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N.º 16

SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Tem segunda leitura o projecto de lei n.° 206, cuja iniciativa renova o sr. visconde do Ervedal da Beira. - O sr. presidente nomeia a commissão de redacção. - O sr. ministro da negocios estrangeiros apresenta uma proposta do lei para ser ratificado o tratado de commercio com a Noruega.- O sr. Teixeira de Sousa apresenta uma representação dos ex-arbitradores judiciaes da comarca de Alijó. - O sr. Luiz Osorio apresenta o parecer sobre a proposta que concede uma pensão á familia do major Caldas Xavier.- O sr. Miguel Dantas renova a iniciativa dos projectos de lei, n.º 103-C, de 1893, e n.º 116-A, do mesmo anno. - O sr. Pereira Medello apresenta uma representação da camara municipal da villa da Lagoa. - O sr. Cunha da Silveira participa a constituição da commissão de marinha. - Justifica ás faltas o sr. Jeronymo Osorio. - O sr. Magalhães Lima communica a commissão de negocios do ultramar.

Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 2, bill de indemnidade, faltando sobre o projecto os srs. Teixeira de Sousa, Marianno de Carvalho, Manuel Fratel e Mello o Sousa. - O sr. ministro da marinha communica á camara um telegramma do governo geral de Moçambique, participando a prisão do regulo insurrecto Mahazul. A camara acolhe a participação com vivas ao exercito e á marinha.

Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada, 73 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio Cândido da Costa, Antonio de Castro Pereira Corte Real, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José Boavida, Antonio José da Costa Santos, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira- de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Bernardino Camillo Cincinato da Costa, Conde de Anadia, Conde de Pinhel, Conde de Valle Flor, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Mateis de Mendia, Jacinto José Maria do Couto, Jayme de Magalhães Lima, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Pereira Charula, João Lopes Carneiro de Motiva, João Marcellino Arroyo, João da Mota Gomes, João Pereira Teixeira de Vasconcelos, Joaquim do Espirito Santo Lima, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Lopes Coelho, José Bento Ferreira de Almeida, José Correia de Barroa, José Eduardo Simões Baião, José Freire Lobo do Amaral, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.). José Joaquim Dias Gallas, José Marcellino de Sá Vargas, José Mendes Lima, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Júnior, José dos Santos Pereira Jardim, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto do Soveral, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Bravo Gomes, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Quirino Avelino de Jesus, Romano Santa Clara Gomos, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do ^Banho, Visconde do Ervedal da Beira e Visconde da Idanha.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho da Cunha Pimentel, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Antonio d'Azevedo Castello Branco, Fidelio de Freitas Branco, Jacinto Cândido da Silva, José Dias Ferreira, José Joaquim Aguas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Teixeira Gomes, Luciano Affonso da Siva Monteiro, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pedro Guedes, Visconde de Leite Perry, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida e Visconde de Tinalhas.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio Adriano da Costa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Augusto Dias Dantas da Gama, Augusto Victor dos Santos, Carlos de Almeida Braga, Conde de Jacome Correia, Conde de Taverede, Diogo de Macedo, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco José Patrício, Ignacio José Franco, Jayme Arthur dá Costa Pinto, Jcronymo Osorio do Castro Cabral e Albuquerque, João Maria Correia Ayres de Campos, João Rodrigues Ribeiro, José Coelho Serra, Julio Cesar Cau da Costa, Licinio Pinto Leite, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel de Sousa Avides, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 20?, e que tem parecer da: commissão de 1 de julho de 1893, e em que se concede ao juiz de segunda instancia conselheiro Adelino Anthero de Sá, o terço por diuturnidade de serviço, a contar do dia em que completar o tempo indispensável para esse fim.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 28 de janeiro de 1896. = O deputado, Visconde do Ervedal da Beira.

Lida na mesa foi admittida e enviada á commissão ãe legislação civil.

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O projecto a que se refere esta renovação de iniciativa é o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° Ao desembargador Adelino Anthero de Sá, juiz de segunda instancia da relação de Lisboa, é concedido o terço por diuturnidade de serviço, a contar do dia em que completou o tempo indispensavel para osso fim.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Haia das sessões da commissão, 1 de julho de 1893. - F. Beirão (com declarações) = Pestana de Vasconcellos = João Pinto dos Santos = Matheus Teixeira de Azevedo = Reis Torgal = A. Guilherme de Sousa = Joaquim Paes da = João de Paiva, relator.

O sr. Presidente : - Para a commissão de redacção nomeio os ars. deputados Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Jayme Arthur da Costa Pinto e Manuel Joaquim Fratel.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - Mando para a mesa uma proposta de lei que approva, para ser ratificado, o tratado de commercio com a Noruega.

Vae publicada no fim d'esta sessão a pag. 124.

O ar. Antonio Teixeira de Sousa: - Sr. presidente, mando para a mesa uma representação dos ex-arbitradores da comarca de Alijo contra o decreto de 15 de setembro de 1892.

Este assumpto foi já discutido na commissão de legislação civil da camara anterior, obtendo um parecer favorável; escuso, pois, de encarecer á camara as rasões de justiça que fundamentam esta representação.

Peço a v. exa., sr. presidente, consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Assim se resolveu.

Vae por extracto no fim desta sessão.

O sr. Luiz Osorio: - Mando para a mesa, por parte da commissão respectiva, ò parecer ao projecto relativo á proposta de lei apresentada pelo governo e approvada pelo parlamento, em que se estabelece uma pensão á viuva o filhos do fallecido official Caldas Xavier.

Foi a imprimir.

O sr. Miguel Dantas Gonçalves Pereira: - Mando para a mesa duas propostas de renovação de iniciativa aos projectos de lei n.° 115-C de 1893 e n.° 116-A de 1893.

Ficaram para segunda leitura.

O sr. Luiz Pereira Medello: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Lagoa (Açores) contra a extincção do julgado municipal.

Peço a v. exa. que mande esta representação á commissão respectiva.

Vae por extracto no fim desta sessão.

O sr. Cunha da Silveira: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. e á camara que a commissão de marinha se acha constituída, tendo escolhido para presidente o sr. José Bento Ferreira de Almeida, e a mim, participante, para secretario. = O deputado pelo circulo n.° 20, J. Cunha da Silveira.

Para a acta.

O sr. Magalhães Lima: - Também mando para a mesa a seguinte:

Participação

Tenho a honra de communicar a v. exa. e á camara que a commissão de negocios do ultramar só acha constituída, tendo escolhido para seu presidente o illustre deputado

sr. Ferreira de Almeida, e a mim para secretario. = Jayme de Magalhães Lima. Para a acta.

O sr. Antonio de Almeida Coelho de Campos: - Mando para a mesa uma justificação de faltas do sr. deputado Jeronyino Osorio.

Vae publicada no fim d'esta sessão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 2 (bill do indemnidade)

O sr. Antonio Teixeira de Sousa: - Sr. presidente, não me levanto pelo prurido de fallar, nem ainda por julgar que o governo precise de defeza. Tilo forte está na sua consciencia, que não precisa ser defendido; levanto-me simplesmente para justificar o meu voto no assumpto em discussão.

É costume antigo na politica portuguesa achar detestáveis na opposiçSo os melhores processos de administração e de politica usados em governo. E assim tem-se accusado o actual governo de ter feito uma larga e violenta dictadura, de ter violado a carta constitucional e de ter assumido graves responsabilidades politicas, como se a dicta-dura fosse nova nos nossos processos de governo, como se os accusadorcs estivessem, isentos d'este peccado contra a lei fundamental do paiz.

Sr. presidente, nós assistimos todos á campanha da colligação liberal feita de um ao outro extremo do paiz com o fim de levantar ruidosos protestos contra o governo, e todos vimos como o paiz se conservou indifferente aos tropos dos demagogos, não só por achar justa e justificada a obra do governo, como por não reconhecer no partido progressista, que constituia a massa da colligação, auctoridade para accusar o actual governo, porque esse mesmo partido usou e abusou largamente da dictadura.

Sr. presidente, bem diferentes eram as circumstancias em que se encontrava o governo de 1886 e as circumstancias em que se encontrou o governo actual em 1894.

Em 1886, uma maioria regeneradora collaborava com o governo, não por subserviência politica, mas por entender que bem servia o seu paiz. Em 1894, a opposição usava dos processos mais insólitos, desconhecidos em todos os parlamentos do mundo, para embaraçar a marcha dos trabalhos parlamentares, a despeito do appello que o governo e a maioria diariamente faziam ao patriotismo de todos.

