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SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Angusto CEsar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Tiveram segunda leitura uma nota do sr. visconde de Reguengos, renovando a iniciativa do projecto de lei n.º 87 de 1884; uma nota do sr. Sebastião Centeno, renovando a iniciativa do projecto de lei que apresentou em 14 de fevereiro de 1883; e um projecto de lei do sr. Correia Barata e outros srs. deputados, com referencia aos actuaes professores primarios da escola medico-cirurgica do Funchal. - Teve tambem segunda leitura, por se considerar urgente, um projecto apresentado pelo sr. Castro Mattoso, auctorisando a camara de Aveiro a desviar anualmente do fundo de viação municipal, a quantia precisa para pagamento dos juros e amortisação do emprestimo de 25:000$000 réis que contrahira. - Apresentaram projectos de lei, que ficaram para, segunda leitura, os srs. Teixeira de Sampaio e Germano de Sequeira. - Renovaram a iniciativa de projectos os srs. Veiga Beirão e Alfredo da Rocha Peixoto. - Dá-se conta de um officio do ministerio da fazenda, remettendo informações pedidas em requerimento do sr. Emygdio Navarro. - Apresenta o sr. Cypriano Jardim um officio da commissão executiva do districto de Evora, congratulando-se com o sr. ministro das obras publicas e com o parlamento, pela apresentação do projecto de lei, creando escolas praticas de agricultura n'aquelle districto. - Apresentaram requerimentos de interesse publico os srs. Consiglieri Pedroso, Vicente Pinheiro e Avellar Machado.- Justificaram faltas os Srs. Adolpho Pimentel, Joaquim António Neves e Pedro Correia.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa, usando da palavra o sr. ministro dos negócios estrangeiros e Eduardo José Coelho, que apresentou uma moção de ordem. - A discussão ficou pendente. - No fim da sessão, referindo-se a uma passagem do discurso do sr. Eduardo José Coelho, faz o sr. presidente do conselho a declaração formal, de que era destituída de fundamento a asserção do sr. deputado, certamente devida a falsas informações.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 57 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de Freitas, Anselmo Braamcamp, Silva Cardoso, Garcia Lobo, A. I. da Fonseca, A. J. D'Ávila, Lopes Navarro, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Almeida Pinheiro, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Ramalho, Conde de Thomar, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Corte Real, Martens Ferrão, Baima de Bastos, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Teixeira de Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Antonio Cândido, Pereira Corte Real, Pereira Borges, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, António Centeno, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro, Góes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Wanzeller, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, J. A. Valente, Scarnichia, João Arroyo, Sousa Machado. J. Alves Matheus, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Avellar Machado, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, José Luciano, Lopo Vaz, Reis Torgal, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bustos, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs. : - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Fuschini, Filippe de Carvalho, Frederico Arouca, Costa Pinto, J. A. Pinto, Melicio, Ferreira Braga, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Luiz de Lencastre, Correia de Oliveira, M. P. Guedes, Guimarães Camões, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz e Wenceslau de Lima.

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio da fazenda remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Emygdio Navarro, nota das operações effectuadas pelo banco nacional ultramarino com responsabilidade do governo sem desembolso do thesouro, nos últimos três annos.

Enviado á secretaria.

2.º Da commissão executiva da junta geral do districto de Evora,
congratulando-se com o sr. ministro das obras publicas e com o parlamento, pela apresentação da proposta do lei que cria as escolas praticas de agricultura n'aquelle districto, e agradecendo a mesma apresentação.

Foi auctorisada a publicação no Diario da camara, e enviado á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Quando se estudava a ultima organisação do nosso exercito, a camara municipal do concelho de Aveiro, interpretando as verdadeiros necessidades da sua terra, e as unanimes aspirações dos seus munícipes, solicitou do governo a collocação ali de um dos regimentos novamente creados, tomando o pesado e patriótico encargo da construcção do respectivo quartel. O governo, vendo que esse pedido se harmonisava com todas as indicações de uma boa distribuição territorial das forças militares pelo paiz, e tomando porventura tambem em consideração aquelle importante offerecimento, designou a cidade de Aveiro para aquartelameuto do novo regimento de cavallaria n.º 10, que mandou organisar provisoriamente em Vendas Novas, e que só por um esforço gigantesco d'aquella vereação se acha hoje aquartelado provisoriamente n'aquella cidade.

Urge, portanto, que a camara municipal se desempenhe

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do grave compromisso que tomou, a fim do seu concelho poder auferir desde já todas as vantagens dessa collocação e de se satisfazerem promptamente as exigências que a determinaram. E nisso vae tambem um relevante serviço que aquelle municipio presta ao estado, alliviando-o de uma importante verba de despeza que mais tarde ou mais cedo tinha de fazer.

Para fazer face às primeiras despezas de construcção do novo quartel, a camara acaba de contrahir com a companhia geral de credito predial portugueza um empréstimo do 25:000$000 réis com amortisação.

E como o encargo annual dos juros e amortisação d'esse emprestimo affectando exclusivamente a conta geral do município vae diminuir muito a dotação de todos os outros melhoramentos locaes e estorvar portanto a camara no exercicio de muitas e importantes attribuições legaes, torna-se indispensavel desviar do fundo especial de viação municipal a quantia necessária para seu pagamento.

Ora, succede estar quasi inteiramente concluida a rede das estradas municipaes do concelho de Aveiro, pois falta apenas concluir duas dessas estradas que já estuo em grande adiantamento e que já pouco custam. E é mais que sufficiente a verba que ainda fica destinada ao fundo especial da viação municipal para occorrer às despezas d'essa conclusão, às de conservação de todas as estradas já construidas, e às da repartição de engenheria districtal, pois que a importancia annual d'aquelle fundo é de 5:920$000 réis, o encargo annual d'aquelle emprestimo é sómente de 1:737$790 réis.

Por taes considerações tenho a honra de vos submetter o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal do concelho de Aveiro a desviar annualmente do fundo da viação municipal, a quantia precisa para o pagamento dos juros e amortisação do emprestimo de 20:000$000 réis que acaba de contrahir com a companhia geral do credito predial portuguez para a construcção do quartel de cavallaria n.º 10.

Art. 2.º Esta auctorisação durará só o tempo preciso para o total pagamento dos juros e amortisação d'aquelle emprestimo.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 27 de janeiro de 1880. = O deputado pelo circulo n.º 34, Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte Real = José Dias Ferreira.

Admittida a urgencia, foi enviado á commissão de obras publicas, ouvida a de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - Tendo a lei de 2 de setembro de 1869 suspendido a nomeação de professores effectivos, tanto para os lyceus como para a escola medico-cirurgica do Funchal, e tendo a lei de 14 de junho de 1880 occorrido tão sómente ao provimento definitivo dos professores de instrucção secundaria, e não sendo de equidade a desigualdade em que, desde então, se acham com os professores dos lyceus os d'aquella escola, propomos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Aos actuaes professores provisórios da escola medico-cirurgica do Funchal, nas condições do artigo 75.º da lei de 14 de junho de 1880, é extensiva a disposição d'esse artigo; e, para os effeitos da tabella n.º 1 da mesma lei, são equiparados os professores d'aquella escola aos dos lyceus centraes, e o ajudante demonstrador d'ella aos professores substitutos d'estes lyceus.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, 26 de janeiro de 1880.= Francisco Augusto Correia Barata = José de Azevedo Castello Branco = Fortunato Vieira das Neves = Luiz Ferreira de Figueiredo = Pedro Maria Gonçalves de Freitas.

Enviado á commissão de instrucção superior, ouvida a de fazenda.

Propostas para renovação de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 87, de 1884, que tem por fim auctorisar a camara municipal da villa de Arronches a desviar do fundo especial de viação a quantia de 400^000 réis para compra de candieiros para a illuminação publica da mesma villa.

Sala das sessões, 26 de janeiro de 1885. = O deputado pelo circulo n.º 87, Visconde de Reguengos.

Lida na mesa, foi admittida e enviada às commissões de obras publicas, ouvida a de administração publica.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Projecto de lei n.º 87

Senhores. - A vossa commissão de obras publicas examminou com a devida attenção o projecto de lei n.º 54-I. que tem por fim auctorisar a camara municipal do Arronches a despender a quantia de 400$000 réis do cofre de viação, a fim de estabelecer a illuminação a petroleo em tão importante villa.

Attendendo a que a viação municipal no concelho de Arronches se acha bastante adiantada, e que existe em cofre a quantia de 18:000$000 réis, muito mais que sufficiente para a conclusão da respectiva rede de estradas;

Attendendo á alta conveniencia publica que resulta de serem illuminadas as povoações de certa importância, quer sob o ponto de vista policial, quer sob o da segurança das pessoas e bens dos seus habitantes;

Attendendo, finalmente á insignificância da quantia pedida, em relação á verba existente em cofre:

A vossa commissão é de parecer que ha vantagem em ser convertido em lei o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal do concelho de Arronches a desviar do fundo especial de viação a quantia de 400$000 réis, para a compra de candieiros para a illuminação publica da mesma villa.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 5 de abril de 1884. = Caetano Pereira Sanches de Castro = José Gonçalves Pereira dos Santos = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello Ganhado = Augusto Fuschini = José Pimenta de Avellar Machado, relator.

Tem voto do sr. = Eugénio de Almeida.

N.º 54-I

Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal do concelho de Arronches a desviar do fundo especial de viação a quantia de 400$000 réis, para a compra do candieiros para a illuminação publica da mesma villa.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 29 do março de 1884.-O deputado por Portalegre, Fonseca Coutinho.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei por mina apresentado em sessão de 14 de fevereiro de 1883 e publicado a pag. 366 do Diario da camara, que tem por fim reduzir o tempo de serviço dos magistrados judiciaes do ultramar.

Sala das sessões, 26 de janeiro de 1885.= O deputado, Barbosa Centena.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - As difficuldades, que para a administração da justiça têem advindo da falta de juizes na relação dos Açores, e o incalculável prejuízo, que da demora no julgamento das causas ha de necessariamente resultar para os pleiteantes, motivou de certo a apresentação de dois projectos de lei, um dos quaes tendente a extinguir aquella relação, outro a regular as promoções dos magistrados judiciaes e a obrigal-os a servir n'ella durante um certo es-

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paço do tempo, findo o qual poderão ser transferidos para as relações de Lisboa ou do Porto.
Justificando verbalmente perante esta camara aquelles projectos, allegaram os seus illustrados auctores um facto, a que attribuem principalmente a falta de juizes nos Açores, a repugnancia da maior parte da membros da respeitavel classe da magistratura a saírem do reino e a sujeitarem-se aos incommodos, perigos e despezas da viagem; repugnância até corto ponto justificavel, attenta a exiguidade dos recursos que a lei confere aos magistrados, e que de modo algum correspondem á elevada missão que estes funccionarios têem a desempenhar na sociedade.

Seja, este ou outro o fundamento, é indubitavel que o mal existe, e que cumpre acudir-lhe com prompto e efficaz remedio.

Mas, se é certo que a magistratura da metropole nau se acha em condições de todo o ponto invejaveis, é-o igualmente que a mesma classe do ultramar não tem sido olhada pelos poderes publicos com toda a attenção, de que é digna, e que cumpre melhorar de algum modo a sua situação actual.

Vae n'isso, não tanto o interesse dos funccionarios, como o do serviço publico, pois que, crescendo as vantagens, maior será o numero de bacharéis, que concorram aos logares judiciaes do ultramar e mais fácil será ao governo a escolha de magistrados zelosos e illustrados, como cumpre que sejam todos os d'esta classe, mormente nas colonias.

Elevar os ordenados acima do que estabeleceu o decreto de 14 do novembro de 1878 será um acto de simples justiça, pois que, sendo os generos de primeira necessidade carissimos no ultramar, especialmente em África, mal chegam os vencimentos actuaes para garantir uma vida desafogada e sem privações e para fazer face aos encargos resultantes das enfermidades proprias d'aquclles climas.

Seria justo, repito, mas não o permittem as circumstancias do thesouro.

