticarem o delicto de noite, ou quando reincindirem dentro do praso de um anno.

§ unico. Se forem adjudicatarios de contos ou concessões, ou portadores de licenças, alem da multa, poderão ser privados dos seus direitos durante o praso de meio mez para a caça e um mez para a pesca.

Art. 255.° Nos casos de reincidencia a duplicação da multa será progressiva para cada reincidencia, sem que todavia possa exceder a 200$000 réis.

Art. 256.° Quando o delinquente for um guarda florestal, applicar-se-ha sempre o maximo da pena, e será suspenso ou demittido, conforme a circumstancia.

Art. 257.° Todas as penas pecuniarias, poderão ser convertidas em prisão no caso de não pagamento da multa, á rasão de 400 réis diarios.

Art. 258.° As multas que os regulamentos prescreverem para as contravenções não mencionadas nesta secção poderão ser desde 2$000 até 20$000 réis.

Art. 259.° Os delictos e contravenções previstos n'este titulo, bem como os que forem indicados nos regulamentos respectivos, serão punidos pelo processo prescripto no artigo 192.°

Art. 260.° A fiscalisação da caça e pesca, para o cumprimento das determinações d'esta lei e salvaguarda dos direitos conferidos aos coutos e concessões, pertence especialmente aos guardas florestaes com as attribuições e direitos que lhes confere a secção VI do titulo VI d'esta lei.

§ unico. Nas matas nacionaes administradas directamente pelo governo, a fiscalisação dos respectivos coutos pertencerá aos guardas d'estas matas pela fórma que os regulamentos respectivos determinarem.

Art. 261.° A fiscalisação da pesca nos mares territoriaes e nas aguas mixtas, sob a alçada das auctoridades maritimas, compete aos guardas fiscaes, aos pilotos e a outros agentes que forem designados para isso, emquanto não for creado um corpo especial.

Art. 262.° Todos os agentes da auctoridade judicial, administrativa, fiscal e maritima, terão a obrigação de denunciar ás auctoridades competentes as transgressões de que tiverem conhecimento, pertencendo a esses agentes um terço das multas que se cobrarem em consequencia de taes denuncias.

TITULO IX

Da indivisibilidade dos casaes

Art. 263.° Os casaes continuos, cuja area não exceda 25 hectares, poderão ser declarados indivisiveis por seus donos.

§ 1.° São casaes continuos os predios rusticos formados por uma só gleba ou varias glebas, contiguas ou confinantes, com uma casa, pelo menos, de exploração rural onde o cultivador resida.

§ 2.° Quando a população rural, pelas condições naturaes do terreno, ou por outro motivo, existir aldeada, a residencia do cultivador poderá ser na povoação proxima, comtanto que a distancia do casal não exceda 2 kilometros.

§ 3.° Consideram-se inherentes aos casaes, para o effeito da indivisibilidade, as glebas de bravio que forem exploradas como subsidiarias da lavoura, produzindo lenha, mato ou pasto, destinados a auxiliar o amanho das terras cultivadas; e os prados naturaes, regados ou de sequeiro, destinados á pastagem ou á producção de feno; embora se achem destacados da gleba ou glebas lavradias.

Art. 264.° Considerar-se-hão como casaes continuos para o effeito da indivisibilidade os predios florestaes cuja area não exceda a 100 hectares.

Art. 265.° Os terrenos incultos, nos termos da definição do artigo 57.° não poderão constituir casaes indivisiveis.

Art. 266.° Os caminhos publicos, as servidões, as estradas, os caminhos de ferro e os cursos de agua que atravessem um casal não lhe destroem a continuidade para os effeitos d'esta lei.

Art. 267.° O proprietario de um casal declarado indivisivel poderá ulteriormente annexar-lhe uma ou mais glebas contiguas ou confinantes que venha a adquirir até ao limite de superficie marcado no artigo 263.°

Art. 268.° A indivisibilidade vigorará durante a vida e successão do declarante, podendo o seu herdeiro ou successor repetir, ou não, a mesma declaração segundo a sua conveniencia.

§ unico. No caso de venda, troca ou doação, o novo proprietario poderá livremente manter a indivisibilidade ou declaral-a caduca.

Art. 269.° Os casaes indivisiveis não poderão ser vendidos, trocados, doados ou transmittidos por qualquer titulo senão na sua totalidade.

Art. 270.° A declaração de indivisibilidade de um predio será feita pelo seu proprietario na repartição de fazenda do concelho respectivo, descrevendo a gleba ou glebas que o compõem.

§ 1.° A repartição de fazenda registará num livro especial intitulado matriz dos casaes indivisiveis, ex-officio e sem emolumentos, a declaração do proprietario, com a quota summaria do rendimento collectavel que o casal indivisivel tiver n'esse tempo, e dará certidão ao proprietario que com ella o fará inscrever na conservatoria da comarca.

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§ 2.° Fica á opção do proprietario inscrever o casal no registo ordinario da propriedade, ou no registo especial instituido pelo artigo 104.° para os terrenos incultos emprazados.

§ 3.° Antes de effectuado o registo não terá valor legal a declaração de indivisibilidade.

Art. 271.° O proprietario poderá designar dentre os seus descendentes, sem distincção de sexo, o successor do casal, ficando o nomeado com a obrigação de satisfazer aos co-herdeiros as tornas em dinheiro para igualar as partilhas nos termos geraes de direito.

§ 1.° Não havendo designação testamentaria, ou não havendo testamento, será o casal encabeçado em um dos herdeiros, conforme amigavelmente convierem entre si, ou na conferencia a que no respectivo inventario tenha de se proceder, segundo o disposto no artigo 714.° do codigo do processo civil.

§ 2.° Havendo numa successão mais de um casal, o proprietario não poderá nomear um só herdeiro com exclusão de outros em todos os seus casaes, mas terá de designar um a cada herdeiro quando o numero destes for igual ou superior ao d'aquelles; e na falta de designação proceder-se-ha tambem em conformidade com esta disposição e com a do paragrapho anterior.

Art. 272.° Na transmissão dos casaes indivisiveis por successão entre herdeiros descendentes ou ascendentes não será devida nenhuma contribuição de registo pelo herdeiro que ficar com o casal ou casaes, tanto da parte do valor que lhe pertencer em partilha, como do excedente d'ella.

Art. 273.° Se na successão houver mais do que um herdeiro e mais do que um casal indivisivel, a isenção da contribuição de registo referir-se-ha sempre a um casal para cada herdeiro, devendo aquelle que ficar encabeçado em mais de um casal pagar a contribuição de registo pelo excedente da sua quota parte, nos termos da lei de 18 de maio de 1880.

Art. 274.° Quando dois ou mais proprietarios possuirem glebas discontinuas, confinantes ou encravadas umas nas do outro ou outros, e combinarem effectuar trocas para o fim de constituirem casaes indivisiveis, não será devida contribuição de registo, nem pelas trocas, nem pelas tornas que haja a liquidar.

Art. 275.° Quando os terrenos trocados para o fim da constituição de casaes indivisiveis forem de natureza de prazo, o senhorio directo será obrigado a consentir na divisão do foro ou a acceitar a remissão por vinte pensões e respectivo laudemio, se o houver, á sua escolha.

§ unico. No caso de remissão, será dispensado o pagamento de contribuição de registo por titulo oneroso.

Art. 276.° A troca de glebas dispersas entre proprietarios para a constituição de casaes continuos e indivisiveis será efifectuada na presença do escrivão de fazenda do respectivo concelho, ou de um delegado seu.

§ 1.° No acto da troca todas as glebas serão medidas e designadas cada uma pelo seu nome com o rendimento collectavel que tiverem na matriz predial, no todo ou na parte correspondente ás parcellas que entrarem nas combinações dos proprietarios.

§ 2.° Quando as glebas estiverem localisadas em mais de um concelho, estarão presentes ao acto os respectivos escrivães de fazenda ou os seus delegados.

§ 3.° Estabelecido assim o compromisso da troca da glebas ou fracções de glebas para a constituição dos casaes continuos, o escrivão de fazenda passará aos proprietarios uma certidão do mesmo acto em tantas copias quantos os proprietarios forem, e mais uma que ficará archivada na repartição.

§ 4.° Á face desta certidão os proprietarios farão lavrar as escripturas cujos traslados servirão para o registo na matriz dos casaes individiveis de que falla o artigo 270.° procedendo-se depois conformemente ao mesmo artigo e seus paragraphos com relação ao registo predial.

§ 5.° O proprietario que, passado um mez depois de lavrada a escriptura de que trata o paragrapho precedente, não requerer a inscripção do casal, a que a transacção se refere, na matriz dos casaes indivisiveis e successivamente na conservatoria da respectiva comarca, pagará, alem da contribuição de registo correspondente a multa do triplo d'essa quantia.

TITULO X

Disposições diversas

Art. 277.° Fica o governo auctorisado a contratar, pela forma que julgar mais conveniente, a instituição de um banco rural nos termos do titulo I d'esta lei.

Art. 278.° Fica o governo auctorisado a abrir concurso publico, nos termos da secção IV do titulo V d'esta lei para a adjudicação da construcção do canal do Sorraia, entre o Couço e Coruche, na extensão approximada de 23 kilometros e a regularisação das margens de mesmo rio entre os pontos indicados.

§ unico. No caso de não haver concorrentes á praça, o governo poderá despender
até 150:000$000 réis com a construcção d'estas obras.

Art. 279.° Fica o governo auctorisado a abrir concurso publico, nos termos da secção IV do titulo V d'esta lei para a construcção das albufeiras de Vemos, no valle da ribeira de Anna Loira, e do Baeta, no valle da ribeira de Niza.

§ unico. No caso de não haver concorrentes á praça, o governo poderá despender até 200:000$000 réis com a construccão d'estas obras.

Art. 280.° Fica o governo auctorisado a abrir concurso publico para a adjudicação de uma doca de abrigo na praia da Povoa de Varzim.

§ unico. No caso de não haver concorrentes á praça, o governo poderá despender até 100:000$000 réis com esta obra.

Art. 281.º Fica o governo autorisado a despender até á quantia de 50:000$000 réis com a installação de cabrestantes braçaes ou a vapor nas praias abertas de pesca, á sua escolha.

Art. 282.° Fica o governo autorisado a organisar directamente em terrenos publicos, ou em particulares para esse fim adquiridos, até seis colonias emphyteuticas segundo o disposto nos artigos 73.° e seguintes d'esta lei, podendo para esse fim despender até a quantia de 50:000$000 réis.

Art. 283.° Fica o governo auctorisado a despender até á quantia de 10:000$000 réis com os estudos, viagens e trabalhos necessarios para a elaboração dos regulamentos d'esta lei.

Art. 284.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 27 de abril de 1887, = J. P. Oliveira Martins, deputado pelo circulo n.° 24 (Porto).

Propostas para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 26-D, de 20 de março do anno passado que tem parecer das commissões de guerra e fazenda sob o n.° 44.

Camara, em 26 de abril de 1887. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.
Lida na mesa foi admittida e enviada ás commissões de guerra e de fazenda.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

N.° 26-D

Senhores. - O fallecido major de engenheiros, João Antonio Ferreira Maia, serviu em Africa durante seis annos, sendo dois e meio nas obras publicas da provincia de Moçambique, na qualidade de chefe de secção, e tres annos

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SESSÃO DE 28 DE ABRIL DE 1887 317

e meio como director das obras publicas da provincia de Angola.

Durante esse lapso de tempo, relativamente longo, attentas as inhospitas condições do clima africano e as circumstancias sempre difficeis do serviço, este intelligente e brioso official, energico, prudente, dedicado e verdadeiramente prestante nas variadas commissões que lhe foram incumbidas, revelando faculdades superiores mesmo nas que eram estranhas às habilitações especiaes da sua arma e carreira, gosou consecutivamente a bem merecida estima dos seus superiores, e d'elles recebeu as mais distinctas demonstrações de confiança e consideração. As informações que lhe respeitam são perfeitamente dignas dos elevados meritos do prestantissimo official: e assim entre muitas referencias notaveis, destacam-se mais singularmente os largos e mui honrosos trechos seguintes:

Officio n.° 392, de 17 de julho de 1884, existente no archivo da direcção geral do ultramar, informa que o fallecido oficial contrahira, no deseccamento dos pantanos de Lourenço Marques, a anemia palaustre de que fora victima; doença que se aggravára na exploração do asphalto do Libongo, nos trabalhos do corte de estacas rias lagoas do Loge, para a poente do Ambriz, e nos estudos da ponte de Lucala; que o seu amor ao trabalho não lhe permittia fazer caso da enfermidade que o minava, por maiores e mais instantes que haviam sido os conselhos dos medicos e dos amigos; que exerceu com perfeita intelligencia e hombridade o difficil encargo de presidente da camara municipal, onde teve uma lucta insana para acabar com antigos habitos de pessima administração; e que, sacrificando a saude com acrisolado patriotismo, foi um funccionario infelizmente perdido, dos mais difficeis de substituir, e cuja memoria deverá dar uma das paginas mais gloriosas do martyrologio portuguez na civilisação das nossas colonias.

Na provincia de Moçambique serviu tambem briosamente desde 18 de outubro de 1876 até 25 de julho de 1879, sendo então capitão de engenheiros ; e serviu não só nas obras publicas da provincia, mas igualmente incumbido de diversas e extraordinarias commissões de ordem administrativa, taes como a de presidente da camara municipal de Lourenço Marques e a de emissario a differentes regulos do mesmo districto, sendo certo que, de todos os negocios importantes que lhe foram commettidos, no maior interesse da administração da provincia, arrostando por vezes com gravissimas dificuldades, se desempenhou sempre, com a maxima proficiencia, e com o maior zelo e acerto, revelando em todos os serviços exemplar honradez, um nobilissimo caracter e a mais admiravel e proficua tenacidade no seu exercicio.

Senhores, as informações relativas ao fallecido major de engenheiros, João Antonio Ferreira Maia, podem condensar-se em breves e frisantes expressões, dizendo: que este brioso oficial, de um caracter benevolo e serio, justo e correcto, mereceu a estima e confiança de todos os superiores, sob cujas ordens serviu, obedecendo á lei, e tendo por elles a respeitosa deferencia, que é um dos caracteristicos de funccionario verdadeiramente honrado e culto, e que possuía o poderoso sentimento do dever, acrisolado até o grau de perfeito heroismo.

Dos tres filhos que deixou, por seu fallecimento, o major João Antonio Ferreira Maia, o primeiro, João Antonio Ferreira Maia Junior, foi admittido, como pensionista do estado, no real collegio militar, em 13 de novembro de 1880, com o maximo da idade, e frequenta actualmente o quinto anno do curso do collegio, com um comportamento exemplarissimo a todos os respeitos; comtudo, por circum-stancias independentes da sua constancia e vontade, o alumno não tem pedido vencer os annos do curso com toda a segurança e vantagem mais desejaveis 5 resultando das dificuldades com que tem combatido, e dos atrazos já soffridos, haver já completado dezoito annos de idade, no dia 27 de novembro do anno proximo findo, e dever, portanto, ser abatido do quadro dos alumnos no fim do anno lectivo actual, em observAncia da respectiva disposição da lei vigente.

Este alumno é o primeiro dos tres orphãos do digno e benemerito oficial, e é aquelle que por sua idade e adiantamento, póde, num futuro mais proximo, servir de amparo á sua familia, de que tambem faz parte integrante a desvalida mãe do mesmo oficial fallecido.