Assim foi, sr. presidente, que em 1880 se iniciou a mais larga e a mais abusiva dictadura de que ha memória na nossa historia politica, dictadura que augmentou enormemente as despezas publicas, completando a ruina do thesouro, facto tão evidente que me parece que de demonstração não carece.

Sr. presidente, nessa epocha não havia pelas dictaduras o horror que parece ellas hoje causam, e assim 6 que o sr. José Luciano de Castro, ao apresentar o
codigo administrativo de 17 de julho do 188G, dizia no seu relatorio:

"E, pois, que no regimen constitucional se hão de assegurar a todos os partidos os mesmas faculdades de governo, o não póde permittir-se que um só, depois de usufruir largos annos o poder, deixe preparadas as leis, apparelhos expedientes que hão de condemnar os seus successores a transitória e attribulada sentença, é bem de ver que não poderia ficar sem remedio tão singular sophismação dos principies que nos povos livres regeni o equilíbrio e rotação dos partidos.

"E para estes apertados casos inventou a necessidade e legislou a pratica, nossa e alheia, este supremo recurso de assumirem os governos poderes extraordinarios, com todas as suas responsabilidades legaes e moraes, opportuna-

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mente sujeitas á censura e julgamento do paiz pela representação nacional.

"E tão vulgar tem sido entre nós a execução d'esse recurso, tão frequentemente ha sido usado, não só para organisar serviços e decretar avultadas despezas, mas até para substituir a maxima garantia do cidadão nos governos constitucionaes, a auctorisação da cobrança dos impostos pelos representantes do paiz, que não poderá plausivelmente estranhar-se que por igual maneira se proceda para decretar uma reforma requerida pela opinião, reclamada por auctorisadissimas vozes no parlamento, e imposta pela inadiavel conveniencia de organisar a fazenda nacional, e ainda pela necessidade de restabelecer o equilíbrio entre os partidos."

Sr. presidente, pelo que acabo de lêr se vê que o sr. José Luciano de Castro, com a auctoridade do seu nome, com a auctoridade de chefe de partido e de presidente do conselho, reconhecia como trivial o uso da dictadura, sem que então a dictadura brigasse com os immortaes principios, a espécie mais damninha que ha na politica de qualquer paiz, especialmente no nosso, onde o opportunismo é ainda a melhor, maneira governativa. Pelo que li se vê que em 1886 se iniciava uma dictadura que tinha fins exclusivamente partidários, não se vendo ou fingindo não se ver a nuvem negra e densa que já então se desenhava no nosso horisonte financeiro, precursora de uma formidável tempestade.

Sr. presidente, é certo que neste relatorio se fallava na reorganisação da fazenda publica, mas como ella foi organisada sabem-no todos que assistiram ao desenrolar de decretos que augmentaram enormemente as despezas publicas, e ainda os que viram como o governo progressista deixara em 1890 uma divida fluctuante de trinta e tantos mil contos, quando a consolidação era fácil, visto que, ao tempo, as praças estrangeiras estavam abarrotadas de dinheiro e que os fundos portuguezes tinham attingido uma alta nunca vista.

Sr. presidente, eu não faço esta referencia para accusar o partido progressista, nem o governo progressista que geriu os negócios publicos desde 1886 a 1890. Eu cito este facto como exemplo da auctoridade que abona o procedimento do actual governo. É nestas circumstancias que eu faço ainda referencia a actos dictatoriaes praticados pelo sr. José Dias Ferreira, que hontem aqui se levantou, accusando o governo de ter violado a carta e de ter praticado graves crimes contra os immortaes principios.

Sr. presidente, o sr. José Dias Ferreira fez dictadura em 1892, excedendo em muito a auctorisação da lei de 26 de fevereiro do mesmo anno; fez dictadura em 1870 e em, 1868. Não o accuso por isso. Estou convencido de que o sr. José Dias Ferreira se lançou no caminho da dictadura porque a isso foi impellido pelas circumstancias e porque entendia que assim bem cumpria o seu dever, bem servindo a causa publica.

Eu penso, sr. presidente, que homens da estatura intellectual e moral do sr. José Dias Ferreira, se mais serviços não prestam ao paiz é porque não podem ou as circumstancias os não deixam. Dizia eu que o sr. José Dias Ferreira fizera dictadura em 1868 e em. 1878, e quem ouvisse s. exa. hontem não pensaria que elle tinha destes peccados.

Quem ouvisse hontem o sr. Dias Ferreira poderia convencer-se de que s. exa. não tinha feito dictadura, não tinha praticado esse horrendo crime contra a carta constitucional.

Em 14 de janeiro de 1868 o sr. Dias Ferreira aboliu por um decreto dictatorial a lei de 10 de junho de 1867, que creou o imposto do consumo, mandando executal-o dois dias depois de publicado.

Por decreto da mesma data revogou a lei de 26 de junho de 1867, sobre administração civil revogou a circumscripção administrativa approvadas por decvetos de 10 e 17 de dezembro do mesmo anno, mandando entrar era, exercício as camaras municipaes que funccionavam ú data dos decretos que revogara.
Póde dizer-se, sr. presidente, que o sr. Dias Ferreira tem usado largamente da dictadnra. Assim revogou a lei do imposto de consumo, decretou leis novas sem motivos de ordem superior, de ordem publica, por isso que esta explicação não póde dar se ao acto de ter revogado em dictadura a lei orgânica do ministerio dos negócios estrangeiros de 23 de abril de 1867 e os despachos effectuados em execução da mesma lei.

Sr. presidente, o sr. Dias Ferreira fez dictadura em 1868 e 1870, e, caso curioso, s. exa., que accusou hontem o governo acrimoniosamente do ter violado a carta constitucional, em 1870 fez dictadura que em muitos pontos tem inteira similhança com a dictadura do actual governo.

O sr. Dias Ferreira escalou o poder em 19 de maio de 1870 com o marechal Saldanha, epocha em que as côrtes estavam funccionando regularmente.

Pois, em 21 de maio, o sr. Dias Ferreira decretou o adiamento das côrtes para 20 do junho do mesmo anno.

Hontem o sr. Dias Ferreira accusou o governo de ter adiado as côrtes em 1893, e disse que teria procedido bem, se elle, em vez de praticar o enorme delicto do adiamento, as tivesse dissolvido.

Pois o primeiro acto do sr. Dias Ferreira, de grande monta, ao subir ao governo em 19 de maio, foi adiar as côrtes que funccionavam regularmente, lançando-se então a um caminho de dictadura, que em muitos pontos, como ia disse, se assemelha á do actual governo.

Assim publicou um decreto revogando a lei de 3 de maio de 1845, pelo qual separou do conselho d'estado, creado pelo artigo 107.° da carta, o supremo tribunal administrativo. Em 14 de junho reformava dictatorialmente o collegio militar. Em 15 de junho estabeleceu o ensino livre na instrucção superior, secundaria e primaria.

Approximava-se a epocha da reunião das côrtes, já uma vez adiadas, e o sr. Dias Ferreira, que hontem se mostrava tão apegado á intervenção do poder legislativo em todos os actos que se prendam com os interesses públicos, quando as côrtes iam reunir-se, publicava novo decreto adiando-as para outubro, e continuava, como até ali, usando da dictadura em larguíssima escala.

Assim, em 22 de julho de 1892 publicou o decreto que creou o ministerio de instrucção publica. No mesmo dia suspendeu a lei de 18 de dezembro de 1867, que creára o corpo de engenheria civil. Em 23 de julho suspendeu a execução do artigo 2116.° do codigo civil, na parte que excluia a obrigação da herança da terça ser obrigada a outras despezas de suffragios por alma do fallecido que não fossem as do funeral.

Em seguida passou a fazer dictadura sobre impostos, collectando com 60 réis o decalitro de vinho e outras bebidas que entrassem pelas barreiras seccas ou molhadas de Villa Nova de Gaia. Km 21 de julho creou a legião do ultramar A 16 de agosto reformou com D. António da Costa a instrucção primaria.

Accusa-se o governo de ter decretado em dictadura a cobrança de impostos, porque, diz-se, que a maior regalia dos cidadãos num povo livre é auctorisar por meio dos seus representantes a cobrança dos impostos. O governo decretou dietatorialmente em 1894-1895 a cobrança de impostos. Esto facto é um grande crime e o sr. Dias Ferreira não se esqueceu de fallar n'elle. Pois o sr. Dias Ferreira em 1870, depois de adiar as côrtes, assignou um decreto dictatorial como ministro da fazenda, em que se mandava proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos do estado para o exercicio de 1870-1871.