É preciso, pois, melhorar do outra forma a situação actual dos magistrados das colonias.

O decreto com força de lei de 1 do dezembro de 1866 dá no artigo 149.º aos juizes do ultramar, como já o fazia a legislação anterior, o direito de serem collocados na magistratura do reino, exigindo dois annos de serviço efectivo para a collocação na primeira instancia, e quinze annos para a collocação na segunda instancia.

É de todos sabido que nenhum europeu, por mais robusta que seja a sua constituição, póde viver no ultramar durante quinze ou mais annos, embora este espaço de tempo seja entrecortado com uma viagem á Europa, sem grande alteração na sua saúdo o sem adquirir enfermidades que lho amargurem o abreviem a existencia.

Seria, pois, da maior justiça reduzir o tempo de serviço dos magistrados das colonias.

É demasiado longo o periodo de quinze annos, que o decreto citado exige para a collocação na segunda instancia da metropole, sem que para este effeito seja ao menos levado em conta o tempo de serviço na magistratura do ministerio publico junta dos tribunaes de primeira instancia.

E não menos violenta a exigencia de seis annos de serviço na magistratura judicial de primeira instancia do ultramar para ter direito a collocação na 3.ª classe, porque aquelle numero de annos é preciso addicionar mais tres ou quatro, que tantos são precisos para que os delegados das colónias obtenham o despacho de juizes.

Em vez de seis annos, são, pois, rigorosamente nove ou dez os que a lei exige aos magistrados judiciaes do ultramar para a sua collocação na 3.ª classe, quando é certo que aos delegados do reino não é actualmente necessario tanto tempo para obterem a sua promoção a juizes, sendo assim aquelles obrigados a servir em peiores climas e por mais espaço de tempo para conseguirem as vantagens que os seus collegas da metrópole obtêem com menor sacrificio de tempo, e menos risco de saude e do vida.

N'estes termos, parece-mo fácil conciliar os interesses dos magistrados do alem mar com os da administração da justiça nos Açores e na Madeira, onde também, segundo ha dias affirmava nesta casa um digno representante d'aquella ilha, é frequente a falta do juizes, conciliação que me parece conseguir-se reduzindo o tempo de serviço dos magistrados das colónias e obrigando-os a servir nos Açores ou na Madeira, antes da sua collocação no continente.

Por estes fundamentos, tenho a honra do submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É reduzido a doze annos o tempo de serviço exigido pelo artigo 149.º do decreto com força de lei de 1 de dezembro de 1866 para a collocação dos magistrados judiciaes do ultramar na segunda instancia da metropole.

Art. 2.º Os magistrados, a que se refere a presente lei, terão a sua primeira collocação na relação judicial dos Açores, onde servirão effectivamente durante tres annos, findos os quaes serão transferidos para alguma das relações de Lisboa ou Porto, em que se der a primeira vacatura.

Art. 3.º E igualmente reduzido a quatro annos o tempo exigido pelo decreto citado, para a collocação dos referidos funccionarios na 3.ª classe da magistratura judicial, ficando todavia os mesmos funccionarios obrigados a servir effectivamente durante dois annos em alguma das comarcas da ilha da Madeira ou do archipelago dos Açores, antes da sua promoção á 2.ª classe.

Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 14 de fevereiro de 1883. = Barbosa Centeno, deputado por Tavira.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada, com a possivel brevidade, a esta camara, copia da correspondência trocada entre o governador civil do districto da Horta e o sr. ministro do reino, a proposito da
prohibição da exportação do milho da ilha do Fayal; e bem assim copia da correspondência trocada para o mesmo fim entre o referido governador civil e as corporações administrativas da ilha indicada. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.

2.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada, com a possivel brevidade, a esta camara, copia de quaesquer representações contra a prohibiçào da exportação do milho da ilha do Fayal, nos mezes do dezembro do anno findo e janeiro corrente. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.

3.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam enviados, com urgencia, os esclarecimentos que pedi relativamente a diferentes serviços da companhia real dos caminhos de ferro da norte e leste, nas sessões de 21, 22, 26 e 28 de março de 1884. = Avellar Machado deputado pelo circulo n.º 86.

4.º Requeiro que, pelo ministerio d'estado dos negocios do reino, seja enviada a esta camara copia da nota de quaesquer gratificações abonadas aos facultativos incumbidos da organisação dos lazaretos, assim como nota das despezas effectuadas por aquelle ministerio durante a organisação do cordão sanitario. = O deputado por Braga, Vicente Pinheiro.

Mandaram-se expedir

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. Exa. e á camara que o meu amigo o deputado Adolpho Pimentel, tem faltado, e continuará a

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faltar a algumas sessões, por motivo justificado. = José Novaes.

2.ª O sr. deputado Joaquim Antonio Neves encarrega-me de participar á camara que por motivo justificado faltou e continuará a faltar a algumas sessões. = Luiz de Bivar.

3.ª Declaro que o meu illustre amigo e collega, o sr. deputado Pedro Correia, tem faltado a algumas sessões, e continuará talvez faltando, por estar doente. = Ferreira de Mesquita.

Para a acta.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Joaquim Lopes, musico de 1.ª classe, pedindo melhoria de reforma.

Apresentado pelo sr. deputado Simões Dias e enviado á commissão de guerra., ouvida a de fazenda.

O sr. Teixeira de Sampaio: - Fedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte projecto de lei.

(Leu.)

No pequeno relatorio que precede este projecto de lei, e n'uma representação que ácerca do mesmo assumpto recebi da camara municipal de Alijó, estão exarados os motivos em que assenta este projecto de lei.

Se quando o projecto se discutir se levantarem algumas duvidas sobre elle, eu farei então as considerações que julgar convenientes.

O projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Cypriano Jardim: - Pedi a palavra para dar conta á camara de um officio por mim recebido da commissão executiva da junta geral do disíricto de Évora, no qual essa commissão se congratula com o sr. ministro das obras publicas e com o parlamento, pela apresentação nesta casa de um projecto de lei que cria as escolas praticas do agricultura n'aquelle districto.

As ultimas palavras do officio que se dirige á camara são as seguintes.

(Leu.)

Visto que este officio não póde ser publicado no Diario do governo, estou bem convencido que a camara dos senhores deputados não deixará de consentir que seja publicado no Diario da camara, para mostrar que a camara agradece áquella junta geral a gratidão que mostrou uma província das mais importantes de Portugal á nobre e levantada iniciativa do sr. ministro das obras publicas, commercio e industria.

Approvou-se que fosse publicada no Diario da camara.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Mando para a mesa differentes requerimentos.

(Leu.)

O sr. Ferreira de Almeida: - -Nos assumptos a que me quero referir, necessito da presença do sr. ministro da marinha, e como s. exa. não se acha presente por
emquanto, pedia a v. exa. me reservasse o uso da palavra para quando v. exa. comparecer.

Entretanto permitta-me a camara que de algumas explicações sobre o ultimo discurso de s. exa. o sr. ministro da marinha, quando, replicando às explicações que pedi ao governo, me lançou o repto do que formulasse as interpellações precisas sobre os diversos assumptos que eu tivesse a tratar!

Devo declarar á camara, que não pedi esclarecimentos pelo ministerio da marinha para fazer collecção, como se fazem de estampilhas, ou de outras quaesquer cousas: pedi-os para me basear melhor sobre quacsquer explicações que tivesse de pedir, ou para esclarecer quaesquer duvidas que possam suscitar-se na apreciação dos actos de administração publica a que elles se refiram.

Devo dizer tambem que não pedi urgencia alguma n'esses esclarecimentos ou documentos, porque entendo que urgente é tudo, nas condições em que nos achámos, porque é limitado o tempo de que podemos dispor para estas discussões, e porque o governo deve ser o primeiro interessado no bom andamento da administração publica, cuja apreciação os documentos pedidos vem esclarecer.

O sr. Mattoso: - Peço a palavra para mandar para a mesa o seguinte projecto de lei.

(Leu.)

Peço que seja considerado urgente.
A camara municipal de Aveiro, com actividade pouco vulgar n'este paiz, mandou preparar o quartel provisório para o novo regimento de cavallaria n.º 10, que foi para aquella cidade. E urgente que se façam as obras necessárias n'aquelle quartel provisório e é por isso que eu peço á camara a urgencia deste projecto de lei.

A camara approvou a urgencia.

O sr. Vicente Pinheiro: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Aproveito esta occasião para pedir a v. exa. o obséquio de me informar se já veiu resposta a um requerimento que fiz pedindo uns esclarecimentos pelo ministerio da marinha em dezembro passado.

O sr. Primeiro Secretario (Monta e Vasconcellos):- O officio pedindo estes esclarecimentos foi expedido em 29 de dezembro, mas ainda não veiu resposta.

O Orador: - Sinto profundamente que estes esclarecimentos ainda não tenham vindo, porque elles existem no ministerio da marinha, como já tive occasião de dizer á camara.

Eu precisava d'estes documentos porque tenho que dirigir ao sr. ministro da marinha uma nota de interpellação com referencia a casos graves que tiveram logar na provincia de Angola e dos quaes tive conhecimento por informações particulares que reputo fidedignas.

O sr. Francisco Beirão: - Mando para a mesa uma nota renovando a iniciativa de um projecto de lei, que tive a honra de apresentar á camara em 1080, tendente a constituir-se em Portugal a ordem dos advogados.

Esse projecto foi, por deliberação unanime da camara de então, publicado no Diario do governo, teve parecer da commissão de legislação civil desse tempo, e, se não foi approvado, foi porque a pouco trecho se seguiu a dissolução.

Em seguida mereceu elle a honra de ser referido em um dos jornaes estrangeiros mais importantes, a Revista dos dois mundos, e posteriormente o meu illustre amigo o sr. deputado Frederico Arouca renovou a minha iniciativa.

Posso dizer tudo isto em abono de tal projecto, sem quebra de modestia da
minha parte, pois que, apesar de ter sido eu que apresentei o projecto, íil-o por honrosa commissão da associação dos advogados de Lisboa, em cujo seio foi elaborado por uma commissão composta dos illustres socios Paulo Midosi, Pinto Coelho e pelo nosso actual collega Moraes de Carvalho.

Estas considerações bastavam, ao que me parece, para que a illustre commissão a que v. exa. remetter esta proposta a tome na devida conta.

Devo, porém, declarar nesta occasião, como o fiz ao apresentar pela primeira vez essa proposta, que a associação não reclama privilégios para a classe ou monopólios para a proposta, mas unicamente procura a união intima entre todos os advogados, a fim de se manter o decoro profissional, de se firmar a independencia do povo, de se alliar a liberdade e a responsabilidade, de modo que só possam tornar effectivos, em toda a sua amplitude, os sagrados direitos da defeza.

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Como estou com a palavra desejava fazer uma, pergunta ao governo sobre assumpto que, apesar de ser especialmente da competência do sr. ministro da fazenda, poderá talvez ser respondido pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros que vejo premente.

Sabe v. exa. que a camara, na ultima legislatura, approvou uma das leis mais liberaes que têem sido publicadas em Portugal.

Refiro me á reforma eleitoral.

Por esta reforma passaram para o poder judicial tanto os processos relativos ao recrutamento militar, como os referentes às execuções fiscaes.

Os processos relativos ao recrutamento militar passaram a ser da competencia do poder judicial, e, com quanto entenda que da parte do governo se devem tomar algumas providencias para regular a forma porque taça processos têem de correr, pois que v. exa. melhor do que eu sabe as duvidas que a respeito d'elles se têem levantado, comtudo emquanto a esta parte n'este momento nada mais direi.

As execuções fiscaes passaram igualmente para o poder judicial por disposição d'aquella lei.

Ao governo, porém, ficou commettido fazer o regulamento necessario para se por em pratica tal disposição; e a completa execução da lei ficou dependente da publicação d'esse regulamento. E digo completa, por isso que em todas as outras partes a lei tem execução immediata, e, sendo este o meu parecer, devo dizer que não concordo com a opinião que um illustre deputado aqui emittiu n'outro dia, quando disse que na parte em que a lei estabelece um tribunal especial de verificação de poderes para processos eleitoraes ficou tambem dependente de regulamento especial.