Alem do que fica exposto, considerando o exemplo do beneficio concedido pela carta de lei de 21 de junho de 1880, publicada na ordem do exercito n.° 14, de 9 de julho immediato, pela qual foi mandado admittir no real collegio militar, como pensionista do estado, e na idade de quinze annos, o candidato Bemvindo do Carmo Leal Guimarães, filho do fallecido coronel do caçadores n.° 8, Antonio Gomes Pinto Guimarães, e considerando ainda o oficio da direcção geral da secretaria da guerra, de 18 de setembro de 1884, que explica justamente o alcance da referida carta de lei; e emfim por todas as rasões que se derivam da contemplação dos valiosos serviços prestados, com a mais honrosa dedicação, pelo fallecido major de engenheiros João António Ferreira Maia, e pela grave justiça com que a sua respeitallissima memoria reclama protecção e generosidade para com a desventurada familia; tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É permittida a permanencia no real collegio militar ao actual alumno João Antonio Ferreira Maia Junior, até a conclusão do respectivo curso, não excedendo a idade em que foi permittida a conservação no mesmo collegio ao ex-alumno Bemvindo do Carmo Leal Guimarães; em attenção ás suas circumstancias e de sua familia, e pelos serviços prestados por seu pae, o fallecido major de engenheiros João Antonio Ferreira Maia, com distinctissima dedicação e reconhecido proveito publico, nas provincias de Moçambique e Angola.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria á excepção permittida na presente lei.

Camara, 20 de março de 1886. = José Pimenta de Avellar Machado, deputado por Abrantes.

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 62 da sessão de 1885. 27 de abril de 1887. = J. de Oliveira Martins.

Lida na mesa foi admittida e enviada ás commissões de guerra e de fazenda.
O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

N.° 62

Senhores. - A apreciação da vossa commissão de guerra foi submettido o
requerimento em que Miguel de Sá Nogueira, capitão de cavallaria e addido militar junto da legação de Italia, pede que, para todos os effeitos, lhe seja reconhecida a antiguidade de 24 de junho de 1863 no posto de alferes, e a antiguidade do assentamento de praça, de 10 de junho de 1861, ficando, porém, collocado fóra do quadro da sua arma.

Esta pretensão, por mais de uma vez iniciada, convém que seja conhecida nos seus differentes pormenores.

Em 1872, a camara dos senhores deputados approvou, sem impugnação de especie alguma, um projecto de lei concebido n'estes termos:

«Artigo 1.° E o governo auctorisado a considerar como habilitado com o curso de cavallaria da escola do exercito, a Miguel de Sá Nogueira, que possue o curso de cavallaria da real academia militar de Turim, e a admittil-o na arma de cavallaria do exercito, no posto de alferes, com a antiguidade de 24 de junho de 1863.

«Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.»

Sendo este projecto presente á camara dos dignos pares, e tendo apparecido na imprensa algumas reclamações con-

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tra elle, o supplicante requereu que o projecto fosse exclusivamente considerado na parte que dizia respeito ao reconhecimento do curso, e nesse sentido foi convertido em lei. Em virtude disto foi o interessado mandado admittir no exercito, no posto de alferes, com a antiguidade de 21 de maio de 1872.

Em 19 de abril de 1884, de novo se dirigiu Miguel de Sá ao parlamento, formulando o seu requerimento em termos identicos aos que hoje aprecia a vossa commissão de guerra. Então obteve elle parecer favoravel, tanto desta commissão como da de fazenda, a despeito de algumas reclamações apresentadas por differentes officiaes de cavallaria e que foram julgadas improcedentes.

Agora, novos reclamantes se apresentam em campo, entre os quaes se contam, não só diversos officiaes subalternos de cavallaria, o que já é para admirar, mas tambem um ou outro official de infanteria, o que parece em todo o ponto extraordinario. Ouçamol-os, porém.

Ponderam elles:

Que o supplicante os prejudica com a sua pretensão;

Que, a ser ella attendida, justissimo seria fazer identica concessão aos officiaes, que, sendo guardas marinhas, passaram como alferes para a arma de cavallaria, sendo, não obstante, obrigados a completar o curso desta arma;

E que, alem d'isso, seria violado o artigo 176.° da ultima organisação do exercito.

Nenhuma d'estas ponderações tem, segundo o parecer da vossa commissão de guerra, o menor fundamento. A collocação fora do quadro está evidentemente indicando que o supplicante, não prejudicando, como effectivamente não prejudica, na promoção, os officiaes que hoje estão acima d'elle na escala do accesso, favorece, pelo contrario, os que lhe estão inferiores, proporcionando-lhes uma vacatura.

Só por accentuada obcecação, que não se explica facilmente, se póde reflexionar por maneira diversa.

Da mesma fórma salta á vista a semrasão com que se argumenta com os guardas marinhas que tiveram passagem á arma de cavallaria. Para esta arma, nunca póde ser tomado como tirocinio o serviço feito na marinha, tão differente do da cavallaria, nem tão pouco as habilitações escolares, que diferem tambem, e profundamente, nas duas armas. Contrapor a quem tem um curso de cavallaria, obtido n'uma das mais consideradas academias europeas, e a quem possue um largo tirocinio d'essa arma, quem se acha desprovido de qualquer d'essas habilitações, nada ha de menos rasoavel. Póde apenas ser original.

E por ultimo, o que dispõe o artigo 176.°, invocado pelos reclamantes

Expressa-se assim:

«Desde a data do presente decreto não poderá ser concedida qualquer graduação militar, seja por effeito do artigo 65.° da carta de lei de 23 de junho de 1864, seja por virtude de qualquer outra disposição legal.»

Mas não pedindo, como não pede, o supplicante a graduação dos postos, e sim muito expressamente a effectividade d'elles, nada tem que ver o artigo 176.° na questão sujeita.

E afastadas por modo claro e explicito, conforme o entende a vossa commissão de guerra, as objecções levantadas, julga ella dever ter mais em consideração:

Que o tempo que o requerente pede que lhe seja contado na sua antiguidade, foi o periodo por elle passado no serviço militar de uma potencia amiga, com o intuito de adquirir conhecimentos theoricos e experiencia das cousas de guerra, sem encargo algum para a fazenda publica, e com o fim de ser posteriormente mais util ao exercito do seu paiz;

Que o supplicante, pedindo para ser collocado fora do quadro da sua arma, aspira a que lhe seja feita uma concessão, sem a menor duvida inferior ás que têem sido dispensadas a alguns officiaes de mar e terra, que foram admittidos nos quadros do exercito e da marinha, com os cursos e antiguidades adquiridos em paizes estrangeiros;

Que o requerente, batendo-se com bravura num exercito estrangeiro; frequentando com distincção os cursos de uma reputada academia, como é a de Turim; acompanhando, sem subsidio de especie alguma, as operações da grandiosa campanha de 1870-1871; e escrevendo a este respeito um trabalho que mereceu os applausos dos entendidos na materia, honrou o bom nome nacional;

E que, finalmente, o governo informa ácerca deste assumpto que «se ao poder legislativo approuver deferir a pretensão do supplicante, este deferimento, beneficiando o requerente, não prejudica o accesso dos officiaes de cavallaria pertencentes ao quadro da arma».

Por todas estas rasões, pois, é a vossa commissão de guerra de parecer, de accordo com o governo, que deve ser convertido em lei o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São reconhecidas, para todos os effeitos, ao capitão de cavallaria, Miguel de Sá Nogueira, a antiguidade de 24 de junho de 1863, no posto de alferes, e a antiguidade no assentamento de praça de 10 de junho de 1861, ficando, porém, collocado fóra do quadro da arma de cavallaria.

§ unico. Para o effeito da promoção, nos termos acima designados, ser-lhe-hão applicadas as disposições do artigo 169.° do decreto de 30 de outubro de 1884, quando elle exerça algum dos serviços, cargos ou commissões n'esse artigo especificados, não obstante a disposição geral do artigo 168.° do mesmo decreto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 15 de abril de 1885. = Sanches de Castro = José Frederico Pereira da Costa = José Pimenta de Avellar Machado (vencido) = Antonio José d'Avila = Joaquim José Coelho de Carvalho (vencido) = Antonio M. da Cunha Bellem = Cypriano Jardim = Antonio Joaquim da Fonseca = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = Dantas Barato, relator.

A commissão de fazenda, na parte em que é chamada a dar o seu parecer, nada tem que oppor a este projecto.

Sala da commissão, 6 de maio de 1885.= L. Cordeiro = Correia Barata = M.
d'Assumpção = Pedro Roberto Dias da Silva = Augusto Poppe = João Marcellino Arroyo = Moraes Carvalho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Franco Castello Branco = Frederico Arouca = Tem voto do sr. Fillipe de Carvalho.

N.° 20-C

Renovo a iniciativa de projecto n.° 112 da sessão de 1887 = Luiz de Lencastre.

N.º 112

Senhores.- Á vossa commissão de guerra foi presente o requerimento era que Miguel de Sá Nogueira, tenente de cavallaria em commissão, pede que, para todos os effeitos, lhe seja reconhecida a antiguidabe de 24 de junho de 1863, no posto de alferes, e a antiguidade do assentamento de praça, de 10 de junho de 1861, ficando, porém, collocado fora do quadro da arma de cavallaria.

Contra esta pretensão algumas reclamações se têem apresentado, fundamentando-se principalmente no precedente que se vae estabelecer e no prejuizo que d'elle advirá para alguns officiaes da arma de cavallaria. A vossa commissão entende, porém, que essas objecções não têem rasão de ser.

Se houve precedente menos correcto, estabeleceu-o o parlamento em 1872, no uso legitimo e soberano dos seus direitos, mandando admittir no exercito, no posto de alferes, com a antiguidade de 21 de maio de 1872, o official cuja pretensão hoje alguns camaradas, muito poucos, pretendem embaraçar. Mas a camara dos deputados d'essa epocha foi

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ainda mais adiante. Approvou, sem impugnação, um projecto de lei assim concebido:

«Artigo 1.° É o governo auctorisado a considerar como habilitado com o curso de cavallaria da escola do exercito, a Miguel de Sá Nogueira, que possue o curso de cavallaria da real academia militar de Turim, e a admittil-o na arma de cavallaria do exercito, no posto de alferes, com a antiguidade de 24 do junho de 1863.

«Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.»

Quando este projecto estava affecto á camara dos dignos pares, o interessado, attendendo a algumas reclamações que então appareceram na imprensa, requereu que o projecto fosse exclusivamente approvado na parte que dizia respeito ao reconhecimento do curso, e n'esses termos foi convertido em lei.

Hoje o requerente não se contradiz, porque pede, conjunctamente com as vantagens que solicita, que seja considerado fora do quadro, isto é, em situação que a ninguem prejudica, e antes, pelo contrario, favorece todos aquelles que na escala de accesso lhe são actualmente inferiores.

O parlamento de 1872, admittindo nas fileiras militares um official tão illustrado como é o supplicante, prestou, por essa fórma, homenagem ao distncto portuguez, que num exercito estrangeiro mantivera o bom nome nacional, que se batera com bravura, que se achava habilitado com o curso de uma das academias militares melhor reputadas, que acompanhara, sem subsidios de especie alguma, as operações da grandiosa campanha de 1870-1871, e que a este respeito publicou um trabalho, que corre impresso, e que mereceu o applauso dos entendidos na materia. Tudo isto praticou o supplicante, como provam os seus actos e serviços posteriores, no intuito de melhor servir o seu paiz.

N'estes termos, e porque o governo informa que, «se approuver ao poder legislativo deferir a pretensão do supplicante, esse deferimento, beneficiando o requerente, não prejudica o accesso dos officiaes de cavallaria pertencentes ao quadro da arma»:

E a vossa commissão de parecer que deve ser convertido em lei o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São reconhecidas para todos os effeitos, ao tenente de cavallaria, Miguel de Sá Nogueira, a antiguidade de 24 de junho de 1863 no posto de alferes, e a antiguidade no assentamento de praça, de 10 do junho de 1861, ficando, porém, collocado fora do quadro da arma de cavallaria.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 12 de maio de 1884. = Caetano Pereira Sanches de Castro = José Maria Borges = H. Gomes da Palma = Antonio José d'Avila = Jeronymo Osorio de Albuquerque = Cypriano Jardim = Antonio Manuel da Cunha Bellem = Manuel Joaquim da Silva Matta = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, relator.

A commissão de fazenda, na parte em que é chamada a dar o seu parecer, nada tem que oppor a este projecto.

Sala da commissão, aos 12 de maio de 1884. = A. C. Ferreira de Mesquita = L. Cordeiro = José Gregorio da Rosa Araujo = Adolpho Pimentel = Filippe de Carvalho = Manuel d'Assumpção = Frederico Arouca = Antonio M. P. Carrilho = Pedro Roberto Dias da Silva.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Dos empregados menores do lyceu nacional de Angra do Heroismo, pedindo que lhes seja concedido o augmento do terço dos seus ordenados, como gratificação de exercicio.

Apresentada pelo sr. deputado Abreu Castello Branco, enviada ás commissões de fazenda e de instrucção secundaria.

2.ª Da companhia portuense de illuminação a gaz, contra a proposta n.° 4, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, na parte que diz respeito ao imposto no carvão destinado á fabricação de gaz.

Apresentada pelo sr. deputado Tavares Crespo, e enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario da camara.

COMUNICAÇÃO

Tenho a honra de communicar a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de administração Publica, tendo eleito para seu presidente o sr. Eduardo José Coelho, e tendo-me escolhido para seu secretario, havendo relatores especiaes = Barbosa de Magalhães, deputado por Ovar.

Para a secretaria.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Mando para a mesa uma declaração de não ter comparecido ás sessões ultimas por motivo justificado. = Francisco Ravasco.

2.ª Declaro a v. exa. e á camara que o sr. deputado José Maria Alpoim não póde assistir á sessão de hoje por motivo de doença. = O deputado por Moimenta, J. de Napoles.

Para a secretaria.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Antonio Nunes de Serra Moura, terceiro official de fazenda da armada, pedindo que as gratificações dos officiaes de fazenda sejam equiparadas ás dos officiaes combatentes.

Apresentado pelo sr. deputado Jalles, e enviado às commissões de marinha e de fazenda.

2.° De Manuel Antonio, primeiro sargento de cavallaria n.° 10, contra o prejuizo de antiguidade para sargento ajudante resultante do effeito retroactivo que se está dando no artigo 184.° e seus paragraphos da ultima reforma do exercito.

Apresentado pelo sr. deputado Barbosa de Magalhães, e enviado á commissão de guerra

3.° De José Guilherme da Costa, segundo sargento do regimento de caçadores n.° 10, pedindo para se regular a promoção do posto de segundo sargento ao de primeiro, de modo que prevaleça a antiguidade do curso e em igualdade de circumstancias a do posto.

Apresentado pelo sr. deputado Abreu Castello Branco, e enviado á commissão de guerra.

4.° De Francisco Candido da Cunha, porteiro do lyceu nacional de Angra do Heroismo, pedindo que se lhe conceda a reforma.

Apresentado pelo sr. deputado Abreu Castello Branco, e enviada ás commissões de fazenda e de instrucção secundaria.