Estranhou-se tambem que se fizesse dictadura sobre legislação municipal, porque, diz-se, em taes condições é um crime atacar seculares regalias. Pois o sr. Dias Ferreira, era 21 de julho de 1870 ap-

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provou por um decreto dictatorial um novo codigo administrativo, que já dava ao governo a faculdade de supprimir concelhos.

Dizia eu, si: presidente, que citava estes factos praticados pelo sr. Dias Ferreira, não para o censurar, porque não tenho auctoridade para isso, mas para com tão auctorisado exemplo defender o governo e justificar o meu voto.

Em contraposição a tudo isto o actual governo foi lançado na dictadura impellido pela força das circumstancias, pela attitude inqualificável de uma opposição que usava de todos os processos para embaraçar a marcha regular dos trabalhos parlamentares e de meios menos consentaneos com a dignidade do parlamento, provocando um conflicto constitucional. (Apoiados.)

Essa attitude era violenta, persistente, premeditada e systematica. O governo tinha, é certo, a seu lado uma maioria numerosa, tinida, forte e dedicada, que tinha n'elle e nos seus processos de governo a maior confiança, mas é certo tambem que dada a attitude da opposição, a camara dos deputados não podia manter-se aberta, sob pena do regimen parlamentar cair no maior descredito. A acção do parlamento era nulla sob o ponto de vista da administração publica, mas era fertil em motivos para convencer o paiz de que não podia salvar-se com taes homens e com taes processos politicos. O encerramento das côrtes impunha-se como uma medida de ordem o do pudor governativo, e o governo não podia nem devia perder um só dia para levar a termo o seu programma do que havia de resultar a e a organisação do nosso systema politico e a organisação da fazenda publica. (Apoiados.)

Sr. presidente, disse hontem, e muito bem, o sr. Dias Ferreira, que as dictaduras se justificara pelos seus resultados.

Pois se as dictaduras se justificam pelos resultados, nenhuma ha que melhor se justifique do que esta. (Apoiados.)

Os decretos dictatoriaes do actual governo contêem sã e verdadeira doutrina, mais do que isso, correspondem a urgentes necessidades do serviço publico. (Apoiados.)

Havia uma reforma que a todos se impunha como inadiavel e urgente: era a reforma administrativa.

O codigo administrativo de 188G atacara os princípios descentralisadores contidos no codigo de 1878, por se reconhecer que na nossa população rural não ha sufficiente educação administrativa para só por si gerir importantes Interesses locaes.

O codigo administrativo de 1878, sob o ponto de vista descentralisador, é uma obra primorosa. O codigo administrativo de 1886 contiuha disposições que interessam alzamento ao bem publico, mas não tanto, que muitas opiniões sensatas deixassem de reconhecer que esse mesmo codigo necessitava de reforma. Assim o entendeu o sr. Dias Ferreira quando o reformou por decreto de 6 de agosto de 1892, fazendo-o, porém, tilo precipitadamente, que se reconheceu a necessidade da reforma ser a seu turno reformada.

Esta necessidade provinha, de certo, da escassez do tempo de que s. exa. podéra dispor para elaborar aquelle decreto, e não porque lhe faltasse competencia, intelligencia e saber.

A par da necessidade da reforma das disposições contidas no decreto de 6 de agosto de 1892, apparceia uma outra.

Era geral 5 clamor contra a existencia dos pequenos concelhos que, sem vantagem para os povos, os sobrecarregava com grandes e muitas despezas inuteis. (Apoiados.) Concelhos havia onde as despezas se duplicavam, sem todavia os municipes auferirem a mais pequena vantagem da. iniciativa municipal. Pois não se clamava geralmente "outra a existência das pequenas comarcas que tinham, mV assim dizer, coroo um único privilegio reduzir á fome os respectivos empregados? (Apoiados.) O governo attendeu, tanto quanto possivel, a esta indicação da opinião publica e fel-o guiado por um bom criterio administrativo e patriotico, sem que o preoccupassem tis paixões partidarias. (Apoiados.)

Não é esta a occasião opportuna para apreciar o codigo administrativo de 2 de março de 1895. Devo, porém, dizer que o conjuncto de medidas destinadas a regular a administração municipal, a defender a fazenda municipal contra os abusos que levaram muitos municipios â ruína, a tornar a tutela administrativa de ficticia, que era, em real, a estender a interferência do poder central a essa tutella, cortando por uma superintendência tilo platónica como ridicula, são outros tantos motivos para applaudir a obra do governo, que o paiz recebeu com manifesto proveito, apesar de ter sido contra ella vivamente incitado pelos demagogos da colligação liberal. (Apoiados.)

Sr. presidente, dada a situação em que nos encontramos, dada a situação em que nos temos encontrado, é preciso que todos digam o que pensam, com franqueza, como sabem e podem.

Nada ha mais captivante em princípios liberaes do que a descentralisação administrativa destinada a dar mais ou menos autonomia às populações ruraes.
Mas a eloquencia dos factos falla mais alto do que as theorias architectadas como se tivessem de ser executadas nas paredes dos gabinetes em que são concebidos.

Todos se recordam do que foi a administração districtal creada pelo codigo administrativo de 1878. Dos serviços agrícolas,- dos serviços de obras publicas, as funcções mais importantes commettidas às juntas geraes de districto, ficaram apenas os encargos do ruinosos empréstimos e o convencimento de que nós os portuguezes não temos a suificiente educação politica e administrativa para uma administração local proveitosa fora da influencia directa ou indirecta do poder central. (Apoiados.)

O que se deu com a intervenção das juntas geraes n'estes ramos importantes da administração publica, deu-se na instrucção primaria, entregue ás camaras municipaes pela lei do 2 de maio de 1878.

A instrucção primaria estava por fazer em 1892, quando o sr. Dias Ferreira a passou para o ministerio do reino. (Apoiados.)

Sr. presidente, o governo tinha ao mesmo tempo de olhar pela situação financeira do thesouro e do paiz. Pela força das circumstancias, tinha sido obrigado a pedir ao capital, ao contribuinte e aos funccionarios públicos grandes e enormes sacrifícios. Pois esses sacrifícios eram consideravelmente augmentados pelos impostos lançados pelas corporações administrativas, sem que resultasse para os povos proveito moral ou material compensador. (Apoiados.)

Por isto impunha-se ao governo a necessidade de extinguir os concelhos pequenos, sem condições de vida, impunha-se a necessidade do reduzir as faculdades tributarias dos restantes concelhos, e impunha-se sobretudo a necessidade de ter intervenção directa ou indirecta na tutela administrativa. (Apoiados.)
Sr. presidente, é considerado como menos liberal o facto do governo estender a sua interferencia às corporações administrativas.

Mas. sr. presidente, dada a situação em que o governo encontrou o paiz, nós todos devemos estar convencidos que elle se não salva unicamente com platonismos liberaes.

As leis de salvação publica não conseguiram extinguir, por completo, o deficit do nosso orçamento. O desequilíbrio economico era aterrador, o exercito estava por organisar e o paiz chorava os 5:000 contos que com elle gastava; marinha não havia, as nossas colónias estavam desmanteladas, tinhamos prosas as principaes rendas do estado, o tabaco e as alfandegas, e tinhamol-as presas ao compromisso de solver integralmente os encargos da divida publica externa, sob pena de perdermos a nossa naciona-

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lidado, e n'estas circumstancias quer-me parecer que não era com preoccupações liberaes que o paiz se salvava das dificuldades em que o governo o encontrou. (Apoiados.)

Podem as preoccupações liberaes fazer as delicias de quem as concebe, como se o paiz fosse de philosophos politicos, mas na pratica tem de ser corrigidas e applicadas com prudencia, e sobretudo com opportunidade.

É assim que nos falla a Allemanha, pela voz do Imperador Guilherme, unido aos catholicos contra os socialistas, é assim que nos fallam os liberaes inglezes unidos aos conservadores contra o home rule da Irlanda, é assim que nos falla ainda a nossa vizinha Hespanha, quando precisa dominar a insurreicção de uma das suas melhores colonias, e sobretudo é assim que nos falla a França liberal e republicana, quando, em vespera de um previsto triumpho para os radicaes, se entrega aos processos conservadores de Cazimir Périer, ou ao opportunismo de Felix Faure.

Cá, como lá, o paiz quer ser governado, quer e applaude quem o governa. (Apoiados.) Alem d'isso, dado o enorme desenvolvimento que o partido socialista tem tido na Europa, ao appello de Karl Marx: - proletarios de todo o mundo uni-vos - torna-se uma necessidade responder a esse appello com a união de todos os conservadores. Por isso applaudo com toda a sinceridade os processos conservadores do governo, sem que todavia isto signifique que a obra do governo tenha sido menos liberal, embora sem preoccupações liberaes. (Apoiados.)