A lei incumbiu a organização d'esse regulamento ao próprio tribunal, portanto é necessario que se constitua primeiro o tribunal para este, depois, organizar o regulamento. Isto, porem, é apenas um incidente, a que julguei dever referir-me.

Emquanto as execuções administrativas, é certo que desde maio até hoje ainda não se publicou regulamento algum por virtude do qual ellas podessem passar para o poder judicial. Se ha conveniencia - e ou creio que ha - na reforma introduzida pela lei eleitoral, urge que o governo não a inutilise com a sua inacção. Alem d'isso, outra consideração ha, que, embora secundaria, se me affigura de certa importancia, para mostrar a necessidade de se elaborar o regulamento, para que quanto antes as execuções fiscaes passem para o poder judicial.

V. exa. sabe que as reclamações sobre o recrutamento militar são processadas gratuitamente e sabe melhor do que eu, como os membros do poder judicial se acham sobrecarregados com serviço e quão mesquinhamente são retribuídos.

Ora nas execuções fiscaes ha emolumentos que podem concorrer para augmentar, sem prejuizo do thesouro, os vencimentos d'aquelles magistrados.

Creio que estas considerações têem importancia, o que por isso o governo deve quanto antes tratar de publicar o regulamento necessario para que as execuções fiscaes passem para o poder judicial.

Não comprehendo a rasão da demora, porque, só o único motivo que se póde allegar é a dificuldade de organisar o processo especial a elle respectivo, já está feito e approvado por uma commissão d'esta camara um projecto, em que a par dos interesses do erário se estabeleceram os direitos da contribuintes.

Creio que em uma simples questão de forma de processo não póde haver questões políticas e muito menos partidárias, e por isso embora esse projecto tivesse sido apresentado a esta camara pelo governo progressista e chegasse a ter parecer da commissão de fazenda em 1881 não vejo dificuldade em, pelo menos, se adoptar para base de qualquer regulamento este trabalho, e fazendo-se isto

o governo pode em poucos dias ter publicado tal regulamento.

Desejava fazer esta pergunta ao sr. ministro da fazenda, mas como s. Exa. não está presente, peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que neste momento me escuta, que, se estiver habilitado, forneça qualquer informação a cate respeito, ou que pelo menos dê á camara a segurança de que dentro em pouco se ha de satisfazer a esta verdadeira necessidade publica.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage):- Não estou habilitado desde já a satisfazer a curiosidade do illustre deputado o sr. Beirão.

Não sei em que estado está o regulamento fiscal, mas estou persuadido de que o meu collega não terá descurado esse negocio, e por isso só posso prometter a s. Exa. que lhe darei conta dos desejos do illustre deputado, e estou certo de que elle responderá de maneira a satisfazer s. exa.

O sr. Francisco Beirão: - Agradeço ao illustre ministro dos negócios estrangeiros as explicações que acaba de dar-me, e sinto que as tivesse attribuido a um sentimento de curiosidade da minha parte; não é esse o meu defeito.

Quando fallo dos negócios públicos não é por curiosidade, e portanto não quero ficar com a pecha de curioso perante a camara.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Pedi a palavra para responder ao illustre deputado o sr. Barros Gomes, na parte do seu discurso em que s. exa. procurou justificar a moção de ordem que apresentou com relação á questão do Zaire.

Sinto muito não ver presente o illustre deputado a que me refiro, no entretanto espero que s. exa. compareça durante as breves explicações que vou dar, compendiando as rasões porque não posso concordar com as asserções por s. exa. apresentadas na sessão de hontem.

Foi com bastante surpreza, que vi o illustre deputado o sr. Barros Gomes apresentar uma moção de ordem relativa á questão do Zaire, moção em que s. exa. "lamenta, que no decurso das negociações que precederam o tratado do Zaire de 26 de fevereiro de 1684, o governo não se mostrasse inspirado por um conhecimento exacto da situação politica geral da Europa, e faz votos para que de tal facto não resultem acontecimento: que importem ameaça para os nossos direitos seculares, e offensa á dignidade nacional; e digo que o vi com surpreza, porque esperava que esta questão importante, que tanto se relaciona com os interesses e com o decoro nacional, não seria trazida incidentemente á discussão nesta camara, mas que seria amplamente avaliada, á vista, dos documentos completos, que o governo se não furtaria, á obrigação de apresentar, quando este assumpto estivesse completamente terminado, isto é, quando a conferencia, de Berlim houvesse ultimado os seus trabalhos; (Apoiados.) e rasões tinha para esperar que essa, seria a, resolução unanimo desta camara, visto que no discurso que nesta casa pronunciou o illustre chefe do partido progressista, eu julguei encontrar uma affirmação comprovativa d'esta minha esperança.

Dizia s. exa.

(Leu.)

Por consequencia, n'estas palavras via eu, pelo menos, consignado o principio, de que seria grave imprudência tratar da questão do Zaire por incidente, antes que estivessem ultimados os trabalhos da conferencia e o governo habilitado a apresentar n'esta, camara todos os documentos que podessem mostrar aos illustres membros d'ella qual fora o procedimento do governo, e habilitar os a formar

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ácerca d'este procedimento um juiz completo e exacto. (Apoiados)

Não succedeu porém assim. O illustre deputado o sr. Barros Gomes entendeu, sem duvida no pleno uso do seu direito, que podia antecipar-se a esse momento, que no meu conceito era o único opportuno, e trouxe desde já á camara, não toda, mas uma parte da questão do Zaire, a parte que se refere á negociação do tratado findo com a Inglaterra, parte todavia, que pela maneira porque s. exa. tratou este assumpto, foi acrescentada de varias considerações e addicionada de divagações, que embora revelem em s. exa. uma grande erudição diplomática, com o grave inconveniente de trazerem á discussão assumptos de que, n'este momento, não posso, não devo occupar-me.

Reconheceu s. exa. que a posição de deputado é diversa da posição de ministro quando se trata de assumptos internacionaes.

Reconheceu, nem podia deixar de reconhecer que a posição de deputado é mais livre nas suas apreciações, a de ministro sujeita às reservas diplomaticas. Daqui concluo que o illustre deputado não estranhará que eu não possa acompanhal-o em todo o desenvolvimento que elle quiz dar às suas apreciações.

Por deferencia, pois, para com s. exa. e para com a camara farei uma breve analyse, cingindo-me aos pontos mais essenciaes, do que s. exa. disse com respeito a um tratado findo, ao tratado de 20 de fevereiro, referindo-me ao que eu entendo que não pode prejudicar as relações internacionaes do nosso paiz.

O que é, porém, estranho á negociação do tratado de 26 de fevereiro, ficará para ser devidamente apreciado quando o governo poder apresentar á camara os documentos que servem de justificação e de elucidação ao seu procedimento, a fim de que a camara e o paiz o possa devidamente avaliar.

Considerou o illustre deputado, o sr. Barros Gomes, errada a apreciação que o governo fazia da situação, da Europa, ao encetar a negociação do tratado.

Parece, que desde o primeiro momento que se iniciaram as negociações, o illustre deputado considera errada a marcha adoptada pelo governo; mas está bem longe de o haver justificado.

Começa o illustre deputado por commetter uma notavel omissão, tomando por ponte de partida estas negociações, e deixando no escuro os antecedentes que as determinaram.

É preciso partir de mais longe; é preciso que se attenda á situação em que estava o nosso paiz para com a Inglaterra, em relação aos nossos territorios do Zaire; ahi está a explicação, a justificação do tratado.

O illustre deputado, assim como todos os membros d'esta camara, sabem quaes foram os motivos que determinaram o governo a encetar as negociações, e que são a mais cabal justificação do seu procedimento.

O governo tinha a peito por termo a uma situação que durava ha muito, e importava uma grave injustiça.

É esta a origem do tratado, a que o illustre deputado não parece ter dado o devido valor.

Todos sabem que os direitos de Portugal ao baixo Zaire nos territórios comprehendidos entre 8º 5'12" de latitude, andam contestados proximamente ha quarenta annos pela Inglaterra; e têem sido contestados de uma maneira decisiva e violenta, com expressa intimação a Portugal de não praticar acto de soberania n'aquelle territorio, sob pena de encontrar opposição armada da parte da Inglaterra.

Este foi o acto inicial, praticado ha quarenta annos.

Protestou então contra elle o governo portuguez, não ha duvida.

Contra tamanha injustiça reclamou energicamente um dos nossos representantes na curte da Gran-Bretanha, um dos nossos diplomatas mais distinctos, que não podemos esquecer, e devemos collocar com justiça pelos seus dotes de intelligencia e de acrysolado patriotismo ao lado de outro que citou com justo louvor o illustre deputado, o sr. Barros Gomes.

Refiro-me ao conde de Lavradio.

O sr. Barros Gomes: - Apoiado.

O Orador: - O conde de Lavradio reclamou energicamente contra essa injustiça, contra essa violência, sustentaram essas reclamações, no decurso dos tempos todos os governos: mas sustentaram-n'as apenas com o seu protesto, sem todavia quebrar as relações com o governo da Gran Bretanha, sem se apartarem da antiga alliança com aquela nação, que importantes interesses nacionaes nos aconselhavam a manter e sem que em tempo algum se pensasse em recorrer da Inglaterra para as outras potências, appellando para uma conferencia internacional ou para a decisão de um tribunal arbitral.

Na interpretação forçada e expressa dos direitos reservados, como se essa interpretação podesse significar direitos não admittidos em antigos tratados, fundara a Inglaterra a sua recusa a que nós occupassemos territórios que por direitos antigos e incontestáveis nos pertenciam; e a despeito d'essa injustiça conservou Portugal, e conservou bem, as suas relações com um paiz amigo.

Esta situação, repito, prolongou-se por um largo período durante o qual estiveram no poder differentes ministérios, occupando a pasta dos negócios estrangeiros homens eminentes, distinctos pela sua intelligencia e caracter e de um incontestável patriotismo.

Bastar-me ha citar o marquez de Sá e o duque de Loulé, duque d'Avilla e de Bolama, o sr. João de Andrade Corvo, e ainda citarei o nobre chefe do partido progressista o sr. Anselmo Braamcamp.

Todos esses distinctos estadistas como ministros dos negócios estrangeiros, ou de qualquer das outras pastas, sustentaram apenas o protesto contra a injustiça que nos era feita; mas nenhum pensou em solicitar uma conferencia, nem em sujeitar esta questão a uma arbitragem.

Todavia, creio tinha precedente:

De um lado estava Portugal que apresentava títulos incontestáveis em defeza dos seus direitos.

Do outro lado uma nação amiga e poderosa, que não discutia verdadeiramente a authenticidade dos direitos, mas se oppunha pela forca ao exercicio d'aquelles direitos.

Não procedia assim porque tivesse melhores direitos, ou porque os quizesse reconhecer a outrem; allegava outras razões que todos conhecem.

Durante esse largo período nenhuma outra nação procurou occupar aquelles territórios que ficaram jacentes.

Respeitaram todos os direitos do Portugal, mas não póde exercer-se ali de facto a nossa soberania.

Se em taes circumstancias nunca se appellou nem para uma arbitragem, nem para uma conferencia, é porque peza no animo dos nossos estadistas a consideração dos inconvenientes que resultariam de uma resistencia mais energica á nossa antiga alhada.

N'isto foram sempre conformes os governos, qualquer que fosse a sua procedência politica.

Achavamo-nos, pois, numa situação desagradavel com a Gran-Bretanha, situação de que outros governos haviam de balde procurado libertar-nos, mas de que todo o governo patriótico deveria empregar constantes esforços para fazer sair o nosso paiz, quando em fins do anno de 1882 o ministerio, de que eu agora tenho a honra de fazer parte, procurou pôr-lhe termo, e desta vez com mais feliz exito.

Começaram as negociações com a Inglaterra e com ella só; nem de outro modo se podia proceder.