O sr. Presidente: - A grande deputação que no dia 29 de abril do corrente, pela uma hora da tarde, ha de Cumprimentar e felicitar Suas Magestades pelo anniversario da outorga da carta constitucional, compor-se-ha, alem da mesa, dos srs. deputados:

Francisco de Castro Matoso da Silva Côrte Real.
Antonio Centeno.
José do Azevedo Castello Branco.
Visconde da Torre.
Francisco de Castro Gomes Monteiro.
Antonio Baptista de Sousa.
Henrique de Sá Nogueira.

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Fernando Matoso dos Santos.
Jorge O'Nell.
Bernardo Homem Machado.

Está nos corredores da camara para prestar juramento o illustre deputado o sr. Goes Pinto; nomeio introductores os srs. Julio Graça e Vieira Lisboa.

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Ernesto Julio Goes Pinto.

O sr. Tavares Crespo: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da companhia do gaz do Porto, pedindo alteração de uma proposta da fazenda apresentada pelo sr. ministro da fazenda, e que diz respeito ao imposto que se pretende lançar sobre o carvão de pedra.

Esta representação é de todo o ponto justa, e espero que será attendida.

Como v. exa. e a camara sabem, o carvão de coke paga actualmente o imposto de 600 réis por tonelada; pela nova proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda, o carvão de coke é livre e o de pedra ficará pagando 400 réis por tonelada, o que trará um grave prejuizo para o consumo particular, e o que dará em resultado haver uma grande differença contra os interesses da companhia. Alem d'isso acho inconveniente lançar-se este imposto, quando a companhia tem contratos a que dar cumprimento, o que trará a sua ruina.

Mando para a mesa a representação e peço a v. exa. para que seja enviada á commissão de fazenda. Pedia tambem a v. exa. que consultasse a camara sobre se consentia que fosse publicada no Diario da camara.

Foi auctorisada a publicação.

O sr. Arroyo: - Sr. presidente, pouco tempo tomarei á camara.

Em primeiro logar lembrarei a v. exa. que, tendo de se entrar dentro de breves dias na discussão da resposta ao discurso da coroa, achava conveniente que fosse distribuido aos srs. deputados o orçamento rectificado de 1886- 1887.

Os documentos que acompanham as propostas de fazenda não os recebi ainda, e v. exa. sabe a importancia que têem estes documentos para a discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa. Pedia, portanto, a v. exa. que d'esse as suas ordens, para que esta distribuição se faça com a maior urgencia possivel.

Aproveito tambem a occasião de estar com a palavra, não obstante o governo não estar representado, para me referir a um assumpto que julgo contém um aggravo á dignidade desta camara, e que me parece que merecerá toda a consideração d'esta assembléa legislativa.

Hontem foi discutido e approvado na camara dos dignos pares do reino o projecto de lei que manda cobrar por deposito a differença a maior dos direitos entre o que se acha fixado na pauta geral das alfandegas, vigente, e o que foi proposto na pauta submettida a exame d'esta camara pelo sr. ministro da fazenda, proposta que não é senão uma medida provisoria, para o caso desse projecto relativo á pauta merecer a appprovação d'esta e da outra casa do parlamento.

Na camara alta a taxa sobre o café apresentou-se modificada, e de 190 réis que era, passou a ser de 140 réis.

Alguns membros d'aquella casa, antes do projecto ser approvado, lembraram ao sr. ministro da fazenda a necessidade de que elle voltasse a esta camara, para que ella tivesse conhecimento da emenda feita na taxa lançada sobre o café, e rectificasse a approvação do projecto.

O sr. ministro da fazenda recusou-se a acceder a esse pedido, e em minha opinião, n'essa recusa vae incluido um ultrage frisante aos direitos parlamentares. (Muitos apoiados.)

Assim, o sr. Marianno de Carvalho attribuiu a modificação da taxa a um erro de imprensa; quero bem. crer que o foi, porque bem sabemos que nos precedentes d'este governo se encontram muitos erros similhantes, como, por exemplo, aconteceu com o decreto de 9 de setembro, que teve uma nova edição mais incorrecta e augmentada no dia 16; encontra-se n'um certo decreto assignado por El-Rei, que depois de ser publicado, soffreu nova edição, sendo n'esta assignado pelo Príncipe Regente. Acho, pois, naturalissimo que o sr. ministro tivesse dito a verdade, quando no facto de apparecer depois da approvação do projecto por esta camara uma emenda a uma taxa, que era de 190 réis, se justificou, attribuindo-a a um erro de imprensa, mas o que eu não posso acceitar por fórma alguma, o que me obriga a protestar, como membro d'esta casa, é que s. exa. pretenda substituir por uma declaração ministerial, o exame ou a approvação de uma emenda pela camara dos senhores deputados da nação.

Desde o momento em que havia uma modificação de taxa, esta camara tinha de ser consultada, e como o decreto não é senão uma medida provisoria, é evidente que d'ahi nenhum mal, nenhum prejuizo resultaria para a fazenda, porque seria unicamente uma questão de expediente parlamentar, a camara não recusaria votar a urgencia d'esta emenda, a camara accederia do melhor grado a esse desejo, e em poucas horas se remediaria uma falta. (Apoiados.) Parece-me assim que ha um qualquer proposito nesta decisão do sr. ministro, como em todos os actos do actual ministerio, de menoscabar e desprezar as garantias parlamentares. (Apoiados.)

É preciso que termine a dictadura, que se respeitem as attribuições e as regalias d'esta casa; e não estranhe s. exa. que eu faça estas observações na ausencia do governo.

Este facto é por tal fórma attentatorio do prestigio do regimen parlamentar que não devia deixar de o commentar, esteja ou não o ministerio presente. (Apoiados.)

Rogo, pois, a v. exa. se sirva avisar o sr. ministro da fazenda para que no menor praso possivel venha a esta camara dar categoricas explicações, porque as deve, pela infracção que fez aos direitos parlamentares. (Apoiados.)

O sr. Barbosa Magalhães: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento do sr. Manuel Antonio, sargento de cavallaria n.° 10, em que pede se dê outra interpretação ao artigo 184.° e seus paragraphos da ultima refórma do exercito.

Este pedido afigura-se-me de toda a justiça, e por isso peço a v. exa. se digne dar-lhe o devido destino.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu pedi a palavra para perguntar a v. exa. se já estavam na mesa os documentos que pedi, porque estando, desejava entrar na posse d'elles para me habilitar a discutir a resposta ao discurso da coroa.

O sr. Presidente: - A que documentos se refere o sr. deputado?

O Orador: - Refiro-me a uma nota sobre a applicação dos dinheiros publicos levantados no emprestimo de réis 10.000:000$000, a uma lista dos empregados addidos das repartições de fazenda do districto e a um processo de aposentação de um empregado.

O sr. Primeiro Secretario: - Os officios foram expedidos nos dias 16 e 22 de abril, mas ainda não tiveram resposta.

O Orador: - Peço para que se insista no pedido d'esses documentos que são de grande necessidade, e peço que sejam mandados a esta camara com toda a urgencia;

É melhor que deixem de ser dictadores, e que tenham um pouco mais de consideração pelas necessidades e interesses do paiz.

O sr. Jalles: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento do sr. Antonio Nunes de Serra e Moura, official de fazenda da armada, pedindo para ser equiparado em vencimentos e categorias aos officiaes combatentes.

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SESSÃO DE 28 DE ABRIL DE 1887 321

O sr. Ferreira de Almeida já em uma das sessões passadas, apresentando identicos requerimentos, fez sentir á camara a necessidade de se reformar este quadro e mostrou a importancia das funcções que estes officiaes exercem, sendo encarregados do desempenho de funcções importantes da marinha de guerra, como a fiscalisação e administração da fazenda nacional.

Como julgo da maxima justiça o pedido deste official, remetto o requerimento para a mesa e espero que a commissão respectiva o attenderá devidamente.

O sr. Abreu Castello Branco: - Mando para a mesa duas representações, uma dos empregados menores do lyceu de Angra, pedindo melhoria de situação, e outra do sr. Francisco Candido da Cunha, tambem empregado no lyceu, pedindo para ser reformado com o vencimento que actualmente percebe, em attenção a trinta e oito annos de bom serviço.

Mando tambem para a mesa um requerimento do sr. José Guilherme da Costa, segundo sargento de caçadores n.° 10, relativamente a promoções.

Creio que dentro em breve se discutirão nesta casa assumptos a que este requerimento diz respeito e reservo-me para então fazer mais algumas considerações no entretanto desde já chamo a attenção do sr. ministro da guerra para o assumpto sobre que versa o requerimento, porque o julgo de alguma importancia. Refere-se nada menos, do que às promoções dos sargentos.

Todos nós sabemos que é indispensavel que a classe dos sargentos seja attendida emquanto á manutenção dos seus direitos. E uma classe que muito influe na manutenção da disciplina, e podemos dizer que o sargento, pelo facto de estar mais em contacto com o soldado, mais ainda do que o official, tem muitas vezes mais prestigio na companhia do que o proprio capitão, e que a manutenção da disciplina, se depende do capitão da companhia, não depende menos dos sargentos.

Ora acontece que actualmente as promoções de segundo sargento a primeiro são feitas de um modo que não parece cuadunar-se com os principios de direito, porquanto obriga os segundos sargentos a peregrinarem pelos differentes corpos do exercito, para verem se encontram uma vaga em que possam ser promovidos a primeiros sargentos, o que se evitaria se porventura do quadro geral dos segundos sargentos fossem elevados ao posto de primeiros, aquelles que estão habilitados com o curso da escola regimental e devidamente approvados.

Assim, por este systema de concurso que hoje ha nos corpos em que ha vaga, dá em resultado que alguns segundos sargentos muito mais antigos do que outros ficam preteridos por estes, e vão ser commandados posteriormente, por individuos que já foram commandados por elles.

Peço, pois, á illustre commissão de guerra que preste a sua attenção a este assumpto e quando for discutido aqui occupar-me-hei d'elle mais desenvolvidamente.

O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa de um projecto por mim apresentado na sessão passada, para serem concedidas pelo governo á camara municipal de Chaves, as muralhas e fossos que circumdam a
Villa.

Peço a v. exa. que lhe dê o destino conveniente.

As rasões em que se funda esta renovação de iniciativa constam do relatorio que acompanha o referido projecto.

Eu desejava tambem dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da guerra relativamente aos acontecimentos de Chaves e á transferencia dos regimentos de cavallaria 6 e 7, mas, visto que s. exa., não está presente, reservo-me para o fazer em occasião opportuna.

O sr. Antonio Candido: - Mando para a mesa uma nota de renovação de iniciativa.

(Leu.)

O sr. Marçal Pacheco:- Eu pedia a v. exa. a fineza de me informar se já vieram da secretaria da justiça uns documentos que pedi n'uma das sessões passadas.

O sr. Primeiro Secretario: - O requerimento do sr. deputado já foi expedido, mas ainda não foi respondido.

O Orador: - V. exa. bem vê que eu, ou outro qualquer membro da camara, precisa do habilitar-se com documentos sufficientes para que não succeda outra vez o sr. presidente do conselho ou outro ministro responder com a falta de documentos. (Apoiados.)

Creio que já está dado parecer sobre o bill de indemnidade a respeito dos actos da dictadura, e, se o não está, estão já distribuidas as medidas sobre que ha de versar o bill. Em todo o caso, preciso habilitar-me com documentos, não só para o debate sobre estas medidas, mas para a discussão da resposta ao discurso da coroa. O sr. ministro da justiça não manda esses documentos, o ministerio não apparece;(Apoiados.) nestas circumstancias v. exa. comprehende que, se o governo quer continuar n'este caminho de dictadura, é melhor fazer uma cousa: vá mais longe, promulgue uma dictadura geral, e acabe com isto, porque assim sáe caro e é inutil. (Apoiados.)

Se nem ao menos num pequeno espaço de anno, aquelle em que as sessões estão abertas, o ministerio quer dar conta dos seus actos, então acabemos com isto por uma vez, (Apoiados.) porque isto não é regimen parlamentar nem constitucional; (Apoiados.) não é nada; é apenas uma cousa que custa dinheiro á nação.
(Apoiados.) O governo que tenha a coragem da coherencia dos seus actos por uma vez, e seja dictador a valer. (Apoiados.)

Em virtude d'estas simples considerações, v. exa. e a camara comprehendem, e mesmo comprehendiam de certo sem ellas, porque a verdade está na consciencia de todos, mas é em virtude d'estas simples considerações que eu peco a v. exa. que me faça a somma fineza a mim, á camara, ao prestigio parlamentar e á obediencia que se deve á constituição e ás leis, de insistir de novo com quanta força v. exa. poder e souber com o sr. ministro da justiça, para que elle dispense uma pouca de attenção aos pedidos dos representantes do paiz, em vez de andar por esse paiz fóra não sei em nome de que nem de quem a fazer reclame para as suas obras. (Apoiados. - Riso.)

E melhor que s. exa. cumpra o seu dever do que andar, como Jerome Patureau á procura de uma posição social, em reclame às suas obras. (Riso. - Apoiados.)

O paiz é que é o juiz que ha de julgar do bem ou do mal que fizer. (Apoiados.} Venha ao parlamento, que é aqui o seu logar e só aqui. (Apoiados.)

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ravasco:- Mando para mesa uma justificação de faltas.

O sr. Alves de Moura: - Fazendo sentir, era algumas considerações, a grande importancia que tem para as provincias do Minho e de Traz os Montes a estrada n.° 28, de Braga a Chaves, pelas povoações por onde passa e pela fertilidade e riqueza agricola da zona que atravessa, chamou a attenção do sr. ministro das obras publicas para a necessidade urgentissima de se concluir aquella estrada, começada ha vinte annos.

Lembrou que a falta do communicações fazia desanimar os agricultores de Traz os Montes, e portanto a agricultura não póde ali progredir; e ao mesmo tempo, se houvesse essas communicações, podiam, na zona atravessada pela estrada n.° 28, desenvolver-se as industrias da creação do gado bovino e da fabricação do queijo e da manteiga.

Pedia ao sr. ministro das obras publicas que volvesse a sua attenção para este assumpto, a respeito do qual os povos d'aquellas localidades e os deputados dos respectivos districtos têem feito bastantes reclamações.

Chamava tambem a attenção de s. exa. para o logar chamado do Gerez.

Disse que as aguas d'aquella localidade tinham adqui-

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322 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

rido grande prestigio nos ultimos annos, indo ali effectivamente muitas pessoas de todo o paiz buscar allivio nas suas doenças.

Encareceu, em algumas considerações, as qualidades d'aquellas aguas e tratou de mostrar que era necessario melhorar aquelle sitio para se satisfazer os desejos da provincia do Minho e do paiz.

O governo já tinha feito alguma cousa a este respeito, mas era preciso mais; era preciso construir-se uma estrada que communicasse aquelle local com a raia de Hespanha, e fazerem se outros melhoramentos.

Esperava que o sr. ministro das obras publicas não descurasse tambem este assumpto.

O sr. Ministro das Obras Publicas ( Emygdio Navarro ): - Mando para a mesa um pedido para que o sr. Elvino José de Sousa e Brito possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do cargo que exerce no ministerio das obras publicas.

Aproveito o estar com a palavra para dizer muito pouco em resposta ao sr. Alves de Moura, que me interrogou a respeito da estrada de Braga a Chaves, e do estabelecimento das Caldas do Gerez.