Feita a dictadura administrativa, o governo passou á dictadura politica. Todos eram concordes na necessidade de reformar a lei de 21 de maio de 1884. Progressistas, regeneradores e republicanos, todos elles eram uniformes em concordar na necessidade de reformar essa lei.

A lei de 21 de maio de 1884 foi acceita pelo governo regenerador de então como base de um accordo.

Em compensação, o partido progressista votava a generalidade das reformas políticas, ou, melhor, a conveniência e opportunidade de reformar a carta.

A lei a que me estou referindo viria introduzir modificações no nosso systema representativo, tornando-o perfeito.

As minorias deviam trazer á camara uma mais larga representação das opposições, e as accumulações deviam trazer as summidades politicas do paiz por uma especie de plebiscito, os notáveis, como pittorescamente os denominou hontem o sr. Dias Ferreira.

Pois, sr. presidente, o primeiro ensaio da lei de 21 de maio condemnou-a desde logo. As opposições vieram á camara em maior numero, 6 certo, mas com inferior auctoridade, e vieram com inferior auctoridade por se reconhecer que correspondiam a um simulacro de eleição, reduzida á muito simples cousa de uma acta lavrada na vespera do dia em que a eleição devia ter logar.

Peço licença a v. exa. para citar um facto, que symbolisa a execução que teve a lei eleitoral a que me estou referindo.

Um velho democrata de Villa Eeal, pae de um distincto jornalista republicano de Lisboa, num dia de outubro do 1892 destinado para as eleições geraes de deputados, dirigiu-se á igreja matriz, onde se reunia uma das assembléas eleitoraes, pelas dez ou onze horas da manha. Encontrou a porta fechada, porque ella não tinha sido aberta para fins eleitoraes.

O velho democrata indignou-se, e disse: "Já que os outros não cumprem o seu dever, cumpro eu o meu". E dizendo isto metteu a lista por debaixo da porta da igreja. (Riso.)

Era ao que se reduzia a lei de 21 de maio de 1884: actas feitas na véspera do dia em que devia ter logar a eleição, accumulações feitas no ministerio do reino, chapelladas como as de Agueda e listas debaixo das portas das igrejas.

N'estas circumstancias e por isto mesmo, todos reconheciam a necessidade de se reformar a lei eleitoral de 1884, e por isso o paiz applaude o que o governo fez n'este sentido. (Apoiados.)

Todos conhecem a fórma como se organisavam as commissões do recenseamento, a que casta de entidades estava entregue o direito de dar ou de tirar o voto. E assim
é que as commissões de recenseamento representavam umas vezes illegal distribuição da contribuição predial feita pelos escrivães do fazenda ou pela nota dos repartidores, outras vezes o abuso das commissões de recenseamento que inscreviam como quarenta maiores contribuintes cidadãos que não pagavam a necessaria collecta, e mintas vezes ainda o arbítrio das camaras municipaes, que só substituíam á ausencia propositada da assembléa dos quarenta maiores contribuintes, e outras vezes a contradança, phrase consagrada para traduzir a sophismação das minorias nas commissões recensedoras.

O governo reconheceu a necessidade de substituir as commissões de recenseamento e de adoptar um certo numero de medidas de que resultasse ter o voto quem o devesse ter, sem desigualdades ou injustiças.

Não tirou ás commissões de recenseamento a sua qualidade politica, por isso que ellas são eleitas pelas camaras minicipaes ou pelas commissões districtaes, mas introduziu o presidente nomeado pelo juiz de direito, que deve legar comsigo a imparcialidade e independencia do poder judicial que o nomeia.

Era curiosa a independencia que o eleitor tinha na maior parte das povoações ruraes; reduzia-se a isto a eleição nos casos em que ella tinha logar. Os influentes eleitoraes collocavam-se ao lado do presidente da assembléa munidos de maços de listas. Chamava-se o eleitor, que nem sequer pegava na lista, limitando-se a dizer que votava com o sr. Fulano.

Veja v. exa. e veja a camara como ora exercido o suffragio eleitoral!

Estava assim fundamentalmente viciado o systema representativo, e, por isso, quem quizesse assegurar-lhe a genuidade, tinha de legislar sobre o modo da organisar os recenseamentos.

N'estas circumstancias era de todo o ponto conveniente reduzir o suffragio, e foi o que fez o governo. Ao tempo que supprimia a representação das minorias e acabava com as accumulações, estabelecia o escrutínio de lista por districtos, alargando assim a área dos círculos, para mais facilmente se manifestarem as grandes correntes de opinião e evitar as luctas locaes, que dividem, por vezes, a familia portugueza.

Acontecimentos politicos dos ultimos annos levaram, o governo a introduzir algumas incompatibilidades na lei eleitoral. Abstenho-mo de referir esses acontecimentos, porque elles são na sua grande maioria, senão na totalidade, perfeita e absolutamente calumniosos, filhos da nossa educação, que nos leva a dizer mal de tudo e de todos, sem mesmo respeitar as honestidades mais provadas ou a dedicação mais patriotica. (Apoiados.)

Isto não é peculiar só a nós.

Em Madrid houve a campanha de diffamação contra os administradores municipaes, em Roma a questão dos bancos, na Allemanha a questão dos fornecimentos ao exer-

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122 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cito, e não há muito ainda a questão do Panamá, em França.

A questão do Panamá á que veiu mostrar o que ha de perigoso nas campanhas do diffamação.

A Franca perdeu para a republica os seus homens mais importantes, para apenas apurar a responsabilidade effectiva de Baihout.

Ainda ha pouco caiu na valla um dos homens mais distinctos da republica, ralado pelo desgosto, morto pela calumnia. Floquet seguiu outro martyr da diffamação: Ferry.

O certo é que, no nosso paiz, a opinião impunha-se no sentido de se introduzir na lei eleitoral uma disposição por virtude da qual os administradores, os fiscaes de companhias não podessem ter voto no parlamento, tornando-se esta corrente tão insistente, que o governo entendeu dever introduzir essa disposição na lei, mesmo para que Portugal não fosse um paiz de excepção, reduzindo ao mesmo tempo o numero de funccionarios do estado que poderiam tomar logar na camara dos deputados.

Este facto provocou reparos; mas entendo que o governo, reduzindo o numero de funccionarios publicos que podem ter assento no parlamento, não quiz significar que tinha menos confiança nas suas qualidades de trabalho, na sua dedicação patriótica; teve por fim unico e exclusivo abrir a porta aos representantes das forças productoras do paiz, abrir a porta aos representantes da industria, da agricultura, do commercio, que devem ter importantes interesses ligados á administração do estado. Para mim, este facto, representa uma das obras de maior utilidade, feitas pelo governo que se senta n'aquellas cadeiras. Podemos não ter conseguido ainda a genuidade absoluta do systema representativo, apesar da perfeição relativa do ultimo decreto eleitoral; mas o que é certo, é que esta camara, pelo grande numero de representantes da industria, do commercio e da agricultura de que se compõe, já por si representa consideráveis interesses, que hão de dar necessariamente ao governo importantes indicações na administração geral do estado. (Apoiados.)

Era corrente a opinião, também, de que devia ser reformada a camara dos pares. (Apoiados.)

O segundo acto addicional á carta introduziu na camara dos pares o elemento electivo; a dualidade, porém, de procedencias, dos pares vitalicios e dos pares electivos, estabeleceu logo uma certa rivalidade, que todos conheciam. (Apoiados.)

Não havia par vitalício que não fizesse referencias um tanto desdenhosas, aos chamados pares de galão branco; e a situação dos pares electivos tornou-se tão difficil, que raras vezes tomavam parte nos trabalhos da camara.

A todos se impunha, portanto, a necessidade de reformar a camara dos pares. Mas como? Toda electiva? Toda vitalicia?

Toda electiva seria um contrasenso. O sufiragio popular directo ou indirecto, applicado á camara dos pares, como á camara dos deputados, tornava-as perfeitamente identicas. Chamada a intervir no mechanismo representativo, só resolvesse uniformemente, seria perfeitamente uma inutilidade, em contrario, um contrasenso. E ao mesmo tempo iodos reconheciam e reconhecem como de grande proveito a acção ponderadora da camara dos pares.

A qualidade de vitalicia dá aos dignos pares uma natural independencia, visto que não saem das umas, onde tantas vozes se ferem as luctas das paixões, tendo por isso condições especiaes para corrigir as luctas partidárias, que tantas vezes se levantam nesta casa do parlamento e que tantas vezes inquinam os projectos de lei saídos d'esta camara.

