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APPENPICE A SESSÃO N.º 16 DE 11 DE FEVEREIRO DE 1898 284-A
Discurso do sr. deputado Dias Ferreira, que devia lêr-se a pag. 283, da sessão n.° 16 de 11 de fevereiro de 1898
O sr. Dias Ferreira: É na verdade de grande importancia o incidente levantado por parte do governo, e já larga e proficientemente apreciado pelo illustre deputado que iniciou o debate...
(Varios srs. deputados pedem a palavra.)
Quaesquer que sejam porém os assumptos que se accumulem n'esta contenda, quaesquer que sejam as incidentes que nasçam da discussão, nada pode ensombrar nem escurecer a questão vital, que deve preocupar-nos de preferencia a tudo.
Essa questão é se o thesouro e a dignidade nacional podem ou não com os encargos derivados do projecto!
Ouvi com a maior attenção o sr. ministro da fazenda: envio-o discutir o regimento, o imperador Napoleão, os planetas, o a administração regeneradora!
Mas sobre a questão vital não lhe ouvi palavra!
Ora o que o governo precisa de dizer, porque é o que a camara e o paiz precisam de saber, é se o thesouro póde supportar os encargos reconhecidos no projecto, e se a dignidade nacional são illesa ou pelo contrario é profundamente ferida com o parecer em discussão.
Essa é que é a questão. (Apoiados.)
Podemos todos discutir e todas cooperar, presentes e ausentes, como o governo deseja, na providencia em debate..
Mas o que não podemos perder de vista, porque fica sempre de pé, inquietando, se não affrontando, a opinião, é o perigo de excederem as forças do contribuinte os encargos fixados, e de perigar a honra nacional com a intervenção estrangeira, chamada por virtude do projecto a collaborar comnosco no governo do paiz.
Não tenham pressa srs. ministros: esclareçam o paiz.
Na discussão do accordo de Londres de 16 de dezembro de 1855, aliás de muito menos importancia para a economia da nação, só os debates sobre o adiamento duraram mais de quarenta sessões!
Ainda então se julgava necessario discutir e apreciar largamente as medidas de alta importancia, que affectavam na essencia os interesses nacionaes.
Não é agora a primeira vez que o parlamento se occupa de accordos e do credores externos.
Pelo contrario é longa a nossa historia parlamentar, sobre divida publica.
O pensamento fundamental do projecto não deixa de ser definido e claro, para fazer perceber que nos obrigamos a pagar mais do que podêmos, e que vamos ficar á mercê da administração estrangeira.
Mas, se duvida houvesse ácerca do alcance e da significação do projecto, eram-lhe excellente commentario as actas das assembléas que estão realisando lá fóra os credores interesses nas finanças portuguezas.
O sr. ministro da fazenda, ao mesmo tempo que derivava a discussão para a questão politica, clamava que a questão era verdadeiramente nacional, e inteiramente estranha a exclusivismos partidarios.
Pela minha parte não conheço questão rigorosamente parlamentar que não seja genuina e essencialmente politica.
Ouve-se, é certo, a cada passo affirmar que as questões financeiras, as questões coloniaes, e as questões internacionaes, por exemplo, devem ser tratadas fóra da acção politica.
Eu porém considero politicas todas as questões levantadas no seio das côrtes geraes, porque tomo a palavra politica não na accepção mesquinha e insignificante de vantagens dos governos ou dos partidos, e sim na accepção de referencia a proveito para a nação.
Se negarmos ás questões financeiras, coloniaes e internacionaes, a natureza de questões politicas, ficará então reduzida a camara a simples definitorio de misericordia!
Na nossa vida parlamentar porém tudo tem mudado, e mudado para peior. Eu desconheço o parlamentar de hoje comparado com o parlamento de ha trinta annos.
Não comprehendo assembléas legislativas sem paixão politica, sem aquella paixão que inflamma os oradores, e aquece os discursos, paixão que não é incompativel, nem com o decôro parlamentar, nem com a cordura que deve o orador a si e ao paiz.
Nem os discursos politicos que se inspiram no interesse da nação podem deixar de ser apaixonados, porque não é facil tratar a frio as grandes questões que entendem com a vida da patria,
Ninguem mais do que eu respeita o talento do illustre ministro da fazenda, e assim o affirmo em publico, porque não tenho inveja a ninguem, e essa é uma das causas a que attribuo a boa saude de que goso!
