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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sas com que me honrou no seu discurso, e á camara toda pelo applauso espontaneo com que o acompanhou.
Sr. presidente, não sairei d'aqui, como disse o illustre deputado, com o estygma de intolerante ou de perseguidor, que nunca levei de parte alguma (Muitos apoiados.); mas sáio com certeza profundamente commovido e infinitamente reconhecido a essa demonstração estrondosa de sympathia, que me deram os meus nobres collegas, de que conservarei sempre memoria agradecida como um dos mais gratos successos da minha vida publica. (Vozes: — Muito bem.) Note, porém, a camara que não póde na sua expansiva approvação separar-me do nobre presidente do conselho, porque sou ministro com elle, e não o poderia ser se s. ex.ª professasse outros principios. Seria até um sacrilegio attribuir-lhe outros sentimentos, aqui debaixo d'estas abobadas aonde desde tão longo tempo e tantas vezes tem vibrado a sua potente voz a favor de todas as liberdades e contra todas as tyrannias! (Apoiados.)
Sr. presidente, aggrediu o illustre deputado, o sr. Lopo Vaz, o governo com uma certa vivacidade, que mereceu os applausos dos seus amigos politicos, como era natural, expondo em um estylo, que não direi ameno, porque o não foi para nós, mas seguramente elegante, uma serie de argumentos de ordem politica e financeira, que me parece brilharam mais pelo colorido da phrase do que pelo vigor do raciocinio, e que se resumem n'um certo numero de accusações, cabalmente respondidas, na parte politica, pelo nobre presidente do conselho, que tambem respondeu a muitas das arguições financeiras, o que me não dispensa a mim, por decoro do meu cargo, de as lembrar de novo todas, e de as contestar com a verdade dos factos, e com a racional e legal apreciação que lhes compete.
O illustre deputado pretendeu:
1.° Que o governo retardára a negociação do emprestimo das £ 6.500:000 com prejuizo do thesouro;
2.° Que dera em Londres por contratos de supprimentos umas cauções falsas ou illegaes, ou como quer que fosse que o illustre deputado as classificou e me não lembra, mas era em todo o caso um abuso de confiança;
1.° Que tomára compromissos antecipados por contratos a fazer;
4.º Que pagára commissões exageradas nas emissões feitas;
5.° Que fizera um contrato illegal e desvantajoso com o banco de Portugal para supprimento das classes inactivas;
6.° Finalmente, que gastára n'uma certa epocha, mais do que os seus antecessores, uns 300:000$000 réis. Do que s. ex.ª deduzia que eramos nós mais gastadores do que os nossos antecessores, e aggravava a sua critica com a observação do que fizemos quatro emprestimos em um anno (provavelmente para sustentar estes desperdicios), contando por emprestimos as emissões dos quatro milhões esterlinos da 5.ª serie de obrigações dos caminhos de ferro do Minho e Douro, o contraio de supprimentos em Londres e o do banco de Portugal para pagamento das classes inactivas.
Eu realmente sinto dizer ao illustre deputado, que em todas as suas arguições financeiras, se alguma cousa ha de importante é tudo contra a intenção do illustre deputado.
Sem me apressar, irei por sua ordem dizendo o que me occorre sobre cada um dos capitulos da sua accusação, e lá chegarei aquelles que me parece s. ex.ª encarou com mais desfavor da sua causa.
Sr. presidente, não é só o illustre deputado, a quem respondo, que lembrou a prejudicial e supposta inercia em ficámos sobre a negociação do emprestimo das £ 6.500:000 até o compromettermos na guerra da Russia. Outros cavalheiros nos tem feito a mesma arguição, e a todos desejo dar aqui satisfação.
A lei que auctorisou o emprestimo foi promulgada em 7 de abril, e o contrato com Baring Brothers é de 26 de junho. Mediou um espaço de dois mezes e meio entre a auctorisação e a negociação.
Sr. presidente, eu não me lembro de operação alguma d'esta natureza, feita no estrangeiro por outro paiz, que se realisasse em praso mais curto, depois da auctorisação legal. Não digo isto como argumento de importancia, que nenhuma tem, mas só para notar que todos passam pela mesma serie de trabalhos a que estamos sujeitos com estes negocios.
Parece-me que, se os illustres deputados considerassem bem as delongas necessarias dos preliminares d'estas negociações — informações da capacidade dos concorrentes — exame da situação dos mercados em que se faz a emissão, para avaliar as probabilidades do seu exito — debates de condições com os banqueiros, que naturalmente defendem os seus interesses — demoras que elles mesmos põem na resolução final, emquanto não estão certos da acquiescencia de outros com quem se associam, porque nenhuma casa toma sobre si a responsabilidade d'estas sommas: se s. ex.ªs attendessem á conveniencia de afastar, mais ou menos, a epocha da emissão, para alliviar, quanto possivel, o encargo do coupon, que n'ella tem de ser contado, e tambem á de a adiar para um certo praso de tempo, quando se tem, como nós tinhamos, contratos de supprimentos, que o producto da emissão devia amortisar, a fim de que as entradas das prestações viessem a approximar-se do vencimento das letras dos supprimentos, e pagal-os, para não ficarem coexistindo, por muito ou por pouco tempo, dois creditos com onerosa e inutil repetição de juros, visto que queriamos amortisar um pelo outro — o da divida fluctuante pelo da consolidada, estou certo que não estranhariam tanto essa demora de dois mezes e meio entre a auctorisação e a negociação.
Assentado, pelo que fica dito, que o governo não podia, nem convinha, ter contratado a emissão para epocha mais proxima da auctorisação, e que não é culpado de negligencia alguma n'este negocio; eu ainda quero observar aos illustres deputados, que a questão do Oriente actuou sempre do mesmo modo nos mercados monetarios durante o declarado periodo de tempo, o que a guerra receiada, ou declarada, produziu n'elles as mesmas oscillações, podendo até affirmar-se que depois que ella rompeu, e se conheceram as suas tendencias a localisar-se, as cotações, comquanto baixas, permaneceram mais firmes.
Eu tenho na mão as cotações diarias da bolsa de Londres desde 7 de abril, data da auctorisação, até 26 de junho, data do contrato.
Vejam-as os illustres deputados, e convençam-se por ellas de que até ao meiado de maio não podiam contratar senão em termos inferiores ao contrato de 26 de junho, porque as cotações dos nossos fundos oscillaram entre 50 e 51, mais ou menos oitavos, que não podiam ir aproveitar essa alta fugitiva, que os levantou a 53, nos ultimos dias de maio e primeiros de junho, porque os banqueiros não crêem n'essas ephemeras variantes, nem por ellas fazem obra; e que finalmente tinham de se fixar, como nós nos fixámos, na cotação de 52, que ficou firme e regulou o contrato.
Creio, portanto, que esta arguição cáe pela base, e não acha esteio que a sustente. (Apoiados.)
Passemos á segunda arguição. S. ex.ª accusa-nos de darmos cauções falsas ou illegaes, o que seria o mesmo, em contratos de supprimentos feitos em Londres, porque nelles empenhámos o producto da 5.ª emissão dos caminhos de ferro do Minho e Douro ainda não realisada.
Eu sinto realmente que um cavalheiro, tão illustrado e tão rico de dotes intellectuaes, viesse ao parlamento do seu paiz fazer ao governo que o representa no estrangeiro tão feia accusação; que não vexa os ministros, que bem se defendem d'este aggravo, mas que compromette uma nação briosa, sempre leal no desempenho das suas obrigações, no conceito dos estranhos que tratam com ella em boa fé. É
Sessão de 1 de fevereiro de 1878