A quem, senão á Inglaterra nos havíamos do dirigir, se ella era a única nação que nos impedia a occupação dos territórios do baixo Zaire?

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Encontrámos no governo britannico boas disposições, com a reserva apenas de concessões, que attendessem á necessidade de dar garantias ao commercio que durante o largo periodo em que tinhamos estado privados da occupação n'aquelles territorios, havia ali alcançado um rapido e notavel desenvolvimento, tanto o commercio nacional, que infelizmente, no movimento geral representa uma parte menos importante, e cujo desenvolvimento na ausencia da nossa occupação, lhe grangeava uns certos direitos a ser contemplado.

As negociações comaçaram por fórma que promettiam um exito prompto e favoravel.

Muito bem notou na sessão antecedente o illustre deputado o sr. Barros Gomes, que havia a distinguir n'estas negociações dois periodos.

Effectivamente assim é.

Há um primeiro periodo, decorrido desde o começo das negociações até aproximadamente ao principio de março; e esse periodo assignala-se por disposições bastantemente benevolas da parte do governo britanico, que fariam esperar um accordo vantajoso, que nos não sujeitasse por qualquer fórma onerosa.

Mas occorreram depois circumstancias, imprevistas, que o illustre deputado sr. Barros Gomes, ou omittiu ou pelo menos não accentuou tanto com mereciam, mas occorreram circumtancias imprevistas que forçaram o governo inglez a exigir, em cpmpensação do exercicio das nossa soberania no Zaire, condições mais severas, destinadas a tranquilisar os receios do seu commercio e a satisfazer outras exigencias e aspirações nacionaes.

O exercicio incondicional da nossa soberania era de certo o que mais podia satisfazer a um tempo aos interesses do paiz e ao decoro nacional.

Isso é incontestavel.

Mas adquirir livre e absoluta essa soberania ao cabo de uma lucta tão prolongada, de quarenta annos, em presença das resistencias energicamente manifestadas pela opinião na Gran-Bretanha, era um sonho que não podia ser realisado.

Tratava-se portanto de obter condições que nos não impossiblitassem de exercermos a nossa soberania, de modo que podessemos fundar ali uma administração em boas condições e nos permittisse pela reunião effectiva dos territorios do Zaire ás nossas possessões de Angola, assegura o prospero desenvolvimento de uma das nossas mais ricas provincias ultramarinas.

Foi então que se formularam de uma maneira mais clara e positiva as condições a que o governo britanico julgava dever subordinar o seu conhecimento dos direitos de Portugal, e a implantação da nossa soberania no Zaire.

Estas condições, se aproveitavam consideravelmente ao commercio inglez, tornavam-se também extensivas ao commercio das outras nações.

Ao apresental-as affirmava lord Granville, ministro dos negocios estrangeiros da Gran-Bertanha, que poderia acceitar condições muito favoraveis, porque tivera de tomar em considerações muito favoraveis, porque tivera de tomar em consideração não só os intersses britanicos, mas os interesses do comercio em geral, para que todas as nações as podessem acceitar, porque estava persuadido de que um tratado que se fizesse com a Inglaterra, no qual apenas se tornasse extensivo ao commercio universal, essse tratado poderia encontrar a opposição dos outros governos, o que não succederia n'este caso.

Não será um mero accordo entre os dois paizes, dizia o illustre ministro, porque é obvio que não poderia haver vantagem em concluir um tratado que não fosse acceito por outras potencias, cuja acceitação lhe seria indispensavel antes de entrar em vigor.

Esta declaração de lord Granville determinou uma resposta dada pelo meu illustre antecessor n'este ministerio, o sr. Serpa, resposta que tem sido mal interpretada e que tinha uma base perfeitamente segura.

Era justo, sem duvida, que o commercio de todas as nações fosse favorecido por igual; e era-o porque, gosando do tratamento da nação mais favorecida tinham de compatilhar as vantagens concedidas ao commercio da Gran-Bretanha mas o reconhecimento dos nossos direitos, que a Inglaterra tornava dependente d'essas concessões, é que o sr. Serpa impugnava que fosse ncessario adquirir pela mesma fórma de outras nações, por isso que de todas aquellas que já tinham importantes interesses no Zaire, ou se podia presumir que viessem a tel-os, se devia esperar o reconhecimento da nossa soberania, visto que todos tacticamente pareciam tel-o já reconhecido e alguns por acto expresso e de intestavel valor, por tratados antigos ou por declarações explicitas.

Não faltavam, pois áquelle illustre ministro boas rasões com que justificasse a esperança que tinha no gral reconhecimento dos nossos direitos. E como mais tarde se consignassem effectivamente no tratado as estipulações que lord Granville pareciam necessarias para alcançar o assentimento das outras potencias, é claro que ficou subsistindo a favor do mesmo tratado o compromisso da Inglaterra em promover a sua geral acceitação. É de esperar comtudo, dizia lord. Granville ao sr. Dantas em 1 de junho de 1883, que o assentimento de todas as potencias civilisadas será dado ás disposições de uma convenção como aquella de que se trata.
O illustre deputado, conhece de certo muito bem as rasões que determinam o governo inglez a tornar-se mais exigente no segundo periodo das negociações.

N´essa epocha por circumstancias que escuso referir, a situação interna do governo inglez tornára-se difficil.

O gabinete britanico precisava do apoio do paiz e do parlamento para poder fazer vingar o tratado, que deve depois a data de 26 de fevereiro.

A opinião do parlamento annunciou-se pouco disposta a admittir um tratado onde se não consignavam estipulações muito favoraveis ao commercio britanico , que ali tinha representantes intransigentes.

No parlamento e fóra d'elle, em todo o paiz, os adversarios do tatado promoviam uma activa cruzada por meio de meetings, de reuniões, de manifestações commerciaes da Gran- Bretanha, que acudiam em defeza da liberdade ampla de comercio favoravel ao monopolio das emprezas poderosas.

Nós, que temos a fortuna de ser um paiz livre e parlamentar temos obrigação de comprehender as difficuldades em que muitas vezes se encontram os governos das grandes nações, que tambem são livres e parlamentares, para deixar de attender ás manifestações da opinião publica e do parlamento. (Apoiados.)

As difficuladades politicas que retardaram as negociações do tratado de 26de fevereiro, as rasões que impozeram ao gabinete britannico e ao governo portuguez a necessidade de introduzir no tratado clausulas mais severas para nosso paiz não foram o resultado de capricho do governo inglez, porém algumas vezes impostas pela necessidade.

Aqui vem considerar se as condições resultantes das clausulas que nos impunham para a acceitação do tratado por parte da Gran-Bertanha eram de tal ordem que o governo portuguez as pdesse acceitar, ou pelo contrario attendendo ao bem do paiz, e para prevenir males maiores, para pôr termo á situção humilhante supportada por quasi meio seculo, se não conviria ao governo sujeitar-se a ellas, visto que as restricções que era obrigado a admittir ao exercicio livre da sua soberania o não tolhiam de estabelecer no Zaire uma administração regular e independente que assegurasse áquella porção do nosso territorio uma rapida prosperidade sob o nosso dominio.

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Não considerou o illustre deputado, um factor importante, causa principal, promotor sagaz e incansável das difficuldades que o governo encontrou nas suas negociações com a Inglaterra.

Refiro-me ao principal promotor da activa propaganda que por todos os modos buscou contrariar os direitos e os interesses de Portugal, e a camara terá de certo comprehendido que me refiro á associação internacional, á qual o illustre deputado, o sr. Barros Gomes, apenas alludiu quando notou que em favor d'ella a Europa estava praticando uma completa subversão dos principios mais elementares de direito internacional.

E conhecida a historia d'esta associação; não a farei agora aqui.

Sabe-se com que perseverança e astúcia ella procurava invadir o nosso território do baixo Congo, apparentando querer servir unicamente os interesses da civilisação e da sciencia, fundando para isso estações que convertia depois em feitorias commerciaes e procurando pela violencia e pela fraude alcançar dos chefes dos indigenas, titulos falsos de uma falsa soberania.

A este vasto plano de usurpação dos nossos dominios pela associação internacional, plano executado nas trevas e de facil execução, graças á impossibilidade em que nos achávamos de realisar a occupação d'aquelles territórios, a este attentado veiu precisamente pôr impedimento o tratado de 26 de fevereiro.

Dahi a guerra intransigente que a associação internacional lhe promoveu.

As dificuldades que se manifestaram em Inglaterra, contra o tratado, promovidas ostensivamente pelo commercio inglez, eram em grande parte devidas, provam-o documentos de valor incontestavel, aos manejos empregados pela associação internacional, que se apresentava como senhora de territórios, adquiridos por contratos fraudulentos, onde fizera estipular, abusando da ignorancia dos chefes indigenas, cessão de soberania e concessão de monopólios e privilegios que punham bem a descoberto as suas intenções de conquista e de exclusivismo commercial.

Desde que foram conhecidas as diligencias empregadas pelo governo portuguez para realisar com a Inglaterra um tratado que lhe assegurasse a faculdade de ir tomar posse immediatamente do Zaire, desde esse momento redobrou de esforços a associação para nos difficultar a obtenção d'esse direito.

É fácil de comprehender que assim devia succeder.

Se, portanto, o governo de Portugal em principios de 1884, dando mais valor às suas susceptibilidades do que á consideração do muito que importava aos nossos grandes interesses coloniaes, e ao nosso decoro nacional a posse do Zaire, não acceitasse o tratado com a Gran-Bretanha, dahi resultaria, alem de uma inevitável modificação nas relações com a nossa alhada, ficarmos nós, como ate ali, inhibidos de exercer a nossa soberania. Subsistiu, pois, em condições ainda mais desfavoraveis para nós, a situação violenta e menos decorosa do que nenhum governo d'este paiz conseguiu libertar-nos durante quasi meio seculo.

Para quem appellar então? Para as outras potencias? Para uma arbitragem ou para uma conferencia que nenhum governo, nenhum dos nossos mais eminentes homens de estado admittira nunca como solução conveniente para esta antiga pendencia?

O abandono do tratado n'aquelle momento seria para nós a perda immediata e irremediável da nossa soberania; quando indagassemos em que mãos se achavam os nossos territórios do Zaire, vel-os-iamos em mãos de uma associação particular que está prestes a ser reconhecida como potencia soberana.

Este perigo que se apresentava de dia para dia mais imminente e mais fácil de realisar, pela cumplicidade dos poderosos, sómente podia ser conjurado acceitando-se sem demora o tratado com a Inglaterra.

Desde então, unidos com ella, deviamos esperar que nos seria fácil repellir as machinações de uma associação que procurava, contra os principios mais elementares do direito internacional, constituir-se numa potência soberana!

N'aquella epocha a situação de Portugal, apresentando-se só, roto o tratado com a Inglaterra, a reclamar em frente das potências a posse incondicional do seu território, posse incondicional em que nenhuma potência tinha interesse em consentir, essa situação, digo, era muito diversa da que se dava existindo um tratado, que, sem nos impossibilitar de exercermos a soberania como uma mui ténue limitação do nosso direito, nos assegurava ao mesmo tempo a protecção de uma potência amiga, forte e poderosa e com a qual esperávamos conseguiriamos facilmente a acceitação do tratado por parte das outras nações.

N'aquella occasião não te podia prever que tal não succedesse.

Quando o tratado foi approvado pelo governo portuguez, quando se notificou ao governo da Gran-Bretanha que o governo português acceitára o tratado, não havia rasão alguma para receiar que por parte das potencias estrangeiras se apresentassem obstaculos á acceitação do tratado; e, antes pelo contrario, havia todos os indícios de que o tratado, no qual as duas potencias eram solidarias, seria, pela acção que exercia então a Gran-Bretanha no conceito das potências europeas, facilmente occulto para todos.