É certo que se accusa o governo neste ponto, de ter dado o principal golpe na carta constitucional. Eu tenho opinião absolutamente contraria; esta medida veiu agora cortar esta constitucional uma excrescência que a opinião publica nunca tinha recebido bem e que não deu o resultado que se esperava.

Tornada vitalicia a camara dos pares era indispensavel que se tratasse de estudar o meio de destruir os conflictos entre as duas camaras. Ato á data do acto addicional, era isso fácil, os governos recorriam às nomeações de novos pares, nomeações que eram conhecidas pela designação pittoresca de fornadas, e tudo ia bem; depois do acto addicional, havendo conflictos entoe aã duas camaras que envolvessem comsigo a politica do governo, era dissolvida a parte electiva da camara. Tornada vitalícia era necessario estudar o meio de resolver o conflicto, e esse meio pareceu ao governo não poder ser senão a intervenção da auctoridade real. (Apoiados.)

Accusa-se o governo de ter praticado este acto, de ter restabelecido o poder real! Eu, sr. presidente, se não tivesse um alto respeito pelas qualidades moraes e intellectuaes do sr. Dias Ferreira, eu denominava esta affirmação como menos conveniente. Pois não tem o Rei na carta a faculdade do pôr o seu veto às medidas tomadas nas duas camaras? Não tem a faculdade de nomear livremente os seus ministros?

Que necessidade tem o chefe do estado de se inclinar por esta ou aquella conclusão para significar ao governo a sua falta de confiança? Pois a simples previsão de que o chefe do estado póde resolver contra a opinião do governo, não é mais que a indicação precisa para esse governo se demittir? (Apoiados.)
Eu não quero abusar da paciencia da camara (Vozes: - Não abusa, não abusa), e por isso vou terminar. Eu voto o parecer que está em discussão o voto-o porque corresponde a essa dictadura que o governo se viu obrigado a fazer pela força das circumstancias, e em que se contêem medidas de alto valor, correspondendo na maior parte a urgentes necessidades publicas. (Apoiados.)

A obra do governo é util, de regeneração nacional e dictada pelo mais acrisolado patriotismo, e o governo bem merece de nós pela dedicação patriótica, com que tem gerido os negócios públicos, pela intelligencia, energia e decisão, e sobretudo pela coragem de que se revestiu, não só para affrontar as difficuldades que eram muito grandes, mas para não cair no desalento que lhe devia trazer o facto do ver muitos homens políticos do nosso paiz lançar-se n'um caminho de insania menos consentanea com o bem do paiz.

Vozes:-Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Sem faltar ao dever de cortezia de responder ao orador precedente, não póde todavia acompanhai-o no debate político. Apenas fará ligeiras referencias, porque tem a cumprir outra missão mais grata, a de defender os ausentes.

Tendo ouvido s. exa. dizer que, sob o império da lei de 1884, se faziam eleições na véspera do dia marcado, pergunta se na vigencia da nova lei, quando mal applicada, ellas se não poderão fazer tambem na ante-vespera.

O mal não procede das leis, mas sim do modo do as executar.

Achára s. exa. os decretos de dictadura em geral bons, justos, e reclamados pelas exigências da opinião publica; mas deve observar que não lhe consta que a opinião publica reclamasse um decreto dictatorial para se declarar santificado o dia de S. José, ou um decreto dictatorial para se estabelecer o monopólio dos phosphoros.

Quanto á dictadura de 1886, em que elle, orador, tomou parte, está prompto a discutil-a em occasião mais opportuna. Por agora só diria, visto que o partido progressista, a que já não pertencia, não está representado na camara, que o governo do então não procedeu mono? patrioticamente do que o actual. Se augmentou as despezas foi porque as circumstancias a isso o obrigaram.

Ha ainda uma outra ordem de ausentes que quer defen-

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der: são os oradores dos comicios, os demagogos, como lhes chamou o sr. Teixeira de Sousa, que andaram de um extremo ao outro do paiz pregando a ordem, publica. Se elles estivessem presentes chamar-lhes-ia não demagogos, mas ingenuos.

Não lhe parecem tambem justificados os rigores com que s. exa. tratou o codigo administrativo de 1868, pois na sua opinião aquelle codigo ora o melhor que em Portugal se tem feito. Os seus defeitos resultam todos da maneira como elle foi posto em execução.

Uma outra ordem de ausentes deseja ainda defender, mas não o póde fazer porque o regimento não lhe permute referir-se á outra casa do parlamento. Entretanto sempre dirá que nunca ouvira dizer que os pares vitalícios tratassem com menos consideração os pares electivos.

Já foi dictador mez e meio, mas nem por isso deixa de detestar as dictaduras. E não é de agora que as detesta, mas já de ha muito tempo. Tanto assim que, quando El-Rei D. Carlos subiu ao throno, num jornal que então elle, orador, redigia, pedia aos ministros que não fizessem dictadura, porque feita a primeira necessariamente se seguiriam outras, tornando-se assim o reinado do Senhor D. Carlos uma quasi continuada dictadura, como foi o do Senhor D. Luiz, de saudosa memoria.

Referindo-se, por ultimo, ao relatorio do parecer em discussão, diz que o approvará ou rejeitará conforme estiver de bom ou mau humor na occasião da votação, por isso que a votação do projecto pouca importancia tem; o que importa é discutirem-se as medidas da dictadura; e especialmente as que enumera na seguinte proposta, que submette á approvação da camara.

"A camara manifesta o desejo de que a actual sessão legislativa não termine antes que, sem embargo do exame de todos os outros decretos dictatoriaes, se delibere ácerca de projectos de lei relativos: á reorganisação da policia civil de Lisboa; aos decretos de 28 de junho e 15 de dezembro de 1894 sobre contribuição industrial; de 10 de janeiro de 1895 sobre contribuição de registo; da mesma data sobre quadro do generalato e promoção no exercito; da mesma data sobre emphyteuse; de 10 de janeiro o 27 de fevereiro sobre empregados addidos; de 2 do março, approvando o novo codigo administrativo: de 26 de março sobre execuções administrativas; de 18 de abril, classificando os governos ultramarinos; de 16 de agosto, organisando as forças militares no ultramar; de 23 de agosto sobre fabrico e fiscalisação de vinhos e azeite; de 10 de janeiro sobre passaportes; da mesma data, approvando o codigo de justiça militar; de 27 de setembro sobre recrutamento militar. = Marianno de Carvalho."

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Manuel Fratel (relator): - Ouviu com toda a attenção e interesse o discurso do sr. Marianno de Carvalho, mas, francamente, não póde perceber quaes eram os periodos que lhe tinham provocado noites de insomnia, como s. exa. disse.

Concorda, em parte, com a proposta apresentada pelo illustre deputado, porque, comquauto seja relator deste parecer, entende que algumas das medidas da dictadura devem ser modificadas.

Não está de accordo, porém, com o sr. Dias Ferreira, quando disse que esta dictadura é unica na nossa historia constitucional, pois que, na dictadura de 1836, tambem se alterou a constituição, e era mais de um artigo, conforme o confessou Passos Manuel.

Disseram dois dos oradores que tomaram parte nesta discussão, que as dictaduras só se justificavam pelos seus resultados. Elle, orador, não é dessa opinião. No seu entender, as dictaduras justificam-se pelas circumstancias que as determinavam, e applaudem-se pelos seus resultados. A justificação da dictadura que se discuto está exactamente noa motivos que levaram o governo a declarar-se em dictadura.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Pedi a palavra para communicar a v. Exa., á camara e ao paiz uma grata noticia que o governo acaba de receber das nossas operações em Africa.

Acaba de ser preso o regulo Mahazul e um seu tio, um dos principaes cabecilhas e influentes da revolta d'aquella nossa provincia ultramarina.

Congratulo-me com v. exa., com a camara e com o paiz, por mais este feito brilhante das armas portuguezas n'aquella nossa possessão ultramarina.

O sr. Lopes Navarro: - Viva o exercito! Viva a marinha!

(Os vivas foram correspondido" por toda a camara.)

O sr. Mello e Sousa: - Pedi a palavra para explicar o meu voto e para fazer umas simples considerações sobre uma phrase do relatorio e ácerca de algumas palavras proferidas pelo illustre parlamentar o sr. Dias Ferreira.

O governo entendeu promulgou em dictadura diversas providencias e veiu agora pedir á camara, para ser relevado tanto dessa responsabilidade como das de ter inflingido as disposições constitucionaes, assumindo a dictadura.

A commissão encarregada de, dar parecer sobre este bill entendeu que os diversos diplomas deviam ser enviados às respectivas commissões e ali examinados para depois serem discutidos pela camara, e propõe que seja desculpado o governo da dictadura que assumiu. É claro que desde que o governo declarou que deseja uma libérrima e minuciosa analyse das leis promulgadas, e que acceita do melhor grado qualquer emenda ou substituição, resta apenas julgar da intenção com que o governo procedeu fazendo a dictadura.