As considerações que o illustre deputado fez, com respeito á estrada de Braga a Chaves, são rasoaveis, são justas e são verdadeiras: mas são tambem applicaveis a muitas outras estradas.

E por isso foi que o governo apresentou uma proposta de lei, que está submettida ao exame das commissões respectivas, e que espero que em breve seja submettida á discussão da camara, com relação á construcção de estradas.

Se aquella proposta for convertida em lei, estimarei muito que a estrada de Braga a Chaves seja uma das primeiras a aproveitar aquelle beneficio.

Com relação ao Gerez, alguma cousa o governo tem feito para melhorar o estado d'aquella estação thermal, tão abandonado até hoje, mas é certo que não póde fazer tudo.

Se uma companhia particular não tomar conta da exploração d'aquellas agua, a acção do governo, que consiste apenas em fazer estradas e em tratar de alguns melhoramentos locaes, não poderá satisfazer completamente os desejos d'aquella provincia.

A primeira cousa é a exploração das aguas, e essa não póde o governo fazel-a.
E necessario que uma companhia particular tome essa empreza, para montar um estabelecimento balnear que possa ser devidamente aproveitado; e depois o governo ha de contribuir com tudo que esteja na sua mão a fim de que aquelle estabelecimento satisfaça aos seus fins.

É necessario que a iniciativa particular tome parte n'estes melhoramentos, porque a iniciativa do governo não póde fazer tudo.

Já alguma cousa o governo tem feito a este respeito, e, quando digo o governo, não fallo só deste ministerio, fallo de todos; mas o que é necessario, o que é indispensavel, repito, é que a iniciativa particularmente ali um estabelecimento proprio e o conserve em condições favoraveis como o de Vizella e outros.

É isto o que tenho dito a varios cavalheiros que me têem consultado sobre o assumpto, e é isto o que digo ao illustre deputado.

A proposta de accumulação que s. exa. enviou para a mesa é a seguinte:

roposta

Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional, tenho a honra de pedir á camara dos senhores deputados da nação que permitia possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do serviço publico que exerce no ministerio das obras publicas, commercio e industria, o sr. deputado Elvino José de Sousa e Brito.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 28 de abril de 1881 = Emygdio Julio Navarro.

Foi approvada.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa a communicação de estar constituida a commissão de administração publica, tendo eleito o sr. Eduardo José Coelho para presidente, e a mim para secretario; e havendo relatores especiaes.

O sr. Alves Matheus: - Tendo a honra de ser deputado pelo circulo de Braga, não posso deixar de me associar ás justissimas ponderações, que acaba de expor o meu illustre amigo e deputado, tambem por aquelle circulo, o sr. Alves de Moura.

Não me demorarei em considerações para mostrar a necessidade e a urgencia de se concluir a estrada real n.° 28, de Braga a Chaves; é manifesta e bem patente a sua importancia, porque põe em communicação directa Braga, a primeira terra do Minho, e Chaves, que é uma das povoações mais importantes de Traz os Montes, porque liga duas provincias e algumas regiões notaveis pela riqueza e pelo valor dos seus productos agricolas e tambem industriaes.

O transporte de generos e mercadorias entre Braga e Chaves é feito ainda como nos tempos mais remotos, por intermedio do moroso e tardigrado almocreve. Tal meio de transporte, alem de não satisfazer ás necessidades de permutação e de consumo, é demorado e muito despendioso.

É necessario, pois, é indispensavel concluir aquella estrada.

A associação commercial de Braga, comprehendendo bem esta necessidade, tem dirigido ao governo repetidas representações; os deputados pelos districtos de Braga e de Villa Real têem continuado e desveladamente trabalhado, e instado para que ella se conclua; a direcção de obras publicas do districto de Braga, em numerosos documentou e requisições archivados no ministerio das obras publicas, tem mostrado a urgencia da sua conclusão.

Porém, todos estes esforços e diligencias têem sido baldados. Parece que uma fatalidade inexoravel tem impedido a completa realisação de um melhoramento, que foi iniciado ha vinte annos, e que não é de pouco porte, mas ao contrario de uma reconhecida importancia e de um grande alcance economico.

Sendo o percurso total desta estrada de cento e tantos kilometros, e estando construídos pouco mais de oitenta, e tendo a construcção começado ha vinte annos, temos para cada anno a media de 4 kilometros. Se isto não é uma vergonha, denuncia certamente um grandissimo menosprezo por um melhoramento que tanto interessa á concorrencia e á prosperidade de duas provincias.

Por uma nota que aqui tenho, vê-se que de 1882 a 1887, cada lanço de estrada de pequena extensão kilometrica tem levado tres e quatro annos a construir, e o ultimo lanço, de Pousadouro de Ruivães á Venda dos Padrões, principiou em 2 de janeiro de 1878 e terminou em 21 de maio de 1880.

Mais de sete annos levou a construir este lanço! Este facto representa, não só uma demora injustificavel, mas alem d'isso um grande desperdicio, porque n'um lanço de estrada aberto hoje, interrompido amanhã e recomeçado depois, a propria acção do tempo estraga e arruina muitos trabalhos, que é preciso, ou reparar, ou fazer de novo. O dinheiro assim desbaratado e perdido por causa d'estas delongas chegava de sobejo para se construirem os vinte e tantos kilometros que faltam.
Quando todos pedem caminhos de ferro e fazem n'este sentido imperiosas exigencias aos governos, não é inimoderada, mas modesta e justissima a nossa reclamação para que se conclua uma estrada ordinaria começada, ha tantos annos e que tanto se recommenda pelas suas grandes e incontestaveis vantagens.

Deveras estimarei que seja brevemente convertido em lei o projecto, já apresentado a esta camara, para que as estradas reaes principiadas sejam construidas por meio de empreitadas. Entendo por todas as rasões, que a estrada n.° 28, que deve ligar Braga a Chaves, deve ser uma das

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primeiras a merecer a preferencia na sua conclusão dentro do mais curto periodo.

Esta estrada tem sido como que uma teia de Peneloppe, e advirá uma grande gloria ao illustre ministro das obras publicas se porventura conseguir desemaranhal-a, dotando as duas provincias do Minho e de Traz os Montes com um melhoramento, que ha muito devia estar concluido.

O meu amigo o sr. Alves de Moura fez algumas considerações relativamente ao Gerez e ao cuidado, que ao sr. ministro das obras publicas devem merecer os seus melhoramentos. Sobre este ponto cumpre-me lembrar, que ha uma portaria assignada pelo illustre estadista Rodrigo da Fonseca Magalhães, em que elle revindica para o estado a propriedade e administração, tanto da mata como das aguas thermaes do Gerez.

A doutrina sustentada nessa portaria não tem sido infelizmente cumprida, e a administração, tanto das aguas como da mata, tem corrido pelas mãos da camara municipal de Terras do Bouro.

O resultado disto tem-se visto e experimentado nos ultimos annos. As devastações têem sido terríveis na mata, que é interessantissima, pela sua fórma e pela sua flora, de que um distincto homem de sciencia, o dr. Bernardino Antonio Gomes, muitas vezes me fallou nos termos de admiração os mais encarecidos.

Tem havido ali incendios repetidos e cortes verdadeiramente selvagens. Era, portanto, de uma grande necessidade que o estado avocasse a si a administração d'aquella preciosa mata, porque só assim se poderão evitar estes prejuizos e desastres.

Quanto ás aguas, eu nada mais direi, porque o meu illustre collega disse o sufficiente para se conhecer a importancia de todos os melhoramentos, que tendam ao aproveitamento d'aquelle manancial, que é effectivamente riquissimo. As aguas de Gerez gosam hoje de grandissimo credito. Muitas pessoas de differentes pontos do paiz, e nomeadamente de Lisboa tem ido ali procurar cura ou allivio a muitos padecimentos. Aquellas aguas salutiferas são verdadeiramente um thesouro; e se porventura esse thesouro pertencesse á Belgica, á França ou á Allemanha, estaria já servido por um caminho de ferro, e haveria já n'aquelle pittoresco local commodidades e confortos, que o tornariam mais convidativo.

O nobre ministro das obras publicas, cumprindo a promessa, que fez ha pouco, de attender quanto possivel, na esphera da sua acção, ao melhoramento d'aquelle local, presta um grandissimo serviço. Eu confio na sua palavra honrada. Confio em que as declarações, que acaba de fazer, serão cumpridas escrupulosamente. Confio sobretudo na perfeita comprehensão, que s. exa. tem da necessidade da conclusão da estrada de Braga a Chaves, como da necessidade de cuidar desveladamente das thermas do Gerez. E creia s. exa. que, fazendo-o, adquirirá um luzido titulo de benemerencia perante a sciencia, perante a saude publica e perante o paiz.

Termino agradecendo ao illustre ministro as declarações, que fez.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 79 da commissão de verificação de poderes sobre a eleição de Felgueiras

Leu-se na mesa o parecer. É o seguinte:

PARECER N.° 79

Senhores - A primeira commissão de verificação de poderes vem dar-vos conta do exame a que procedeu ácerca da eleição do circulo 27 (Felgueiras).

Compõe-se este circulo de dois concelhos, Felgueiras e Louzada.

O concelho de Felgueiras divide-se em oito assembléas, nas quaes obtiveram votos:

Francisco Pinto Coelho Soares de Moura:

[Ver tabela na imagem]

Regilde ....
Lousa ....
Caramos ....
Unhão ....
Ayrães ....
Sendim ....
Margaride ....
Villa Cova ....

Julio Marques de Vilhena:

[Ver tabela na imagem]

Regilde ....
Lousa ....
Caramos ....
Unhão ....
Ayrães ....
Sendim ....
Margaride ....
Villa Cova ....

Na assembléa de Regilde teve 1 voto Manuel Duarte Guimarães Pestana, e na de Villa Cova teve 4 votos José Antonio Simões Raposo.

Foi portanto de 4:230 a totalidade dos votos n'estas assembléas.

Sobre os actos eleitoraes n'ellas realisados apenas houve um protesto em Ayrães, assignado por dois cidadãos, com o fundamento de «o numero das listas, que se achavam na urna, não conferir com as descargas, pedindo por isso novo escrutinio». A mesa respondeu a este protesto com a verificação exacta das listas, affirmando que coincidiam com as descargas.

Como os protestantes nada mais disseram contra a resposta da mesa, devem ter-se como regulares e valiosos os actos eleitoraes praticados n'estas assembléas.

O concelho de Louzada está dividido em sete assembléas, nas quaes alcançaram votos:

Francisco Pinto Coelho Soares de Moura:

[Ver tabela na imagem]

Alentem ....
Santa Margarida ....
Ordem ....
Casaes ....
Silvares ....
Lustosa ....
Meinedo ....

A assembléa do apuramento resolveu por grande maioria contar na assembléa de Lustosa 168 votos ao cidadão Francisco Pinto Coelho Soares de Moura e 250 ao cidadão Julio Marques de Vilhena. Tambem resolveu não contar nenhum dos votos da assembléa de Meinedo. Estas resoluções foram tomadas em opposição ás actas d'estas assembléas, apresentadas pelos respectivos portadores. Trataremos em primeiro logar do apuramento da assembléa de Lustosa.

Consta da acta da constituição da mesa, que esta se for-

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324 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mára com o presidente Miguel Antonio Moreira de Sá e Mello; escrutinadores Francisco Peixoto Monteiro e Joaquim da Silva Ferreira; secretarios Antonio Dias de Miranda e João José Ribeiro; supplentes José Dias Pacheco de Freitas, Antonio Ferreira, Manuel José Martins Camello, e Antonio José Faria Guimarães.

Dos dois ultimos foi considerada inutil a eleição, por a lei apenas admittir dois.

Mostra a acta final da eleição, que esta foi lavrada pelo secretario Antonio Dias de Miranda, que della tirou as tres copias legaes.

Mostra-se mais que esta acta não está assignada pelo escrutinador Joaquim da Silva Ferreira, secretario João José Ribeiro e supplente Antonio Ferreira.

Mostra-se finalmente, que, segundo o seu conteúdo, n'esta assembléa obteve 657 votos o cidadão Julio Marques de Vilhena, e 20 o cidadão Francisco Pinto Coelho Soares de Moura.

Na assembléa do apuramento, porém, foi apresentado um protesto, assignado por dezesete cidadãos, arguindo esta acta de falsa:

1.° Porque a acta verdadeira tinha sido lavrada na mesa eleitoral, sendo assignada por todos os seus membros; e aquella que se apresentava estava só assignada por quatro, faltando-lhe a assignatura de tres.

2.° Porque o secretario João José Ribeiro tinha tirado duas das copias da acta, que a mesa toda assignou, e agora appareciam as tres copias escriptas pelo secretario Miranda.

3.° Porque este proprio secretario Miranda tinha passado na mesa eleitoral, precedendo despacho do presidente, .uma certidão, da qual constava que n'aquella assembléa o cidadão Julio Marques de Vilhena obtivera 250 votos e Francisco Pinto Coelho Soares de Moura 168; e agora apparecia na acta este com 20 votos e o primeiro com 607.

4.° Porque o numero de votos, que consta da acta, é até maior do que o dos votantes inscriptos nos cadernos do recenseamento. Para se augmentar o numero, passou-se em ambos os cadernos de 189 a 230, havendo assim uma differença de 41 votos, que foram aproveitados na acta, como se existissem.

5.° Porque o edital, publicado em seguida aos actos eleitoraes, condizia com a certidão apresentada e não com a acta.

Este protesto não foi contrariado, antes confirmado, já pela referida certidão do secretario Miranda, já pelas declarações do escrutinador Joaquim da Silva F. Ferreira e secretario João José Ribeiro, os quaes, num protesto proprio, affirmam serem verdadeiros os factos expostos.

A assembléa de apuramento, considerando verdadeiros e legaes estes protestos, julgou que a acta não era genuina; e resolveu contar os votos desta assembléa de Lustosa pela forma constante da certidão passada na mesa eleitoral pelo secretario Antonio Dias de Miranda.

Examinemos agora a acta da assembléa de Meinedo:

Da acta da constituição da mesa consta que fóra composta do presidente Antonio Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães, dos escrutinadores Antonio da Silva Pacheco e Joaquim Moreira da Cruz, dos secretarios Joaquim José de Babo de Mendonça e Victorino Ferreira de Magalhães Mendonça, e dos supplentes Antonio Moreira Duarte Bessa e José Moreira Duarte.

Da acta final, assignada por todos estes, consta que o cidadão Julio Marques de Vilhena obtivera 890 votos, e Francisco Pinto Coelho Soares Moura de 3.

Contra esta acta tambem se apresentou um protesto assignado por quinze cidadãos, com os fundamentos seguintes:

1.° Porque não fizeram parte da mesa Joaquim José de Babo Mendonça, Victorino Ferreira de Magalhães Mendonça, António Moreira Duarte Bessa e José Moreira Duarte, mas sim António Joaquim dos Santos e José de Magalhães,
como secretarios, e José Pinto da Cunha e Antonio Martins de Magalhães, como supplentes.

2.° Porque esta substituição se fizera para inutilisar uma certidão dos actos eleitoraes, passada na mesa e assignada pelos verdadeiros secretarios e supplentes, donde constava, que na assembléa de Meinedo o cidadão Julio Marques de Vilhena obtivera 399 votos e o cidadão Francisco Pinto Coelho Soares de Moura 66, Fernando Caldeira 200 e Manuel Duarte Guimarães Pestana 50.

