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SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Dá-se conta de um officio da presidencia da camara dos dignos pares, participando que o sr. Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento naquella camara, em sessão de 26 do corrente, como par eleito. - Leu-se uma proposta do sr. ministro da guerra, para que o sr. Cypriano Jardim, capitão do estado maior de artilheria, possa accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o da commissão que exerce n'aquelle ministerio. -
Tiveram segunda leitura: 1.° Uma nota dos srs. visconde das Laranjeiras (Manuel), Arthur Hintze Ribeiro e Sousa e Silva, renovando a iniciativa da projectos de lei que tiveram segunda leitura nas sessões de 23 de fevereiro de 1883 e, 4 de fevereiro de 1881, os quaes dizem respeito a tornar collativas algumas parochias urbanas da ilha de S. Miguel; 2.° Um projecto de lei do sr. Santos Viegas, auctorisando o governo a conceder a Manuel Coelho Lobão, antigo machinista dos pharoes, o ordenado de 960$000 réis, que era o vencimento do seu antecessor n'aquelle logar. - Apresentam representações: o sr. Luciano Cordeiro, da sociedade de geographia de Lisboa; o sr. Reis Torgal, da camara municipal de Moimenta da Beira; o sr. Santos Viegas, da camara municipal de Celorico de Basto; o sr. Adolpho Pimentel, da camara municipal de Espozende. - Apresentam requerimentos os srs. Lopes Vieira e Luiz José Dias. - Justificam faltas os srs. Ferreira de Figueiredo, J. J. Alves, visconde de Alentem, João Augusto Teixeira, Moraes Carvalho, Avelino A. César Calixto, João Antonio Pinto, Arthur Seguier, João de Sousa Machado, Antonio Maria Jalles, Soares Mascarenhas, Martinho Moutenegro, Luiz Jardim, Wenceslau de Lima, Luiz Ferreira de Figueiredo, Augusto Barjona de Freitas e João da Silva Ferrão de Castello Branco. - Apresenta-se uma proposta, e é approvada, para o sr. Cypriano Leite Pereira Jardim poder accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o da commissão que exerce no ministerio da guerra. - Apresentam declarações de voto os srs. Santos Viegas, Antonio de Castro Pereira Corte Real e Cypriano Jardim. - O sr. Eduardo J. Coelho tornou a referir-se aos acontecimentos de Valle Passos, em que tambem tomou parte o sr. Azevedo Castello Branco. - Responderam os srs. ministros do reino e da justiça. - O sr. Barros Gomes chamou a attenção do governo para um quadro de Rubens, que existia na igreja das Mercês, onde estava damnificando-se. - Responde o sr. ministro do reino. - O sr. Elvino de Brito chamou a attenção do sr. ministro da marinha para os negocios da Africa oriental e atrazo de pagamentos aos funccionarios de Moçambique. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha.
Na ordem do dia entrou em discussão a resposta ao discurso da corôa. - O sr. Luciano de Castro declara a abstenção do partido progressista na discussão da resposta, notando que n'este documento se não tivesse feito menção da heroica travessia da Africa realisada por Capello e Ivens. - Responde o sr. presidente do conselho. - Falla o sr. Elias Garcia e fica com a palavra para a sessão seguinte. - No fim da sessão apresenta o sr. ministro das obras publicas differentes propostas, que ficaram na mesa para serem lidas na sessão immediata.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 73 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Jalles, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Silveira da Mota, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Scarnichia, Souto Rodrigues, João Arroyo. J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Garcia de Lima, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, Antonio Centeno, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, A. Hintze Ribeiro, Barão de Viamente, Ribeiro Cabral, Fernando Caldeira, Francisco Beirão, Correia Barata, Frederico Arouca, Barros Gomes, SantAnna e Vasconcellos, J. A. Pinto, Melicio, Franco Castello Branco, Avellar Machado, Dias Ferreira, Manuel d'Assumpção, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Tito de Carvalho, Visconde do Balsemão, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Antonio Ennes, Pereira Borges, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Castro Mattoso, Márteas Ferrão, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. A. Neves, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Borges de Faria, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Bivar, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Pedro Correia, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Barbosa Centeno, Dantas Baracho e Pereira Bastos.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Da camara dos dignos pares do reino, participando que o exmo. sr. Augusto César Ferreira de Mesquita, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 26 do corrente como digno par do reino.
Á commissão de verificação de poderes.

Segundas leituras

Projecto de lei

Artigo 1.º É o governo auctorisado a conceder a Manuel Coelho Lobão, antigo machinista dos pharses, o orde-

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nado de 960$000 réis, que era o vencimento do seu antecessor n'aquelle logar.
Art. 2.° Este vencimento ser-lhe-ha substituido pelo que actualmente percebe como aposentado.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 26 de janeiro de 1886. = O deputado, Santos Viegas.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovâmos a iniciativa dos projectos de lei que tiveram segunda leitura nas sessões de 23 de fevereiro de 1883 e 4 de fevereiro de 1884, os quaes dizem respeito a tornar collativas algumas parochias urbanas da ilha de S. Miguel.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 26 de janeiro de 1886. = Visconde das Laranjeiras (Manuel) = Arthur Hintze Ribeiro = Sousa e Silva.
Lida na mesa, foi admittida e enviada, á commissão dos negocios eclesiasticos.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal de S. Vicente da Beira, solicitando auctorisação para desviar do fundo de viação a quantia de 1:584$164 réis para a construcção de um edificio destinado a duas escolas de instrucção primaria.
Apresentada pelo gr. deputado Reis Torgal, ficando para ser enviada á commissão a que for o projecto nobre o mesmo assumpto, e qne ficou para segunda leitura.

2.ª Da camara municipal do concelho de Celorico de Basto, contra o projecto do sr. deputado Franco Castello Branco, que tem por fim desannexar o concelho de Guimarães do districto de Braga, e ficar pertencendo ao do Porto para todos os effeitos administrativos e politicos.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas, enviada á commissão de administração publica, o mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da camara municipal do concelho de Espozende, no mesmo sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Adolpho Pimentel, enviada á commissão de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

4.ª Da sociedade de geographia de Lisboa, suggerindo a concessão de uma recompensa para os beneméritos exploradores Capello e Ivens.
Apresentada pelo sr. deputado Luciano Cordeiro, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, me seja remettido o processo original, em virtude do qual foi concedida a reforma no posto de tenente coronel a José Sanches Barreto Perdigão. Peço a urgencia. = Luiz José Dias.

2.° Requeiro me sejam remettidos, pelo ministerio da guerra, os documentos pedidos por mim na sessão de 1 de maio de 1885, aos quaes se refere o officio n.° 349. = Luiz José Dias.

3.° Requeiro que seja novamente remettido á commissão ou commissões respectivas a petição de D. Carolina Fernandes Thomás por mim apresentada á camara em sessão de 11 de fevereiro de 1884. = O deputado, Lopes Vieira.
Mandaram-se expedir.

DECLARAÇÕES DE VOTO

1.ª Não estando presente, por motivo de incommodo de saude, á parte da sessão de hontem, em que se votou o requerimento do sr. deputado Vicente Pinheiro, declaro que o rejeitaria se estivesse na camara. = O deputado, Santos Viegas.

2.ª Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem, teria votado a favor da moção do sr. deputado Amorim Novaes. = O deputado, Antonio de Castro Pereira Corte Real.

3.ª Declaro que, se estivesse presente no fim da sessão de hontem, teria votado contra a doutrina do requerimento feito pelo deputado sr. Vicente Pinheiro. = Cypriano Jardim.

Para a acta.

4.ª Declaro a v. exa. e á camara que não compareci hontem á sessão desta casa em virtude de obrigações officiaes, a que não podia faltar, sem quebra dos meus deveres.
Aproveito o ensejo para declarar igualmente que, se houvera comparecido, teria retirado a minha moção, votando a do meu illustre collega o sr. Alves Matheus. = Luiz Jardim.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro a v. exa. que o sr. deputado Luiz Ferreira de Figueiredo faltou á sessão do dia 2 de janeiro por motivo justificado. = Santos Viegas.

2.ª Declaro que faltei á sessão do dia 2 de janeiro por motivo justificado. = J. Alves, deputado por Lisboa.

3.ª Declaro que faltei ás sessões desta camara por motivo justigicado. = Visconde de Alentem.

4.ª Declaro que tenho faltado às sessões desta camara por motivo justiticado. = O deputado, A. de Castro Pereira Corte Real.

5.ª Declaro que o meu collega, o sr. deputado Manuel José Vieira, não tem comparecido às sessões por motivo justificado. = O deputado pela Madeira, João Augusto Teixeira.

6.ª Declaro que faltei á sessão de 2 de janeiro por motivo justificado. = Moraes Carvalho.

7.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que o sr. deputado pelo circulo dos Olivaes, João da Silva Ferrão de Castello Branco, não compareceu á sessão do dia 2 e a mais algumas do corrente mez por motivo justificado. = Antonio Maria Jalles.

8.ª Por motivo justificado faltei às sessões, desde 2 a 26 do corrente. = O deputado, Avelino Cesar Augusto Callixto.

9.ª Declaro que o sr. deputado João Antonio Pinto faltou á sessão de 2 de janeiro por motivo justificado. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

10.ª Declaro que o sr. deputado Arthur Seguier faltou às sessões de 2 a 4 de janeiro por motivo justificado. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

11.º Participo a v. exa. e á camara, que o meu collega e particular amigo João de Sousa Machado, faltou á ses-

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são de 2 do corrente, e terá faltado ainda a mais algumas por motivo justificado. = José Lamare.

12.º Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara, que me não foi possível comparecer nas sessões desta camara nos dias 12 e 20 do corrente mez, por motivo de serviço publico, a que não me era licito faltar. = O deputado Antonio Maria Jalles.

13.ª Declaro que faltei á sessão do dia 2 e a mais algumas por motivo justificado. = Soares Mascarenhas.

14.º Declaro que faltei á sessão do dia 2 de janeiro por motivo justificado. = Luiz Jardim.

15.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões desde 2 de janeiro, por motivo justificado. = Martinho Montenegro.

16.ª Declaro que faltei às sessões da camara desde 2 de janeiro, por motivo justificado. = Venceslau de Lima.

17. a Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado Luiz Ferreira de Figueiredo tem faltado e continuará a faltar a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, José Novaes.

18. â Declaro a v. exa. que o sr. deputado Augusto Barjona de Freitas faltou á sessão do 2 de janeiro por motivo Barjona.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade do dispo «to no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede auctorisação á camara dos senhores deputados, para que. o sr. Cypriano Leite Pereira Jardim, capitão do estado maior de artilheria, possa accumular, querendo, o exercício das funcções legislativas com o da commissão que exerce n'este ministerio.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 26 de janeiro de 1886. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.
Foi approvada.