Quando muito poderiam alguns espíritos mais reservados em suas esperanças, poderiam ainda recusar que, para satisfação dos interesses os de quaesquer susceptibilidades fosse ainda necessario fazer numa ou n'outra estipulação do tratado alguma ténue alteração, cuja annullação não importaria por forma alguma quebra de dignidade para qualquer dos dois paizes. Ninguém podia então, prever a mudança que se operou na situação política geral da Europa, n'em essa previsão, que ninguém tinha podia auctorisar a politica de aventuras que o illustre deputado parece inculcar, sem comtudo a apresentar e defender em termos precisos e claros.

Estes são os factos.

Portugal fez o tratado com a Inglaterra, porque esta nação era a única que deliberada e ostensivamente pozera obstaculos á nossa occupação do Zaire.

As outras potências ou só declararam desinteressados na questão, ou com o seu silencio e com a sua abstenção, e até muita; por tratados antigos, por actos successivos e por documentos que em boa rasão se poderão considerar como equivalendo ao reconhecimento da nossa soberania, pareciam ter reconhecido o nosso direito.

Com relação a todas as potências, com exclusão da Gran-Bretanha, presumia-se que a nossa occupação não encontraria difficuldades, ou que, pelo menos, o nosso direito não soffreria contestações; só por parte da Inglaterra é que appareciam essas contestações mantidas durante quarenta annos. Essas contestações desappareciam, porém, diante das causas do tratado.

Pelo facto de havermos pelo tratado feito á Inglaterra todas as concessões sufficientes para assegurar o commercio inglez e o commercio de todas as nações, tínhamos toda a rasão de esperar, no momento de assignarem o tratado, que elle não encontraria opposição alguma.

Os documentos já publicados, que se refferem exclusivamente às negociações do tratado de 23 de fevereiro, confirmam as minhas asserções e justificam plenamente o procedimento do governo.

Os actos posteriores constituem o objecto de negociações pendentes, pois que não estão ainda concluidos os trabalhos da conferencia de Berlin. Tenho a convicção profunda de que o governo tem procurado, por todos os meios ao seu alcance, resalvar os interesses do estado, e que a camara dará completa satisfação ao governo logo que tenha conhecimento de todos os documentos concernentes ao assumpto.

Quando esses documentos forem apresentados poderá

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então a camara averiguar se o governo não procedeu sempre do modo mais conveniente, em presença das circumstancias que se foram successivamente offerecendo, para salvaguardar os legítimos interesses e sobretudo a honra do paiz.

Não devo alargar-me em mais considerações sobre este assumpto, porque não posso, repito, occupar me de negociações pendentes.

Também reservo para outra occasião a resposta a outros pontos do discurso do illustre deputado, em que espero destruir algumas inexactas apreciações de s. exa.

Antes de concluir desejo agradecer ao sr. Barros Gomes a referencia que s. exa. fez às antigas relações de amisade das nossas famílias, e as palavras benévolas com que citou o nome de uma pessoa a quem me ligam laços de intimo parentesco e que é uma das mais venerandas reliquias das nossas grandes luctas pela liberdade.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta que hontem o sr. Barros Gomes mandou para a mesa, e que ainda não foi lida.

É a seguinte:

Proposta

A camara, lamentando que no decurso das negociações que precederam o tratado de 26 de fevereiro de 1884, o governo se não mostrasse inspirado por um conhecimento exacto da situação política geral da Europa, faz votos para que de tal facto não resultem acontecimentos que importem ameaça para os nossos direitos seculares e offensa á dignidade nacional. = Barros Gomes.

Foi admittida.

O sr. Eduardo José Coelho (sobre a ordem): - Cumprindo com as prescripções do regimento, começo por ler a minha moção de ordem.

(Leu.)

Primeiro que eu entre no assumpto, comprehende v. exa., e comprehende a camara, que devo explicar os motivos que me obrigam a usar da palavra nesta altura do debate.

V. exa. e a camara sabem que numa das ultimas sessões, e num incidente parlamentar mais ou menos agitado, muitos deputados da maioria pediram a palavra. N'essa occasião fui eu tambem levado na corrente, e pedi a v. exa. a bondade de me inscrever sobre a ordem.

Sabe v. exa. tambem que, mais tarde, saíram deste lado da camara pedidos feitos muito respeitosamente a v. exa. para ver se era possível alterar-se a inscripção, e v. exa., em observância do regimento, não póde satisfazer esses pedidos.

Apparecendo, pois, nesta altura do debate, faltaria ao meu dever se não desse á camara estas explicações, pois não me abalançaria a entrar em questão de tal magnitude, se não fora o incidente parlamentar, de que já fallei.

Não podia, pois, acariciar a vaidade de responder ao sr. ministro dos negócios estrangeiros. Felizmente s. exa. facilitou-me a tarefa, porque, ou eu me engano muito, e é de crer que me engano, ou o sr. ministro dos negocios estrangeiros não satisfez exactamente á questão que principalmente se discute. (Apoiados.)

Trata-se do apreciar o procedimento do governo numa questão internacional, de saber em fim como elle dirigiu as negociações, e se as dirigiu de modo que ficaram salvaguardados os nossos direitos, o brio e o decoro nacional.

O governo, porém, deseja, ao que parece, fugir a este debate, porque constantemente se entrincheira no reducto das reservas diplomaticas, de maneira que colloca os representantes do povo na impossibilidade de lhe tomarem contas do seu procedimento. (Apoiados.)

Sr. presidente, acompanhando, mesmo a fugir, as negociações relativas á questão do Zaire, parece-me, bem facciosismo impertinente, que podem dividir-se em tres periodos completamente distinctos, e podem por consequencia delimitar-se tres ordens de responsabilidade às quaes se vinculam os actos do governo.

Houve um tratado que o governo portuguez fez com a Inglaterra, e esse caducou. E portanto, se o negocio é findo, como ninguém duvida, claro é que as responsabilidades são já definidas, e assiste-nos o direito e o dever de as julgar.

Não admiraria que o governo tivesse algumas duvidas ou receios em dar explicações, quanto a negociações pendentes, mas não se comprehende que fuja, ou queira fugir, às responsabilidades de actos já realisados, os quaes nada, absolutamente nada, podem influir nas negociações pendentes.

O obstinado silencio, a que o governo se soccorre, indica que está muito mal collocado nesta questão, aliás seria o primeiro interessado em fornecer os documentos pedidos.

Não se póde dizer que pelo facto de um tratado caducar, terminaram por isso as responsabilidades do governo, e que seria impertinência pedir contas desse acto.

Desde que se realisou um tratado que impunha direitos e obrigações reciprocas, é evidente que não póde negar-se o direito de examinar esse tratado, porque, em todo o caso, o governo podia ter zelado bem ou mal os direitos da nação, e convém alem disso saber, como o governo se houve quando o tratado foi declarado sem effeito.

Caducando o tratado com a Inglaterra, abriu o governo outro período de negociações, que terminou com a conferencia de Berlim. As negociações, pois, que decorrem até o governo se resolver a acceitar a conferencia, são tambem um negocio findo, e por isso a responsabilidade do governo póde e deve já
definir-se e julgar-se.

Não ha, pois, impertinência em se pedirem ao governo todos os elementos de apreciação, quanto a esse período.

De mais a mais, se o governo na sua alta sabedoria entendeu de si para si, que era um grande perigo nacional tocarmos nesta questão, parecia-me que nos devia dar um exemplo de prudência, não fallando n'ella no discurso da coroa.

Desde que o governo, pela boca do monarcha, diz á representação nacional que o governo portuguez accedeu ao convite da Allemanha para se lazer representar na conferencia do Berlim, parece-me que se não póde esquivar a dar todos os esclarecimentos pedidos, para sabermos como se houve, e se devia ou não acceitar a conferencia, quando d'ella não tivesse a iniciativa.

Foi, pois, ou não foi, correcto o procedimento do governo, quanto a este segundo período de negociações? Partiu do governo a iniciativa para a conferencia de Berlim, ou annuiu ao convite de outra potência para n'ella se fazer representar? O governo diz no discurso da coroa, que accedera ao convite da Allemanha para se fazer representar na conferencia de Berlim; e pelo contrario os documentos diplomaticos, como hontem demonstrou um dos parlamentares mais distinctos d'esta casa, o sr. Barros Gomes, demonstram que a iniciativa pertence ao governo portuguez. Como é que o governo engeita esta gloria? Esta contradicção é importante; pertence ao governo explical-a, porque isso influe poderosamente na responsabilidade, que temos direito de impor-lhe. Não se podendo arguir de apocriphos os documentos diplomaticos, expedidos pelo gabinete de Berlim ao de Inglaterra, o ninguém ousará dizer que o sejam, a posição do governo é lamentável. Parece que o governo devia ser o primeiro a explicar este equivoco ou contradicção. Nada disse, porém, a tal respeito.

Por outro lado desde o momento, em que o governo bem ou mal entendeu que não devia fornecer ao parlamento elementos de apreciação, foi com estranheza que notei, que o sr. ministro dos estrangeiros, alongando-se por considerações historicas, tratasse de justificar o governo era

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relação ao tratado com a Inglaterra, e até que elle se ultimou e ficou sem effeito.

Mas se o governo, mesmo quanto a este ponto restricto, não forneceu documentos, parece-me que a lealdade política e a deferência para com o parlamento o inhibiam de entrar em justificações, tendo apenas o parlamento, para
aprecial-as, a palavra do nobre ministro.

Não sei se compreHendi n'esta parte o sr. ministro dos estrangeiros, mas
parece-me que s. exa. declarara, e se assim não é s. exa. o dirá, porque então deixarei de fazel-as considerações que por esse motivo terei de apresentar, parece-me, repito, que na ultima parte do seu discurso s. exa. dissera, que no momento em que se negociava e ultimava o tratado com Inglaterra, não era possivel, ainda aos homens mais prespicazes e aos diplomatas mais experimentados, poderem prever que o tratado não seria acceite por quaesquer nações estrangeiras".

Não sei se comprehendi bem?

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Sim, senhor.

O Orador: - Então tenho unicamente a fazer a esta affirmativa do sr. ministro um novo reparo.

Em virtude da discussão, com que este parlamento se honrou na sessão de hontem, vejo que era a própria Inglaterra que prevenia o governo portuguez, de que tal tratado não era acceite, nem teria o assentimento dos governos estrangeiros; (Apoiados.) de maneira que o sr. ministro para justificar a previdência do governo portuguez disse, que não haveria no mundo um diplomata, por mais sagaz que elle fosse, que deixasse do referendar aquclle tratado, pois que n'aquelle momento não havia previsão alguma que podesse fazer suspeitar que elle não seria acceite pelas outras nações, mas observa-se que, no decurso d'essas negociações, era justamente a nação ingleza que oppunha, como maior obstáculo á facilidade desse tratado, a opposição que as nações estrangeiras fariam, caso elle se realisasse! (Apoiados.)

De maneira que, se não me engano, não era preciso ser diplomata, com dotes muito distinctos e elevados, nem era preciso possuir um raro criterio, visto que a própria nação ingleza era quem prevenia o governo portuguez dos perigos e difficuldades que esse tratado poderia encontrar por parte dos outros paizes.

Lamento, pois, que o governo nos collocasse na situação de não podermos apreciar bem a sua responsabilidade em uma questão que não interessa só a um lado da camara. (Apoiados.)

N'esta impossibilidade não posso nem devo alongar-me em mais considerações, ficando, todavia, bem frisante, e a meu ver bem accentuado, que o governo se considera tão oppresso de responsabilidades nesta questão, que por todos os modos procura não entrar n'ella como lhe cumpria e como devia, (Apoiados.) lançando-se unicamente na evasiva das reservas diplomáticas, que, salvo o devido respeito, não têem aqui verdadeira applicação, e não passam de um pretexto para fugir á discussão.

Parece, e dil-o-hei sem intenção offensiva, que só se falla com certo agrado, com um modo verdadeiramente prasenteiro, não sei mesmo se com enthusiasmo patriotico, na conferencia de Berlim, quando ella se invoca para fundamentar um dos maiores attentados contra a constituição deste paiz, o adiamento da convocação das cortes. (Apoiados.)