3.° Porque esta acta era falsa, como até se manifestava pela demora na entrega das copias legaes, que só se effectuou no dia 12, apesar da intimação feita no dia 10 ao presidente da mesa.

Em vista d'estes factos, a assembléa de apuramento resolveu não contar os votos da assembléa de Meinedo, por não saber decidir entre a acta e a certidão.
Deve advirtir-se que nesta assembléa foram tambem apresentados dois protestos assignados por Antonio Ignacio Coimbra e mais seis cidadãos.

No primeiro protestou-se contra o facto de virem sem indicação alguma os papeis concernentes á assembléa de Margarida, e de vir lacrado com sinete em que se ha «camara» a acta da assembléa de Regilde.

A mesa da assembléa de apuramento respondeu a este protesto affirmando que os papeis da eleição de Margaride foram entregues pelo proprio presidente desta assembléa, e que o sêllo no sobrescripto da acta de Regilde não tinha influencia alguma no acto eleitoral.

O segundo protesto baseia-se no facto de o presidente ter auctorisado uma parte da assembléa a nomear um supplente para substituir outro que elle propoz, mas não estava presente.

A mesa e a acta respondem a este protesto pela fórma seguinte:

O presidente propoz os nomes dos cidadãos que haviam de constituir a mesa, incluindo n'estes o do cidadão Bernardino de Freitas Sampaio para supplente.

Parte da assembléa rejeitou a proposta, elegendo por isso aquelles que lhe approuve.

Ora o nome de Bernardino de Freitas Sampaio estava entre aquelles, que foram approvados pela parte da assembléa, que acceitou a proposta do presidente.

Verificou-se, porém, que o eleito não estava presente, por isso o presidente convidou a parte da assembléa, que o havia escolhido, para eleger outro.

Não apparece mais protesto algum até esta occasião.

Em resultado das deliberações mencionadas a assembléa do apuramento verificou
que o numero dos votantes em todo o circulo foi de 6:850, sendo uma lista branca, tendo obtido:

Francisco Pinto Coelho Soares de Moura .... 3:850 votos
Julio Marques de Vilhena .... 2:856 votos
Fernando Caldeira .... 138 votos
Antonio Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães .... 1 »
Manuel Duarte Guimarães Pestana da Silva .... 1 votos
José António Simões Raposo .... 4 votos

Foram remettidos a esta commissão diversos papeis concernentes a esta eleição.

Em primeiro logar faremos menção de uma acta assignada por diversos individuos, que se declaram portadores das actas de algumas assembléas primarias, e minoria da assembléa do apuramento. Estes constituiram uma mesa propria e decidiram em contrario á resolução da assembléa, substituir por outra a contagem dos votos, que esta havia effectuado.

Resolveram que a votação geral do circulo foi de 8:002, obtendo os cidadãos:

Julio Marques de Vilhena .... 4:153 votos
Francisco Pinto Coelho Soares de Moura .... 3:705 votos

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SESSÃO DE 28 DE ABRIL DE 1887 325

Fernando Caldeira .... 138 votos
José Antonio Simões Raposo .... 4 votos
Antonio Lopes de Figueiredo .... 1 »
Manuel Duarte Guimarães Pestana da Silva .... 1 votos

Declaram eleito deputado o cidadão Julio Marques de Vilhena, ao qual, dizem, vão enviar o diploma, que tambem foi apresentado a esta commissão.

Mencionaremos, em segundo logar, um protesto lavrado perante o tabellião Rodrigo Pinto Ribeiro de Castro, no dia 30 de março e assignado por onze cidadãos.

Protesta-se ahi contra o facto de alguns cidadãos terem apresentado na assembléa de apuramento dois protestos assignados por Antonio Ignacio Coimbra, Joaquim Moreira da Cruz e outros, e terem sido inutilisados estes protestos pela mesa, depois de os haver rubricado.

Affirma-se que um destes protestos tinha por objecto manifestar a irregularidade com que foram apresentadas algumas das actas das assembléas primarias, e o outro mostrar a illegalidade com que a assembléa procedera á contagem dos votos da assembléa de Lustosa e deixar de contar os votos da assembléa de Meinedo, em harmonia com as actas.

Mencionaremos em terceiro logar duas certidões dos autos de investigação, relativos ás assembléas de Lustosa e de Meinedo.

Mencionaremos um attestado do administrador do concelho de Louzada, affirmando que as actas das assembléas de Lustosa e Meinedo só lhe foram entregues no dia 12 de março, apesar de haver feito intimar no dia 10 os respectivos presidentes d'estas assembléas.

Mencionaremos finalmente diversas certidões e attestados de estarem ausentes e terem fallecido antes do dia 6 de março alguns dos eleitores, que foram descarregados nas assembléas de Lustosa e Meinedo, e do resultado da ultima eleição municipal n'estas e n'outras assembléas.

Fica assim feita a exposição dos factos e documentos relativos a esta eleição.

A commissão, considerando que a assembléa do apuramento usou do direito que lhe confere o artigo 87.° do decreto de 30 de setembro de 1852, conhecendo e julgando sobre a authenticidade e genuidade das actas da assembléa de Lustosa;

Considerando que a sua decisão, julgando-as sem genuidade nem exactidão, está auctorisada nas provas que lhe serviram de fundamento, as quaes ainda se confirmam por os documentos que se apresentaram;

Considerando que era dever desta assembléa contar os votos aos cidadãos que os tivessem obtido dos eleitores;

Considerando que, na falta da acta, existia um documento authentico, de onde constavam os votos apurados na assembléa de Lustosa, por onde podiam e deviam ser contados; tem como correcto e legal o procedimento da assembléa de apuramento em relação ao modo como fez a contagem dos votos da assembléa de Lustosa;

Considerando que da acta da assembléa de Meinedo consta que não formavam parte da mesa os individuos que assignaram a certidão, que se diz foi passada n'esta assembléa;

Considerando que, comquanto haja indicios de que esta acta não é verdadeira, não existe, como em relação a Lustosa, um documento authentico, de cuja veracidade não haja duvida alguma, e que prove a sua falsidade;

Considerando, que n'estes termos tem de subsistir a força probatoria da acta; entende que devem ser contados os votos da assembléa de Meinedo pela fórma constante da mesma.

Resolve, portanto, que o apuramento geral do circulo se faça pela fórma seguinte:

Foi a votação geral de .... 7:745
Porque houve uma lista branca, foi o numero real de votantes de .... 7:744

Obtiveram votos os cidadãos:

Francisco Pinto Coelho Soares de Moura:

[Ver tabela na imagem]

No concelho de Felgueiras ....
No concelho de Louzada ....
Assembléas de Alemtem ....
Assembléa de Santa Margarida ....
Assembléa de Ordem ....
Assembléa de Lustosa ....
Assembléa de Meinedo ....
Assembléa de Casaes ....
Assembléa de Silvares ....

Julio Marques de Vilhena:

[Ver tabela na imagem]

No concelho de Felgueiras ....
No concelho de Louzada ....
Assembléas de Alemtem ....
Assembléa de Santa Margarida ....
Assembléa de Ordem ....
Assembléa de Lustosa ....
Assembléa de Meinedo ....
Assembléa de Casaes ....
Assembléa de Silvares ....

Obtiveram mais:

[Ver tabela na imagem]

Fernando Caldeira ....
José António Simões Raposo ....
António Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães ....
Manuel Duarte Guimarães Pestana ....

Tendo, portanto, o cidadão Francisco Pinto Coelho Soares de Moura obtido a maioria legal, é a commissão de parecer que seja approvada a sua eleição e proclamado deputado, visto haver apresentado o respectivo diploma.

Sala das sessões, abril de 1887.= José Maria de Andrade = Alfredo Pereira = Dr. Oliveira Valle = Baptista de Sousa = Antonio Lucio Tavares Crespo = Antonio Alves Pereira da Fonseca.

Leu-se tambem o

PARECER N.° 84

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes foi presente um requerimento assignado por quinze srs. deputados, a fim de ser remettido para o tribunal especial o processo da eleição do circulo n.° 27, Felgueiras.

A commissão, acatando, como lhe cumpre, a deliberação d'esta camara, tomada na sessão de 12 de janeiro de 1885, e considerando que o requerimento foi dirigido á mesa, já depois de haver sido apresentado á camara o parecer sobre esta eleição, deve ella ser considerada, para todos os effeitos, como estando debaixo da sua jurisdicção directa e immediata.

Considerando que, nestas circumstancias, segundo a jurisprudencia da camara, é esta quem deve conhecer e julgar ácerca d'esta eleição, é a commissão de parecer, que o processo não póde ser remettido ao tribunal especial.

Sala da commissão, 23 de abril de 1887. = José Maria de Andrade = Dr. José Maria de Oliveira Valle = Alfredo Pereira = Antonio Lucio Tavares Crespo = Baptista de Sousa = Antonio Alves Pereira da Fonseca.

O sr. Presidente: - Parece-me que o parecer da commissão de verificação de poderes sobre o requerimento assignado por quinze srs. deputados, para que essa eleição fosse remettida ao tribunal especial, constitue uma questão previa, que deve ser discutida antes do parecer sobre a eleição; e não havendo reclamação em contrario, procede-se d'este modo. (Apoiados.)

Entrou em discussão o parecer n.° 84.

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326 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Fuschini (sobre a ordem): - Cumprindo as prescripções do regimento, leiu a minha moção de ordem.

«A camara, considerando que lhe não compete deliberar ácerca dos requerimentos apresentados nos termos da lei de 21 de maio de 1884, artigo 11.°, por ser questão de expediente a remessa do respectivo processo ao tribunal especial, passa á ordem do dia.»

Para desenvolver as idéas expostas n'esta moção, careço de muito poucas explicações; e se de algumas lançar mão, provavelmente a minha argumentação será identica á que foi apresentada outr'ora por alguns collegas meus, que hoje se sentam nos bancos da maioria. Antes, todavia, de entrar na discussão, como não desejo fazer á camara nenhuma asserção, que possa ser menos exacta, peço licença a v. exa. para lhe fazer duas perguntas.

O parecer da commissão ácerca da eleição de Felgueiras e o requerimento para que seja sujeita ao tribunal especial foram ou não apresentados no mesmo dia.»

O sr. Presidente: - Foram apresentados no mesmo dia, mas em primeiro logar foi apresentado o parecer.

O Orador: - Portanto, temos nós que o parecer da eleição de Felgueiras e o requerimento para ser enviada ao tribunal especial foram apresentados na mesma sessão.

Pedia a v. exa. que me dissesse agora, revendo a ordem da inscripção d'essa sessão nos cadernos que v. exa. deve ter sobre a mesa, quem tinha primeiro pedido a palavra, se o apresentante do requerimento, se o do parecer.

(Interrupção.)

Eu bem sei que foram apresentados no mesmo dia o requerimento e o parecer, mas resta-me saber, pela ordem da inscripção, quem primeiro pediu a palavra, se o relator do parecer, se o sr. Arroyo, que me parece ter sido o apresentante do requerimento.

O sr. Presidente: - Parece que o sr. deputado suppõe que eu alterei a ordem da inscripção.

O Orador: - Não tenho por costume lançar suspeitas sobre quem quer que seja; ataco leal e francamente os meus adversarios, e a camara é d'isso testemunha. Sou eu que não posso permittir similhante aggressão e repillo-a affirmando com os factos da minha vida que não sou faccioso, nem jamais usei da suspeita ou das insinuações para atacar os meus adversarios. Comprehenda-se bem isto.

A questão é bem simples: se, como supponho, o sr. Arroyo pediu a palavra primeiro do que o sr. Alves da Fonseca, relator do parecer de Felgueiras, evidente e claro me parece, não poderem invocar-se as duas rasões que se invocam para defender esta pessima causa.

A opposição não podia conhecer a doutrina do parecer, porque elle não fôra ainda apresentado, e pela mesma rasão não se póde affirmar que o processo de julgamento estivesse já iniciado n'esta camara.

O sr. Presidente: - Certamente que eu daria a palavra segundo a ordem da inscripção.

O Orador: - De accordo, a não ser que tivesse a preferencia, como no caso presente, o relator da commissão, e isso é de uma grande importancia. (Muitos apoiados.) Comtudo o privilegio do relator não póde alterar a ordem dos factos.

O sr. Alves da Fonseca: - Tenho idéa de que pedi a palavra logo em seguida á leitura da acta; entretanto esse facto é para mim completamente indifferente.

O Orador: - Para mim é que não é indifferente, desde o momento em que no parecer se invoca o precedente de 1885 em relação á eleição da ilha da Madeira. Se o precedente é mau, peior ainda é empregal-o sem a menor analogia de caso.

Quem pediu primeiro a palavra foi o sr. Arroyo e depois o sr. relator, e se este preferiu na ordem da inscripção, foi porque o regimento lhe dá esse privilegio; sendo assim, este singularissimo parecer em discussão cáe pela base. (Apoiados.)

Por incidente demonstro estas incorrecções de raciocinio, porque embora houvesse analogia de hypothese, não acceitaria as conclusões do parecer, como não acceitei, nem acceito, a doutrina do precedente invocado, doutrina que, para mim, constitue uma sophismação da lei e um violento ataque aos principios liberaes, que ella encerra.

Posto isto, o meu ponto de vista está perfeitamente definido. É possivel que a maioria desta camara possa approvar o parecer da commissão? Não é; (Apoiados.) e não é, pelas rasões com que me respondeu o sr. ministro do reino, n'uma das sessões transactas, a uma pergunta, que sobre este assumpto lhe dirigi; e ainda porque os corypheus da maioria actual têem a sua opinião compromettida em interpretação igual á minha.

Realmente, sr. presidente, a maioria não quererá desdizer as doutrinas, aliás liberaes, do seu illustre chefe, o presidente do conselho, não rasgará tambem a moção, que a minoria de 1885 sustentou nesta casa do parlamento.

A moção, que apresento, é, sr. presidente, igual á que foi votada na sessão de 12 de janeiro de 1885. Apresentada pelo sr. Eduardo Coelho foi votada por toda a minoria progressista.

Saiba a actual maioria que a votação ligou indissoluvelmente á boa doutrina as seguintes auctoridades: Antonio Candido, o leader da maioria, Antonio Centeno, Lobo d'Avila, conde de Villa Real, Eduardo Coelho, Emygdio Navarro, Barros Gomes, dois ministros do actual ministerio, João Valente, Ferreira de Almeida, Laranjo, Luiz José Dias, e a de outros cavalheiros que não são agora deputados, mas que militam no partido progressista e d'elle são ornamento.

Sejam coherentes.

Este systema de invocar os precedentes é, a meu ver, detestavel.

Em boa logica um bom precedente não deve servir senão para corroborar os argumentos; mas quando é mau, como no caso presente, não se invoca nunca, nem póde constituir o unico raciocinio do parecer de uma commissão.

A interpretação do artigo 11.°, como lhe foi dada pela camara transacta, é boa ou má; é verdadeira ou sophistica? Eis o que carecia ser apreciado e discutido, o que eu discutirei mais tarde, limitando-me agora a apresentar opiniões que são insuspeitas para a maioria.

Quer a maioria saber como pensa ácerca d'este assumpto o sr. ministro do reino?

Vou ler á camara a opinião de s. exa. e chamo a attenção da maioria da camara para as suas palavras, que lhe devem ser tanto mais agradaveis quanto a doutrina que ellas encerram é verdadeira. São opiniões de auctoridade para todos e principalmente para a maioria, visto provirem do chefe do gabinete, que chefe é tambem do partido progressista.