O sr. Luciano Cordeiro: - Tenho a honra de mandar. para a mesa uma representação tendente a suggerir a concessão de uma recompensa nacional aos beneméritos exploradores Capello e Ivens.
Seria desrespeitar o patriotismo da camara, e a alta e necessária comprehensão que ella tem do seu dever neste assumpto, pretender demonstrar agora os fundamentos da boa rasão que allega a sociedade de geographia, solicitando della. a concessão desta recompensa nacional. Limito-me, pois, a ler a representação.
(Leu.)
Peço a v. exa. que dê o destino conveniente a esta representação, e consulte a camara sobre se consente que ella seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação requerida.
O sr. Lopes Vieira: - Mando para a mesa um requerimento pedindo que seja remettida áa commissões respectivas a pretensão de D. Carolina Fernandes Thomás, dirigida a esta camara e apresentada por mim em sessão de 11 de fevereiro de 1884.
Para facilitar o andamento deste requerimento, lembro-me acrescentar que me consta que esta petição, e respectivos documentos, foram remettidos á conuni&são de fazenda e ficaram em poder do illustre deputado naquella legislatura o sr. Azevedo Castello Branco.
Assim talvez seja fácil dar expediente a este requerimento.
O sr. Reis Torgal: - Embora não veja presente o illustre ministro das obras publicas, mas confiado em que pelo boletim da camara terá noticia da minha reclamação, chamo a attenção de s. exa. para o injustificável estacionamento das obras da estrada 52, de Coimbra a Castello Branco na parte comprehendida entre a serra de Góes e rio Zezere.
Esta estrada destina-se a iniciar uma epocha de prosperidade para o concelho de Pampilhosa, que lucta ingloriosamente ha muitos ânuos por conquistar um pequeno quinhão na partilha dos melhoramentos públicos.
Sei perfeitamente que o illustre ministro, a quem tenho a honra de me dirigir, está animado dos melhores desejos de pôr a sua intelligente actividade ao serviço da cansa publica; por isso confio em que s. exa. tomará na devida conta o meu pedido, que é inspirado no sincero desejo que tenho de contribuir para o engrandecimento deste concelho, que bem merece o favor do poder.
O sr. Santos Viegas: - Por incommodo de saude retirei-me hontem da sala, votando-se depois um requerimento do sr. Vicente Pinheiro. Em consequência disso, mando para a mesa a minha declaração de voto.
Aproveito a occasião mandando tambem para a mesa uma representação da camara, municipal de Celorico de Basto, em que pede que esta camara não attenda ao projecto do sr. Franco Castello Branco, relativo á annexação do concelho de Guimarães ao districto do Porto.
Peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação requerida.
O sr. Adolpho Pimentel: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Espozende, pedindo a esta camara que não approve o projecto apresentado pelo sr. deputado Franco Castello Branco, tendente a desannexar o concelho de Guimarães do districto de Braga.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo,
Approvada a publicação.
O sr. Luiz José Dias: - Mando para a mesa os dois requerimentos seguintes, pedindo esclarecimentos ao governo.
(Leu.)
Peço a v. exa. que dê a este requerimento o destino conveniente e que inste pela remessa destes documentos.
O sr. Eduardo Coelho: - Sr. presidente, pedi a palavra para me dirigir ao governo, e principalmente aos srs. ministro do reino e da justiça, por causa dos acontecimentos no concelho de V alie Passos.
Escuso dizer que não me movem intuitos partidários, nem quero approveitar as occorrencias gravíssimas de 24 e 25 do corrente para desde já censurar o governo por ellas; mas faltaria ao meu dever, como representante do paiz, se hoje não renovasse a minha interpellaçào ao sr. ministro do reino, e não provocasse algumas explicações do sr. ministro da justiça.
Apropriando-me da phrase do sr. ministro do reino, relativamente ao conflicto entre as duas formosas cidades do Minho, Braga e Guimarães, direi que na situação de Valle Passos ha a considerar o antes e o depois, e acrescento por minha conta o durante.
Temos a attender aos factos antes da eleição de 24 do corrente, aos factos occorridos por ocasião e depois della, e aos factos occorridos durante o período decorrido desde que foi annullada a eleição municipal pelo conselho de districto, realisada no mez de novembro do anuo próximo findo.
O sr. ministro do reino declarou hontem, que tão grave julgava a situação do concelho de Valle Passos, que não duvidou mandar já suspender o administrador do concelho, e que ia mandar proceder a uma syndicancia.

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Não posso deixar de applaudir a resolução do nobre ministro, porque na suspensão da auctoridade vejo a confirmação, de que os opprimidos têem rasão nas suas queixas, e na syndicancia indicio de que o governo deseja esclarecer-se. (Apoiados.)
Por este motivo, não posso e não devo, fazer hoje considerações sobre as graves e sangrentas occorrencias de 24 e 25 do corrente; e ainda porque, desde que os povos se concitam, os sinos tocam a rebate e ha já sangue der ramado, não devo proferir palavras que pareçam appello às paixões, estimulo á excitação d'aquelles povos. (Apoiados.)
Não quer isto significar que aquellas occorrencias não terão aqui discussão; desde já me comprometto a discutil-as com isenção e a necessária energia, mas no momento opportuno, e quando for favorável o ensejo para discussões d'esta natureza.
Liquidaremos então todas as responsabilidades. (Apoiados.)
Devo, porém, desde já declarar ao nobre miniatro que precisa ponderar bem a escolha do syndicante e reflectir nas instrucções a dar-lhe.
É necessario que o syndicante dê todas as garantias de seriedade e imparcialidade; aliás é melhor não mandar syudicar. (Apoiados.)
Não posso deixar de reflectir que o delegado do governo, no districto de Villa Real está mais ou menos envolvido nas responsabilidades dos lamentaveis acontecimentos do concelho de Valie Passos, e, embora faça justiça ao seu caracter, talvez não tenha serenidade de animo para informar o governo e ainda menos para ser arbitro na escolha do syndicante.
Não póde ignorar e governo, que já na primeira eleição camarária houve ali occorrencias gravíssimas, e que os seus delegados commetteram as maiores violências e os maiores attentados contra a liberdade eleitoral e garantias individuaes. (Apoiados.)
O que é certo, é que o governo n'aquelle tempo foi de tudo prevenido, e reiteradamente instado para providenciar, e fazer entrar os seus agentes na ordem. Nada fez, e d'aquella impunidade e porventura affouteza do poder central, saíram os luctuosos acontecimentos de agora. (Apoiados.)
Para o meu proposito no momento, basta dizer que a primeira lucta eleitoral já foi violenta, e tão violenta, que uma horda do desordeiros invadiu a assembléa eleitoral de Fiães, poz em fuga o presidente da mesa, e praticaram-se attentados sem nome, offensas á liberdade eleitoral da maior gravidade. Foram as desordens e tumultos da assembléa de Fiães, ou as irregularidades provenientes destes tumultos, que fundamentaram a annullação da eleição naquelle concelho, pelo conselho de districto, em recurso perante elle interposto, ou oficiosamente, o que não sei agora distinguir. Os tumultos e as desordens de Fiães na eleição passada, compellindo o presidente da assembléa a abandonar o seu logar, quando aliás os agentes do governo o deviam auxiliar e proteger, provam que os principaes culpados não são os eleitores, mas a auctoridade local. Invalidada pois a eleição pôr causa das irregularidades, provenientes dos tumultos alludidos, segue-se que o governador civil tinha cabal conhecimento do estado anormal do concelho de Valle Passos; não precisava das informações officiaes do seu subalterno, porque o processo eleitoral dizia tudo, e tanto, que não foi possivel validar similhante eleição. Começa aqui a responsabilidade do governador civil, e portanto do governo.
Conhecendo-se o estado de irritação d'aquelles povos, e não podendo duvidar-se que o administrador do concelho, se não foi cumplice n'aquelles desacatos, foi pelo menos impotente para manter a ordem publica e fazer respeitai-as garantias eleitoraes, o primeiro dever da auctoridade superior era substituil-o por quem melhor soubesse e quizesse cumprir com os seus deveres. (Apoiados.)
Repetida pois a lucta, não era preciso ser grande pró-pheta para calcular, que os ânimos já exacerbados, se tornariam ainda mais ardidos e violentos. É boa a índole da-quelles povos; mas é impressionavel, é brioso, e tem a coragem tradicional dos povos transmontanos.
Uma auctoridade superior prudente devia ponderar os effeitos de uma lucta eleitoral repetida nestas condições, e pôr todo o empenho em que ella não degenerasse numa lucta de ódios, explosindo rancores, chegando ao assassinato político. (Apoiados.}
A auctoridade superior do districto, e, portanto, o governo, não podia dizer aos partidos locaes que se aquietassem, , que enroscassem a bandeira na haste, mas podia e devia substituir o administrador do concelho por uma auctoridade estranha aos ódios locaes, e que, como arbitro sereno, pode-se a todos impor consideração e respeito. (Apoiados repetidos.) De se não proceder assim, temos todos nós a lamentar os tristes successos de agora. (Apoiados.)
Não nos illudâmos. A auctoridade administrativa do concelho de Valle Passos, impotente ou cúmplice na primeira lucta, não se pouparia a esforços e violências para se desforçar da derrota soffrida. (Apoiados.)
Mas ha outros factos gravíssimos, de onde posso deduzir a responsabilidade dos agentes do governo nas actuaes occorrências do concelho de Valle Passos. Não podem ser postos em duvida os factos que vou narrar, e, por isso, o governo, quer queira, quer não queira, ha de acceitar a responsabilidade delles, visto que não engeita os seus delegados.
Annullada a primeira eleição, o conselho de districto designou o dia 24 do corrente, que já agora ficará memorável no? annaes eleitoraes, contendo uma pagina de sangue. (Apoiados.)
Tinha, pois, de proceder-se, antes do dia 24, á eleição da commissão recenseadora, e todos sabem quanto o resultado desta eleição podia influir no resultado da eleição camarária do dia 24.
Não eram só effeitos moraes, encorajando os partidos com uma victoria parcial e preliminar; era para a opposição condição indispensável para a lucta, porque só assim podia fiscalisar os actos eleitoraes e oppor-se com vantagem às demasias dos agentes do poder. (Apoiados.) Por mim digo, que, não sendo dos mais hesitantes para a lucta, jamais me abalançarei a disputar triumphos eleitoraes contra o governo, não tendo a garantir-me a verdade eleitoral : as presidências das mesas. A este estado chegámos! (Apoiados.)
Foi, pois, violenta, como era de esperar, a lucta na eleição da commissão recenseadora, e a victoria coube á opposição pela maioria de 8 votos.
Este triumpho da opposição não fez succumbir os agentes do poder; pelo contrario encheu-os de desespero, e premeditaram o ultimo assalto.
Uma das garantias mais importantes, que as leis eleitoraes consignam nas suas disposições, é por certo o numero e permanência das assembléas eleitoraes.
Quem se der ao incommodo de estudar a historia das violências eleitoraes cabralinas não tem senão a estudar a legislação eleitoral de 1852 e dos annos posteriores.
A revolução que derribara os despostas e os falsificadores do suffragio eleitoral, quiz assignalar o seu triumpho nos monumentos legislativos.
O legislador de 1852 não era um theorico, não fora buscar às theorias abstractas, aos gabinetes dos sábios, princípios e sciencias; estudou a lição dos factos, sabia a historia dos abusos eleitoraes, elevou-os á categoria de crimes, e julgou ter assim garantida a liberdade eleitoral.
A falta de permanência nas assembléas eleitoraes, a falta de numero fixo dessas assembléas, era uma arma fratri-