Parece-me incontestável que essa intenção não tem por fim favorecer interesses particulares e, pelo contrario, foi feita com o intuito de desenvolver o progresso nacional e, emfim, num interesse puramente geral. Tanto assim, que uma das leis políticas mais atacadas, a lei(eleitoral, não podia evidentemente ser votada ou tratada pela camara, tal como estava anteriormente constituída, e alheou amigos e sympathias ao governo.

Isto é inquestionavel. Evidentemente a intenção do governo foi boa, e se errou só nos resta apreciar esses erros e emendal-os.

Dou, portanto, de boa vontade, o meu voto ao parecer da commissão.

Posto isto, deixe-me v. exa. que eu faça umas breves observações a algumas palavras que se encontram no relatorio.

Ha n'esse relatorio uma referencia á moratoria dos bancos, e ou entendo que não devo deixar passar esta allusão sem frisar bem que esta moratória não foi aproveitada em Lisboa por nenhum estabelecimento bancário, nem por nenhum commerciante, e apenas foi aproveitada pelo banco de Portugal, por ter a circulação fiduciaria.

Mas ha mais: o commercio de Portugal, devendo milhões de libras, pagou pontualmente, e com grande antecedencia - soffrendo prejuízos que por vezes foram acima de 30 por cento -, pagou adiantamentos gratuitamente, o por tal forma se portou, que se dou o facto extraordinário de, não tendo o estado créditos no estrangeiro, serem-lhe concedidos poucos mezes depois de declarada a fallencia, com a assignatura de particulares e estabelecimentos particulares do paiz. E um facto talvez único, mas que honra muito o commercio e estabelecimentos de credito nacional.

Depois d'isto devo dizer que vi mais no relatorio, explicando as causas da dictadura:

(Lendo.)

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"Nestas lamentaveis deformidades, nas tendencias subversivas, antes anachronicamente desordeiras que civilisadoras, e na penúria de educação civica das classes e individuos, temos outras tantas causas de dictaduras; são ellas tambem que explicam e desculpam os actos dictatoriaes de 1893, 1894 e 1895."

Na penuria é que eu divirjo um pouco o para mostrar essa divergencia preciso inverter de alguma fórma a ordem dos factores.

Que o povo, em geral, o grande publico a que me honro de pertencer, não tinha uma comprehensão nitida do parlamentarismo, isso acceito, talvez porque os proprios parlamentos tambem não a têem tido, ou, pelo menos, não a têem mostrado. Mas que em geral as classes tenham penúria de educação civica, isto 6, que não tenham a comprehensão dos seus direitos e dos seus deveres, isso é que eu não acceito; e não acceito, porque o paiz todo, especialmente a classe commercial e a classe agricola, que está brilhantemente representada nesta camara (Apoiados) têem cumprido pontualissimamente os seus deveres. (Apoiados.) Aggravados em geral os tributos e muito especialmente as contribuições lançadas sobre a classe commercial, o commercio - incluindo até os maiores adversários do governo - pagou pontualissimamente as suas contribuições. Como o sr. Marianno de Carvalho disse ha pouco, a lei é recente, mas este é o segundo anno do pagamento e o commercio pagou já, ou está pagando o referido anno, apesar de haver a promessa do chefe de um partido politico - de que no dia seguinte aquelle em que subisse ao poder o governo não cobraria essa contribuição.

Pois apesar d'isso, é tal a comprehensão que a classe commercial tem dos seus deveres, que até os proprios adversarios do governo pagaram as suas contribuições, e pagaram mesmo antecipadamente, como disseram os jornaes.

Que a referida classe tem, portanto, a perfeita comprehensão dos seus deveres, prova-o evidentemente o facto que ou acabo de apontar. Se por vezes não exerce por completo os seus direitos, é porque enferma da anemia geral, causada, devo dizel-o, sem com isto querer offender especialmente ninguem, pelas classes dirigentes. A errada comprehensão na forma de administrar e dirigir os negócios públicos é que concorreu para isso, aggravada ainda por uma orientação extraordinaria, que eu me absterei do classificar mais fortemente, no sentido de conspurcar todo o nome d'aquelle que se apresente com vontade de trabalhar, ou que por qualquer forma se torne mais saliente. Esta orientação faz com que a classe commercial fuja completamente de entrar na vida publica, porque está mais que nenhuma outra presa ao seu nome e não quer sujeitar-se a que todos os dias lhe dirijam graças ridiculas, que não incommodam muito, mas que enxovalham, sem haver meio de poder exigir a responsabilidade a quem tal escreve, porque a lei de imprensa, a que já só fez referencia n'esta casa, será muito rigorosa e até propria de um governo absoluto, mas a verdade é que quando um homem digno e serio quer pedir a responsabilidade do uma affronta, encontra um indivíduo encartado, que não responde cousa alguma e tem um ordenado para se sentar no banco dos, réus. (Apoiados.)

E isto o que se passa, como todos sabem. (Apoiados.)

Por isso concordo com o que disse ha duas sessões o illustre parlamentar o sr. Marianno de Carvalho, "em que deve ser concedida á imprensa toda a liberdade de analyse e de apreciação, mas que quando offenda haja meio de encontrar o offensor". (Apoiados.)

Posto isto, sr. presidente, desejo ainda referir-me, por incidente, á proposta apresentada pelo illustre deputado, o sr. conselheiro Marianno de Carvalho, proposta que estava naturalmente indicada.

E claro que não dou o meu voto no projecto se não acceitando, como não posso deixar de acceitar, como sincera, a declaração do governo, de que elle quer que só discutam, o mais rapidamente possivel, as suas providencias tomadas em dictadura, porque acceita todas as emendas, additamentos e substituições que se queiram apresentar; de outra forma não o podia eu acceitar.

Tive a honra de collaborar - collaboração aliás insignificante - na lei da contribuição industrial, mas sou o primeiro a reconhecer que em alguns pontos errei, e tomarei a Uberdade de propor emendas nos pontos em que entendi que errei.

Tambem acceito, por completo, as indicações que o sr. Marianno de Carvalho fez relativamente ao decreto dos passaportes e á questão da pena de morte, apesar da doutrina brilhantemente expendida pelo sr. relator do projecto, e de saber perfeitamente que a Suissa, paiz adiantado no estudo e apreciação de todas as questões, ainda assim, restabeleceu a pena de morte. Apesar de saber isso, nunca votarei a pena de morte.

(Interrupção do sr. Fratel.)

Não estou a criticar as palavras do s. exa., pelo contrario, acceito perfeitamente a doutrina exposta por s. exa., mas direi que não voto a pena de morte.

Não sei se deva continuar...

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Presidente : - Como não ha luz, não podemos continuar os nossos trabalhos, e parecia-mo conveniente que s. exa. ficasse com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Amanhã não podo haver sessão, porque a mesa tem de ir primeiro às exéquias o depois ao paço.

A seguinte sessão é na sexta feira; sendo a ordem do dia a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

Proposta de lei e documentos mandados para a mesa n'esta sessão
Proposta de lei n.° 3-D

Senhores.- Tem Portugal, paiz naturalmente agrícola, a sua cultura especialisada por condições geographicas o climatéricas, fundamentalmente diversas das que caracterisam as regiões do norte da Europa. D'esta primordial differenciação resulta verdadeira reciprocidade de interesses economicos, que muito convém consolidar o promover por via dos tratados de commercio.

Tal é, em geral, a indicação de conveniencia e opportunidade a que obedecem os convénios ultimamente por nós celebrados com os Paizes Baixos e a Rússia, os quaes já vos foram presentes, e o tratado com a Noruega, que hoje me cabe a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação.

É francamente liberal a pauta noruegueza, como o attestam a isenção de direitos do importação do sal, da cortiça em bruto e da cortiça em rolhas, e as módicas taxas relativas a vinhos, as quaes correspondem, em moeda portuguesa, a 29 ou 90 réis, por kilogramma ou por litro, segundo a força alcoólica e conformo a
natureza do vasilhame.

Assegura-nos o tratado, não só que sejam mantidas aquellas isenções, e que não possam ser alteados aquelles direitos, mas tambem que se torne extensiva aos vinhos portuguezes de graduação até 23.° (o que, a bem dizer, comprehende todos, mesmo os generosos do Porto o da Madeira) qualquer reducção que do futuro for decretada na Noruega em favor dos de diversa procedência, embora de inferior alcoolisação; acrescendo a garantia do tratamento da nação mais favorecida, tanto em beneficio dos mencionados productos, que constituem o grosso da nossa exportação para aquelle paiz, como de outros, numerosos,

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e entre cates os coloniaes, que ali podem encontrar mercado assas vasto.