Ninguem gosta mais do que eu de ouvir fallar bem e de presenciar a manifestação de brilhantes faculdades.
Pelo mesmo principio deploro a infelicidade dos que, dispondo de largos recursos, se entretem com puerilidades, que nem clevam o orador, nem levantam o auditorio.
Foi esta a triste situação em que se collocou o sr. ministro da fazenda.
Pois não nos disse s. exa., em defeza do governo, que os regeneradores no primeiro semestre de 1896-1897 haviam augmentado a despeza publica em mais 3:00000 contos de réis?
Disse.
Ninguem espera de certo que eu venha defender os regeneradores. Pelo contrario, reputo-os muito capazes d'aquella façanha! (Riso.) Mas o actual governo tornou-se cumplice d'esses esbanjamentos, desde que não rasgou, logo que chegou ao poder, as providencias que assim haviam augmentado enormemente as despezas publicas, nem deu rasões fundadas para as conservar!
Comprehende-se que os regeneradores, inspirados no seu proposito e no seu programma constante de alargar as despezas da civilisação, augmentassem os encargos do estado, não só em 3: 00000 contos de réis, mas em 6:000!
O que se não comprehende, porém, é que o actual governo, que veiu para emendar os erros dos seus antecessores, deixasse de pé os augmentos de encargos financeiros, como conservou todas as providencias affrontosas da liberdade! (Apoiados.)
Encargos para o contribuinte e offensas á liberdade, está tudo de pé, e correcto e augmentado!
Os srs. ministros, que aliás me merecem a maior consideração, não comprehenderam ainda a situação difficil em que se encontram perante o paiz, que d'elles nada espera.
Não póde gerir-se com proveito publico uma nação sem a confiança popular.
Estão, porventura, persuadidos os srs. ministros de que merecem a confiança do paiz?
Nem sequer os que os acompanham na confecção das leis, isto, é, os partidarios matriculados e arregimentados, esperam já cousa util do governo!
Tenho muita pena de dar noticias tão desagradaveis aos srs. ministros. Mas a minha obrigação é dizer a verdade no interesse do paiz. É realmente de pasmar a semcere-
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monia com que o governo trata as mais graves questões de administração publica.
Pois como é que o sr. ministro da fazenda tendo encontrado enormes despezas creadas pelos seus antecessores, em vez de as deitar a terra, entrando largamente no caminho da reforma dos serviços e da reducção das despezas publicas, como lhe prescrevia a situação grave do paiz, vem alardear, unicamente para os effeitos rhetoricos, as difficuldades que herdou?
Que a situarão era grave sabem no todos. Que se aggravou consideravelmente na gerencia do actual gabinete dizem-no os documentos officiaes, por elle mesmo publicados!
No anno passado ainda as circumstancias não eram tão graves, que não permittissem augmentar o encargo do estado para favorecer os credores estrangeiros, segundo as declarações feitas no discurso da corôa.
Mas desde o anno passado aggravou-se a situação financeira e economica por fórma, que já não é possivel dar aos credores mais do que elles actualmente recebem, conforme tambem se declara no discurso da corôa!
Que significam estas confissões e estas affirmações?
Significam que a enfermidade de que padece a fazenda do estado seguiu a marchas forçadas no caminho do aggravamento, peiorando cada vez mais de anno para anno. É o que dizem em linguagem bem clara os documentos parlamentares.
Não tencionava levar para este terreno o debate. A minha idéa em apenas discutir, para assim dizer, academicamente os differentes artigos do projecto.
Mas, sem faltar ao meu dever e mesmo á cortezia parlamentar, não podia passar em silencio as considerações do sr. ministro da fazenda em resposta ao sr. Dantas Baracho.
Reparei até na linguagem vehemente, em que o sr. ministro da fazenda se dirigiu áquelle illustre deputado, porque as provocações ministeriaes, segundo o costume de alguns annos a esta parte, são sempre para mim e só para mim, e para mais ninguem! (Riso.)
Desde, que saí do governo raro é o diploma official apresentado pelos meus illustres successores ao parlamento em que me não seja dirigido um comprimento!
Por isso eu de vez em quando preciso tambem de dizer da minha justiça.
Sr. presidente, até aquelle passado doloroso do discurso da corôa era para mim! (Riso.)