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cida na mão dos agentes do poder; logo era preciso quebral-a, logo era preciso que a lei fosse clara, perceptiva, categorica n'este assumpto. (Apoiados.)
D'ahi vem que toda a legislação eleitoral consigna o principio salutarissimo da permanencia das assembléas eleitoraes e numero fixo d'ellas, e com assentimento universal de todos os partidos.
Todas as vezes que ha uma remodelação na legislação eleitoral, faculta-se, é certo, a mudança das assembléas e numero d'ellas; marcam-se os prasos para tudo isto se fazer, e com direito aos recursos; mas uma vez feita a mudança das assembléas, decorrido o praso legal para as reclamações, ficam permanentes e só uma lei as póde alterar. O codigo administrativo sancciona o mesmo principio liberal.
Tambem determina que uma vez feita a divisão das assembléas se considere permanente; mas, coherente com o seu systema, deixou, por assim dizer, a tutela e garantia desta disposição legislativa confiada á junta geral.
Na legislação eleitoral só o poder legislativo póde alterar as assembléas eleitoraes; pelo que respeita às assembléas municipaes só essa alteração póde fazer-se, sendo approvada pela junta geral.
Foi, porém, previdente o legislador, que não deixou essa mudança sujeita ao capricho e ao arbítrio partidario, e por isso taxativamente definiu os casos em que essa alteração podia fazer-se.
Chamo a attenção do governo e da camara sobre este assumpto. A eleição municipal fizera-se em Valle Passos, como no resto do paiz, em novembro próximo findo, e tinha de repetir-se, como é sabido, no dia 24 do corrente.
Quer v. exa. saber o que fizeram a camara e a commissão executiva delegada da junta geral? Procederam á divisão das assembléas eleitoreas á ultima hora, o que constitue o maior e mais violento attentado, que eu conheço. (Apoiados.)
Estes factos irritam os animes mais serenos; calcula-se o effeito que elles podem ter nos povos verdadeiramente irritados. (Apoiados.)
Não diga o governo, que não póde dar ordens às camaras municipaes, e que não podia impôr-se á commissão executiva, delegada da junta geral, que é independente nas suas decisões. Isso não illude ninguem. A camara municipal de Valle Passos colmou-se com o administrador do concelho; e, quando de assim não fosse, o administrador do concelho não podia deixar assistir á deliberação camarária, ou pelo menos ter conhecimento d'ella, e portanto é inteiramente responsável por tão inaudita arbitrariedade, por isso que não recorreu d'ella, como representando o ministerio publico perante aquella corporação. (Apoiados.)
O mesmo digo do governador civil. Não póde dar ordens á junta geral ou commissão executiva d'ella delegada, mas póde e deve ordenar ao secretario geral, que recorra de todas as deliberações illegaes, e assim a responsabilidade do delegado do governo é manifesta n'esta verdadeiramente cabralina violencia eleitoral. (Apoiados.)
Diga-me a camara, e diga-me o governo com sinceridade, se o concelho de Valle Passos, desde novembro elo anno findo até às vésperas de 24 elo corrente, soffreu alteração considerável na densidade da população, nos meios ele communicação, ou de augmento e diminuição na sua área? (Apoiados repetidos.)
E estes factos, alem ele outros que já mencionei, não são da responsabilidade do governo? (Apoiados.)
Não foram os seus agentes que atearam o incêndio? (Apoiados.)
Tudo o que tenho exposto serve para indicar á camara e ao governo as causas proximas e immediatas das occorrencias lamentaveis de 24 e 25 do corrente, e de todas as que se succederem posteriormente, servem ainda para mostrar ao sr. ministro do reino, que por certo lamenta estes factos, e que aliás conhece bem quanto são prejudiciaes á política do governo, qual a responsabilidade enorme dos seus seus delegados, indisputavelmente envolvidos nas luctas sangrentas do concelho de Valle Passos.
Cumpre que o sr. ministro reflicta bem nas tristes occorrencias, de que me tenho occupado, para providenciar a tempo, e para mandar syndicar por pessoa estranha às luctas locaes, aliás é melhor não o mandar fazer. (Apoiados.)
Por agora limito-me ao exposto; mas é fácil de prever que os acontecimentos do Valle Passos, nas suas cangas próximas e remotas, hão de ainda ter aqui larga discussão. (Apoiados.)
Por emquanto, é sufficiente saber se que sobre o governo impedem já grandissimas responsabilidades. (Apoiados.)
Não posso sentar-me sem pedir ao sr. ministro da justiça a explicação de algumas palavras, que se me affigurou s. exa. proferiu hontem ao encerrar-se a sessão.
Se não estou em erro, o sr. ministro da justiça, em resposta ao illustre deputado e meu amigo, Castello Branco, disse que agora tinha já documentos, que o auctorisavam a mandar syndicar do poder judicial na comarca de Valle Passos.
Muito bem. O sr. ministro responde do seu logar, que não dissera tal cousa; e n'este caso não tenho que insistir no incidente. Foi equivoco mas, e antes assim, porque, no caso contrario, facilmente mostraria á camara, que o poder judicial n'aquella comarca está isento de todas as responsabilidades, e nem directa ou indirectamente tem concorrido para excitar as paixões, porque só tem cumprido a lei, com inteira imparcialidade e inquebrantavel rectidão.
Não devo, porém, depois da resposta do sr. ministro, insistir n'este ponto. (Apoiados.)
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Parece-me haver uma certa contradicção entre o que hontem aqui declarou o illustre deputado, que tambem hoje começou por declarar que se dava por satisfeito com a resposta do governo, e as arguições que hoje dirige ao governo, tornando-se responsavel pelos acontecimentos de Valle Passos, acontecimentos que, o illustre deputado tem o cuidado de dizer no fim do seu discurso, o governo lamentava como dizer no fim do seu discurso, o governo lamentava como elle.
Por outro lado, começando s. exa. por dizer com toda a sensatez que não era n'este momento, em que se ia inquirir da verdade dos factos; que era conveniente agitar as paixões e discutir este assumpto, sinto que s. exa. n'este momento aproveitasse a occasião para estar fazendo arguições ás auctoridades do governo, quando por parte do governo não se faziam arguições a ninguem, a nenhum partido. (Apoiados.)
N'esta questão, que parece envolver attentados contra direitos individuaes, contra as franquias populares e que póde de algum modo converter-se em questão de ordem publica, o que é conveniente é primeiro averiguar a verdade insuspeitamente. (Apoiados.) E tenha o illustre deputado a certeza de que hei de nomear pessoa competente para a localidade e para todos os agentes do governo, que dê garantia e para todos os agentes do governo, que dê garantia a todos e que não trate senão de averiguar a verdade sem se importar com a filiação politica dis que estiverem envolvidos n'estes abusos. (Apoiados.)
Este é o pensamento do governo; e creio que com isto lucrâmos todos.
Verdade verdade, o paiz não é o ministerio ou a opposição. O paiz somos todos. (Apoiados.)
Os direitos de cada um e as liberdades publicas valem muito mais do que todos os governos. (Apoiados.)
Por consequencia, tratemos de averiguar a verdade, de

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corrigir abusos e de punir quaesquer attentados quando os haja. É este que deve ser o nosso fim, sem agitar as paixões, sem nos colocarmos d'este ou d'aquelle lado. (Apoiados.)
O illustre deputado disse desde já que todas as culpas estão do lado da auctoridade; e como póde ter a certeza d'isso? Quer que lhe venha responder com o que se diz de outro lado e é que as violências têem partido do lado da opposição? Não sei se isto é verdade, porque não posso acreditar no que é inspirado pela paixão de momento; mas eu pergunto ao illustre deputado se quer que venha responder-lhe dizendo, que as queixas são contra o procedimento da opposição? Não acompanho o illustre deputado neste caminho.
Mas por isso mesmo tenho direito tambem de pedir ao illustre deputado, que se não colloque do outro lado, e que deixe desaffrontadas as averiguações a que o governo tem de proceder.
Depois faça os commentarios que quizer e que póde fazer em nome do seu direito.
O governo teve noticia, e effectivamente não podia deixar de a ter, de que, desde que foi annullada a eleição, havia uma certa agitação no concelho de Valle Passos, e mandou força para esse concelho, a requisição da própria opposição.
Ao governador civil mandei ordem para que a auctoridade não interviesse na eleição e para que fosse severo contra quaesquer abusos, partissem elles donde partissem.
Os factos corresponderam a esta ordem?
É o que vamos averiguar e depois é que teremos de pedir a responsabilidade a quem a tiver.
Portanto, n'este ponto, parece-me que o illustre deputado não tem mais nada a desejar, e assim faremos um serviço para evitar abusos futuros e punir os culpados.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Cypriano Jardim: - Mando para a mesa uma declaração de voto identica á do sr. Santos Viegas.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Tenho grande difficuldade em occupar a attenção da camara com assumptos vulgarmente chamados de campanario.
Comquanto uma lei, ha pouco promulgada, assentasse a doutrina de que nós somos, antes de tudo, deputados da Dação, eu não esqueço que tive a honra de vir pela primeira vez ao parlamento com o suffragio dos eleitores de Valle Passos; e desde que um illustre deputado trouxe para a discussão os abusos que, se os houve, eu lamento, e as occorrencias que se deram no acto eleitoral, não posso deixar de corrigir algumas phrases do illustre deputado sr. E. J. Coelho, e tambem de dizer alguma cousa do muito que se me offereceria sobre este assumpto.
Como muito bem disse o sr. Eduardo José Coelho, ha nas occorrencias de Valle Passos o antes e o depois, e eu occupar-me-hei especialmente das causas que desde longe actuaram no espirito e no animo dos eleitores para se chegar às desastradas occorrencias do acto eleitoral.
Não imagine a camara que a violencia das paixões é lá determinada pela maior ou menor sympathia dos meus eleitores, por este ou por aquelle partido.
Todos sabem que muitas das distincções que eu chamarei, não sophisticas, mas subtis, da política portugueza, não chegam ás provincias, onde os partidos estão divididos, não porque a paixão partidária estava accesa no espirito popular, mas pelas relações pessoaes, por causas determinantes muitas vezes alheias á politica.
No concelho de Valle Passos a excitação dos animos é grande desde muito tempo, e é grande, não porque se imagin que o povo vae terçar por este ou aquelle programma politico, mas por que n'elle actuam factores de maior intensidade que lhe determinam a violência das paixões actuaes.
Ha um anno que eu tenho insistido por mais de uma vez em que a administração da justiça ali não tem sido a mais correcta. O illustre deputado e a camara fazem-me a justiça de suppor que não era por animosidade contra, este ou aquelle magistrado, que eu viria lançar sobre o caracter d'elles a responsabilidade de factos gravíssimos. Eu não estava lá, mas tenho recebido insistentes queixas contra actos ali praticados, e o facto é que as circumstancias vieram confirmar inteiramente aquillo que os meus amigos pessoaes e particulares me mandavam dizer, isto é, que a administração da justiça lá se fazia de modo que os ânimos estavam altamente excitados contra alguns magistrados judiciaes. Não especialiso se é este ou aquelle.
O meu amigo o sr. Eduardo José Coelho referiu-se por exemplo, ás violencias praticadas na assembléa de Fiães no ultimo acto eleitoral, e esqueceu-se naturalmente de dizer que por essas violências já estão processados e sem fiança, muitos cavalheiros, que nada tiveram com as violências, nem com os perturbadores da ordem esqueceu-se ao mesmo tempo de dizer que quando a camara municipal de Valle Passos se reunira para decidir sobre a conveniência da melhor destribuição das assembléas eleitoraes, uns díscolos de Valle Passos investiram com a camara, obrigaram-na a suspender a sessão e inutilisaram-lhe os livros das actas; e não me consta que até agora se tenha procedido contra elles. E mais e mais. Ao mesmo tempo que houve uma grande solicitude em proceder contra os cavalheiros que na assembléa de Fiães, não sei se justa ou injustamente, não deixaram que o presidente tomasse assento no acto eleitoral, não houve a mesma solicitude em proceder contra aquelles que investiram com a camara.
Ha muito tempo que se queixam os meus amigos de lá de outros factos que têem muita importância. Chamo para isto a attenção da camara, porque, repito, tenho muita repugnancia em tratar esta questão que não é de molde a interessar muito a camara. Mas desde que ao meu partido, aos meus amigos se imputam factos que eu reputo injustificados, permitta-me a camara que eu lhe apresente alguns para demonstrar que a justiça é de todos nós, e não deste ou d'aquelle. (Apoiados.)
Ha muito tempo que os meus amigos pessoaes se queixam do cuidado especial que ha na escolha das promoções, de modo que sempre para as províncias são elles os proferidos.
Não sei se me expressei correctamente, mas o facto é que havendo vinte, trinta ou quarenta partes dadas ao poder judicial, todas as vezes que se trata dos amigos políticos do juiz ou dos do delegado, ou que se trata dos amigos políticos de ambos os magistrados judiciaes, ha a máxima benevolência, aconselham-se essas partes; e todas as vezes que se trata dos meus amigos políticos ha uma grande solicitude em promover.
Eu dou de barato que esses factos, e outros ainda não sejam verdadeiros; mas, desde o momento em que o sr. Eduardo Coelho se contenta com o procedimento do governo, se contenta com a promessa delle de que mandar syndicar a respeito do concelho, eu peço aos srs. ministros que levem um pouco mais adiante as suas inquirições.
(Áparte do sr. Eduardo Coelho.)
Eu não disse que fosse o juiz ou o delegado.
O juiz está ali ha um anno; não está ali ha um mez, como v. exa. affirmou.
(Áparte do sr. Luciano de Castro.)
Repito, que não especialisei que fosse o juiz ou que fosse o delegado, porque quiz levar a minha imparcialidade até este ponto.
Não desejo que se tire de uma phrase pronunciada mais impensadamente, ou mais rapidamente, a conclusão de que eu accusava o juiz ou o delegado.
Eu não quero accusar ninguém.
O que eu desejo é que, desde que aponto estes factos, o governo leve a sua imparcialidade até indagar de uns a de outros, para ver se as causas remotas que indiquei in-