Podem as palavras de um humilde deputado, como eu, não ser ouvidas pela maioria, mas quando o chefe de partido e do gabinete falla, é preciso que os seus correligionarios leiam, attendam e entendam as palavras, que elle pronuncia.

Uma voz: - Isso é passar diploma de tolos a todos nós.

O Orador: - Nunca desloque v. exa. as questões, nem personalise o que é impessoal. É um velho sestro nacional de derivar as questões de principios em questões individuaes, systema ás vezes empregado para desnortear e intimidar; sendo porém assim, não imaginem com artificios e derivações intimidar-me ou afastar-me do meu propossito.

(Interrupção do sr. Alves da Fonseca.)

Certamente que ninguem procura intimidar-me, nem v. exa. é tão feio que me metta medo como o papão.

Ás observações por mim feitas ácerca da interpretação do artigo 11.°, o sr. ministro do reino respondeu da seguinte fórma.

«Mas o illustre deputado perguntou e desejou que eu

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SESSÃO DE 28 DE ABRIL DE 1887 327

respondesse, se era minha opinião que a camara devia intervir na remessa do processo; digo que me parece que não póde deixar de intervir sobre este assumpto.

«A lei manda que, lago que haja quinze deputados que requeiram que qualquer eleição contestada em que haja protestos, seja remettido ao tribunal especial, o processo seja remettido a esse tribunal. Ha portanto, que verificar estas duas condições:

«1.ª Se ha quinze deputados a requererem que o processo seja remettido;

«2.ª Se houve protestos.

«E tem a camara ainda a fixar o praso dentro do qual o tribunal tem de dar o seu veredictum.

«Não tendo a lei attribuido esta verificação á mesa, é claro que não póde ser sem o parecer da commissão.

«Portanto parece-me que a camara, para julgar sobre este assumpto, deve ouvir a commissão de verificação de poderes, e sobre o parecer d'ella resolver todos estes pontos que acabo de expor perante a camara.

«Perguntar-me-ha o illustre deputado, mas se a camara póde approvar, tambem póde recusar a remessa de qualquer processo para o tribunal?

«Entendo que não póde nem deve. Póde fazer uma injustiça; mas não deve pratical-a.»

Aqui está o que s. exa. disse: a camara póde fazer uma injustiça, mas não deve pratical-a. Emquanto a mim a camara dos deputados não póde commetter conscientemente uma injustiça.

Sr. presidente, é necessario que partamos do principio de que a nossa voz, por mais humilde que seja, não pára nas paredes d'esta casa; é necessario partir do pressuposto de que, alem de nós, está o paiz que nos escuta. É gravo atropellar um principio com tão transparentes sophismas. Têem compromissos com o deputado eleito e por isso receiam o veredictum de um tribunal?

Elejam-no por outro circulo; homem de tamanha importancia deve ser conhecido no paiz; se é indispensavel na camara, haverá um circulo vago para lhe dar.
E para lamentar que ao parlamento se apresente um parecer d'esta ordem; como isto não veiu ainda cousa alguma.

A propria fórma não é franca, pareço que a commissão a medo se quiz fundar sem responsabilidade n'um mau precedente.

Uma Voz: - Um mau precedente não póde ser invocado.

O Orador: - Fosse embora bom, a fórma do parecer quasi indica uma fraqueza.
Pois nem um argumento, nem uma rasão, nem uma prova e apenas se acata uma resolução contra a qual alguns membros da actual maioria outrora protestaram!

Sr. presidente, não queira o governo pela sua parte assumir similhante responsabilidade. Gastam-se mais os governos pela incoherencia de procedimento, do que pelos erros da administração. O erro, a illusão está na natureza humana, a incoherencia é um acto consciente e portanto deshonesto.

A opinião sensata desculpa os primeiros mas não peruca a falta de convicção, que a final demonstra a ausencia de principios...

Uma voz: - É de esperar.

O Orador: - Eu, que em 1885, ao lado da minoria de então que hoje é maioria, sustentei com o meu voto as liberdades publicas, espero ser apoiado por esses mesmos homens que tiveram sempre a auctoridade e hoje têem a força do numero e do poder.

São elles que vão defender a sã doutrina. São elles que vão supprir a diferencia da minha palavra.

Hão de fallar Sr. Antonio Candido, Sr. Laranjo, e o Sr. Lobo d' Avila e todos os que votaram a moção de 1885 e têem assento n'esta camara, para sustentar commigo, agora na maioria, o que eu sustentei com elles na opposição.

Chamo-os á autoria, porque querem falsear novamente o principio liberal que outrora sustentámos.

Há de fallar o Sr. ministro das obra publicas, porque o seu voto está ligado a esta moção.

(Interrupção)

Que me importa que se praxe se opponha a esta intimidação?

Quando a Providencia dá a um homem o talento, e a palavra, e eleva entre os seus similhantes dá-lhe ao mesmo tempo uma responsabilidade maior de que aos humildes.

A inteligencia não é uma utilidade gratuita, não; a responsabilidade dos depende da liberdade de os praticar, de os conhecer, de os apurar, que são funcções da intelligencia humana. Maior intelligencia, maior responsabilidade, maior eloquencia, maior obrigação de a empregar em favor do bem e da justiça.

Sr. presidente, esta discussão vae generalisar-se, não quero por enquanto entrar na ampla discussão do interesse principio, que envolve artigo 11.º, mais tarde o farei, se necessario for.

É claro e evidente que desde o momento em que vozes auctorisadas o vão defender a minha posição está difundida, competem-me o silencio da Adhesão e o voto final.

Leu-se na mesa seguinte:

Moção da ordem

A camara, considerando que lhe não compete deliberar ácerca dos requerimentos apresentados nos termos da lei de 21 de maio de 1884, artigo 11.º, por ser questão de expediente a remessa do respectivo processo ao tribunal especial, passa á ordem do dia = Augusto Fushine.

Foi remettida

O Sr. ministro das obras publicas(Emygidio Navarro): - Sr. presidente, não tenho de fallar agora do ministro.

Como governo, nem n'esta discussão, nem n'aquellas que interessam simplesmente á constituição da camara; não tenho que intervir.

Fallo como deputado, e accedendo ao convite que me fez o Sr. Fuschine, para que eu falasse em nome da coherencia das minhas opiniões.

Accedo ao convite, sem acceitar para mim o precedente de que a intimidação de um deputado qualquer, seja elle que for, possa obrigar ninguem a fazer uso da palavra.

Sr. presidente, eu não estranho que o illustre deputado o Sr. Fuschine ma convida a que continue a sustentar esses principios.

Não estranho, porque é coherente, embora, a meu ver, a coherencia envolva principios de intransigencia de accordo com a jurispruheucia indicada no parecer da commissão; mas estranho que quando o illustre deputado apresenta a intransihencia destes principios, receba applausos e vozes de «muito bem», d'aquelle lado da camara (indicando a esquerda).

Quinze deputados, entre os quaes estaca o meu nome, requereram que a eleição da Madeira fosse enviada ao tribunal de verificação de poderes; a maioria, que era regeneradora, votou contra esse requerimento, e votou fundada nos seguintes argumentos, que foram, largamente desenvolvidos e que podem ser analysados por quem consulte os registos parlamentares.

Primeiro argumento, porque o tribunal não estava ainda constituido.

Segundo, porque, se estivesse constituido, não tinha ainda regulamento e por consequencia não estava era ordem de poder finccionar.

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328 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Terceiro, e ultimo argumento capital, porque já havia um parecer de: uma commissão da camara, e desde que havia, esse parecer, a camara tinha assumido a sua competEncia, e que assumida ella uma vez, não a podia declinar.

E sabe v. exa. como se desenvolvia este ultimo argumento ?
Devo dizel-o com certa ordem de rasões, cujos principios são attendiveis, muito embora julgasse nessa occasião que não estavam no espirito da lei.

Dizia-se: «A commissão parlamentar é uma emanação da camara; a camara, que é um poder independente, não póde pesar no parecer d'essa commissão, que representa a emanação de um poder independente, e subordinal-o á apreciação do poder judicial; porque ou o tribunal confirma ou não, se confirma, é inutil a eleição ir para o tribunal, se não confirma, temos o poder judicial a intrometter-se nas attribuições do poder legislativo.» E dizia-se mais: «Uma camara que tenha a consciencia da sua dignidade não consentirá de certo que um parecer seu vá ser julgado por um tribunal judicial!»

Ora, sr. presidente, póde, é verdade, o sr. Fuschini levantar-se agora contra essa teoria, e defender a doutrina condemnada então, em nome da dignidade parlamentar, foi sempre esse o seu modo de ver a questão; mas podem porventura, os membros da minoria desta casa dar apoiados ao sr. Fuschini?! Creio que não. (Apoiados.)

Se a questão estivesse reintegra, se fosse ainda uma questão aberta, eu sustentaria hoje o mesmo que sustentei em 1885; mas o que não posso admittir é que haja duas leis, uma para as maiorias regeneradoras e outra para as maiorias progressistas, porque isto de dar duas interpretações, á lei é o mesmo que fazer duas leis differentes. (Apoiados.)

O sr. Fuschini, que collaborou activamente na lei eleitoral, na qual eu tambem collaborei, sabe que este principio do tribunal de verificação de poderes foi aquelle que o partido progressista mais teve difficuldade em fazer acceitar ao partido regenerador, e não se comprehende que esse partido venha agora levantar-se em peso, a pedir a interferencia e applicação de um principio, que tanto lhe custou a acceitar, e que, se o acceitou, foi pela fórma que consta dos registos parlamentares. (Apoiados.)

Ora o que fez o actual governo?

Se tivesse seguido os exemplos da politica regeneradora, teria feito como fez esse partido a proposito da eleição da Madeira, não a mandando ao tribuual, apesar de requerimento para isso, apresentado por alguns deputados, e não a mandando, pelo motivo que se allegava, de não estar ainda constituido o tribunal nem ter ainda regulamento. Mas o governo não seguia taes exemplos, porque a primeira cousa de que tratou foi de constituir o tribunal de verificação de poderes, de organisar o respectivo regulamento, e em nome dessa constituição e desse regulamento é que~, já foram para o tribunal as eleições de Villa Real de Santo Antonio e da Madeira, que os illustres deputados pediram que fossem em tempo competente.

Por consequencia, o governo não tinha interesse em que a eleição de Felgueiras fosse ou não ao tribunal de verificação de poderes. Se a opposição o desejava, porque o não pediu a tempo, como pediu as outras? (Apoiados.)

O parecer esteve quinze dias á espera de que os srs. deputados resolvessem entre si, se deviam ou não requerer que a eleição, fosse para o tribunal, e só depois de apresentado o parecer é que os illustres deputados vieram com o requerimento para que a eleição fosse para o tribunal.

Durante estes quinze dias não tiveram tempo de resolver se este processo devia, ou não, ser para ali remettido? (Apoiados.)

Querem então collocar-nos na situação que tinham classificado de indigna, para depois com a sua coherencia dizer que a maioria fez o acto indigno de depois de se ter apresentado o parecer, mandar o processo para o tribunal, ficando sujeita ao julgamento de um poder estranho? Queriam que a maioria fizesse isto? Não, não o póde fazer. (Muitos apoiados.)

A questão é muito simples, e tão simples que me admira que sobre ella possam levantar-se duvidas. É como um juiz que interpreta um artigo da lei, e essa interpretação sobe ao tribunal superior, que a julga de outra fórma. O juiz dahi em diante julga, não segundo a sua primitiva opinião, mas segundo os arestos do tribunal superior. (Apoiados.)

E chama-se a isto jurisprudencia dos arestos. (Apoiados.)

E esta jurisprudencia foi já aqui indicada pelo sr. Lopo Vaz, que sinto não ver presente, porque seria conveniente que o sr. Fuschini, com o seu espirito apaixonado, sim mas justo, lhe fizesse as mesmas observações.

O sr. Lopo Vaz, que parece ser o chefe da minoria... (Interrupção.)
Em summa ella tem tantos chefes! (Riso.)

Mas o sr. Lopo Vaz, como chefe da minoria, requereu este anno que a eleição de Villa Real de Santo Antonio fosse enviada ao tribunal no primeiro dia, indicando logo um aresto de 1885, dizendo que estava no direito de requerer assim, porque ainda não havia parecer da commissão.(Apoiados.)

Foi o proprio chefe da minoria que este anno indicou o aresto, e requereu em nome d'esse aresto. (Apoiados.)

Ora o que eu digo é que não póde haver duas jurisprudencias, duas interpretações, uma, larga, para os regeneradores e outra, estreita, para os progressistas. (Apoiados.)

Devo-se seguir a de 1885. (Apoiados.)

Se esta interpretação é inconveniente modifique-se a lei. (Apoiados.)

Ora esta lei foi o resultado de um accordo.

Houve intransigencias de um e de outro partido, mas o partido progressista não
podo assumir hoje a responsabilidade completa.

Emquanto porém não houver uma providencia legislativa, que interprete de outro modo a disposição da lei, a maioria tem obrigação de a manter.

Estas explicações são para o meu amigo o sr. Fuschini, e devo dizer-lhe que s. exa. levou isto a um principio que as conveniencias não podem auctorisar.

Permitta-se-me que acrescente duas palavras ácerca da declaração feita aqui pelo sr. presidente do conselho. O governo não tem nada com o que toca á constituição da camara; é acto exclusivo d'ella e então o sr. presidente do conselho, que é par do reino, não póde emittir a sua opinião sobre esse ponto, e como ministro não tem que fallar.

Mas o illustre deputado interpretou mal as palavras do sr. presidente do conselho perante a camara, e aqui vem a propósito o dizer-se, que não só é necessario ler, mas saber ler.

O illustre deputado tinha posto a seguinte questão, que a mesa não podia consultar, nem devia consultar a commissão de verificação de poderes, porque esta commissão não tinha que dar parecer.

Era uma these geral e s. exa. não podia referir-se a esta hypothese porque ella ainda não existia.

Dizia o illustre deputado: o requerimento assignado por quinze srs. deputados não póde ser sujeito a um parecer da commissão, e o seu argumento era este: supponha-se que a commissão dá parecer em contrario, o processo vae ou não vae ao tribunal? Uns dizem: vae, outros dizem: não vae e o sr. deputado dizia: não vae, porque não ha quem mande. Não ia pelo facto material de não haver quem mandasse. O governo não podia envial-o, porque se o fizesse, isso representava um abuso do poder, e então era preciso que o negocio fosse resolvido pelos meios constiticionaes.

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A camara não mandava o processo, e o poder judicial não vinha aqui com os seus beleguins arrancal-o. Portanto, o facto é que o processo não ía.

Por consequencia, não se discutia a competencia da camara, discutia-se a these se, apresentando-se um requerimento nas condições de dever ser remettido o processo ao tribunal especial, e dando a commissão parecer em contrario, o processo ía ou não ao tribunal, e pedia ao sr. presidente do conselho que dissesse se a sua opinião é que devia ir ou não.

O sr. presidente do conselho, disse: não vae porque a camara resolve não o mandar e o poder judicial não vem cá buscal-o, mas devia ir. O sr. presidente do conselho considerou a hypothese nas condições do requerimento dever ser attendido e de não ser attendido. Mas quando começa a competencia da camara?
Quando se interrompe?