Mas convem antes de tudo notar o extraordinario d'esta discussão.
Não ha, de certo, exemplo em nenhum parlamento do mundo de se estar a discutir as bases do um projecto do contrato, quando o governo declara á camara que tem negociações pendentes sobre o assumpto! (Apoiados.)
Mais. Segundo as declarações do sr. ministro da fazenda, as negociações pendentes não são unicamente com os credores externos: são tambem com os governos! (Apoiados.}
Ora discutir o assumpto nas côrtes quando as negociações estão pendentes é desarmar completamente o paiz, revelando ao outro contratador os nossos planos e os nossos argumentos! (Apoiados.) Os credores e os governos estrangeiros entrincheiram se n'uma reserva e n'um silencio absoluto. Nós pomo-nos completamente a descoberto!
Ha porventura n'algum paiz do mundo precedente para este caso!?
Comprehende se a auctorisação para contratar, mesmo vaga e larga, conforme a confiança da côrtes no gabinete.
Mas ter negociações pendentes com os credoras e com os governos estrangeiros, e ao mesmo tempo discutir nas côrtes as clausulas do accordo, mantendo para com os representantes da nação reserva absoluta, mesmo com respeito aos pontos capitães das negociações, é o que não se comprehende, nem se explica! (Apoiados.)
Lembrou-se tambem o sr. ministro da fazenda de invocar a auctorisação da lei de 26 de fevereiro de 1892 para cobrir a sua responsabilidade!
A referencia á lei de 26 de fevereiro de 1892 não absolve nem attenua as responsabilidades do gabinete.
Esta lei foi da iniciativa do governo da minha presidencia, e proposta em côrtes, em que eu não contava um unico correligionario, quer n'uma quer n'outra casa do parlamento, o que não me impediu de me apresentar logo aos representantes da nação, em vez de despedir as côrtes.
Não quiz demorar um anno, nem um mez, nem uma semana, a communicação official do estado economico e financeiro do paiz, a das providencias necessarias para debellar os males, que affligiam profundamente o povo portuguez.
Mas, voltando sobre a lei de 26 de fevereiro de 1892, desde que eu fazia a declaração official, no proprio dia em que apresentava o ministerio ás côrtes, de que para os contribuintes era chegada uma hora sombria, e de que me via forçado a renovar as scenas de 1852, porque as mesmas circumstancias se tinham reproduzido, não podia deixar de consignar mais uma vez o preceito tradicional da dotação da divida publica com as mesmas garantias de que ella sempre gosára e nas mesmas condições.
A consignação porém na lei de 1892, representava a dotação do serviço da divida conforme a legislação anterior; e no projecto pendente representa uma caução ou penhor.
E nem d'essa auctorisação o governo usou, limitando-se no decreto de 13 de junho de 1892 a manter a legislação em vigor sobre as garantias da divida, tanto interna como externa.
Pretende a illustre commissão justificar a consignação das rendas aduaneiros para pagamento dos juros da divida externa e do novo emprestimo com as disposições da lei de 26 de fevereiro de 1892.
Mas o pensamento e o fim da lei de26 de fevereiro de 1892 era muito differente.
Dizia a referida lei no artigo 10.°:
«Para assegurar aos credores, tanto nacionaes como estrangeiros, o pagamento integral e Regular dos juros e amortisação, o governo poderá consignar a esse fim, dos rendimentos nacionaes, aquelles que entender necessarios e preferiveis, sem todavia alterar a fórma ordinaria de percepção dos mesmos rendimentos, mas sim restaurando, pelo modo conveniente, o antigo regimen da dotação da divida.»
Era o governo quem escolhia, ou antes quem ficava auctorisação a escolher os rendimentos para occorrer aos encargos da divida, porque se tratava da dotação da divida, o não de canção ou penhor.
Alem d'isso a referencia ao antigo systema de cotação da divida era já em si um protesto contra a arrecadação pelo banco de Portugal.
A junta do credito publico, nem sempre conhecida por este nome, é uma instituição exclusivamente portugueza, a quem está entregue o pagamento dos juros desde que ha divida publica em Portugal.
Data a existencia da junta do credito publico, posto que com outro nome, desde o seculo passado; pois, desde que começámos com o systema dos emprestimos, nunca mais saldámos orçamento sem deficit!