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fluiram ou não nas occorrencias lamentaveis que se deram ultimamente.
Com relação á phrase do sr. Eduardo Coelho a que os meus amigos alteraram, por meio de uma emboscada, a divisão das assembléas eleitoraes, devo dizer que essa alteração não foi feita por emboscada; foi feita com conhecimento de todos e tanto que se deram na camara municipal os acontecimentos a que me referi, não se tendo ainda procedido, por signal, como s. exa. sabe, contra quem os promoveu.
Não quero occupar a attenção da camara com um assumpto que não é de interesse geral. Limito-me a pedir agora aos srs. ministros do reino e da justiça, ao governo emfim, que, já que por meras affirmações do sr. Eduardo Coelho se deu pressa em syndicar dos actos do digno administrador, e suspendel-o por lhe parecerem irregulares os factos que se deram na eleição, leve adiante o seu sentimento de justiça até averiguar quaes as responsabilidades dos magistrados judiciaes d'aquella comarca. (Apoiados.) É isto só o que eu desejo.
O sr. Barros Gomes: - Queria chamar a attenção do sr. ministro do reino, mas pedia a v. exa. que alterasse a inscripção e que em seguida ao orador que acaba de fallar, concedesse a palavra ao sr. Eduardo Coelho.
O sr. Eduardo Coelho: - Pedindo novamente a palavra para responder ao deputado, o sr. Castello Branco, disse que não queria alongar o debato, visto que o poder judicial, representado por um digno magistrado na comarca de Valle Passos, não está em discussão. Disse que ao exposto acrescia que o illustre representante do circulo de Valle Passos tinha sido muito moderado e circumspecto nas suas apreciações, dizendo que não punha em duvida a integridade de qualquer magistrado. Disse que neste estado da questão, e limitando-se o seu amigo e collega a pedir ao ministro da justiça, que inquirisse ácerca da administração da justiça n'aquella comarca, não tinha que oppor. Que lhe parecia haver equivoco, mas emfim que o governo inquirisse o que julgasse conveniente aos interesses da causa publica. Ponderou, que não havendo accusações contra o poder judicial, como o sr. ministro da justiça afirmou comprehendia o que se queria indicar como irregularidades na administração da justiça.
Declarou que, a haver as indagações pedidas, tinha a firme convicção, de que tudo viria confirmar o que elle, orador, já tinha dito e agora repete: que o poder judicial está isento de todas as responsabilidades nos acontecimentos alludidos, e até na agitação que desde certo tempo se manifesta n'aquelles povos. Mostrou o orador, que o juiz Albano Rodrigues Coelho exerceu ali jurisdicção por espaço de seis annos, e este magistrado, alem de integro, era de um génio conciliador, incapaz de incitar, ou dar forca a quaesquer paixões, das quaes esteve sempre isento. Demonstrou que, depois de terminado ali o sextennio, este magistrado se aposentara, seguindo-se uma longa interinidade, a qual era imputável ao governo. Disse que o juiz substituto era um cavalheiro digno e serio, mas filiado na política governamental, e que ainda por este lado não podia o partido governamental queixar-se do poder judicial.
Disse que o actual juiz de direito ha pouco mais de um mez exerce jurisdicção na comarca de Valle Passos, e por isso não parece a elle, orador, que possam observar-se os seus actos, como tendo influencia nos acontecimentos ; alem de que, como elle, orador, já disse, aquelle magistrado não é capaz de faltar á dignidade do cargo e do poder que representa. O orador fez ainda outras considerações sobre este assumpto, terminando por dizer, que a resposta do sr. ministro da justiça a uma pergunta, que lhe fizera, dizendo que nada havia contra o judicial, não o auctorisava a proseguir neste incidente.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Acho justíssimo o pedido que fez o illustre deputado e meu amigo, o ar. Azevedo Castello Branco, de indagar do modo por que é administrada a justiça na comarca de Valle Passos; é um dever do governo e o governo vae cumprir, disse hontem; não disse, que ia mandar proceder a syndicancias contra o juiz da comarca de Valle Passos; disse que ia inquirir do que lá se passava e depois de informado proceder segundo as leis me auctorisavam.
Até hontem, não havia no ministerio queixa alguma contra os magistrados ou funccionarios d'aquella comarca, que me auctorisasse a proceder.
Hontem, porém, o illustre deputado chamou a minha attenção e fez accusações contra funccionarios e magistrados, e eu disse que ia tratar de inquirir.
Hoje entraram no ministerio da justiça documentos que que levam a proceder com toda a energia, e para não fatigar a camara lerei apenas uns períodos de um officio do ajudante do procurador régio do Porto, que me parece dão graves indicações.
Este officio, dirigido ao delegado da comarca de Valle Passos, diz o seguinte:
(Leu.}
É assignado pelo sr. Augusto Maria de Castro e traz a data de 26.
(Leu.)
O sr. Azevedo Castello Branco: - Ouçam, ouçam.
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - A manifestação da camara não póde apenas significar a attenção que lhe merece o que terminei de ler.
O magistrado que assigna esta declaração sabe cumprir os seus deveres e obrigar os seus subordinados a cumpril-os igualmente, e é por isso que eu lhe dou todo o valor.
Posso assegurar á camara, que se hão de cumprir aã leis e que a administração da justiça na camara de Valle Passos ha de entrar nos seus justos limites.
O sr. Barros Gomes: - Pedi a palavra por ver na bancada do governo o sr. ministro do reino, e tambem por se achar a seu lado o illustre ministro da justiça, cuja3 tendências artisticas são conhecidas e têem até sido celebradas pela imprensa periódica. O meu intento é chamar a attenção do governo para o estado em que só encontra uma preciosidade artística das muito poucas que nós possuímos em Lisboa, e que attrahindo a attenção dos estrangeiros, não parece infelizmente haver fixado a dos nacionaes tanto quanto baste para a preservar da ruína imminente, que a está ameaçando.
Existe na igreja das Mercês uma téla de Rubens, cuja authenticidade póde dizer-se indisputável. Quando muitos outros elementos, como a tradição constante, o estylo peculiar, o cunho da escola não bastassem para o confirmar, é certo haver desde muito uma auctoridade eminente, como o é em tudo quanto se refere a assumptos de bellas artes em Portugal, o conde de Rackzinsky, declarando ao tratar dos quadros, por muitos títulos notáveis que se encontram na freguezia das Mercês, o que está representando o Christo triumphante era incontestavelmente um quadro de Rubens e acrescentava ainda o conde: «uma das mais nobres e elevadas producções do grande artista flamengo.» Noutro logar da sua bem conhecida obra As artes em Portugal, elle dá a existência desse quadro como uma das provas de quanto antigamente o gosto pelas bellas artes se havia desenvolvido em Portugal, sabendo-se apreciar entre nós os bons trabalhos dos grandes mestres.
Tendo, pois, a fortuna de conservar um primor de arte tão notável, é muito para lamentar que nenhum governo, e n'isto não vae censura ao actual, visto referir-me a todos, tenha até agora diligenciado que esse quadro vá enriquecer a nossa collecção do museu nacional. Está claro que é necessario para isso alcançar o consentimento, ou da junta de parochia ou da irmandade respectiva; não sabendo qual das duas entidades é que póde auctorisar a saída d'aquella obra de arte da igreja das Mercês. É certo

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porém que, seja qual for essa entidade, me parece que, appellando-se para os sentimentos do amor do paiz, para o desinteresse a que esse amor obriga, e até corto ponto tambem para a paixão pelo bello, não será muito difficil, mediante mesmo alguma compensação, se tanto for necessário, o que não creio, que o governo consiga o ir aquella preciosíssima tela juntar-se á collecção do nosso museu.
E urge fazel-o. Eu tive occasião de verificar no domingo ultimo o estado em que ella se encontra, e foi profunda a impressão que no meu animo produziu o ver a deterioração quasi imminente a que está sujeita. A circumstancia, que me constou pelo próprio empregado da igreja que me acompanhou ao coro onde esse quadro com difficuldade póde ser visto, por estar muito alto, sendo necessario subir a uma escada para o examinar; a circumstancia, digo, que elle me alarmou, de ser grande o numero de estrangeiros que visitam a igreja com o fim exclusivo de admirar a obra de Rubens, e o poderem elles ver, como eu vi, o sol do meio dia cair em chapa sobre o quadro, apressando a queda das tintas já em grande parte levantadas em escama, deixando prever o numero limitado de annos, ainda precisos, para que de todo desappareça uma das telas mais brilhantes produzidas pelo talento privilegiado d'aquelle grande colorista; tudo isto fez com que eu tomasse sobre mim a resolução de instar vivamente com o governo, na primeira occasião que se me deparasse, particularmente com o sr. ministro do reino, e, se tanto fosse preciso, mettendo por empenho o nobre ministro da justiça, para que s. exas. envidem todo o seu esforço para chamar aquella obra prima ao museu nacional.
Conseguindo-o, bem merecerão da arte o pouparão uma grande vergonha ao paiz.
O museu nacional já hoje possue grande numero de telas de incontestável valor artístico, e não serei eu que negue ao governo actual os louvores que eile merece por ali haver reunido e agrupado os quadros que estavam sujeitos a deterioração no antigo convento de S. Francisco, e que hoje se encontram em condições de uma decente apresentação perante os estrangeiros.
Não discutirei neste momento se teria sido mais conveniente adquirir para o estado, em vez de alugar um edificio particular para n'elle estabelecer o museu nacional, nem mesmo se com as obras ali realisadas para o adaptar a este fim se despendeu ou não o bastante para comprar a casa e tornal-a, como era mais digno e conveniente, propriedade da nação.
Affastarei agora essa discussão, querendo deixar ao governo a gloria de haver conseguido que a exposição da arte ornamental ali se realisasse por forma a tornal-a verdadeiramente valiosa, tanto para a historia da arte em geral, como em particular para a historia da arte portugueza, e que mais tarde organisando-se ali a galeria de pinturas, peia forma por que o está, se assegurasse assim a conservação de monumentos importantíssimos que attestam o que foi a pintura entre nos em epochas mais remotas, particularmente nos séculos XV e XVI.
Mas eu desejaria que o governo fosse mais longe neste empenho, e que empregasse todos os esforços compatíveis com os grandíssimos recursos do thesouro, para reunir no museu de bulias artes todos os quadros de valor que se acham espalhados pelo paiz em differentes igrejas, como, por exemplo, alem da tela de Rubens a que me referi, um admiravel Holbeiu que existia na capella da Bemposta, e que podia e devia ter o mesmo destino.
Creio que a conservação d'este quadro, que não vejo ha muito tempo, não ameaça tanta mina como ameaça o Christo de Rubens, da igreja das Mercês, mas com quantos outros, senão de tão subido, ainda assim de grande mérito, não succederá o mesmo!
Aguardo a resposta do nobre ministro, e tenho a esperança que ella será inteiramente satisfactoria.
O sr. Ministro do Reino (Barjona do Freitas): - O illustre deputado que acaba de fallar, e que mostrou o sen amor ás bellas artes, não podia deixar de esperar uma resposta affirmativa dos bancos dos ministros.
O seu pedido é tão justo e tão util para o paiz, que não possue grande numero de monumentos debaixo do ponto de vista artístico, que não haveria governo nenhum que deixasse de o attender.
Já tinha chegado ao conhecimento do governo que havia esta tola a que s. exa. se referiu. Ha poucos dias ouvi fallar n'ella; e o governo tinha idéa, de não só procurar por to do a os meios, que esta tela fosse recolhida no museu nacional, mas de entender-se com a academia de bellas artes, para se nomear mesmo uma commissão que fosse às localidades, especialmente encarregada de saber onde existem telas e objectos preciosos sob o ponto de vista artístico, para se fazer d'ellas a mais ampla e completa collecção.
Posso, pois, assegurar ao illustre deputado, que hei de tomar todas as providencias a este respeito, para com a indicação dos homens competentes, se chegar a um resultado satisfactorio.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Elvino de Brito. - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me informar se já estão sobre a mesa uns documentos, que pedi, pelo ministerio da marinha e ultramar.
O sr. Secretario (Souto Rodrigues): - O officio requisitando os documentos pedidos pelo sr. Elvino de Brito foi expedido em 12 de janeiro, mas ainda não foi satisfeito.
O sr. Elvino de Brito: - Começou por pedir ao sr. presidente que instasse com o governo para que remettesse á camara os documentos e esclarecimentos que elle, orador, pedira em fevereiro do anno passado, relativos á despeza effectuada pelas verbas destinadas às estações civilisadoras e á emigração africana, e, bem assim, a nota justificativa das despezas feitas para suffocar a rebellião de Massingire.
Tendo o sr. ministro da marinha declarado o anno passado que os vencimentos dos funccionarios publicos na provincia de Moçambique estavam em dia, acontece que em um documento official, publicado no Boletim d'aquella província, se declara exactamente o contrario.
Não podia ser suspeito ao sr. ministro do ultramar o funccionario que, incumbido de inspeccionar os districtos da referida província, affirma por modo categórico e terminante que no districto de Sofala os funccionarios estão em atrazo dos seus vencimentos, vendo-se na tristíssima situação de rebater os recibos sob o peso da agiotagem de 10, 15 e 20 por cento.
De duas uma, ou o sr. ministro estava mal informado, quando o anno passado affirmou o contrario, ou o funccionario que firmou aquelle documento não foi inteiramente verdadeiro na exposição dos factos a que acabara de alludir. Não formulava nenhuma outra hypothese, porque fazia ao sr. ministro a justiça de que era incapaz de vir conscientemente á camara fazer uma affirmação menos verdadeira.
Também não podia deixar de dar á camara conhecimento de um relatório, publicado no Boletim de Moçambique, no qual o funccionario que o firma dá conta do estado de completo abandono em que se encontram os nossos ternários da África oriental. Não faria agora o confronto deste facto com as aventuras a que o governo de coração alegro se entregava nas costas de Dahomey, mas a seu tempo faria a critica que esses factos mereciam.
Também desejou que fosse prevenido o sr. ministro das obras publicas, de que elle, orador, desejava ouvir a sua opinião ácerca da legalidade do decreto de 3 de janeiro de 1884, relativo às escolas industriaes.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Desejo responder em muito breves palavras ao sr. deputa-