As palavras do sr. presidente do conselho estão fóra desta questão, porque esta hypothese não foi apresentada.

Portanto, a contradicção entre as palavras do sr. presidente do conselho e o parecer da commissão de poderes não tem fundamento legal.

Se a questão estivesse ainda hoje aberta, eu estaria, em face da lei, sustentando o mesmo principio que sustentei com os meus collegas em 1885; mas entendo que a lei tem de se interpretar de um só modo, porque não póde haver uma lei para 1880 e outra para 1887; (Apoiados) é preciso interpretar a lei, e emquanto não houver a interpretação authentica o que deve regular é o aresto.

N'estas circumstancias, ou o tribunal confirmava, e era inútil a remessa, ou não confirmava, e era a exautoração da camara. (Apoiados.}

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Arroyo (sobre a ordem): - Em conformidade com as disposições do regimento começo por ler a minha moção de ordem.

«A camara, reconhecendo que só por manifesto equivoco foi citado e invocado no parecer n.° 84 um aresto parlamentar em diametral opposição com a jurisprudencia affirmada na sessão de 12 de janeiro de 1885, suscita a observancia dos principios assentes na referida sessão, e, abstendo-se de discutir o parecer n.° 79, envia ao tribunal especial de verificação de poderes, a fim de ahi ser julgado o processo eleitoral relativo ao circulo n.° 29. Sala das sessões da camara dos deputados, 28 de abril de 1887. = João Arroyo.»

Sr. presidente, meno furia, mais calma e mais socego, sobre tudo quando o discurso sáe dos bancos do poder. (Apoiados.)

Póde-se ser firme, energico, vehemente na argumentação, corajoso no enunciado de uma qualquer verdade, mas n'esta casa é preciso evitar o arrebatamento excessivo, sobre tudo quando o orador, membro do parlamento, é conjunctamente ministro da corôa. (Apoiados.)

Parece-me que é tempo de que o ministerio progressista se lembre de que se não responde a rasões, que podem não ser verdadeiras, mas que são sincera e lealmente apresentadas, com exuberancia de voz e de gesto. (Apoiados.)

O sr. Navarro, no ponto do seu discurso em que mais severamente impugnava a minoria parlamentar, dizia-nos que o sr. Fuschini sustenta-a doutrina de que se remetta para o tribunal especial o processo eleitoral a todo o tempo que se apresente no parlamento um requerimento assignado por 15 deputados e que existam protestos nas assembléas primarias ou nas de apuramento, comprehendo; mas que a minoria regeneradora applauda, isso é que por fórma alguma posso comprehender.

Vae s. exa. comprehender.

Os applausos da minoria não eram á doutrina defendida pelo sr. Fuschini, eram á asseveração feita por s. exa. de que em 1880 o partido progressista estava com ella e que em 1887 está contra ella. (Apoiados.)

Isto é o que significavam os applausos da minoria regeneradora, e nada mais. (Apoiados.}

Escusava portanto s. exa. de se admirar, porque nós, applaudindo o sr. Fuschini, applaudiamos a afirmação de s. exa. de que o partido progressista de 1885 para 1887 havia feito uma mudança, uma transformação capital das opiniões que professava relativamente a este ponto. (Apoiados.)

Disse eu na minha moção que só por manifesto equivoco é que foi citado, invocado no parecer n.° 84, um aresto parlamentar que se encontra diametralmente em opposição com a jurisprudencia affirmada na sessão de 12 de janeiro de 1885.

E depois de ouvir o nobre ministro das obras publicas, tenho de completar a minha moção de ordem, porque o equivoco não é só da parte da commissão, é mesmo da parte de s. exa., que, nas affirmações com que acaba de defender a sua opinião, foi, perdoe-me s. exa. porque nisto não vae offensa, completamente inexacto relativamente ao texto, sentido, importancia e alcance do aresto de 1885. (Apoiados.)

Na minha resposta, creia v. exa., não vou servir-me de allusões vãs; porque vou ler o que diz esse aresto, vou dizer á camara o que foi que se resolveu em 1885, vou dizer o que é que o partido regenerador sustentou então, o que o partido progressista sustentou nessa occasião e o que hoje o partido progressista sustenta, e á face dos documentos e citações, e das indicações que os annaes parlamentares me podem fornecer, hei de mostrar que o partido progressista hoje sustenta o contrario do que sustentou em 1885, e que a minoria regeneradora sustenta exactamente o mesmo, que sustentou então. (Apoiados.)

Começarei por mo referir ao que se passou na já memoranda sessão de 12 de janeiro. As votações da camara nessa sessão foram duas; uma de rejeição, outra de approvação: a votação de rejeição foi a que recaiu sobre a moção de ordem apresentada pelo sr. Eduardo José Coelho; a votação affirmativa, a que caracterisou a opinião da camara e que tem em si, implicitamente o aresto parlamentar affirmado nessa sessão, foi a que incidiu sobre a moção do sr. Marçal Pacheco.

Antes de completar a leitura do aresto, pelo que disseram os diversos oradores progressistas e regeneradores, e a maneira de extremar e definir claramente a posição de cada um dos partidos politicos monarchicos que se pronunciaram sobre esta questão, lerei á camara os motivos em que se fundamentou o aresto:

«Considerando que não póde nem. deve funccionar um tribunal de delegação senão com expresso consentimento do tribunal delegante, expresso consentimento que, no caso de que se trata, consiste no facto de haver quinze deputados concordes em que seja deferido ao tribunal especial o julgamento de quaesquer processos eleitoraes;

«Considerando que, com respeito á eleição da Madeira, na delegação se não verificou, nem verificar se pode, por ter esta camara tomado deliberação, por unanimidade, que necessariamente implica a recusa d'aquella delegação, avocando por isso a si o julgamento d'este processo eleitoral, o que aliás está dentro dos limites da sua competencia; e

«Considerando que, n'estes termos e n'estas condições deferir o julgamento ao tribunal especial significaria da parte d'esta camara uma reconsideração que nem a justiça nem os principipios do decoro parlamentar justificam:

«A camara delibera proseguir na, discussão e apreciação do processo eleitoral da Madeira, reserva-se a plenissima liberdade de o approvar ou rejeitar, consoante o entender na sua consciência soberana, e continua na ordem, do dia.»

Estes são os considerandos e o aresto relativos á questão, e da sua leitura concluo nitidamente o que vou expor: primeiro, é inexacta a affirmação do Sr. ministro das

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obras publicas de que a decisão da camara na sessão de 12 de janeiro de 1885 se baseava no facto de não estarem regulamentados os artigos respectivos ao tribunal especial de verificação de poderes; segundo, é inexacta a affirmação de s. exa. quando dá ao aresto de 1885...

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Eu disse que tres fundamentos tinham resultado da discussão parlamentar: um era não estar constituido o tribunal; outro, quando estivesse, não tinha regulamento, e a lei não estava regulamentada; e terceiro, haver parecer da commissão, onde estava definida a competencia da camara.

O Orador: - E absolutamente inexacto que fosse fundamento do aresto não estar o tribunal constituido; segundo, é absolutamente inexacto que fosse fundamento do aresto não estarem regulamentados os artigos da lei de 1884 relativos ao tribunal especial de verificação de poderes; e em terceiro logar, é absolutamente exacto que o aresto de 1885 se funda na rasão de que ao tempo e na occasião em que se apresentou o requerimento á mesa já a camara havia avocado a si a decisão do processo eleitoral, já havia feito introduzir na sala os deputados da Madeira de forma que podessem tomar parte na discussão, e já esta havia começado, porque o sr. Elias Garcia e o sr. Consiglieri Pedroso trataram o fundo da questão; foi já depois iniciada a discussão, que se resolveu interrompel-a, como evidenceiam os proprios termos do aresto proseguir na discussão, continuar na ordem do dia, para se tratar, como questão previa, o facto de se decidir se era ou não para receber o requerimento que pretendia que fosse remettido ao tribunal especial de verificação de poderes o processo eleitoral da Madeira. (Apoiados.)

Este é o aresto; nem mais, nem menos.(Apoiados.)

D'isto concluo eu: primeiro, que as afirmações do illustre ministro são inteira e absolutamente inexactas; segundo, que a situação da minoria regeneradora de hoje é exactamente a mesma que este partido assumiu em 1885.

Em 1885 o partido regenerador sustentava que o requerimento não era de receber, porque na occasião em que esse requerimento havia sido enviado para a mesa, já a camara havia iniciado a discussão e já havia tomado decisões por unanimidade sobre o assumpto. (Apoiados.)

Hoje este partido sustenta que o requerimento é de receber exactamente porque se verifica o facto opposto. (Apoiados.)

A discussão ainda não começou. (Apoiados.)

E mais ainda; quando o requerimento foi para a mesa, ainda a minoria regeneradora não podia ter o mais pequeno conhecimento das conclusões do parecer.

Desejando seguir uma ordem perfeitamente logica no enunciado das considerações que tenho a apresentar á camara, cumpre-me corroborar a nota do aresto estabelecido na sessão de 12 de janeiro de 1885 com os commentarios feitos a esse aresto pelos diversos oradores regeneradores que tomaram parte nesse debate, e contraprovar a affirmação de que sustentamos hoje o que sustentamos em 1885, e de que s. exa. se encontram em contraposição com o que disseram n'aquella data á face dos discursos dos oradores progressistas pronunciados por essa occasião.

Permitta-me, pois, a camara que abuse por poucos minutos da sua attenção com essas transcripções e citações.

A 9 de janeiro o sr. Bivar, então presidente da camara, punha á discussão a questão previa nos seguintes termos.

«Desde que se apresentou um parecer da commissão de verificação de poderes, e este foi impresso, distribuido, dado para ordem do dia e entrou em discussão, não posso dar o destino que se pede ao requerimento que foi mandado para a mesa, sem uma resolução da camara.»

O § 1.° do artigo 145.° do regimento diz que se dá questão previa sempre que um deputado proponha que a camara, por qualquer motivo, não póde deliberar sobre a materia que está em discussão.

«Verifica-se a hypothese.»

«Cumpre saber se, pela apresentação do requerimento, a camara póde ou não deliberar sobre a materia em discussão.»

Mas as provas mais frisantes e todas ellas tendentes a mostrar que na realidade o facto que levou a maioria de 1885 a decidir que o requerimento não era de receber foi o facto do parecer já estar em discussão e de se terem tomado decisões por unanimidade estão nos discursos de varios oradores. Em primeiro logar, no discurso do sr. Pereira Leite.

Na sessão de 9 de janeiro dizia s. exa.:

«Dá-se pois na especie sujeita para a camara a competencia da prorogração de jurisdicção, que a lei lhe reconhece; pelo facto do consentimento das pretas interessadas, ubi acceptum est judicium, ibi finiri debet.

«Se a jurisprudencia do nosso collega Eduardo José Coelho fosse acceite, mas que s. exa. não disposaria em outro logar, porque é um jurisconsulto dintincto e tem um nome respeitado na magistratura judicial, se nós admittissemos essa jurisprudencia, onde nos podia isso levar? Supponhamos que enviamos para o tribunal especial o presente processo e que esse tribunal se declarava incompetente, porque a jurisdicção se achava preventa, visto a camara, no uso do seu direito de verificação de poderes, ter começado a discussão.»

A 10 de janeiro dizia o sr. Marçal Pacheco:

«Desde que abre a sessão preparatoria até ser dado para discussão qualquer processo eleitoral, é sempre occasião de pedir-se o seu julgamento pelo tribunal especial. Uma vez entrado em discussão sem que ninguem tenha feito aquelle requerimento, fica assentado que não se quiz usar do direito que o artigo 11.°, segunda parte, concede, e portanto é á camara a quem de direito pertence o julgamento.»

Peço agora de novo a attenção da camara. Trata-se de ouvir as palavras escriptas do sr. Navarro.

Sr. Emygdio Navarro, chamo a attenção de v. exa. para o sr. Emydio Navarro de 1885.

«Outro argumento apresentado foi que não se deve tirar d'esta camara o julgamento, desde que ella se pronuncie em um determinado sentido. Mas quando é que ella se pronuncia? Só na votação. E se antes d'isso, e desde já, ella se póde julgar pronunciada em determinado sentido, então é o complemento da discussão inutil, e inutil a votação. Mas n'este caso mostra-se que a disciplina partidaria e as influencias parlamentares constituem uma opinião preconcebida e inflexivel. Talvez isso seja verdade ; mas isso dará a demonstração mais ou menos concludente da necessidade de se mandar para o tribunal as eleições seriamente contestadas. O principio da discussão, longe de ser um obstaculo, póde ser uma rasão de decidir n'um sentido, como precisamente succede n'este caso.»

O sr. João Franco na sua moção de ordem, dizia:

«A camara, considerando que nem os principios geraes de direito, nem uma disposição legal expressa e terminante, consentem, como era mister, que, uma vez reconhecida e acceita pelo facto da discussão, a competencia da camara como tribunal de verificação de poderes dos seus membros, se possa usar da providencia excepcional do artigo 11.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884, passa á ordem do dia.»

Tudo isto parece-me que são provas superabundantes de que o partido regenerador de 1885 sustentava, como hoje, que antes de se ter iniciado a discussão sobre o parecer relativo a qualquer processo eleitoral, e só até então, podia o processo ser enviado ao tribunal especial. (Muitos apoiados.)

Isto acha-se completamente comprovado pelas declarações do sr. Lopo Vaz, na primeira sessão da junta preparatoria, em 4 de abril de 1887.

Não posso deixar de alludir a essas declarações, porque

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o sr. ministro das obras publicas referiu-se frisantemente a este ponto.
O sr. ministro das obras publicas affirma que o sr. Lopo Vaz, ao enviar para a mesa um requerimento relativo á eleição de Villa Real de Santo Antonio, para que ella fosse enviada ao tribunal especial do verificação de poderes, dissera que o requerimento ainda ia a tempo, visto que, segundo o aresto de 1880, o limite da sua apresentação era o da apresentação do parecer da commissão de verificação de poderes sobre o respectivo processo eleitoral.

É absolutamente inexacto. (Apoiados.)

O que o sr. Lopo Vaz disse foi o seguinte:

«Na sessão passada estabeleceu-se, como asserto parlamentar, que a remessa de qualquer processo ao tribuna especial não podia ter logar depois de sobre o respectivo parecer ter começado a discussão parlamentar.»

Isto foi o que disse o sr. Lopo Vaz, é o que eu sustento e é o que partido regenerador sustentou em 1885.

Assim o sr. Navarro fosse coherente com a sua opinião d'esse tempo!

Não respondo senão com factos e transcripções do Diario das sessões; argumentar com citações verbaes, feitas com a maxima boa fé, estou certo, mas que são perfeitamente inexactas, póde ser muito habil, mas não é muito coherente com os principios da fidelidade, da logica e da correcção, que devera presidir ás referencias das opiniões dos outros. (Apoiados.)

Vista a questão por este lado, tenho do a encarar agora por outro ponto de vista. Não quero só sustentar a opinião dos regeneradores de 1885, quero tambem sustentar a causa da rasão. (Apoiados.) É o caso de repetir mais uma vez o estafado aphorismo: Amicus Plato, sed magis amica veritas.

Vejamos a questão sob o ponto de vista theorico e juridico.