Chamava-se então junta dos juros, e era composta de funccionarios do estado, e dos primeiros capitalistas de Lisboa; e foi depois substituida pela junta do credito publico, organisada pelas leis de 15 de julho de 1837 e de 8 de junho de 1843.
Ora, como em 1892 estava a cargo do banco de Portugal, na qualidade de caixa do estado, o pagamento da divida, instituição que não gosava das garantias de absoluta independencia, entregou-se o serviço da divida á antiga junta do credito publico com a dotação nas mesmas condições
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APPENDIOE Á SESSÃO N.º 16 DE 11 DE FEVEREIRO DE 1898 284-C
antigas, isto é, recebendo directamente dos executores fiscaes, as receitas que lhe estavam destinadas, sem todavia poder envolver-se na arrecadação dos impostos, e sem acção coercitiva sobre os exactores fiscaes.
Ma medida em discussão tudo é extraordinario. Até o nome! Dá-se á medida o nome de conversão, quando na essencia o projecto será tudo, menos conversão.
No primeiro projecto ainda havia uma sombra de conversão. Mas n'esta nova reforma desappareceu tudo o que se parecia com conversão; e ficou unicamente o emprestimo com a garantia das alfandegas para a divida velha e nova. (Apoiados.}
N'esta nova reforma tal foi a impaciencia de empenhar o que temos de melhor para levantar algum dinheiro, que até se inscreveram no projecto palavras que ferem os ouvidos de quem é portuguez, e sobretudo de portuguez que allia conhecimentos juridicos a conhecimentos financeiros!
Vamos entregar aos credores estrangeiros os rendimentos das alfandegas em caução, com todas as circumstancias aggravantes e com a vergonha de caução em primeiro grau! (Apoiados.}
Tanto receio têem os credores estrangeiros de que no dia immediato vamos hypothecar o resto das receitas aduaneiras, que exigem hypotheca em primeiro grau!. (Apoiados.) É o que está escripto na proposta!
Não é preciso grande intelligencia, nem grandes conhecimentos politicos, para calcular o effeito que deve produzir dentro e fóra do paiz a hypotheca em primeiro grau. (Apoiados.) Já hypothecámos as receitas dos tabacos, e vamos agora hypothecar as receitas das alfandegas com o annuncio publico e com o rotulo official de que a hypotheca é em primeiro grau para em tempo nenhum ser prejudicada com a concorrencia de cauções posteriores! (Apoiados.)
Ao actual governo pareceu pouco honroso deixar ao estado o direito de livre escolha dos rendimentos para occorrer aos encargos da divida, e quer renunciar a essa liberdade, caucionando-os precisamente com as receitas das alfandegas em primeiro grau! (Apoiados.)
Quer a camara, saber como os credores ficaram escandalisados com o novo processo que espolia o governo do direito de escolher os rendimentos para pagar os juros, e compromette estrictamente sem appellação nem aggravo, pela caução, os redditos aduaneiros?
Quer a camara saber como os credores levaram a mal, que fossem consignados em primeiro grau ao pagamento da divida externa, e só desta, com exclusão da divida interna, os rendimentos das alfandegas?
Corre por ahi impressa a acta da grande reunião dos credores externos em Paris, em 14 de dezembro ultimo, e della se vê que elles não guardaram a minima reserva ácerca da importancia que davam á garantia dos rendimentos das alfandegas.
A pergunta relativa ás condições do accordo entre os credores e o governo portuguez no que respeita ao quantitativo da renda nem palavra se disse.
Ponderava o presidente a que a questão era muito interessante, mas tambem muito delicada, e que era natural que os credores perguntassem quanto lhes daria o governo portuguez e que garantias lhes offerecia, mas que elle e os seus amigos não podiam dar a conhecer as suas intenções, porque as circumstancias os obrigavam a não fornecer a mais ligeira indicação no tocante ao quantitativo do dividendos.
Os representantes dos credores guardavam assim a mais completa reserva quanto às condições a estipular sobre o quantitativo da renda.
O governo portuguez, pelo contrario, está espalhando aos quatro ventos da terra as condições que pela sua parte offerece para o contrato!
O presidente do comité encerrou-se na mais absoluta reserva.
O governo e as camaras portuguezas descobrem as suas baterias, e põem-se quasi á mercê do credor estrangeiro!