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do Elvino de Brito, não só porque a hora de só passar á ordem dia está muito adiantada, como tambem porque já me dei por habilitado para responder às differentes interpellações que annunciou ao ministro da marinha.
Mas respondendo a algumas das suas considerações, digo que vejo não terem ainda sido satisfeitos os seus pedidos quanto á remessa de certos documentos: o que posso affirmar ao illustre deputado é que todos os dias tenho assignado officios remettendo documentos que me têem sido pedidos
De mais, o illustre deputado sabe que o ministerio da marinha está franqueado ás averiguações de s. exa. ou de outro qualquer sr. deputado, e que a accumulação de trabalho não permitte poder satisfazer de prompto ás requisições de esclarecimentos feitos pelos srs. deputados.
Quanto á questão do atrazo do pagamento de vencimentos aos funccionarios da provincia de Moçambique, não me recordo do que no anno passado disse ao illustre deputado; havia de ser o que s. exa. referiu, mas na occasião de responder eu tinha de certo auctorisado algum saque enviado da provincia de Moçambique para satisfazer vencimentos atrazados. Comtudo, é possível que na provincia de Moçambique ainda haja algum atrazo do pagamento aos funccionarios, devido isso a que as receitas, por circumstancias occasionaes, têem decrescido, e a que os cofres da metrópole não podem satisfazer pontualmente a todas as despezas e encargos das províncias ultramarinas.
Vejo que o illustre deputado está constantemente a assustar-se com o déficit colonial; nós chamamos deficit colonial aos encargos que todos as nações têem com as colonias.
As colonias francezas e inglezas largamente desenvolvidas custam á metrópole sornmas enormes, que todos os annos se inscrevem no orçamento, não como deficit, mas como encargo da metrópole com as colonias.
No orçamento da republica franceza para o anno de 1885-1886 a somma que a metropole gasta com as colonias sobe a 34.000:000 de francos, 6.000:000$000 réis. Lá não se chama déficit colonial. E por isso que o illustre deputado apresenta isto como uma calamidade financeira, quando nós com umas colónias que estão no começo do seu desenvolvimento gastámos sommas relativamente pequenas, ao passo que a França e a Inglaterra, com as suas colónias largamente desenvolvidas e que podiam dar para si, gastam sommas enormes. (Apoiados.)
O illustre deputado referiu-se ao relatorio apresentado pelo sr. Serpa Pinto, assim como se referiu tambem a um relatorio apresentado por outro funccionario da provincia de Moçambique a respeito da má situação em que se encontram alguns pontos da provincia.
Folgo muito de habilitar a camara por moio de relatórios, que peço e insto que me enviem, para poder apreciar a situação das províncias ultramarinas, porque esses relatórios servem, não só para esclarecer a camara, mas para me indicarem o muito que tenho a fazer. (Apoiados.)
Parece que o illustre deputado quer tornar-me responsável pelo estado lamentavel das nossas colonias. Ha muitos annos que eu e muitos dos meus antecessores temos procurado attender ao estado dessas colónias com os fracos recursos de que podemos dispor. Mas se eu viesse pedir á camara tudo o que seria necessario para transformar de momento o estado das nossas províncias ultramarinas, a camara apontar-me-ía a situação apertada das nossas finanças. E tinha rasão, porque eu entendo que nem podemos abandonar as nossas colónias, nem dar-lhes desde já tudo aquillo de que carecem. (Apoiados.) O que devemos quanto possível, e sem prejudicar o thesouro da metrópole, é despender o necessario para as ajudar a levantarem-se ao ponto a que podem subir.
S. exa. referindo-se ao que se dizia no relatorio do sr. Serpa Pinto, com relação a alguns pontos desoccupados na provincia de Moçambique, lamentava esse facto, e lamentava igualmente que, havendo desde 1863 reclamações ao sultão de Zanzibar com respeito á bahia de Tungue, não houvesse ali um posto fiscal.
O sr. Serpa Pinto indicava a necessidade de occuparmos aquella bahia, e eu digo a s. exa. que está n'este momento occupada.
O sr. Augusto Castilho mandou lá a canhoneira Quanza, que foi logo seguida pela Vouga e a bandeira portugueza, que até agora não tremulava na bahia de Tungue, está tremulando ali no posto fiscal, affirmando o nosso domínio num terretorio que, se não o occupassemos agora, talvez depois nos custasse a rehaver. (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Está portanto satisfeito o desejo do illustre deputado, e a censura que me fez cáe completamente.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Carrilho: - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer sobre a proposta do governo n.° 21-E.

ORDEM no DIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de resposta ao discurso da coroa. Leu-se na mesa. É o seguinte

PARECER N.° 2

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:
Ferido no coração, quando aprouve a Deus chamar á sua presença meu augusto e sempre chorado pae, de saudosa memória, venho ao seio da representação nacional manifestar esta dor, que vós de certo, senhores, partilhaes commigo, como partilham e sentem todos aquelles que de perto conheceram as suas preclaras qualidades. Commigo e com toda a minha família está de luto a nação inteira, e se eu como filho sinto dolorosamente o golpe, não o sentirá menos o povo portuguez ao lembrar-se de como aquelle Príncipe, nesta terra, que tão leal e dedicadamente adoptou como segunda pátria, foi sempre protector, iniciador e auxiliar de todos os commettimentos que podiam desenvolver ou acrescentar a prosperidade publica, tender á cultura das sciencias e das artes, e contribuir de qualquer modo para o engrandecimento nacional. Pelas manifestações que de todas as classes sociaes tenho recebido em tão penosa conjunctura consigno aqui o meu reconhecimento.

Senhor:

A camara dos deputados da nação portugueza, saudando a presença do1 augusto Chefe do Estado no seio da representação nacional, de novo vem testemunhar a Vossa Magestade a profunda dor que lhe causou o fallecimento de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando, augusto e sempre chorado pae de Vossa Magestade, de saudosa memória. Sirva de lenitivo a Vossa Magestade, e a toda a Família Real, pelo dolorissimo golpe1 que a acaba de ferir, saber que a morte de tão preclaro príncipe foi sinceramente pranteada pela nação inteira, cuja prosperidade e desenvolvimento incessante teve no augusto pae do Vossa Magestade, ao adoptar a terra portugueza como sua segunda pátria, um protector e iniciador leal e dedicadíssimo. As manifestações de todas as classes sociaes exuberantemente asseguram a Vossa Magestade o affecto respeitoso que o povo portuguez vota a toda a Família Real.

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«Dos soberanos alliados e amigos da corôa de Portugal me têem vindo, pela irreparável perda que soffri, expressões de sympathia e provas inequivocas de verdadeira magua que obrigam a minha gratidão. Com os mesmos soberanos e governos das potencias estrangeiras temos continuado a manter boas relações de amisade.

O doloroso acontecimento que poz de luto a nação vizinha, affectou-me profundamente como parente e amigo do monarcha fallecido. De me representar nas exéquias de El-Rei D. Affonso XII encarreguei um membro da minha Familia. Por essa occasião recebi de Sua Magestade a Rainha Regente, e do seu governo, testemunhos de benevolência que fazem estreitar cada vez mais os laços de boa harmonia que existe entre as duas nações da peninsula.

Com geral tranquillidade só procedeu no continente e ilhas adjacentes á eleição dos pares do reino nos termos e em conformidade com o disposto na lei de 24 de julho de 1885, que reformou alguns artigos da carta constitucional. Igualmente se procedeu á eleição da camara do novo município de Lisboa. Nos outros districtos do reino, em cumprimento das disposições legaes, fizeram-se as eleições para a renovação dos corpos administrativos.

Para determinar as linhas divisórias, que limitam entre si as possessões portuguezas e francezas, na costa occidental de Africa, tem o meu governo entabolado negociações com o governo da republica franceza. O desejo sincero de chegar a um accordo honroso para ambas as partes, que tem animado os governos e os negociadores dos dois paizes, faz-me crer que brevemente poderá ser apresentado às cortes o tratado que resolve as sobreditas questões pendentes.

No intuito de garantir o paiz da invasão do choleramorbus, que tem assolado diversas províncias de algumas nações da Europa, e especialmente o reino vizinho, tomou o meu governo medidas rigorosas no uso da auctorisacão que lhe foi concedida pela lei de 27 de junho ultimo. Por effeito dessas medidas, ou porque assim aprouve á Divina Providencia, terminou o ultimo anno sem que o paiz fosse atacado dessa cruel epidemia, que tantas vidas roubou noutras localidades. O meu governo vos dará conta das despezas que foi necessario fazer para salvaguardar a saúde publica.

Usando da auctorisação concedida ao governo pela lei de 31 de março de 1885, foi decretada a reforma das alfândegas, e organisado militarmente o respectivo corpo fiscal. Em vista de outra auctorisacão legislativa foi organisado o corpo de engenheria civil. O governo dará opportunamente conta às cortes destes actos, como lhe cumpre, bem como do uso que têem feito, em relação às províncias ultramarinas, da auctorisação concedida pelo artigo 15.° do primeiro acto addicional á carta. Para a execução de varias leis promulgadas foram publicados os respectivos regulamentos.

Applicando o credito votado para despezas de armamento para o exercito e para a defeza de Lisboa e seu porto, adquiriu o governo algum material de guerra; no qual até ao presente se não tem despendido mais do que
Grata foi á camara a declaração de que os soberanos alliados e amigos da corôa de Portugal transmittiram a Vossa Magestade, pela irreparavel perda que soffreu, expressões de sympathia e provas inequivocas de verdadeira magua, assim como de que temos continuado a manter boas relações de amisade com os referidos soberanos e governos das potencias estrangeiras.
Não podia o doloroso acontecimento, que pôz de lucto a nação visinha, deixar de affectar vivamente o extremoso coração de Vossa Magestade, como parente e amigo do monarcha fallecido. E de grande satisfação é para a camara poder registar a nova de que o membro da Familia Real, encarregado de representar Vossa Magestade nas exequias de El-Rei D. Affonso XII, recebeu, por essa occasião, de Sua Magestade a Rainha Regente, e do seu governo, testemunhos de benevolencia, que denotam como cada vez mais se affirmam as relações de boa harmonia e cordial amisade, que ligam presentemente as duas nações da peninsula.
Folga a camara de que se houvesse effectuado no continente e ilhas adjacentes, sem perturbação da ordem publica, a eleição dos pares do reino, nos termos e em conformidade com o disposto na lei de 24 de julho de 1885, que reformou alguns artigos da carta constitucional, e a da camara do novo município de Lisboa. Igualmente lhe é agradável saber que, em cumprimento das disposições legaes, se fizeram as eleições para a renovação dos corpos administrativos.
Aguarda a camara o resultado definitivo das negociações que o governo de Vossa Magestade entabolou com o governo da republica franceza para determinar as linhas divisorias, que limitam entre si as possessões portuguezas e francezas, na costa occidental de África, e confia em que o desejo sincero de chegar a um accordo honroso para ambas as partes, que tem animado os governos e os negociadores dos dois paizes, habilitará brevemente o governo de Vossa Magestade a apresentar às cortes um tratado que resolva as sobreditas questões pendentes e que mereça a approvação da camara.
A camara apreciará as medidas rigorosas que tomou o governo de Vossa Magestade, no uso da auctorisacão que lhe foi concedida pela lei de 27 de junho ultimo, com o intuito de garantir o paiz da invasão do cholera-morbus, que tem assolado diversas províncias de algumas nações da Europa, e especialmente o reino vizinho. Ou por effeito dessas medidas, ou porque assim aprouve á Divina Providencia, sente a camara extremo jubilo em que houvesse terminado o ultimo anno sem que o paiz fosse atacado dessa cruel epidemia, que tantas vidas roubou noutras localidades.
Examinará a camara a conta das despezas que foi necessario fazer para salvaguardar a saúde publica, e muito estimará poder approval-as.
Também o governo de Vossa Magestade, no uso de outras auctorisações parlamentares que lhe haviam sido concedidas na ultima sessão legislativa, decretou a reforma das alfandegas, organisou militarmente o respectivo corpo fiscal, e por ultimo organisou o corpo de engenheria civil. A camara espera que o governo de Vossa Magestade lhe dê opportunamente conta destes actos, bem como do uso que tem feito, em relação às províncias ultramarinas, da auctorisacão concedida pelo artigo 15.° do primeiro acto addicional á carta, e grato lhe será poder avaliar favoravelmente os referidos actos do poder executivo. A camara regista com prazer a noticia de que a execução de varias leis promulgadas se acha assegurada pela publicação dos respectivos regulamentos.
Regista a camara a declaração de que o governo dó Vossa Magestade, applicando o credito votado para despezas de armamento para o exercito e para a defeza de Lisboa e seu porto, adquiria algum material de guerra,

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as sommas auctorisadas. Tendo-se julgado, porém, conveniente augmentar desde já
aquelle material, e prover sobretudo por modo mais efficaz á defeza do nosso primeiro porto, fizeram-se contratos que vos serão presentes, cujos encargos carecem de sancção legislativa. Vós examinareis este assumpto com a attenção que merece, e votareis como vos aconselhar a vossa sabedoria e patriotismo.