Então é licito fallar da conferencia de Berlim. Então não só é licito mas patriótico invocar esse grande acontecimento, para com elle cohonestar uma flagrante violação da carta constitucional, como eu terei a honra de demonstrar á camara, se os meus recursos mo permittirem.

Desde o momento, em que o governo nos colloca na impossibilidade de podermos apreciar bem a sua responsabilidade nesta questão, resta-me por ultimo, em nome do direito que me assiste, de, por assim o dizer, relaxal-o á opinião publica, juiz severo e vingador, e que a todos julga, afinal, como cada um merece. (Apoiados.)

Entrando agora noutra ordem de considerações, tomarei por base nas modestas reflexões que terei a honra de expôr á camara o discurso parlamentar proferido pelo sr. Arroyo, que não sei se está presente, e a quem, se eu tivesse auctoridade para tanto, felicitaria por esse seu discurso, que não foi só uma estreia, mas um verdadeiro triumpho. (Apoiados.)

Aquelle illustre parlamentar, do alto d'aquella tribuna, arrojou-nos a apostrophe de que o partido progressista ardia em anciã do poder, e que tal ambição era injustificada, por isso que não soubera cumprir nem respeitar o seu programma.

Parecia-me que não era licito nem justo, porque a historia está feita, lançar em rosto ao partido progressista que elle não cumprira o seu programma. Parecia-me que, quando muito, seria licito e justo perguntar a esse partido porque não completara o seu programma. (Apoiados.)

Como v. exa. e a camara vê, são cousas completamente distinctas.

Pois que a esse campo nos chamam, terei a honra de provar á camara, ou pelo menos tentarei provar, qual foi o motivo ponderoso, quaes os motivos ponderosos, em virtude dos quaes o partido progressista não pude completar o seu programma, o que é muito differente, repito, da affirmativa de que elle o abandonara.

Parece que para muitos passa como verdade, sem contestação, que o partido progressista abandonara as cadeiras do poder porque cedera às intimações patrióticas da rua, as quaes alguns dos actuaes ministros dirigiram com rara habilidade, (Apoiados) e supremo bom êxito; (Apoiados) e que, alem das arruaças ou intimações peremptórias da rua, o partido progressista succumbira tambem diante da celebre, ou antes, funebremente celebre moção da gravidade das circumstancias.

Para quem attende aos factos só pelas suas exterioridades, e os contempla apenas pela epiderme, não admira que se attribua a queda do governo progressista em 1881 às causas indicadas, áquelles dois factores.

Mas, como a historia é inexoravel, fácil é restabelecer a verdade dos factos, fácil é mostrar que não ha nada mais inexacto do que imputar a queda do partido progressista a essas duas circumstancias.

Isso demonstra-se com muita facilidade, quasi sem esforço.

V. exa. e a camara sabem que o partido progressista, assoberbado, já por essas invocadas manifestações patrioticas, já pela camara dos pares, que entendeu que podia n'aquella conjunctura ter reminiscencias ou alimentar vaidades de jacobinismo; v. exa. e a camara sabem, repito, que o partido progressista, assoberbado por todas essas dificuldades, entendeu, depois de votada na camara dos pares a celebre moção de 21 de março, que devia solicitar do chefe do estado uma recomposição ministerial.

Este facto por si só mostra á evidencia que o governo, ou o partido progressista que elle representava, o que vale o mesmo, não queria succumbir diante das manifestações das ruas, nem considerava como indicação constitucional, que devesse arrastar a queda do gabinete, a votação d'aquella moção, porque alias, depois d'ella votada, não pediria uma recomposição ministerial. (Apoiados.)

Já se vê, pois, que foi outra a causa, que determinou a queda do governo progressista.

Isto que estou expondo á camara não é uma phantasia do meu espirito.

Na sessão de 26 de março, se bem me recordo, apresentando-se n'esta casa o ministerio presidido pelo sr. Antonio Rodrigues Sampaio, nome que não posso pronunciar senão com o maximo respeito e com a máxima consideração, cavalheiro cuja morte todos os partidos deploraram e ainda hoje deploram, (Apoiados) o honrado chefe do parti-

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do progressista depois das explicações que o novo governo deu á camara, entendeu que era dever seu tambem, não só dever pessoal, mas dever official, explicar, em termos muito concisos, mas muito claros, quaes os motivos determinantes da queda do partido progressista; e em resumo foram aquelles que já tive a honra de apresentar á camara.

Estas explicações são offciaes e authenticas; estão exaradas nos registos parlamentares, e constam, se a memória me não falha, da sessão de 26 de marco de 1861.

Desde o momento, pois, que o primeiro ministro, o presidente do conselho, julga que não pude com dignidade própria, e com proveito para a causa publica, vencer as dificuldades de momento, se não recompondo o ministério; e desde o momento que esse alvitre é rejeitado pelo monarcha; parece evidente que não póde haver duvidas, porque o caminho a seguir está traçado: é depositar nas mãos do chefe do estado as pastas.

Qualquer outro procedimento, alem de pouco constitucional, seria indigno, porque seria viver á custa de artificios e dissimulações improprias de um governo serio e que representava um partido serio!

Podem discutir-se os motivos, mais ou menos ponderosos, que teve o monarcha para negar a recomposição pedida, mas isso não altera a questão, nem por isso fica menos evidente que o governo progressista caiu - porque a corôa lhe tirou a sua confiança.

Confesso á camara que sinto alguma hesitação em expor alguns factos, que reputo de summa gravidade, de importância capital n'este assumpto; e porque elles são de máxima gravidado, corre-me por isso stricto o dever de expor e referir todas as circumstancias, ainda que pareçam minudencias impertinentes, que determinaram e determinam a minha convicção, que fundamentam os meus juizos n'este ponto.

A moção que passou á historia, e que já tem produzido, talvez, muitas ruinas e desastres, o que não ha de parar ahi nos seus effeitos destruidores, (Apoiados.) foi votada na camara dos dignos pares em 21 de março, no anno da graça de 1881, como se exprimia um dos actuaes ministros.

O partido progressista, como e sabido e já expuz. estava verdadeiramente cercado de dificuldades, porque, às manifestações patrioticas da rua, acrescia a correspondencia, o auxilio e protecção que a camara dos dignos pares dava a essas manifestações. (Apoiados.)

Ensaiaram-se, pois, os meios, que estou longe de condemnar, porque até os reputo constitucionaes.

É evidente que me refiro aos meetings da capital, e para os quaes o partido regenerador e o partido republicano se ligaram, sem hesitações o sem escrupulos.

Fizeram-se, pois, alguns meetinga mas os auctores e cooperadores d'estas manifestações ruidosas, entenderam que as manifestações da capital não eram suficientes para derribar o governo, e resolveram pedir auxilio às provincias do norte.

Seguiram-se no Porto os mesmos processos politicos da capital.

Houve meetings; promoveram-nos os amigos da situação progressista; e promoveram-nos os empenhados em derribal-a.

Nada mais correcto, e nada menos censuravel.

O governo progressista, porém, teimava em não cair, e os agitadores do Porto entenderam que deviam empregar o ultimo esforço, e por isso annunciaram se bem recordo, para 20 de março (1881) meetings temerosos, manifestações verdadeiramente ameaçadoras e imponentes, as quaes simultaneamente se faziam no Porto, Braga e outras terras importantes do norte.

Estas manifestações annunciadas com tanto estrondo e que seriam o golpe decisivo no governo progressista, não se fizeram no dia annunciado, o logo começou a ser publico porque, dizia-se sem reserva, que taes manifestações já se não faziam.

O facto é que essas manifestações se não realisaram.

Desde já devo prevenir a camara, que é possível haver alguma inexactidão, quanto á data dos factos, mas isso em nada altera a essência das cousas, ou póde influir nas consequencias a que desejo chegar.

Annunciados como estavam esses meetingsessas manifestações populares de tanta força para ficar surprehendido pula sua não realisação.

Esta negação traduz-se n'uma affirmação, e convem que tudo se explique.

Os promotores dessas manifestações populares deixaram de continuar na cruzada contra o governo, e abstinham-se da lucta por não acharem cooperadores, por serem abandonado a do povo, que diziam servir, e assim revigorisavam a situação, que pretendiam derribar?

Não e crível, nem verosimil, esta hypothese.

lias se esta hypothese não parece acceitavel, o forçoso descobrir a causa, ou as causas d'este notabilissimo phenomeno politico.

Vejamos se as posso revelar á camara.

Sabe-se qual foi a attitude que tomou a camara dos dignos pares.

O sr. marquez de Ficalho, caracter respeitabilisaimo o a cujas intenções eu presto toda a homenagem, no momento de angustiada dor, elle, que nunca nos lances mais afflictos da sua vida deixou de os encarar de rosto sereno, disse áquella camara, e por consequencia ao paiz, que a situação era tão grave que elle estava cheio de pavor.

A situação do paiz, no parecer do sr. marquez de Ficalho, ao caracter do qual presto inteiro respeito, e do cujas boas e honradas intenções não posso duvidar, era verdadeiramente assustadora: e aquelle nobre titular, que ainda nos trances mais afflictivos e perigosos nunca sentira contrahir-se-lhe um musculo do rosto sereno, disso e proclamou em pleno parlamento que em verdade tinha medo, o não sei se muito medo.

Estas palavras proferidas por um conselheiro doestado, membro da camara dos dignos pares, alto dignitário da coroa, e com residencia mais ou menos permanente no paço de El-Rei, não podiam deixar de ouvir-se, sem que isso causasse a muita gente algumas apprehensões...

Na sessão de 21 de março do 1881 apresentou-se a celebre moção da gravidade das circumstancias, e convém ter sempre presente ao espirito, para apreciação d'este facto político, que as manifestações cessaram, como por encanto, anteriormente a este dia, não obstante serem annunciadas e de antemão apregoadas como as mais imponentes e decisivas.

Porque?

Os jornaes de então, e mais tarde alguns ministeriaes, sendo um d'elles o Jornal da manhã, segundo creio, o se estiver enganado farei qualquer rectificação, disseram que da capital, n'aquelle tempo, tinham ido às províncias do norte emissários do partido regenerador e que esses emissários furam pactuar com alguns dos auctores d'essas manifestações populares paz e quietação, promettendo-lhes que o governo progressista seria demittido na semana
immediata,; que o sr. Fontes não presidiria á nova situação, mas que seria presidida pelo sr. Antonio Rodrigues Sampaio.

Sou naturalmente bisonho, não tenho ares de cortezão ainda- com os meus maiores amigos, e por isso não tive a curiosidade do perguntar aos ministros demissionários, se efectivamente elles tinham ou não sido informados particular ou oficialmente de que as manifestações patrioticas não se tinham realisado no Porto em virtude dos motivos que já expuz.

Não tenho a menor duvida de que essa communicação particular ou official se fez com a devida antecipação a alguns ou algum dos ministros, mas se então não os con-

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sultei, se algum d'esses ministros, que estão presentes, entender que faço uma affirmação inexacta, o desmentido deverá ser prompto e rápido, porque eu, n'este caso, não continuarei a insistir n'esta affirmativa, nem fundarei n'ella outras considerações.

Se os factos, porém, são verdadeiros, como creio que o são, porque foram expostos com toda a publicidade, não tenho responsabilidade alguma em apreciar as consequências que d'elles naturalmente promanam.

Pergunto: quem auctorisou os emissarios do partido regenerador a irem á província do norte, em nome do monarcha, dizerem aos que promoviam manifestações populares, que o governo progressista havia de ser demittido em dia e hora certa, e como garantia dessa promessa, indicando os nomes, e o modo como o ministerio havia de ser organisado? (Apoiados.)

Isto é muito grave, e denota que, ou ha no paço quem surprehenda as intenções do monarcha, trahindo-o, ou cá fora ha alguém que exerce as prerogativas da corôa por delegação permanente, de maneira que póde dizer como, e quando, as crises se hão de dar, e como se hão de resolver.

Assim respondo á provocação que saiu do alto da tribuna, e justifico a rasão por que o partido progressista, começando a cumprir o seu programma, não póde infelizmente completal-o.

