222 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
porém que, seja qual for essa entidade, me parece que, appellando-se para os sentimentos do amor do paiz, para o desinteresse a que esse amor obriga, e até corto ponto tambem para a paixão pelo bello, não será muito difficil, mediante mesmo alguma compensação, se tanto for necessário, o que não creio, que o governo consiga o ir aquella preciosíssima tela juntar-se á collecção do nosso museu.
E urge fazel-o. Eu tive occasião de verificar no domingo ultimo o estado em que ella se encontra, e foi profunda a impressão que no meu animo produziu o ver a deterioração quasi imminente a que está sujeita. A circumstancia, que me constou pelo próprio empregado da igreja que me acompanhou ao coro onde esse quadro com difficuldade póde ser visto, por estar muito alto, sendo necessario subir a uma escada para o examinar; a circumstancia, digo, que elle me alarmou, de ser grande o numero de estrangeiros que visitam a igreja com o fim exclusivo de admirar a obra de Rubens, e o poderem elles ver, como eu vi, o sol do meio dia cair em chapa sobre o quadro, apressando a queda das tintas já em grande parte levantadas em escama, deixando prever o numero limitado de annos, ainda precisos, para que de todo desappareça uma das telas mais brilhantes produzidas pelo talento privilegiado d'aquelle grande colorista; tudo isto fez com que eu tomasse sobre mim a resolução de instar vivamente com o governo, na primeira occasião que se me deparasse, particularmente com o sr. ministro do reino, e, se tanto fosse preciso, mettendo por empenho o nobre ministro da justiça, para que s. exas. envidem todo o seu esforço para chamar aquella obra prima ao museu nacional.
Conseguindo-o, bem merecerão da arte o pouparão uma grande vergonha ao paiz.
O museu nacional já hoje possue grande numero de telas de incontestável valor artístico, e não serei eu que negue ao governo actual os louvores que eile merece por ali haver reunido e agrupado os quadros que estavam sujeitos a deterioração no antigo convento de S. Francisco, e que hoje se encontram em condições de uma decente apresentação perante os estrangeiros.
Não discutirei neste momento se teria sido mais conveniente adquirir para o estado, em vez de alugar um edificio particular para n'elle estabelecer o museu nacional, nem mesmo se com as obras ali realisadas para o adaptar a este fim se despendeu ou não o bastante para comprar a casa e tornal-a, como era mais digno e conveniente, propriedade da nação.
Affastarei agora essa discussão, querendo deixar ao governo a gloria de haver conseguido que a exposição da arte ornamental ali se realisasse por forma a tornal-a verdadeiramente valiosa, tanto para a historia da arte em geral, como em particular para a historia da arte portugueza, e que mais tarde organisando-se ali a galeria de pinturas, peia forma por que o está, se assegurasse assim a conservação de monumentos importantíssimos que attestam o que foi a pintura entre nos em epochas mais remotas, particularmente nos séculos XV e XVI.
Mas eu desejaria que o governo fosse mais longe neste empenho, e que empregasse todos os esforços compatíveis com os grandíssimos recursos do thesouro, para reunir no museu de bulias artes todos os quadros de valor que se acham espalhados pelo paiz em differentes igrejas, como, por exemplo, alem da tela de Rubens a que me referi, um admiravel Holbeiu que existia na capella da Bemposta, e que podia e devia ter o mesmo destino.
Creio que a conservação d'este quadro, que não vejo ha muito tempo, não ameaça tanta mina como ameaça o Christo de Rubens, da igreja das Mercês, mas com quantos outros, senão de tão subido, ainda assim de grande mérito, não succederá o mesmo!
Aguardo a resposta do nobre ministro, e tenho a esperança que ella será inteiramente satisfactoria.
O sr. Ministro do Reino (Barjona do Freitas): - O illustre deputado que acaba de fallar, e que mostrou o sen amor ás bellas artes, não podia deixar de esperar uma resposta affirmativa dos bancos dos ministros.
O seu pedido é tão justo e tão util para o paiz, que não possue grande numero de monumentos debaixo do ponto de vista artístico, que não haveria governo nenhum que deixasse de o attender.
Já tinha chegado ao conhecimento do governo que havia esta tola a que s. exa. se referiu. Ha poucos dias ouvi fallar n'ella; e o governo tinha idéa, de não só procurar por to do a os meios, que esta tela fosse recolhida no museu nacional, mas de entender-se com a academia de bellas artes, para se nomear mesmo uma commissão que fosse às localidades, especialmente encarregada de saber onde existem telas e objectos preciosos sob o ponto de vista artístico, para se fazer d'ellas a mais ampla e completa collecção.
Posso, pois, assegurar ao illustre deputado, que hei de tomar todas as providencias a este respeito, para com a indicação dos homens competentes, se chegar a um resultado satisfactorio.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Elvino de Brito. - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me informar se já estão sobre a mesa uns documentos, que pedi, pelo ministerio da marinha e ultramar.
O sr. Secretario (Souto Rodrigues): - O officio requisitando os documentos pedidos pelo sr. Elvino de Brito foi expedido em 12 de janeiro, mas ainda não foi satisfeito.
O sr. Elvino de Brito: - Começou por pedir ao sr. presidente que instasse com o governo para que remettesse á camara os documentos e esclarecimentos que elle, orador, pedira em fevereiro do anno passado, relativos á despeza effectuada pelas verbas destinadas às estações civilisadoras e á emigração africana, e, bem assim, a nota justificativa das despezas feitas para suffocar a rebellião de Massingire.
Tendo o sr. ministro da marinha declarado o anno passado que os vencimentos dos funccionarios publicos na provincia de Moçambique estavam em dia, acontece que em um documento official, publicado no Boletim d'aquella província, se declara exactamente o contrario.
Não podia ser suspeito ao sr. ministro do ultramar o funccionario que, incumbido de inspeccionar os districtos da referida província, affirma por modo categórico e terminante que no districto de Sofala os funccionarios estão em atrazo dos seus vencimentos, vendo-se na tristíssima situação de rebater os recibos sob o peso da agiotagem de 10, 15 e 20 por cento.
De duas uma, ou o sr. ministro estava mal informado, quando o anno passado affirmou o contrario, ou o funccionario que firmou aquelle documento não foi inteiramente verdadeiro na exposição dos factos a que acabara de alludir. Não formulava nenhuma outra hypothese, porque fazia ao sr. ministro a justiça de que era incapaz de vir conscientemente á camara fazer uma affirmação menos verdadeira.
Também não podia deixar de dar á camara conhecimento de um relatório, publicado no Boletim de Moçambique, no qual o funccionario que o firma dá conta do estado de completo abandono em que se encontram os nossos ternários da África oriental. Não faria agora o confronto deste facto com as aventuras a que o governo de coração alegro se entregava nas costas de Dahomey, mas a seu tempo faria a critica que esses factos mereciam.
Também desejou que fosse prevenido o sr. ministro das obras publicas, de que elle, orador, desejava ouvir a sua opinião ácerca da legalidade do decreto de 3 de janeiro de 1884, relativo às escolas industriaes.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Desejo responder em muito breves palavras ao sr. deputa-