O nosso imperio colonial, que ultimamente tem tomado mais largas proporções, e para o qual se acha mais voltada do que nunca a attenção publica, carece de medidas administrativas que nos limites dos nossos recursos, e das receitas coloniaes, que procuraremos desenvolver, hão de contribuir poderosamente para o melhoramento de tão vastas e importantes regiões. O caminho de ferro de Ambaca, que já foi adjudicado, e o abastecimento das aguas em Loanda, que está contratado igualmente, são duas providencias de grande alcance para a província de Angola. Vós apreciareis as diversas propostas que vos forem apresentadas pelo respectivo ministro, e estou convencido plenamente de que as tomareis na elevada consideração que o seu objecto reclama.

Alguns projectos ficaram pendentes na sessão passada, e outros vos serão apresentados pelos differentes ministerios, no intuito de prover a necessidades de administração que urgentemente os aconselham.

Para todos elles, senhores, chamo a vossa illustrada attenção, mas sobretudo vos convido a occupar-vos dos negocios que respeitam, ao thesouro publico.

O meu ministro da fazenda vos apresentará os orçamentos da receita e despeza do estado para o anno economico de 1886-1887, bem como o orçamento rectificado relativo ao exercício corrente. Apresentar-vos-ha tambem algumas propostas de lei, que, sobre as bases dos actuaes impostos, simplificando o seu lançamento, e fazendo-lhes adquirir maior elasticidade, tendam a produzir mais receita, e sejam menos vexatórios aos contribuintes.

O remodelamento dos impostos directos, exceptuando, porém, a contribuição predial, o uma reforma de pautas, que tenha em vista a simplicidade do serviço, que beneficie o commercio com a facilidade dos despachos, que favoreça as industrias pelo allivio das matérias primas, e que respeite legítimos interesses creados á sombra da lei, quanto seja possível sem prejuízo de outros interesses igualmente legitimos, serão objecto de propostas do governo.

Com essas e outras providencias similhantes e com a moderação nas despezas que imperiosamente se recommen-da, de certo conseguiremos consolidar e melhorar o nosso credito, levando-o até onde nos dá direito a levantal-o a pontualidade com que pagamos os nossos encargos e o progressivo desenvolvimento da riqueza publica.

Para este importante assumpto novamente reclamo a vossa mais seria attenção.

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:
A sessão passada foi longa e productiva, mas consagrou-se principalmente a resolução de assumptos exclusivamente politicos. Esta sessão parece destinada mais particularmente a occupar-se da administração e das finanças havendo despendido nisso até ao presente mais do que sãs sommas auctorisadas.
A camara eetudurá cuidadosamente e analysará com attenção alguns outros contratos que o governo de Vossa Magestade realisou, por haver julgado conveniente augmentar desde já aquelle material, e prover sobretudo por modo mais eficaz á defeza do nosso primeiro porto, contratos cujos encargos carecem de sancção legislativa e em cuja apreciação a camara se dirigirá unicamente pelos motivos de verdadeiro interesse e utilidade publica.
Reconhece a camara que a promulgação de medidas administrativas que, dentro dos limites dos nossos recursos o das receitas coloniaes, que successivamente se desenvolvem, contribuam para o melhoramento das vastas e importantes regiões que constituem o nosso império colonial, está sendo hoje inadiavelmente exigida pela necessidade de preparar um futuro prospero a esse imperio, o qual ultimamente tem tomado mais largas proporções e para o qual se acha voltada mais do que nunca a attenção publica. Pelo que respeita á provincia de Angola, não é licito desconhecer que a adjudicação, já realisada, do caminho da ferro de Ambaca e o contra to, já effectuado, para o abastecimento de aguas em Loanda representam duas providencias de altissimo valor.
A camara apreciará estas medidas e as diversas propostas que lhe forem apresentadas pelo respectivo ministro, e estudal-as-ha com o esmero que a sua levantada importancia por todas as rasões reclama.
Espera a camara que pelos differentes ministerios lhe sejam apresentadas propostas que provejam às necessidades urgentes da administração, e que estudará devidamente, assim como alguns projectos que ficaram pendentes na sessão passada.
Todos elles merecerão, sem duvida, o exame attento da camara, mas nenhum occupará por certo, tão particularmente a sua attenção como os negócios que dizem respeito ao thesouro publico.
Aguarda a camara que o ministro da fazenda lhe apresente os orçamentos da receita e despeza do estado para o anno economico de 1886-1887, bem como o orçamento rectificado relativo ao exercicio corrente, e folgará em que lhe sejam presentes tambem algumas propostas de lei que, sobre as bases dos actuaes impostos, simplificando o seu lançamento e fazendo-lhes adquirir maior elasticidade, tendam a produzir mais receita e sejam menos vexatorios para os contribuintes.
Archiva a camara a noticia de que serão objecto de propostas do governo o remodelamento dos impostos directos, com excepção da contribuição predial, e uma reforma de pautas, que tenha em vista a simplicidade do serviço, que beneficie o commercio com a facilidade dos despachos, que favoreça as industrias pelo allivio das materias primas o que respeite legitimos interesses, creados á sombra da lei, quanto seja possivel sem prejuízo de outros interesses igualmente legitimos.
Confia a camara dos deputados em que, com essas outras providencias similhantes e com a moderação nas despezas, que imperiosamente se recommenda, será possivel consolidar e melhorar o credito nacional, erguendo-o até onde nos auctorisa a erguer a pontualidade com que honrámos os nossos compromissos e o augmento incessante, da riqueza publica.
A camara curará, com toda a attenção, de tão importante assumpto, como o requerem as actuaes circumstancias do thesouro.

Senhor:

Reconhece a camara que, se a sessão passada, longa e productiva, foi principalmente consagrada a resolução de assumptos exclusivamente políticos, a actual sessão parece destinada mais particularmente a occupar-se da administra-

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ças, o que não é de certo menos importante para o paiz.

Na vossa sabedoria e illustração, confio eu plenamente, e espero que, com o favor de Deus, nos empenharemos todos em promover e desenvolver a prosperidade nacional.
Está aberta a sessão.

ção e das finanças, com igual proveito, de certo, para o paiz.
Não esquece a camara quanto é difficil e árdua a missão que lhe cabe desempenhar; espera, porém, que, com o favor de Deus, fortalecida pela sua dedicação sincera aos interesses da patria e auxiliada pela confiança de Vossa
Magestade, poderá proficuamente collaborar com o governo de Vossa Magestade no desenvolvimento da prosperidade nacional.
Sala das sessões da commissão, 15 de janeiro de 1886. = Ignacio Francisco Silveira da Mota = Frederico Arouca = Moraes Carvalho = Correia Barata = Franco Castello Branco = João Arrogo, relator.

O sr. Luciano de Castro: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. que, nem eu, nem os meus amigos políticos discutimos este anno o projecto de resposta ao discurso da coroa, e que nos reservamos para, por meio de interpellações, ou por qualquer outra forma, discutir e apreciar os actos do governo.
Sobre todas as rasões que eu poderia allegar n'esta occasião para justificar o nosso procedimento, prevalece a de não querermos de nenhum modo obstar a que sejam apresentadas com a maior brevidade ao parlamento as propostas financeiras que o governo promettou no discurso da coroa, e termos pressa de entrarmos no exame e apreciação financeira do thesouro, que a muitos se afigura, se não desesperada, pelo menos grave e melindrosa. (Apoiados.) Em face de uma divida fluctuante que se avizinha de 12.000:000$000 réis, de um deficit na gerencia do actual anno economico que é de cerca de 10.000:000$000 réis, e dos pesados encargos que hão de onerar o orçamento do próximo anno economico por causa do aggravamento das despezas publicas, sobretudo das despezas extraordinarias, numa grande desproporção com o crescimento natural das receitas, eu creio que são gravissimas as responsabilidades do parlamento, (Apoiados.) se não se occupar primeiro do que tudo desta triste situação do paiz. (Apoiados.)
Em vista destas considerações prevaleceu em nós, em mim e nos meus amigos políticos, a idéa de que o maior serviço que podíamos fazer á causa publica este anno era não discutir a resposta ao discurso da coroa, considerando-a como um simples acto de cortezia para com El-Rei. (Apoiados.)
Feita esta declaração, consinta-me v. exa. que, sem entrar na discussão do documento de que se trata, eu manifeste o meu sincero sentimento por não ver no discurso da coroa, nem na resposta a esse discurso, a mais leve menção a um acontecimento notável, que no anno findo preoccupou vivamente a attenção publica, despertou o sentimento nacional, agitou o espirito patriotico do paiz, e fez acordar, no meio da epocha de materialismo que vamos atravessando, os actos das nossas antigas glorias, das nossas heróicas tradições.
Alludo áquella heroica e arriscada travessia da Africa realisada pelos nossos illustres compatriotas Capello e Ivens, (Apoiados.) esses missionarios da civilisação e da sciencia, que a nação toda enthusiasticamente applaudiu com admiração unanime pelos seus grandes serviços e pela sua coragem pessoal. (Apoiados.)
A essa involuntaria omissão, porque não creio que fosse calculada, servirão de compensação no futuro os applausos da historia, como já o são no presente os testemunhos do reconhecimento e da gratidão nacional; (Apoiados.) mas penso que não seriam de mais algumas palavras sinceras e justas, em que ficasse bem consignado que os representantes do paiz se associavam às manifestações publicas com que a nação commemorou aquelles extraordinários e brilhantíssimos feitos. (Apoiados.)
Sr. presidente, não desejo que neste momento às minhas palavras se possa attribuir qualquer intenção política ou partidária, e por isso abstenho-me de mandar para a mesa qualquer proposta a este respeito; mas declaro A v. exa. que a votarei com muito prazer, se for apresentada, qualquer que seja o lado da camara de que ella venha. (Vozes: - Muito bem.)
Sr. presidente, neste campo póde bem desfazer-se toda a opposição, e apagar-se todas as divergências partidárias, para só deixar prevalecer um sentimento elevado e nobilíssimo, qual é e reconhecimento nacional por aquelles que, arriscando a saúde e vida, pensaram em servir honradamente o seu paiz. (Muitos apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello):-Sr. presidente, se o illustre deputado se tivesse limitado a dizer, como em muitas circum-stancias é costume fazer-se por parte da opposição, que se abstinha de discutir a resposta ao discurso da coroa, porque se reservava para em occasião opportuna e como julgasse conveniente, tratar as diversas questões, pelas quaes queria chamar a responsabilidade do governo, eu não diria uma palavra á camará; mas como o illustrs deputado, abstendo-se de discutir a resposta ao discurso da coroa, não se absteve de fazer censura ao governo pela omissão que s. exa. encontrou no mesmo discurso, em referencia a um facto que todos nós admiramos, e que tem despertado, não só a admiração do paiz, mas da Europa, em relação á travessia da África pelos illustres exploradores Capello e Ivens, vejo-me na obrigação de dizer duas palavras sómente para justificar o governo da accusação que neste ponto lhe foi feita pelo illustre deputado.
E eu, sr. presidente, antes disso, direi que me congratulo com o illustre deputado pelo empenho que s. exa. mostra em que se discuta promptamente uma das mais importantes questões que interessara a todo o paiz, a questão de fazenda, e que fundamente nessa necessidade impreterivel a sua abstenção na discussão da resposta ao discurso da coroa; sinto somente, sr. presidente, que este mesmo pensamento não tivesse occorrido ao illustre deputado, quando, por parte da opposição, promovera questões que têem levado dias e dias a discutir, como a dos guardas fiscaes e a do incidente entre Braga e Guimarães, que, a dizer a verdade, podiamos ter convertido mais utilmente a discutir a questão de fazenda. (Muitos apoiados.)
Emquanto á omissão a que se referiu o illustre deputado e que imposta censura ao governo, eu direi á camara que o governo, na occasião competente, quando teve conhecimento d'este altíssimo facto praticado pelos dois illustres exploradores, veiu á camara dos deputados, leu o telegramma em que o annunciava, e associou-se com a camara toda nos applausos respeitantes ao acto praticado por aquelles dois benemeritos. (Apoiados.)
Sr. presidente, como o discurso da corôa é apresentado às cortes, como é com as côrtes que se falla, por parte do augusto chefe do estado, mas com responsabilidade do governo, como não é costume dizer duas vezes a mesma cousa ao mesmo parlamento, o governo julgou, que, sem por esse facto ter em menos conta a importancia do facto praticado