Mas, voltando á questão das garantias dos rendimentos das alfandegas, vejamos como ficaram escandalisados os credores estrangeiros, por se ter consignado na nova reforma do projecto, pendente do exame das côrtes, o rendimento das alfandegas ora primeiro grau ao pagamento da divida externa.
Consta o facto de declarações do presidente da citada reunião dos credores em 14 de dezembro do anno passado.
Dizia o presidente: «sem querer precisar de modo absoluto, nem tomar obrigação definitiva, julgo poder afiançar, que as alfandegas são o melhor penhor, porque offerecem uma margem consideravel de garantia, porque são de facil fiscalisação, e porque dão verdadeira segurança!»
Os credores estrangeiros, longe de se mortificarem com a caução, estão com os olhos na receita das alfandegas pela facilidade da fiscalisação e por offerecer margem preciosa para segurança da seus creditos!
Agrada-lhes a facilidade na fiscalisação; e a tendencia do estrangeiro é para estabelecer o contrôle, ou antes para exercer acção directa e segura sobre a cobrança e applicação das receitas destinadas ao pagamento do coupon!
Vou contar á camara um facto, de que n'esta assembléa provavelmente só uma outra pessoa terá noticia, no intuito prevenir os meus illustres collegas da necessidade de condições claras, nitidas e definidas, para salvaguardar a dignidade nacional.
Apesar do cuidado na redacção dos artigos da lei de 26 de fevereiro de 1892, adoptando-se para segurança dos credores nacionaes e estrangeiros a formula de consignação consagrada nas nossas leis desde que entrámos na vida dos emprestimos, isto é, ha um seculo, formula já tradicional na nossa historia financeira e politica, foi-me apresentado na abertura das negociações com os credores um papel em que estes propunham que o banco, encarregado do pagamento da divida, fosse composto de dois portuguezes, dois inglezes, dois allemães, dois francezes, dois hollandezes e dois belgas.
Escusado é dizer á assembléa que nem discussão teve similhante proposta, porque foi rejeitada in limine!
Precisa, pois, a camara do ser rigorosa, quer na essencia quer na fórma, em todas as condições e clausulas que fixar para o contrato.
Todas as estipulações vagas que se prestem a mais de uma interpretação são perigosas; e no projecto, a começar logo pelo artigo 1.°, é tudo vago e indefinido, salvas aã condições ajustadas contra os interesses do paiz, como a consignação dos rendimentos da alfandega em primeiro grau, que são clarissimas em beneficio da credores estrangeiros!
Estes prevendo já que, no caminho em que vamos, havemos de hypothecar o resto dos rendimentos aduaneiros, e não querendo mais credores em linha igual, nem mesmo os credores nacionaes, cujos direitos são aliás tão sagrados como os da credores estrangeiros, reclamam caução com preferencia absoluta!
Nunca se fez esta distincção de garantias diferentes para a divida externa e para a divida interna.
Mesmo quando houve duas caixas differentes para as duas especies de divida os rendimentos repartiam-se por igual.
Mas agora nem igual nem menor garantia tem a divida interna, porque não tem nenhuma das garantias especiaes que pelo projecto são concedidas á divida externa.
É a primeira vez que o estado offerece a garantia excepcional da caução em primeiro grau, confessando assim que vae continuar no caminho das hypothecas sem ae preoccupar com o resultado final!
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Isto é affrontoso!
Que circumstancias externas, que infelicidades fortuitas, que graves erros de administração, nos obriguem, como aos obrigaram nos fins do seculo XVI, e nos principios do presente seculo, á subordinação ao estrangeiro, que nos quer vexar e humilhar, comprehende-se e justifica-se.
Mas offerecer a nação, por intermedio dos seus representantes, o pescoço ao cutello, isso nunca!
Que venha ao Tejo o estrangeiro arrancar-nos as nossas melhores receitas, como já nos arrancou o Charles et George, ou que vá e Kiongs arrear a bandeira portugueza, explica-se, porque contra a força não ha resistencia.
Mas entregar ao estrangeiro em penhor, e sem necessidade, os melhores reditos do orçamento, e, o que é mais, uma valiosa parcella da dignidade nacional, isso todos o poderão fazer, menos os representantes da nação portugueza! (Apoiados.)
Uma voz: - Deu a hora.
O Orador: - Como deu a hora peço a v. exa. que se digne reservar-me a palavra para a sessão seguinte
Vozes: - Muito