O sr. Fontes Pereira de Mello, estadista das mais elevadas faculdades, que na tribuna tanto se eleva e a todos sobrepuja, que nas discussões parlamentares é emérito, tem nestes factos gravíssimas responsabilidades.

O sr. Fontes Pereira de Mello tem n'estes factos gravíssimas responsabilidades, repito. (Apoiados.) É necessario tambem que se saiba se isto fora auctorisado por s. exa., ou se s. exa., que é tambem principe, tem alguem que o traia e que em seu nome vae fizer negociações tão graves! É preciso por tanto, que se não possa impunemente dizer do alto da tribuna, com apostrophes mais ou menos violentas, que o partido progressista ou fora imbecil diante das manifestações da rua, ou fora conctraditorio comsigo mesmo, dando importância á moção da camara alta.

Tenho de recorrer a outros pontos que são dignos da consideração da camara, e continuo fazendo a apreciação dos actos do governo, ou mais propriamente da situação que representa todas as responsabilidades do governo desde 1881. (Apoiados.) Sr. presidente, quem quer fazer a devida apreciação dos factos tem de analysal-os no seu conjuncto, na sua concatenação , não pode isolal-os.

Não se póde comprehender a dictadura de 19 de maio de 1884, nem se póde comprehender a dictadura de 31 de outubro do mesmo anno, sem procurar, indagar e inquirir a origem viciosa do governo, isto é, da actual situação desde 1881.

Organisado o ministerio novo, foram adiadas as camarás, ficando todos convencidos, de que o governo no interregno parlamentar prepararia medidas de maior alcance, respondendo assim á anciedade publica, e aquietando o paiz que realmente estava em sobresalto.

Davam assim os novos conselheiros da corôa prova cabal do seu esforço patriótico, e convenciam todo o paiz, de que não fora de balde, que foram chamados aos conselhos da corôa em tão grave e melindrosa conjunctura. E que aconteceu?

O governo reduziu, simplificou, a sua iniciativa, á apresentação da lei de meios ! Era então ministro da fazenda o actual sr. ministro da justiça, a cujos dotes de espirito eu faço a devida justiça e presto homenagem, e faço-o agora porque só agora tenho de me referir a s. exa.

O sr. ministro da fazenda d'então apresentou se á camara electiva, como se fora o heroe de cem batalhas, verdadeiro César depois de ter passado Rubicon!

Aqui vos trago, disse s. exa., o projecto da lei de meios, votem-no sem dispêndio de rhetorica!

O nobre ministro em verdade estava fazendo rhetorica demasiado realenga, e com a qual procurava intimidar, o que se lhe affigurava rhetorica popular, na camara electiva.

A camara, de que eu tinha a honra de fazer parte, acceitou este repto e respondeu como lhe cumpria á intimação peremptória do illustre ministro. (Apoiados.)

Quando uma sociedade qualquer tem a boa fortuna de possuir um código político, que define os differentes poderes do estado, que delimita esses poderes, que especifica as prerogativas de cada um desses poderes, a grande responsabilidade, peço licença para o dizer á camara, não é do poder que invade, do poder que usurpa as attribuições dos outros poderes, mas a grande responsabilidade, talvez o grande crime, é do poder que se deixa invadir, que se deixa imbecilmente usurpar. (Apoiados.)

Apresentada, pois, a lei de meios n'estas condições, sabendo-se por outro lado, alguns poucos dias depois, que o governo já tinha obtido da benevolencia
d'El-Rei o decreto para o encerramento das cortes, quer o projecto da lei de meios fosse, ou não votado, o mesmo era que obter a certeza, que o governo resolvera assumir a dictadura para o lançamento e cobrança dos impostos.

E absurda a hypothese, de que n'aquellas circumstancias, e já no mez de junho, o governo tornaria a abrir o parlamento para discutir a lei de meios.

A camara electiva tinha pois um dever de honra a cumprir, e não faltou; cumpria-lhe no interesse da propria dignidade, e na defeza legitima das suas prerogativas, empregar os últimos esforços para evitar um attentado constitucional; e por isso resolveu na sessão de 4 de junho enviar á corôa uma mensagem, em linguagem firme, mas respeitosa, pedindo ao monarcha que não consentisse na violação da lei fundamental do paiz, auctorisando o governo a cobrar os impostos em dictadura. (Apoiados.)

A camara, que assim procedeu, foi recebida par El-Rei com a affabilidade que o distingue, mas a resposta que poude alcançar, prompta, instantânea, sem delongas, foi um decreto de morte. (Apoiados.)

O governo que tem a origem por mim já denunciada á camara, póde obter, em seguida á dissolução da camara dos deputados, o decreto da dictadura que, se bem me recordo, tem a data de 15 de junho de 1881.

A historia, já eu disse, não se illude, e o governo tem sobre si a enormissima responsabilidade de lançar uma mancha na historia [do reinado do Senhor D. Luiz I. dos.)

O sr. Presidente: - Peço ao illustre deputado que tenha presente a disposição do artigo 102.º do regimento. E expressamente prohibido aos oradores trazer para as discussões a pessoa do Rei ou as suas opiniões. S. exa. tem a faculdade de livremente analysar e apreciar os actos do poder moderador, mas só póde pedir contas aos srs. ministros que são os unicos responsáveis por esses actos. (Apoia-(Apoiados.)

O Orador: - É por isso que eu disse, e repito no uso do meu direito, que o governo tem a enorme responsabilidade de lançar uma mancha na historia do reinado do Senhor D. Luiz I. (Muitos apoiados.)

Disse-o e repito-o, e vou demonstral-o.

D'esde 1851 apenas houve tres decretos dictatoriaes auctorisando o governo a cobrar os impostos: foram os decretos de 21 de junho de 1851, de 26 de julho de 1882 e o decreto de 7 de junho de 1870.

E claro que excluo o decreto de 15 de junho de 1881, e quero deixar bem caracterisado, que anteriormente a esta data, e desde 1851, ha só tres decretos dictatoriaes sobre este assumpto.

Desde 1851 até 1881, ou se tinham discutido e approvado os respectivos orçamentos, ou os corpos colegisladores tinham votado a lei de meios.

As datas dispensam-me commentarios,

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Podemos discutir as causas da revolução, mas as revoluções triumphantes não respeitam formulas nem garantias.

As dictaduras em taes casos são as consequencias da revolução. Também não é menos certo que o decreto de 1870 para cobrança dos impostos foi consequencia da revolução militar de 19 de maio, que agora não discuto.

A dictadura, porem, de 1881, realisada a sangue frio, num periodo normal, e como resposta a uma camara electiva, que em nome da lei, e com a lei na mão, ponderava ao monarcha que não consentisse em tal attentado, é facto unico, singular, assombroso!

Tenho pois direito, em nome das immunidades populares, e como deputado da nação, de apresentar á execração publica tão insólito attentado! A primeira conquista de um povo, para ser livre, é a garantia, a iniciativa sobre impostos ; mas tambem é a ultima que perde, e quando chega a esse periodo de decadencia, nem sequer é já o leão moribundo que estrebucha, mas a serpente domesticada, que só revolve no lixo. (Apoiados.) É necessario pois impor ao governo a tremenda responsabilidade pela dictadura de 1881, a qual a historia ha de apreciar com a devida severidade, quando se escreverem os acontecimentos dos últimos ânuos da nossa vida constitucional. (Apoiados.)

Depois destes feitos gloriosos, que pensa a camara que o governo devia aconselhar a El-Rei?

Festas e distracções!

Violada a carta, maltratados os partidos, é claro que o governo não tinha a dar ao Rei outro e melhor conselho do que indicar-lhe que viajasse e se distrahisse. E El-Rei viajou dentro e fora do paiz.

Direi alguma cousa da viagem de El-Rei a Hespanha, e ouso apenas lembrar uma data, notável na historia, e se os feros rigores do regimento desta casa mo permitissem, pediria deste logar ao proprio monarcha que se dignasse reflectir nessa data historica.

Sr. presidente, o actual monarcha o Senhor D. Luiz I, que todos nós respeitamos, acatamos e estimamos (Apoiados.) foi a Caceres em 1881, e foi a Madrid em 1882.

Mas o Senhor D. Luiz I tambem foi á corte de Madrid em 1882, e, se bem me recordo, no mez de dezembro.

E muito notavel, e muito para se chamar á memoria, aquella data da historia política e constitucional do reino vizinho.

N'aquella epocha o governo pessoal em Hespanha estava no seu periodo agudo; não havia hesitações nem dissimulações.

A guerra de exterminio era a vida normal d'aquelle povo ; o poder pessoal exterminava tudo ou seria exterminado.

O poder pessoal, que é uma das formulas mais repugnantes do despotismo, porque ora recorre á violencia, ora ousa pedir á corrupção os meios que não fia d'aquella, é tambem combatido pelos opprimidos sem tréguas, os quaes não desperdiçam nenhum meio ou ensejo para lhe fazer frente.

É assim que o partido democrático de Hespanha, em 1865, e o partido progressista já divorciado da coroa, por causa desta, aproveitaram a presença do monarcha portuguez em Madrid para, fazendo a este as mais enthusiasticas acclamações, ao mesmo tempo maltratar o monarcha hespanhol.

O Senhor D. Luiz I póde então ver com os seus proprios olhos, ouvir com os seus próprios ouvidos, pois que, quando essas acclamações se faziam e que se convertiam em hostilidades ao monarcha hespanhol, Sua Magestade ia ao lado do monarcha hespanhol, que nem exageramos nem alteramos os factos.

A nação portugueza em 1865 duplamente se devia considerar honrada e engrandecida com aquellas enthusiasti-cas acclamações, e sobretudo pelas rasões que os povos opprimidos encareciam para justificar a sua attitude.

Era então o código politico da nação observado com a fidelidade digna do finado Leopoldo da Bélgica; Portugal impunha-se á península, como exemplo e modelo; e os povos opprimidos, acclamando o Rei de Portugal, queriam significar ao monarcha hespanhol, que é preciso bem pouco para os reis viverem reconciliados com os seus subditos: é sufficiente que respeitem e observem com fidelidade o código fundamental.

"Por muito democraticos que sejam os povos, e Madrid o é muito, não deixam nunca de estimar aos reis adictos ao pacto fundamental, como o são indubitavelmente os monarchas lusitanos."

Era assim que a mais exaltada democracia se justificava do ter, em 1860, feito ao monarcha portuguez tão estrondosas acclamações. E que os opprimidos tambem são inesgotaveis de recursos de resistencia aos vexames e oppressões. (Apoiados.) Confronte-se essa data com as datas de 1881, 1882, 1883 e 1884, e haverá motivo para mais de uma surpreza dolorosa; somos, com pouca differença, o povo hespanhol de 1865. El-Rei foi a Caceres em 1881, deixando os partidos na mais violenta lucta, e o governo investido numa dictadura sem precedente desde 1851, como já provei; e no anno de 1884 têem sido as dictaduras successivas, qual d'ellas mais affrontosa e provocadora! Ninguém ousará affirmar, que Portugal póde orgulhar-se, como em 1865, de paiz modelo no regimen constitucional: aquellas tradicções dignas do finado Leopoldo da Belgica desappareceram.

Não tendo já tempo para tratar de outros assumptos, a que se liga a resposta ao discurso da coroa, dirijo-me já á famosa dictadura de 19 de maio de 1884.

Não vejo presente o illustre deputado, a que tenho de responder, mas como não tenho que allegar cousa, que melindre o seu caracter, antes faço a este, e ao seu talento a devida justiça, nenhum obstáculo sinto para proseguir nas minhas considerações. O illustre deputado, entre outras rasões justificativas d'aquelle attentado constitucional, allegou que elle tinha a quasi consagração dos corpos colegisladores; e perguntou, possuido de nobre altivez, que havia nisto de extraordinário, que sustos e que perigos o acto do governo podia motivar? Esta pergunta, e este desassombro em a formular, faz me lembrar a resposta, que o ar. Antonio Rodrigues Sampaio costumava dar aos espiritos fortes em taes occasiões.