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pelos illustres exploradores, não necessitava novamente apresentar às côrtes a sua opinião a esse respeito.
Aqui está a rasão da omissão - omissão, que não o foi - porque o governo em tempo competente apresentou às côrtes o documento em que mostrava que effectivamente se tinha feito tal travessia e associou-se com o parlamento aos applausos perfeitamente merecidos, com que elle saudou aquelle illustre facto. Aqui tem portanto a resposta, por parte do governo, á omissão citada pelo illustre deputado.
Se acaso não fosse esta a consideração que nos tivesse movido, não fosse este facto que nos impedia de na minha opinião e na do governo, ter novamente de tratar aquelle assumpto, nós não podiamos deixar de tomar a iniciativa sobre este objecto, e por todos os modos ao nosso alcance, afirmarmos mais uma vez a nossa admiração e a nossa consideração, pelo facto praticado pelos dois illustres exploradores Capello e Ivens.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Elias Garcia: - Mantenho a opinião, que mais de uma vez apresentei nesta camara, de que é este o ensejo mais apropriado, para apreciar a politica do governo; e quando tantas vezes se repete ser indispensavel tratar principalmente das questões de finanças e de administração, quando mesmo n'este documento se diz, que se o anno anterior for destinado ao exame das questões politicas, esta sessão legislativa deverá ser consagrada às questões de administração e de finanças, mais me confirmo na opinião de que convem abrir debate sobre este documento, desembaraçar completamente o terreno, para que não estejamos a tratar da politica por incidentes e para que a façamos com toda a franqueza, com toda a lealdade, com toda a lisura.
Bem sei que os incidentes já debatidos nesta camara, de algum modo nos dão a feição politica do governo, nos mostram como elle procedeu no intervallo parlamentar, mas nem por isso entendo que seja desnecessário accentuar mais, qual foi a politica do governo, qual é a politica que elle tem, e qual é principalmente a politica que elle se propõe seguir, pelo programma ou pela indicação dos trabalhos, para os quaes chama a attenção da camara.
Diz-se em um dos trechos do discurso da coroa, e na parte correspondente da resposta, que serão apresentadas ao parlamento medidas ou providencias que provejam às necessidades urgentes da administração, mas o governo abstem-se cautelosamente de dizer quaes são essas necessidades urgentes da administração, que trata de attender; quaes são as provincias da administração a que se referem as propostas que tenciona apresentar.
É certo que no mesmo documento se diz logo, que todas essas providencias merecerão, sem duvida, o exame attento da camara, mas que nenhuma occupará por certo, tão particularmente, a sua attenção, como os negócios que dizem respeito ao thesouro publico.
É certo, que um dos nossos mais distinctos publicistas, ha pouco escrevia, que deveriamos principalmente tratar das finanças, e era essa a politica que nos devia occupar; e afigura-se-me que o illustre chefe do partido progressista, que ha pouco acabou de fazer a declaração de que se abstinha de entrar no debate sobre a resposta ao discurso da coroa, por pretender occupar-se principalmente da questão financeira,afigura-se-me, digo, que o illustre chefe do partido progressista perfilha exactamente a opinião do publicista que me referi. Esse publicista dizia que as finanças deviam ser a nossa politica e por essa occasião lembrava a phrase do barão Luiz: "Dae-me boa politica, dar-vos-hei boas finanças".
Parece-me que o publicista a que me referi, e o chefe do partido progressista confundem e baralham o que não se póde confundir nem baralhar.
Elles entendem que póde haver boas finanças sem boa politica, ou julgam que a politica e as finanças são como os dois factores de um producto que se podem alterar na sua ordem.
Entendo que estão enganados; só politica boa é que póde dar boas finanças. Por isso entendo que a primeira cousa de que precisa um parlamento é definir clara e terminantemente a sua posição em presença do governo, para que se saiba bem qual é a politica que tem o governo, e a que toem os que o não seguem. Depois podemos entrar serenamente das questões de administração, tratando-as cada um segundo o seu credo, as suas opiniões e os seus intuitos politicos.
Effectivamente, sr. presidente, o illustre publicista a que me refiro, tem tratado das finanças, e não só elle mas outro escriptor igualmente competente no assumpto; quer um, quer outro, andam ha tempos para cá enlevados no estudo de saber qual é o estado do nosso thesouro, e um e outro tratam com igual solicitude, e igual carinho, de saber se a nossa situação financeira é mais ou menos grave do que foi em outros periodos do governo constitucional. E estes dois contendores não são inimigos, nem sequer mesmo adversários; e é notável que um e outro recommendem cautela e moderação nas despezas, e cheguem a este resultado partindo de pontos inteiramente oppostos. Um diz que o nosso deficit não é um facto que se apresente fimples e unicamente como uma anomalia, como uma excepção; pelo contrario o nosso deficit é persistente, systematicamente persistente e systematicamente crescente, ao passo que o outro assegura que o deficit declina e por isso é cada vez menor.
E assim que, comparando dois periodos financeiros; no periodo que decorre de 1868-1860 até 1876-1877, nove an-nos económicos, as receitas tiveram um augmento médio annual de 1.132:000$000 reis; ao passo que as despezas, no mesmo periodo tiveram o augmento médio annual de 854:000$000 réis, vindo assim a haver entre as receitas o as despezas o saldo favorável para as receitas, 276:000$000 réis.
Isto, como disse, no periodo de 1868 a 1877; ao passo que, no periodo de sete annos que decorre de 1877-1878 a 1883-1884 houve nas receitas o augmento medio ansual de 708:000$6000 réis e nas despezas o augmento medio annual de nada menos de 722:000$000 réis, o que quer dizer que em vez de haver saldo favoravel para as receitas, havia um deficit medio annual de 14:000$000 réis.
Ora, como os dois illustres contendores chegaram á conclusão de que era indispensável attender ao estado do nosso thesouro, e que era necessario moderar as nossas despezas; e um disse que o deficit tinha decrescido, ao passo que outro asseverou que o deficit tinha augmentado, ha portanto aqui algum erro, que se insinuou nos elementos que a nossa contabilidade nos apresenta, erro que induziu provavelmente os dois apreciadores e criticos do estado do nosso thesouro a chegarem a conclusões inteiramente diversas.
Sr. presidente, n'este ponto eu não faço reparos absolutamente nenhuns às observações feitas por parte dos que sustentam que o deficit não é tão grande como se afigurou a outros; noto apenas a explicação dada, e é que no periodo de 1877-1878 a 1883-1884, em um dos annos, uma verba das receitas figura por uma importância muito grande, ao passo que nos últimos annos essa importancia estava largamente reduzida; de forma que era indispensável applicar uma rectificação áquelles elementos, e applicando essa rectificação, em vez de se encontrar oaugmento de deficit, achava-se diminuição, porque nesse caso o augmento das receitas n'aquelle periodo era de 5.253:000$000 réis; e o augmento das despezas de 4.336:000$000 réis; e o que dava uma differença entre a receita e a despeza de 917 contos. E, sr. presidente, cousa singular, este augmento de 9l7:000$000 réis, distribuido pelos sete annos, dá uma diminuição do deficit de 131:000$000 réis por anno; e eu não tenho agora aqui á mão o deficit do anno de

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1884-1885, mas lançando as vistas sobre a proposta de lei da receita e despeza apresentada este anno pelo sr. ministro da fazenda, vejo que s. exa. nos diz que o deficit de 1886-1887 é de 1.747:000$000 réis, isto é, menos réis 137:000$000 do que no anno de 1885-1886, o que quer dizer que, até certo ponto, concorda a diminuição no deficit deste anno em relação ao anno anterior, com a diminuição d'elle no periodo de sete annos, feito o calculo com os elementos a que me referi.
Deste modo poderemos ter já a certeza de que o deficit acabará dentro de certo periodo, porque reduzido a réis 1.747:000$000, dentro de treze ou quatorze annos acabará completamente.
Quer dizer que, estando nos em 1886, ao cabo de treze ou quatorze annos, não teremos deficit, e podemos registar a grata noticia de que nos despediremos do século XIX sem deficit e entraremos no século XX num estado financeiro era que a receita equilibrará com a despeza.
Eu não digo agora nem que o deficit tenha augmentado nem que tenha diminuido.
Não me inclino para a opinião d'aquelles que declaram que o deficit cresce persistentemente, nem quero inclinar-me para aquelles que, por fazerem uma rectificação nos elementos da contabilidade, asseguram que elle tenha decrescido, mas o que peço é que me dêem rasão quando tenho insistido tantas vezes para que os elementos da contabilidade estejam organisados de forma que sejam comparáveis, porque, se introduzirmos em certos annos verbas que não tenham as correspondentes, normalmente nos outros annos, é necessario estar sempre a fazer rectificações, e a comparação entre diversos annos, sem essa rectificação, que muitas vezes não é fácil saber como deve applicar-se, póde comduzir a erro para mais ou para menos.
É indispensavel organisar os orçamentos e a escripturação das contas por forma que não se envolvam entre as verbas ordinárias outras extraordinárias que perturbam os cálculos e permittem que possam uns dizer que o deficit cresce, e outros assegurar que diminuo.
E é indispensavel fazer isto, porque uma cousa boa já se fez.
E eu não costumo occultar a minha opinião favoravel a uma cousa boa que encontre; tenho sempre por habito render homenagem a quem na minha opinião a merece.
Esta cousa boa foi a apresentação da proposta de lei para o encerramento definitivo de seis exercicios, proposta apresentada pela primeira vez pelo sr. ministro da fazenda.
E se não posso deixar de applaudir a apresentação desta proposta, que é uma novidade, e uma boa novidade, já não posto ir com o meu applauso mais longe, porque com esta novidade vem outra, a dos créditos complementares, phrase que não encontro no nosso regulamento de contabilidade, e que e aqui apresentada pela, primeira vez por parte de todos os srs. ministros, porque este documento tem a assignatura de todos elles.
Se o regulamento de contabilidade foi um adiantamento neste ramo de serviço, como me parece que foi effectivamente, e a sua execução torna dignos de louvor os que empregam todas as diligencias para que os documentos sejam publicados; se isto é assim, não me parece que se possa notar ao auctor da lei de contabilidade o esquecimento de attender ao facto que obrigou os srs. ministros a usarem uma phrase nova na contabilidade. Refiro-me aos creditos complementarei.
Está-me parecendo que aos ministros que tomaram a iniciativa da lei da contabilidade, não lhes passou pela mente que houvesse necessidade d'esses creditos complementares, tão habituados estavam a ouvir repetir todos os annos que os créditos supplementares deviam ser abolidos, que não queriam de certo, digamos assim abrir outra válvula por onde surgissem os chamados creditos supplementares.
Em verdade, é que são esses creditos complementares? São excessos de despeza; excessos que vem desde o exercicio do 1877-1878 até ao de 1882-1883, que correspondem á gerência, não só deste governo, mas de outros.
Parecia-me muitissimo conveniente e mais conducente ao melhoramento das finanças, que os partidos, ao serem chamados ao poder, evitassem estes excessos de despeza.
O facto que aponto não póde redundar em louvor de governo algum, porque todos elles têem incorrido na mesma falta.
Agora o que me resta é esperar que depois do encerramento definitivo d'estes exercicios, os governos se preparem para gerir financeiramente de modo que não seja necessario recorrer a estes novos creditos complementares.
E com isto não faço uma censura, limito-me apenas a registar os factos como elles são.
A proposta de lei apresenta esta novidade dos creditos complementares, de que não trata o regulamento de contabilidade, porque ao legislador não lhe occorreu que elles seriam necessários, por não deverem as despezas exceder os creditos auctorisados.
Também na legislação de certos povos não se encontravam penas para faltas ou crimes de certa ordem, por se suppôr que não podiam ser commettidos.
Segundo as declarações que ha pouco fez o sr. José Luciano, a questão de fazenda ha de ser tratada em occasião opportuna pelos ministros do partido progressista, que entenderam dever ausentar-se da sala porque não tomavam parte na discussão da resposta ao discurso da coroa. Como tenho de referir-me ao partido progressista, folgaria muito vel-o nesta sala, mas a sua ausência não me embarga a voz, e cá espero os meus collegas em outra occasião.
Eu notei que o governo não apontasse entre as providencias que deviam attender a necessidades urgentes, quaes eram essas providencias, porque fico em duvida sobre se o governo ainda está hesitando sobre quaes sejam essas providencias, ou se de facto se esqueceu dellas.
Ainda ha pouco o illustre chefe do partido progressista que declarou abster-se de tomar parte neate debate, entendeu dever lembrar ao governo a falta que elle havia commettido de não inscrever no discurso de corôa algumas palavras que significassem perante o parlamento a satisfação e alegria, que tinha sido a satisfação e alegria de nós todos, ao sabermos da travessia gloriosa dos distinctissimos oificiaes da nossa armada, Capello e Ivens.
Neste documento não se allude, confessou-o o sr. presidente do conselho, á travessia feita pelos dois illustres exploradores, porque já á camara se dera conhecimento do facto, e acrescentou s. exa. que o feito nacional era tão grande que todo o paiz se tinha associado a elle.
N'este ponto discordo das observações do sr. presidente do conselho, porque se tratava, não só da travessia, mas da recepção feita pelo paiz, do movimento nacional em que todos tomaram parte; e só posso concordar com s. exa. em que esse feito é tão grande, a fama d'elle chegou já a tal ponto, que não cabe o consignal-o n'este documento. E por isso não proponho um addicionamento, e antes deixo essa honra ao chefe do partido progressista, já que foi elle o primeiro que referiu o facto.
De outros pontos, que não tem de certo a magnitude d'este, se me afigura ter-se esquecido tambem o governo.
Parecia-me que bem ia ao governo dar conhecimento á camara de certos factos occorridos no intervallo parlamentar, bem como das vantagens que da execução de um certo numero de leis advinha ao paiz, á administração publica.
Tenho aqui o relatorio geral do conselho superior de instrucção publica, conselho que é creação deste governo. Este relatorio devemol-o á benignidade desta camara e não ao governo, porque foi por solicitação nossa que esta camara teve a bondade de permittir, que na lei se consignasse o preceito de que, o relatório apresentado pelo conselho, fosse publicado.