Alem d'isso, para obviar efficazmente á concorrência desleal, proveniente de imitações e falsificações de alguns dos artigos mais justamente reputados da nossa agricultura, inscreveu-se no presente tratado o principio dominante do convenio de Madrid, de 14 de abril de 1891 a que não haviam adherido os paizes scandinavos; e procurou-se fomentar o commercio directo entre Portugal e a Noruega, por meio de adequadas providencias, entre as quaes se destaca a clausula pela qual se estipulou que tocassem mensalmente em Lisboa e no Porto, nas suas viagens de regresso da peninsula para aquelle reino, os vapores da linha que o governo norueguez subsidia.

Estas vantagens compensarão por certo as duas únicas reducções pautaes que de accordo com os pareceres da commissão revisora das pautas aduaneiras, da camara de commercio e industria de Lisboa, e da associação commercial do Porto, concedemos a artigos de origem noruegueza, e ainda o simples beneficio do tratamento da nação mais favorecida para determinado numero de outros productos, como melhor podereis verificar pelo exame dos documentos que constituem a secção 5.ª do Livro branco.

Não concluirei, porém, sem mencionar-vos uma disposição, de elevado alcance, que espero se vá generalisando a diplomas desta ordem: é a que submette á arbitragem qualquer divergência emergente da interpretação ou execução das clausulas agora pactuadas.

Assim confio vos digneis conceder a vossa approvação á seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° São approvados, a fim de serem ratificados, o tratado do commercio e de navegação, assignado entre Portugal e a Noruega, em Lisboa, aos 31 de dezembro de 189o, e os dois protocollos annexos ao mesmo tratado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, aos 28 de janeiro de 1896. = Luiz do Soveral.

(Trnducção)

Sua Magestade o Rei de Portugal o dos Algarves e Sua Magestade o Rei da Suécia o da Noruega, igualmente animados do desejo de assegurar as relações de commercio e navegação entre Portugal e a Noruega, resolveram concluir para este effeito um tratado, e nomearam por seus plenipotenciarios respectivos, a saber:

Sua Mageatade o Rei de Portugal e dos Algarves, o conselheiro Luiz Maria Pinto do Soveral, ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, gran cruz da ordem de Christo e da ordem de Ernesto Pio de Saxe-Coburgo-Gotha, etc., etc.; e

Sua Magestade o Rei da Suecia e da Noruega, o conde Axel Cronhielm, seu encarregado de negocios e cônsul geral interino em Lisboa, cavalleiro da ordem da Estrella Polar e da ordem de Santo Olavo, 1.ª classe, commendador da ordem da Conceição, etc., etc., e o sr. Joaquim Konow, negociante, plenipotenciario especial, cavalleiro da ordem de Santo Olavo, 1.ª classe, commendador da ordem de Christo, etc., etc.;

Os quaes, depois de se haverem communicado os seus plenos poderes, achados em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:

ARTIGO 1.°

Haverá liberdade reciproca de commercio e de navegação entre Portugal e a Noruega. Os súbditos de cada uma das altas partes contratantes gosarão no território da outra, em materia de commercio e de industria, dos meamos favores que são ou forem concedidos aos súbditos de qualquer outra nação, e não poderão estar sujeitos a outras ou mais pesadas contribuições, restricções ou obrigações
geraes ou locaes que as que forem impostas aos súbditos da nação mais favorecida.

ARTIGO 2.º

Os subditos das altas partes contratantes poderão á sua vontade dispor, por doação, venda, escambo, testamento, ou de qualquer outro modo, de todos os bens que possuírem nos territorios respectivos, e retirar integralmente do paiz os
seus capitães.

Assim tambem os súbditos de um dos estados respectivos, hábeis para herdar bens situados no outro poderão tomar posse dos bens quelles advierem mesmo, as intestato, observando as formalidades prescriptas pela lei, e os ditos herdeiros não serão obrigados a pagar direitos de transmissão differentes nem mais elevados que os que, em casos similhantes, forem impostos aos nacionaes.

ARTIGO 3.°

Portugal e a Noruega garantem-se reciprocamente que nenhum outro paiz gosará, de futuro, tratamento mais vantajoso pelo que respeita ao consumo, deposito, reexportação, transito, baldeação das mercadorias, drawba cks, exercicio do commercio e navegação em geral.

ARTIGO 4.°

As altas partes contratantes obrigam-se a não estabelecer uma a respeito da outra prohibição alguma de importação ou de exportação que não seja ao mesmo tempo apphcavel às outras nações.

Este principio não será applicado às mercadorias que são ou forem objecto de monopolio do estado ou de prohibição ou restricção temporaria por motivos sanitarios ou na previsão de acontecimentos de guerra.

ARTIGO 5.º

Os productos de origem portugueza enumerados na pauta A, junta ao presente tratado, quando forem importados directamente na Noruega, serão n'este reino admittidos mediante o pagamento dos direitos fixados pela dita pauta.

ARTIGO 6.º

Os productos de origem noruegueza enumerados na pauta B, junta ao presente tratado, quando forem importados directamente em Portugal, serão n'este reino admittidos mediante o pagamento dos direitos fixados pela dita pauta.

ARTIGO 7.°

Os productos de, origem portugueza enumerados na pauta A e na tabella I, juntas ao presente tratado, quando forem importados directamente na Noruega, serão neste reino tratados como os da nação mais favorecida.

ARTIGO 8.º

Os productos de origem noruegueza enumerados na pauta B e na tabella II, juntas ao presente tratado, quando forem importados directamente em Portugal, serão neste reino tratados como os da nação mais favorecida.

ARTIGO 9.º

A importação directa a que se referem os artigos precedentes consiste no embarque das mercadorias num porto de uma das altas partes contratantes, e no seu desembarque, durante a mesma viagem, num porto da outra parte contratante, qualquer que seja a nacionalidade do navio, e embora este entre por escala ou arribada em porto ou portos de uma terceira potência. É demonstrada pelo manifesto e conhecimentos.

É equiparada á importação directa a importação sob conhecimento directo (through bill of lading), ainda quando as mercadorias especificadas no dito conhecimento tenham

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sido baldeadas ou depositadas nos entrepostos de terceira potencia. Neste caso será exigido certificado de origem.

ARTIGO 10.°

Os manifestos apresentados A alfandega do paiz importador devora conter a indicação da origem das mercadorias.

Para prova dcfita origem, reservam-se, comtudo, as altas partes contratantes o direito de exigir certificados expedidos pela auctoridade local do porto do saída, ou simplesmente as facturas, devendo todos estes documentos ser visados pelo competente agente consular.

O emolumento pelo visto consular não excederá 1$000 réis ou 4 kroner.

AETIGO 11.º

No caso de o governo portuguez conceder em termos geraes a um terceiro paiz o tratamento da nação mais favorecida em matéria de commercio, esse tratamento será ipso facto e independentemente de quaesquer outras estipulações, applicavel á Noruega, mediante reciprocidade no mesmo tratamento.

ARTIGO 12.º

Os direitos interiores que, arrecadados por conta do estado, das municipalidades ou de outras corporações, incidem ou incidirem sobre a producção, o fabrico ou o consumo de qualquer género de mercadorias no territorio de uma das altas partes contratantes não poderão ser applicados aos productos originarios da outra parte por modo differente ou mais oneroso do que aos productos similares indigenas ou de qualquer outra procedencia. Nada, porém, obstará a que o trigo portuguez empregado no fabrico do malte na Noruega possa ser onerado com um direito interior especial, da mesma sorte que o trigo importado de outros paizes estrangeiros.

ARTIGO 13.º

O governo portuguez e o governo norueguez impedirão por todos os meios que as suas respectivas legislações admittam, quer a venda, quer a importação, num ou nou-tro dos dois estados, dos productos agricolas ou industriaes que apresentem uma falsa indicação de proveniência, indicando directa ou indirectamente como paiz ou localidade do origem, a Noruega ou Portugal ou uma região ou localidade noruegueza ou portugueza.

ARTIGO 14.º

Os viajantes de commercio portuguezes viajando na Noruega por conta de uma casa estabelecida em Portugal serão tratados a todos os respeitos como os viajantes de commercio de qualquer outra nação, e reciprocamente o mesmo se praticará quanto aos viajantes de commercio norueguezes em Portugal.

ARTIGO 15.º

O presente tratado será executorio, pelo que respeita a Portugal, exclusivamente na metrópole e nas ilhas adjacentes: Madeira, Porto Santo e Açores.