A reforma de 1884, que teve em vista a creação do tribunal de verificação de poderes, é tambem da responsabilidade do partido progressista; ora vejamos quaes são os requisitos exigidos por essa lei:

1.° Que o requerimento seja assignado por quinze deputados eleitos ou com poderes já constituidos;

2.° Que tenha havido algum protesto nas assembléas primarias ou nas de apuramento.

Vejamos o primeiro praso. Poderá ser unica e simplesmente o da abertura da sessão legislativa, quando os processos eleitoraes ainda não estão em poder das commissões de poderes?

A letra do artigo 11.° da lei de 1884 repugna manifestamente tal interpretação.

A lei de 1884 estabelece que os requerimentos poderão ser assignados por deputados eleitos, ou por deputados com poderes já verificados. Delimitado, portanto, assim o praso para se apresentar o requerimento até ao momento em que a commissão de poderes não está ainda de posse dos processos, violaremos frisantemente a letra e a doutrina do mencionado artigo 11.° (Apoiados.)

Outro praso, segundo o phantastico parecer da commissão de poderes, parece que é até á apresentação do parecer. Vejamos tambem esta hypothese.

Em que situação se encontram as commissões d'esta casa relativamente á camara?

Em que relação está qualquer commissão parlamentar relativamente á assembléa legislativa? Evidentemente as commissões parlamentares nada mais são do que corpos consultivos, corporações que estudam, que aplanam, que esclarecem as questões, que analysam todos os seus mais pequenos detalhes, que trazem á camara os resultados do seu trabalho, o producto dos seus esforços, de maneira a habilitar a camara a mais facil e conscientemente poder decidir sobre o assumpto.

O voto das commissões implica em alguma cousa como o voto da camara?
Absolutamente dada. (Apoiados.) Póde haver uma subordinação, estudada a questão sob o ponto de vista dos nossos costumes partidarios, mas estudada a questão sob o ponto de vista geral e do regimen parlamentar, a decisão de uma commissão não é senão um voto consultivo, voto seguramente de muita importancia e consideração, mas que não contém por fórma nenhuma a opinião, o voto, o parecer, a decisão do parlamento sobre esse objecto. Portanto, ainda sob esse ponto de vista, a apresentação do parecer sobre a mesa em nada póde affectar o livre uso do direito parlamentar garantido no artigo 11.° da lei de 1884.

Mas, sr. presidente, v. exa. sabe que exactamente o documento que melhor póde elucidar os membros do parlamento sobre os vicios, sobre as maculas, sobro as faltas, sobre as irregularidades de um processo eleitoral, é o respectivo parecer da commissão.

Só excepcionalmente, em virtude do caracter grave e importante d'essas irregularidades, é que os membros da camara podem ter previo conhecimento d'ellas.

Na maior parte dos casos, no geral dos processos, é unica e simplesmente o exame das commissões de poderes, que vem descobrir essas faltas ou irregularidades.
Póde qualquer de nós ter conhecimento particular d'essas irregularidades por meio de documentos officiosos; mas o documento, que tem especialmente por fim dar nota á camara de todas essas faltas e maculas, o documento que tem de esclarecer o parlamento, o documento que tem de aclarecer a opinião da camara, é exactamente o parecer da commissão. (Apoiados.)

Podemos, portanto, nós, querendo garantir o direito das minorias, estabelecer a jurisprudencia exotica de que só antes da apresentação desse parecer se póde enviar o requerimento para a mesa? (Apoiados.) Não é evidentissimo que a apresentação d'este parecer levantará na maior parte dos casos duvidas e duvidas graves no espirito dos membros d'esta casa, que podem leval-os a assignar o requerimento para ser enviado ao tribunal especial de verificação de poderes um certo e determinado processo eleitoral?

Se isto é assim, qual é o motivo porque se pretende sustentar que, apresentado o parecer, já o requerimento não é de receber?

Se é termo da apresentação do requerimento o da apresentação do parecer, não ficará na maior parte dos casos elidida e prejudicada a garantia das minorias?

Isto é de uma tal intuição e evidencia, que na realidade a commissão fez muito bem em escrever poucas linhas sobre o assumpto. Se porventura tivesse escripto mais alguma cousa, com certeza não se podia ter conservado á altura da intelligencia e da predicados que exornam os membros da commissão.

S. exas. fizeram muito bem. Não só .foram habeis, mas muitissimo prudentes. Creiam s. exas. que se dissessem mais, não podiam dizer bem. (Apoiados.)

V. exa. e a camara sabem que o problema que nós estamos n'este momento discutindo, não é senão um problema de prevenção de jurisdicção. Não se trata senão de apurar qual o termo, qual a phase do processo parlamentar em que a competencia da camara está perfeitamente prevenida, e é impossivel avocar para o tribunal especial de verificação de poderes um determinado ou determinados processos eleitoraes.

Assim eu tenho naturalmente de dissertar um pouco sobre o que é prevenção de jurisdição na ordem geral juridica e na ordem especial do processo politico parlamentar.

Que não me respondam, que os principios de competencia e de jurisdicção divergem de um para outro ramo de direito, e que são differentes, conforme se tratar de materia civil, commercial, penal, administrativa ou politica. Não é verdade.

Os principios superiores de competencia ou de jurisdição são caracterisadamente principios de direito geral, são condições de ordem publica, são bases fundamentaes do processo, bases fundamentaes que têem de ser applicadas,

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qualquer que seja a diversidade de tribunal a que pertença o pleito, e que tem de ser clara e competentemente observada, qualquer que seja a sciencia especial do direito que num determinado momento occupa a nossa attenção.

A prevenção de jurisdicção no nosso direito, como no direito estrangeiro, passou por duas faces perfeitamente distinctas.

V. exa. sabe que a excepção e prevenção de jurisdicção se chama em direito excepção de litis pendencia.

Por outra, a excepção de litis pendencia é o meio de defeza indirecta que garante a prevenção de jurisdicção relativamente a um determinado tribunal.

Até á affirmação dos principios actuaes juridicos discutiam muito os velhos praxistas se a prevenção de jurisdicção se dera com a contestação, se vinha com a replica, se unica e simplesmente só verificava em termos ulteriores ao processo. Por signal que a nossa jurisprudencia apresenta variadissimas e curiosissimas distincções a tal respeito, sobre contestatio ficta e contestatio vera.

Mas hoje é principio assente que a prevenção de jurisdicção está assegurada e que a apresentação litis pendencia é rigorosamente legitima, desde que um determinado pleito, sobre o mesmo assumpto e sobre as mesmas partes, está pendente de um outro tribunal.

No parlamento degladiam-se direitos politicos, como nos tribunaes civis e commerciaes se degladiam direitos civis e direitos commerciaes.

Quando é que se julga que uma questão está pendente? E quando as partes interessadas estão tratando de recolher todos os esclarecimentos, todos os documentos e as indicações necessarias para bem comprovar o seu direito? Não. Será por outro lado julgada pendente uma acção unica e simplesmente quando terminarem os debates e o processo está completamente instruido? Não. Quer dizer, não é nem durante o trabalho preparatorio da apresentação da acção ao tribunal, nem quando estão os autos conclusos para julgamento?

Quando é que se julga pendente o pleito? julga-se, logo que o auctor vem arrazoar em juizo em prol dos seus direitos que considera offendidos, e foi accusada a respectiva citação ou distribuida a acção. (Apoiados.)

A que termo corresponde essa phase no nosso processo parlamentar? Ao principio de discussão do parecer, quando começa o pleito entre maioria e opposição. (Apoiados.)

Ninguem poderá sustentar que o debate entre a opposição e a maioria, que lucta parlamentarmente, já se iniciou, antes de começar a discussão! (Muitos apoiados.)

Cumpre-me ainda ver a questão relativamente ao que se encontra no relatorio da lei de 1884, e pelo que respeita a este ponto, lamento um pouco ter de me afastar do sr. Fuschini. No relatório de 1884 lê-se o seguinte, relativamente á creação do tribunal especial de verificação de poderes: «Afastar da camara dos deputados as discussões prolongadas, e quasi sempre apaixonadas da verificação dos poderes, é certamente levantar no conceito publico a sua auctoridade politica, que deve manter se intemerata e respeitada, como pertencendo á directa manifestação da soberania popular».

Qual foi o fim que a lei de 1884 teve em vista afastar da camara dos deputados as discussões prolongadas. Como o consegue a commissão?

Lançando-se n'ella, não obstante o requerimento feito nos termos da lei de 21 de maio de 1884. (Apoiados.)

A lei de 21 de maio de 1884, quiz obedecer a dois propositos: primeiro, afastar d'esta casa o debate irritado e prolongado, que por isso se levantavam á sua volta grandes paixões partidarias, seria causa do desprestigio d'esta casa; segundo, quiz garantir o direito a um grupo de quinze deputados, desde que existissem protestos nas assembléas primarias ou nas assembléas de apuramento.

O parecer n.° 84, que está em discussão, é o contrario dos fins que a lei de 21 de maio de 18884 teve em vista. (Apoiados.)

Sabe v. exa. o que vamos fazer? Vamos lançar-nos por motu proprio em uma discussão que foi ha muitos dias classificada de irritante e que póde prejudicar o decoro parlamentar.

Nós queremos salvaguardar o decoro parlamentar, apresentando um requerimento, que em conformidade com a lei de 1884 nos diz que a discussão da eleição de Felgueiras deve, para interesse da camara, furtar-se ao seu exame, e a maioria quer ir contra o motivo ponderoso da propria lei. Vamos lançar-nos em uma discussão que está antecipadamente taxada de inconveniente, de irritante e apaixonada. Mas ha mais.

A minoria parlamentar, sendo affirmada a jurisprudencia constante do parecer era discussão, fica completamente Ás ordens da commissão de verificação de poderes; dependerá de que as commissões de poderes se apressem mais ou menos na apresentação dos pareceres, dependerá de que ellas sejam solicitas na apresentação dos seus trabalhos, dependerá finalmente da vontade unica dos membros d'essas commissões, que o respectivo artigo da lei de 21 de maio de 1884 tenha efficacia. (Apoiados.)

Isto não póde ser, e é preciso que nos pronunciemos energicamente contra tal procedimento. (Apoiados.)

Desde o instante em que a camara nega á minoria, até ao ponto em que a discussão começa, o direito de enviar para a mesa o requerimento, s. exa. comprehende a que resultados póde conduzir uma coarctação tal do direito parlamentar.

V. exa. comprehende que, por este modo, a minoria parlamentar terá, nos primeiros dias de trabalhos legislativos, de se informar officiosa e particularmente se houve ou não protestos, quer nas assembléas primarias, quer nas assembléas de apuramento, e de exercer indistinctamente o direito inscripto no artigo 11.° da lei de 1884, e muitas vezes sem rasão plausivel, porque terá receio de adiar para mais tarde a apresentação do seu requerimento.
Chegado a este ponto das minhas considerações, tendo, me parece, justificado a minha moção com as rasões em que ella se fundamenta, tendo, pelo menos assim o penso, posto completamente a coberto a minoria regeneradora de qualquer accusação de contradicção entre o que agora sustenta e o que sustentára em 1885, quero fazer a contraprova, dizer á maioria progressista de agora o que ella disse em 1885, mostrar-lhe que nós estamos com o que dissemos então e que s. exas., se approvarem o parecer, estão exactamente em diametral opposição com o que sustentaram n'essa occasião.

Na sessão de 12 de janeiro de 1885 foi votada uma moção do sr. Eduardo José Coelho, que dizia:

«A camara, considerando que lhe não compete deliberar ácerca dos requerimentos apresentados nos termos da lei de 21 de maio de 1884, artigo 11.°, por ser questão de expediente a remessa do respectivo processo ao tribunal especial, passa á ordem do dia.»

Na sessão do dia 9 dizia o sr. Marianno de Carvalho:

«Entendo que, conforme as disposições da lei um requerimento d'esta especie não admitte discussão, nem votação, e, portanto, nada direi para o sustentar.»

O requerimento, note a camara, era apresentado quando já tinha começado a discussão parlamentar.

Mais ainda. A moção do sr. Emygdio Navarro, apresentada por essa occasião, dizia assim:

«A camara reconhece que já não tem competencia legal para discutir a eleição da Madeira.»

Não tinha competencia legal, por isso que se tinha apresentado na mesa um requerimento, como o que tive a honra de enviar, a meio da discussão parlamentar.

Estas citações precisam ser completadas, para illustração da maioria, pela citação dos nomes dos srs. deputados progressistas dessa epocha que approvaram a moção do

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sr. Eduardo José Coelho e rejeitaram a moção do sr. Marçal Pacheco.
São os seguintes:

«Albino Montenegro, Antonio Candido, Antonio Centeno, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo Coelho, Emygdio Navarro, Barros Gomes, João Valente, Ferreira de Almeida, Laranjo, Luiz Dias e Vicente Pinheiro.»

Antes de terminar não posso deixar de me referir á grande mágua, ao grande sacrificio, ao grande desgosto da commissão de verificação de poderes por ter de redigir, como redigiu, o seu parecer. Quem ler esse relatorio fica convencido que o sr. Alves da Fonseca estava muito afflicto quando o redigiu. (Riso.)

«A commissão, acatando, como lhe cumpre, a deliberação d'esta camara tomada na sessão de 12 do janeiro de 1885 ...» Que sofírimento se revela n'estas palavras, santo Deus!

Isto parece-se um pouco com aquelle celebre relatorio do ministro da fazenda sobre a reforma da fazenda districtal e concelhia.

V. exa. leu-o? Leu-o? E uma rica peça. (Riso prolongado.)

O sr. ministro da fazenda faz uma jeremiada sobre a situação dos empregados da fazenda, lastimando-os.

Estou mesmo a ver s. exa. sentado á mesa a escrever esse relatorio; as lagrimas eram como punhos, a caírem-lhe a quatro e quatro pelas faces contrahidas pelo soffrimento! (Riso.)

Parece que o original do decreto ainda apresenta vestigios evidentes do pranto que s. exa. verteu em cima do diploma. (Riso.)

Mas, sr. presidente, quando o 14 de novembro ou o 6 de março se avizinhava, o que fazia o sr. ministro da fazenda?

Approximava-se da empregados de fazenda, abraçava os, chorava com elles, lamentava a sua sorte, e depois... transferia-os ou demittia-os! (Apoiados. Riso prolongado.)

E pouco mais ou menos o que faz a commissão de verificação de poderes: Ah! quer ella dizer, se não fosse o asserto de 1880, que pressa teriamos de evitar o pezar que nos causa o não conceder ao sr. Julio de Vilhena o diploma por Felgueiras!

Pois eu preferia menos lagrimas e mais justiça. (Muitos apoiados.)

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que só por manifesto equivoco foi citado e invocado no parecer n.° 84 um aresto parlamentar em diametral opposição com a jurisprudencia affirmada na sessão de 12 de janeiro de 1885, suscita a observancia dos principios assentes na referida sessão, e, abstendo-se de discutir o parecer n.° 79, envia ao tribunal especial de verificação de poderes, a fim de ahi ser julgado, o processo eleitoral relativo ao circulo n.° 29. = João Arroyo.»

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Fica em discussão conjunctamente com o parecer.

O sr. Alves da Fonseca: - (O discurso do Illustre deputado não foi restituido a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sabbado é a continuação da que estava dada e mais a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa e a interpellação do sr. Arroyo ao sr. ministro do reino ácerca dos acontecimentos do Porto.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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