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SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1886 229

Se à camara não fosse tão benevola, não tinhamos este documento, porque naturalmente ficava nas gavetas das secretarias, sem que fosse possivel trazel-o á luz publica, como succede com tantos outros.
N'este documento diz-se, e mais de uma vez, que ha necessidades urgentissimas a satisfazer com respeito á instrucção publica.
Tendo-se creado o conselho superior de instrucção publica, tendo funccionado no anno findo pela primeira vez, e tendo-se publicado o relatório em que se apontam necessidades na instrucção que é urgentissimo remediar, mal parece que o governo e principalmente o sr. ministro do reino se esquecesse do seu conselho e das providencias por elle indicadas, esquecendo-se assim da instrucção publica que tantos cuidados e desvelos deve merecer a todos.
A camara ha de notar que já em outras occasiões se tem chamado a attenção dos srs. ministros para o estado da instrucção em geral, e principalmente para o estado da instrucção secundaria.
Diz se n'este relatorio que a reorganisação da instrucção secundaria é urgentissimamente requerida, e comtudo o sr. ministro do reino nem sequer nos annuncia a apresentação de alguma proposta concernente ao assumpto.
Se nós estivéssemos em duvida a respeito da solicitude do sr. ministro do reino para com a instrucção publica, teriamos um facil desengano ao ler o Diario do governo de ante-hontem. Ahi vem uma prova concludentissiraa da solicitude e do cuidado com que s. exa. trata dos assumptos de instrucção publica. Refiro-me ao Diario do governo de 25 d'este mez, onde vem publicado um decreto, cautelosamente datado de 30 de dezembro, regulando de um modo diverso o que estava estatuido no regulamento da lei de 2 de maio de 1878, com respeito às commissões inspectoras das escolas normaes, porque, pela nova lei relativa ao municipio de Lisboa, a junta geral do districto deixou de ter a seu cargo um certo numero de despezas com as escolas normaes, que passaram para o estado.
Mas o estado descansou com respeito á execução deste artigo déste, porque só em 25 de janeiro, só tardiamente, o sr. ministro do reino publicou o decreto a que me referi, decreto que, apesar de datado de 30 de dezembro ultimo, só póde ter execução, creio eu, depois de publicado no Diario do governo.
Isto mostra a solicitude especial com que o sr. ministro do reino se occupa das questões de interesse publico.
Não ha prova mais cabal da sua solicitude.
Basta que tomemos de cima d'aquelle fogão o Diario do governo, que lá está, para se ver como o sr. ministro do reino se esqueceu durante vinte e cinco dias da publicação de um decreto, de que já se tinha esquecido não sei quantos mezes de fazel-o assignar e referendar, porque se tratava de uma medida que devia começar a executar-se no mez de janeiro d'este anno.
Mas ha outros pontos que são igualmente esquecidos no documento.
Todos nós sabemos que de ha um certo tempo para cá se falla no mau estado da nossa agricultura.
Todos nós sabemos que ha annos começaram os trabalhos de um inquerito agricola, e esses trabalhos foram postos de lado, ao que parece, porque nunca mais se ouviu fallar n'elles.
Mas se agora chegou á occasião de cuidar das cousas de administração e de finanças, pondo completamente de parte a politica, parece-me que deviamos tratar do que póde desenvolver a riqueza publica, occupando-nos do que póde contribuir para augmental-a, porque, por mais medidas que se tomem com respeito a finanças, se não houver matéria collcctavel, essas medidas para nada servem. O sr. ministro das obras publicas nada nos diz a respeito da agricultura.
Parecia que o sr. ministro das obras publicas, que entrou de novo para o governo, nos podia trazer alguma cousa, fructo dos seus estudos durante os ocios da governação; estava naturalmente indicado que s. exa. lembrasse alguma providencia com respeito ao estado agricola do paiz, com respeito á questão que tantas vezes tem chamado a attenção, não só dos agricultores, mas dos consumidores, e de todos; pois é notável que nem um só palavra se diga neste documento com respeito a quaesquer providencias relativas ao fomento agricola, e digo fomento, porque não basta empregar esta palavra apenas sob o ponto de vista de certos melhoramentos materiaes, como tem feito o sr. presidente do conselho.
Mas não são só estas medidas que esqueceram. Ha algumas que podiam escapar, porque os srs. ministros não voltam sempre as suas attenções para ellas, mas ha outras que deviam estar tanto na sua mente que não as podiam esquecer.
Por exemplo, uma que esqueceu ao sr. ministro do reino.
S. exa. que está á testa da administração civil, parece que devia sentir por isso mais á necessidade d'esta medida, a necessidade do registo civil.
O sr. ministro do reino, quando foi ministro da justiça, conheceu a necessidade do registo civil.
Já lá vão sete ou oito annos; nestes sete ou oito annos s. exa. passou da pasta da justiça para a do reino, pasta onde devia sentir mais a necessidade do registo civil, d'aquelle registo civil de que nos fallava ha sete ou oito annos como uma medida inadiável; pois nem sequer se lembra d'elle, está completamente esquecido de tal assumpto.
O que se me afigura é que de ha um tempo para cá s. exa. anda apostado, empenhado, em deitar fora todas as apparencias e exterioridades de liberalismo com que se enfeitou durante muito tempo!
Não, posso achar a rasão porque seja isto. Só se fosse com receio do illustre presidente do conselho; mas em verdade o illustre presidente do conselho é sempre, como aqui se tem dito tantas vezes, de uma cortezia inexcedivel, que de certo não é por causa de s. exa. que isto acontece; mesmo por outro motivo, porque quando o sr. ministro do reino julgou, que está medida era inadiavel, tinha por companheiro no governo o illustre presidente do conselho. Por consequência s. exa. não é, não póde ser quem embaraça esta medida; o embaraço vem de outra parte e não sei a quem o attribua.
Sr. presidente, se acaso me fosse licito, talvez dissesse, que o sr. ministro do reino está com um certo receio do seu collega da fazenda, porque em verdade aqui ha una dias o sr. ministro da fazenda nesta camara tomou uns taes ademanes, uma tal posição, uns taes ares de

Sic volo; sic jubeo; sit pro ratione voluntas.

Que bem parecia s. exa. andar menos empenhado em organisar a guarda fiscal, do que em formar uma guarda pretoriana; verdadeiramente pretoriana, e com que cuidados s. exa. tratava de vestir, agaloar e graduar essa guarda de modo que ficasse, como auctoridade, bem pintada e sarapintada! (Risos.)
Mas não receava que a taes auctoridades se applicasse o que dizia o grande orador francez: "L'autorité, entre les mains d'un parvenu, le rend insolent..."
E é a isso que de ordinário fica reduzida sempre a auctoridade, quando não é conquistada justa e devidamente, mas é simples e unicamente distribuida pelas graças e favoritismos do poder, a este ou áquelle parvenu!
A hora está muito adiantada e eu não queria deixar de concluir hoje, mas em verdade, da parte de que mais desejava occupar-me, nem sequer comecei a fallar.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - O illustre deputado é sempre tão cordato nas suas observações, que não duvidará explicar, se a sua citação franceza é dirigida a mim; o logar que occupo conquistei-o pelo meu trabalho no parlamento.

Página 230

230 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Orador: - Não é... No que disse não me referi a s. exa., referi-me á auctoridade constituida por este modo; e esta phrase não tem o caracter de referencia pessoal, porque o proprio orador francez a completa dizendo: «et s'il ne l'etait pas, il paraitrait encore tel».
Por consequencia, não se supponha, que eu me referi ao illustre ministro, o que quiz simplesmente foi frizar bem o risco e o perigo em que se incorre, quando se pretende por este modo constituir a auctoridade, e não por aquella fórma, que me parece mais conveniente, para que seja prestigioso, como o deve ser, e respeitada como convém tambem que o seja.
A hora está bastante adiantada, não desejava ficar com a palavra reservada; mas ver-me-hei obrigado a isso, porque tenho ainda alguns pontos que desejo tocar; ha porém um a que não desejo deixar de referir-me já e é ao que vou ler. E parece-me que o governo se terá encontrado n'uma situação difficil para redigir este trecho.
Podia-se tambem dizer n'este caso, já que estamos em tempo de citações, e citações sem querer melindrar, nem o governo, nem as pessoas dos srs. ministros, podia dizer-se com respeito a este trecho o que disse o nosso Garrett, dando certo nome a uma comedia, nome que não quero repetir agora, para não ferir melindres, mas em todo o caso direi que o governo n'este caso, fallou verdade, sem dizer a verdade.
O trecho a que me refiro é o seguinte:
«Com geral tranquillidade se procedeu no continente e ilhas adjacentes á eleição dos pares do reino nos termos e em conformidade com o disposto na lei de 24 de julho de 1885, que reformou alguns artigos da carta constitucional. Igualmente se procedeu á eleição da camara do novo municipio de Lisboa. Nos outros districtos do reino, em cumprimento das disposições legaes, fizeram-se as eleições para a renovação dos corpos administrativos.»
O governo teve o cuidado de referir que se procedeu ás eleições dos pares do reino, segundo a lei de 24 de julho, e depois diz:
«Igualmente se procedeu á eleição da camara do novo municipio do Lisboa.»
Quer dizer, o governo intercalou exactamente a referencia á eleição da municipalidade de Lisboa, entre a que fez á eleição dos pares e á eleição das corporações administrativas no resto do paiz, citando n'uma, a lei em virtude da qual as eleições se fizeram, citando n'outra as disposições legaes; sendo cauteloso em dizer só o que é verdade, isto é, que as eleições da camara de Lisboa se fizeram; sem acrescentar, que foram feitas na conformidade da lei.
Por consequencia fallou verdade mas não a disse toda. Antes assim, do que recorrer ao expediente, incontesta velmente muito mais condemnavel, de acrescentar que as eleições se fizeram na conformidade da lei; melhor foi que só dissesse que as eleições se fizeram, deixando em duvida se respeitando a lei, se infringindo-a.
Sr. presidente, parece-me ter dado a hora, e por isso peço a v. exa. consinta que, bem contra a minha vontade, fique com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Não passo a ler estas propostas de lei que tenho a honra de mandar para a mesa, pelo adiantado da hora. A camara dispensa-me de o fazer agora e desculpa-me de alterar assim os seus habitos.
Não só apresento algumas propostas de lei de minha iniciativa, mas renovo a iniciativa de tres, uma das quaes era do sr. presidente do conselho quando ministro das obras publicas, a respeito da construcção de casas baratas para as classes pobres, e as outras duas do sr. Antonio Augusto de Aguiar. De todas faço menção no relatorio que precede estas propostas de lei, que mando simplesmente para a mesa, para depois serem tomadas sobre ellas as deliberações que a camara entender.
O sr. Presidente: - Estas propostas de lei, apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas, ficam sobre a mesa para serem lidas na sexta feira.
A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões, e para sexta feira a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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