Não o faço, porque não tenho a auctoridade d'aquelle notavel homem politico do nosso paiz. Não pôde, no entretanto, ser suspeita esta auctoridade a esse lado da camara.

A titulo de curiosidade, e não como resposta, direi o que elle respondia em casos analogos.

Todos sabem, que o sr. Sampaio possuia a penna de Tacito, e a Tacito ia beber as suas maximas; e como Tacito, e com uma máxima de Tácito, respondia, por exemplo, aos defensores das dictaduras: o homines ad servitutem tem natos.

Mas, não tendo a auctoridade d'aquelle illustre publicista, esforçar-me-hei por dar algumas rasões, que demonstram ser a dictadura de 19 de maio de 1884 uma das maiores affrontas feitas ao regimen constitucional. E a tarefa não é difficil.

A dictadura de 19 de maio importa um augmento enorme de despeza, custa ao paiz centenares e centenares de contos. (Apoiados.)

E portanto a dictadura roubou á camara electiva o direito exclusivo, que a carta lhe confere, sobre impostos. Se é possivel assumir a dictadura e por meio d'ella lançar impostos ao paiz, o regimen constitucional não é mais que uma formula vã.

Todos os homens de estado, todas as academias, todos os publicistas de melhor nota, affirmam, que o direito, ou a iniciativa sobre impostos, exclusiva das camaras populares, não é um direito peculiar a este ou áquelle povo; é um direito europeu.

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Ainda mais. Os publicistas de auctoridade incontestável, querendo dar ao governo representativo uma formula concisa, concreta, uma como synthese, definem este regimen aã intervenção do contribuinte na designação do exercito e do imposto."

E com razão abrangeu o exercito, por ser a forma mais pesada do imposto, chamado por isso o imposto de sangue.

A affirmativa, de que a dictadura tinha a quasi consagração dos corpos
colegisladores, não a defende, nem sequer a attenua.

E antes uma circumstancia, que aggrava a responsabilidade do sr. presidente do concelho e ministro da guerra.

Conhece-se facilmente, que o sr. ministro da guerra não queria a reforma do exercito, ou já premeditava a dictadura, o que é aggravantissimo.

O sr. conde do Casal Ribeiro, em discurso de 17 de maio de 1884, disse o seguinte:

"Trazido aqui (o projecto da reforma do exercito) contra as formaes promessas do próprio sr. presidente fio conselho, elle pode presentir na commissão opposição vigorosa e convicta. Não ousou arrostar com ella recuou. Fez bem."

O illustre titular accusou primeiro o sr. presidente do conselho de faltar às suas promessas, levando áquella casa do parlamento a reforma do exercito; mas não podia abrigar o menor receio, só aquella retirada era já a premedictação da dictadura.

Do exposto se conclue, sem grande esforço, que a discussão da reforma do exercito na camara electiva era um acto irrisório, e irrisório o trabalho da commissão da camara dos dignos pares, porque o sr. Fontes premeditava a dictadura para tal monstruosidade, como assim lhe chamou o sr. conde do Casal Ribeiro.

Este conjuncto de factos é gravíssimo; e a invocação da quasi consagração dos corpos colegisladores, que é um considerando do decreto dictatorial, só serve para os deprimir e não para os exaltar.

Digo, pois, a v. exa., convicto e afoito, que não haveria no mundo outro presidente de conselho, que tivesse a corajosa resolução de solicitar do seu monarcha uma dictadura d'este quilate. (Apoiados.)

Só póde ousar tanto um presidente de conselho-rei, que, não tendo uma dynastia a perpetuar, não carece do ser nem sobrio, nem prudente, nem previdente, no exercício das magestaticas prerogativas. (Apoiados.)

Desejo tambem fallar da dictadura de o 1 do outubro de 1884.

Não são precisos grandes esforços nem grandes demonstrações para chegar á conclusão de que o governo, adiando a convocação das camaras constituintes, foz verdadeira dictadura.

O governo invoca o artigo 74.° § 4.° da carta constitucional, mas esse artigo e exactamente aquelle que o condemna.

O legislador, que era sabio, que era intelligente e sobretudo digno, não podia consignar no mesmo artigo disposições verdadeiramente antinomicas.

Adiar as cortes geraes, suppõe a existência d'ellas. Como não ha cortes sem haver camara dos deputados, e como os deputados meramente eleitos, e não proclamados, não são uma camara de deputados, é claro que o artigo da carta, referindo-se ao adiamento das cortes geraes, não podia prever a hypothese de que se trata. E não a previu, porque ella é absurda e inteiramente inadmissivel.

O § 4.° do artigo 74.° diz tambem que o poder moderador poderá dissolver a camara dos deputados convocando immediatamente outra.

A lei que é sabia, que é justa, que é digna, entendeu que póde haver motivos de salvação publica (são as palavras da lei) que tornem necessario este remédio violento, este recurso extremo, que é afinal a pena de morte applicada a um dos corpos do estado.

Mas para que o paiz de modo algum possa suspeitar de que essa resolução foi inspirada por motivos que não fossem os previstos na lei fundamental do paiz, e a lei, torno a repetil-o muito intencionalmente, que é sabia, que é justa, que é digna, quando se interpreta, permitta-se-me di-zel-o assim, com alma, que é o mesmo que dizer com o coração cheio de affecto para com as instituições do paiz, devia tambem impor a obrigação indeclinável de convocar immediatamente os deputados eleitos.

A não ser assim, a dissolução seria um verdadeiro golpe de estado, e o governo teria fácil meio do afastar os eleitos do povo, e alongar por mero capricho a convocação das camaras. (Apoiados.)

Sc no mesmo artigo a lei d'esse a faculdade de dissolver, e ao mesmo tempo a faculdade do adiar a convocação, consagrava, permittam-me a phrase, uma loucura legislativa. (Apoiados.)

Vou terminar, e com magoa vou ler á camara um documento, que prova bem a audácia do governo, e o nenhum respeito que elle tem pelas susceptibilidades do paiz.

Quero referir-me á resposta que o governo aconselhou ao monarcha, dada á camara municipal de Lisboa, por occasião do seu anniversario natalicio. N'esta resposta lese o seguinte:

(Leu.)

Sr. presidente, no mesmo dia em que se violava a carta constitucional, este governo, que assignala, por assim dizer, todos os periodos da sua existência com actos de dictaduras violentas, obrigava o monarcha a dizer ao seu paiz que, dentro dos processos marcados pela constituição, se sentia feliz por fazer a felicidade do seu povo!...

(Vozes: - Muito bem).

Eu ouso dizer daqui ao sr. presidente do conselho, humildemente, mas no desempenho de um dever civico, que aquillo que um povo jamais esquece, e jamais perdoa, é que sobre todas as offensas lhe lancem em rosto a injuria e o desprezo. (Apoiados.)

Disse quem tinha auctoridade para o dizer: lançaes a semente da injuria e do desprezo; tereis farta ceara de ódios e de vinganças. (Apoiados.)

Levantando a minha voz humilde atrevo-me a dizer ao sr. presidente do conselho, empenhado na grande campanha das reformas políticas, que, da altura do seu poderio, reilicto um momento, e pondero se essas reformas políticas, taes quaes as concebeu, não serão antes um funesto presenta feito á monarchia n'este momento solemne da historia. (Apoiados.)

Espartero, promettendo á Hespanha umas camaras constituintes, e obtendo do soberano a confissão publica dos seus erros, conseguiu salvar as instituições da sua patria.

Saldanha, a illustre espada deste paiz, tambem num momento angustioso para a pátria que todos amamos, pôde, como Espartero, e tambem com a confissão publica dos erros por parte do soberano, e promettendo umas camaras constituintes salvar as instituições em Portugal.

Mas o que poderam fazer Espartero e Saldanha já o não p odoram conseguir Olosaga e Prim em 1869. (Apoiados.)

Não sei se o meu espirito, obedecendo a preoccupações demasiado tristes, terá errado muito.

Oxalá que assim seja.

Mas peço licença para dizer á camara, que ha verdades que se adivinham com o coração; e que o coração presago quasi nunca mente. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados e pares do reino.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho para uma explicação.

Vozes: - Deu a hora.

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SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1885 275

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Eu pedi a palavra para uma simples declarado mas, se a camara entendo que deu a hora o que por isso não posso fallar...

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Eu dei a palavra ao sr. presidente do conselho do ministros.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Como o illustre deputado no seu discurso se referiu directamente ao meu nome, attribuindo-me uma communicação feita, por mim, ou por outra pessoa interposta por mim, ou auctorisada pelo soberano, dizendo aos agitadores do Porto que dentro em poucos dias o governo progressista seria exonerado e substituído, nau por mim, mas pelo sr. Sampaio, aproveito a occasião para declarar a v. exa. e á camara, de um modo solemne, que é completamente destituida do fundamento a asseveração do illustre deputado, de certo por falsas informações que lho deram.

Acrescentarei sómente estas palavras:

Sinto que o illustre deputado no decurso da sua oração, que ouvi com a attenção devida, mais de uma vez se referisse ao chefe do catado em logar de se referir aos seus ministros, (Apoiados.) E sinto o tanto mais, quanto os au-ctorisados chefes do partido progressista, depois da queda do ministerio em 1881, vieram declarar no parlamento que o procedimento do augusto chefe do estado tinha sido sempre correcto e leal.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Representação mandada publicar n'esta sessão

E N.° 20

Illmo. e exmo. sr. deputado da nação portugueza pelo circulo de Évora.- A commissão executiva da junta geral do districto de Evora não Pode ficar indiferente ao ver a proposta para a creação das escolas praticas de agricultura, ultimamente apresentada no Parlamento pelo illustre ministro das obras publicas, commercio e industria.

Evora é, como todos sabem, um dos principaes centros agricolas do nosso paiz; onde, mais talvez do que em outras partes, se fazem sentir os resultados prejudiciaes de uma situação agrícola pobre, já de recursos naturaes, já d'aquelles que só uma população densa e especialmente habilitada póde fornecer.

A sua agricultura, relativamente atrazada, exerce-se num solo exgotado por muitus séculos de cultura, no meio de uma população excessivamente escassa, dispersa, ignorante, e consequentemente exigindo salarios elevados que não deviam de modo algum, do augmento de productividade do trabalho, oppondo sempre a rotina á realisação de melhores processos agrícolas, inimiga natural do emprego da machinaria aperfeiçoada, que em outros paizes tem já larga applicação multiplicando enormemente o effeito util do trabalho e barateando ao mesmo tempo consideravelmente os preços do custo, cuja elevação entre nós progressivamente nos enfraquece o torna impotentes diante da concorrência estrangeira.

O exmo. sr. Antonio Augusto de Aguiar, a cujo alto talento e vastissimo saber não podia passar despercebido o o factor mais poderoso da nossa decadência agrícola, a falta de pessoal habilitado e instruído, vem com a sua proposta impedir que a ignorância, atilada com o progressivo empobrecimento do solo, comprometia, porventura irremediavelmente, a riqueza geral do paiz, arruinando de vez a nossa primeira industria.

Representantes de um districto essencialmente agrícola, diante do esforço fecundo do sábio ministro, cuja brilhante iniciativa não será estéril de certo num parlamento de que fazem parte as primeiras intelligencias do paiz, nSo podia-mos ficar silenciosos, nem deixar de manifestar o nosso applauso e a nossa gratidão por um emprehendimento tão util como levantadamente patriotico.

A v. exa. nosso dignissimo representante em curtes, que não deixará certamente de prestar á proposta o valioso auxilio da sua distincta intelligencia o da auctoridade do seu nome, pedimos nós respeitosamente a especial fineza de ser o interprete dos nossos sentimentos perante o illustre ministro e perante o parlamento, em cuja intelligencia e illustração temos a mais segura garantia do engrandecimento progressivo da nossa patria.

Deus guarde a v. exa. Evora, 22 de janeiro de 1885.- Illmo. e examo. sr. Cypriano Leite Pereira Jardim. - (Seguem-se as assignaturas).

Redactor. = Rodrigues Cordeiro.

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