ARTIGO 16.º

No caso de alguma divergencia sobre a interpretação ou applicação do presente tratado se levantar entre as duas partes contratantes, sem poder ser regulada amigavelmente por via de correspondência diplomática, convém estas em submettel-a ao julgamento de um tribunal arbitrai, cnja decisíío se obrigam a respeitar e executar lealmente.

O tribunal arbitral será composto de tres membros. Cada uma das partes contratantes designará um d'elles, escolhido fora dos seus nacionaes e dos habitantes do paiz. Esses dois árbitros nomearão o terceiro. Se não poderem entender-se sobro esta escolha, será o terceiro arbitro nomeado por um governo designado pelos dois primeiros árbitros, ou, na falta de accordo, pela sorte.

ARTIGO 17.º

O presente tratado, depois de approvado pelas respectivas representações nacionaes, será ratificado, e os competentes instrumentos de ratificação trocados em Lisboa logo que possivel for.

ARTIGO 18.°

Sete dias depois da troca das ratificações entrará em vigor o presente tratado, continuando executorio durante cinco annos, a contar do dia em que tiver começado a vigorar.

No caso do nenhuma das altas partes contratantes haver notificado, doze mezes antes de terminar o referido praso, a sua intenção de fazer cessar os effeitos do tratado, permanecerá este obrigatorio até á expiração do um armo, a contar do dia em que uma ou outra das altas partes contratantes o tiver denunciado.

Em firmeza do que, os respectivos plenipotenciarios o assignaram e lhe appozeram os seus sinetes.

Feito em duplicado em Lisboa, aos 31 de dezembro de 1895.

(L. S.) Luiz do Soveral.
(L. S.) A. Cronhielm.
(L. S.) J. Konow.

PAUTA A

Direitos de entrada na Noruega

[Ver tabela na imagem].

Luiz do Soveral.
A. Cronhielm.
J. Konow.

PAUTA B

Direitos de entrada em Portugal

[Ver tabela na imagem].

Luiz do Soveral.
A. Cronhielm.
J. Konow.

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SESSÃO N.º 16 DE 29 DE JANEIRO DE 1896 127

TABELLA I

Artigos de produção portugueza que gosarão do tratamento da nação mais favorecida

[Ver tabela na imagem].

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128 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem].

Luiz do Soveral.
A. Cronhielm.
J. Konow.

Protocollo

Os plenipotenciarios abaixo assignados, tendo julgado necessario o estabelecimento de communicações maritimas regulares entre os dois paizes, convieram no seguinte:

Emquanto o governo norueguez continuar a manter uma linha de vapores no Mediterrâneo, fica entendido que um vapor dessa linha fará uma vez por niez, no regresso á Noruega, escala em Lisboa e no Porto. No caso de ser demasiado difficil navegar até ao Porto, o vapor poderá aportar a Leixões.

As datas das saldas dos vapores de Lisboa e do Porto (ou Leixões) devem ser annunciadas pelo modo usual, e com antecedência de oito a dez dias.

Fica entendido que irregularidados no serviço, occasionadas por accidentes casuaes ou por acontecimentos imprevistos, não terão por effeito invalidar o tratado de commercio e navegação concluido nesta data, ou fazer incorrer o governo da Noruega em responsabilidades de natureza alguma.

Os sobreditos vapores gosarão dos privilegios concedidos pelas leis portuguezas aos paquetes.

Em firmeza do que os respectivos plenipotenciarios o assignaram e lhe appozeram os seus sinetes.

Feito em duplicado em Lisboa, aos 31 de dezembro de 1895.

(L. S.) = Luiz do Soveral.
(L. S.) = A. Cronhielm.
(L. S.)= J. Konow.

Protocollo final

No acto de proceder á assignatura do tratado de commercio e navegação concluído nesta data em Lisboa, entre Portugal e a Noruega, os plenipotenciários abaixo assignados enunciaram as declarações e reservas seguintes:

1. As disposições dos artigos 1.°, 3.°, 4.°, 6.°, 8.°, 11.º e 12.° do tratado assignado em data de hoje, não se applicam aos favores que, com caracter exclusivo, Portugal concedeu ou conceder á Hespanha e ao Brazil; e Portugal não tem o direito de gosar, em virtude dos artigos 1.°, 3.°, 4.°, 5.°, 7.°, 11.° e 12.º do mesmo tratado, dos favores concedidos, actualmente ou de futuro, pela Noruega á Suecia e á Dinamarca, nem das vantagens especiaes de que a Rússia gosa nas suas relações com a Noruega.

Todavia Portugal concederá á Noruega os favores que concedeu á Hespanha pelo tratado de 27 de março de 1893, artigo 20.°, e convenção de 29 de junho de 1894, artigos 2.°, 3.°, 4.°, 12.° e 13.° do regulamento III.

2. Na applicação do tratamento da nação mais favorecida com referencia á navegação, nSo poderá a Noruega invocar os tratados que Portugal concluiu com a Republica Sul-Africana, a 11 do dezembro de 187o, e com o Estado Livre de Orange, a 10 de março de 1876.

3. Em virtude do artigo 4.° do sobredito tratado, as mercadorias não originarias de Portugal, importadas deste reino na Noruega, quer por terra quer por mar, não poderão ser oneradas com sobretaxas superiores às que recaírem sobre as mercadorias da mesma natureza importadas na Noruega do qualquer outro paiz europeu, sem ser em direitura por navio norueguez; e reciprocamente as mercadorias n2o originarias da Noruega, importadas deste reino em Portugal, quer por terra quer por mar, nSo poderão ser oneradas com sobretaxas superiores às que recaírem sobre as mercadorias da mesma natureza importadas em Portugal de qualquer outro paiz europeu, sem ser em direitura por navio portuguez.

4. O tratamento estipulado noa artigos 5.°, 7.° e 12.° do sobredito tratado é applicavel aos productos das colónias portuguezas exportados da metrópole para a Noruega.

5. Toda a reducção concedida pela Noruega aos vinhos de outra procedencia que não Portugal, e cuja graduação for fixada em menos de 23 graus, será applicavel aos vinhos portuguezes que não excederem este ultimo limite.

6. O certificado de origem de bacalhau importado directamente da Noruega em Portugal não será exigido emquanto todos os outros paizes exportadores deste producto gosarem de direitos iguaes aos concedidos á Noruega.

Em firmeza do que os respectivos plenipotenciários o assignaram e lhe appozeram os seus sinetes.

Feito em duplicado, em Lisboa, aos 31 de dezembro de 1895. = (L. S.) Luiz do Soveral =(L. S.) A. Cronhielm = (L. S.) J. Konow.

Está conforme. - Primeira repartição da direcção geral dos negócios commerciaes e consulares, em 25 de janeiro de 1896.= Augusto Frederico Rodrigues Lima.

Para a commissão dos negócios estrangeiros e internacionaes.

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho de Villa da Lagoa, districto de Ponta Delgada, contra o decreto que extinguiu o julgado municipal d'aquelle concelho.
Apresentada pelo sr. deputado Luiz de Mello, e enviada â commissão do bill.

2.ª Dos ex-arbitradores judiciaes da comarca de Alijo, contra o decreto de 15 de setembro de 1892, que revogou

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o artigo 37.° do decreto de 20 de julho de 1886 e regulamento de 17 de março de 1887.

Apresentada pelo sr. deputado Teixeira de Sousa, enviada á commissão de legislação civil, e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da camara municipal do Funchal, pedindo, nos termos do disposto no artigo 461.° do codigo administrativo, que esta camara eleve o ordenado do seu secretario a réis 600$000 annuaes.

Apresentada pelo sr. dentado Fidelio de Freitas Branco, e enviada á commissão do bill.

Requerimentos de Interesse particular

Do medico naval do 1.ª classe, D. Antonio Maria de Lencastre, pedindo que, no decreto dictatorial de 25 de setembro, que reorganiaou a escola naval, seja inserida uma disposição que lhe garanta a regência da cadeira de que era lente, nos termos da legislação que vigorava quando foi nomeado

Apresentado pelo sr. deputado Dias Ferreira, e enviado á commissão do bill.

Do musico de 1.ª classe do regimento de caçadores n.° 3, Manuel Antonio Coelho, pedindo que na nova reforma militar seja melhorada a situação da sua classe.

Apresentado pelo sr. deputado Abilio Beça, e enviado á commissão de guerra.

Justificação de faltas

Participo ao exmo. presidente que o sr. deputado Jeronymo Osorio tem faltado as sessões por motivo de doença. = O deputado, Antonio Campos.

Para a secretaria.

O redactor = Barbosa Colen.

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