SESSÃO N.º 17 DE 31 DE JANEIRO DE 1896 133
Todos conhecem a minha attitude na questão politica, pelas declarações que tenho tido occasião de fazer em vários debates das outras legislaturas, e espero que os meus actos subsequentes comprovarão o que acabo de dizer.
Quanto á feição económica, desde que faço parte dá camara (desde 1890, com excepção da sessão de 1893, tenho a honra de ter assento nesta casa), é a feição agricola a minha predominante. E quero conserva-a agora mais de que nunca, visto nesta camara achar-se representada dignamente a classe agricola pelos mais distinctos agricultores de todas as regiões do paiz, cavalheiros cuja auctoridade está comprovada por uma longa pratica de negocios agricolas de sua propria exploração.
E, ao mesmo tempo vejo, tambem com satisfação, igualmente representada, a benemérita classe dos agrónomos diplomados; e, entre elles, estilo dos mais preclaros professores da nossa escola superior de ensino agricola.
Ainda bem que a agricultura portugueza póde ter, no seio do parlamento, devotados defensores, talvez como nunca teve. Por isso, mais do que nunca, conservarei a minha feição agricola, bem dizendo a óptima camaradagem de onde me póde vir lição util.
Dadas estas explicações, eu passo a expor a doutrina da representação da vereação transacta da camara de Torres Vedras. A representação tem por synthese esta espécie de enunciado do estado geral da questão agricola: nós não produzimos pão para comer, não temos oiro para o comprar, e temos muito vinho sem saber a quem o vendor, e dentro em pouco tempo mais ainda havemos de ter.
Esta situação é dolorosa. E, posto que as condições económicas e financeiras do paiz estejam agora mais desafogadas do que estavam em 1890, não o estão ainda por forma a podermos tranquillisar-nos inteiramente. A questão economico-agricola traduz-se exactamente pelo que acabo de dizer. Está condensada na synthese da representação da camara municipal de Torres Vedras.
Alargar, a cultura cerealífera, restringir a da vinha e procurar mercados para collocar os nossos vinhos, sito problemas económicos cujas soluções nos conduzirão á resolução completa da questão agricola. Será possivel? Ato certoponto é. Eu não tenho bastante auctoridade para fallar em cultura de cereaes; mas como pertenço a uma região essencialmente agricola, debaixo da feição cerealífera, não posso deixar de dizer algumas verdades. Pelo ultimo inquérito agricola reconheceu-se que a cultura do trigo não podia continuar, sem que cada 10 kilogrammas deste cereal valessem 600 réis.
Parecia que a cultura cerealífera deveria ter augmentado com este fundamento económico certo. Pois ainda assim não é tão viavel como póde parecer a s. exas.
E as rasões são estas: ou se trata da cultura em terras maninhas, cuja arroteia immobilisaria enormes capitães, com demorada remuneração, o que é um onus pesadíssimo; ou, então, para forçar a producção, são precisos labores profundos e estruracções energicas nos terrenos causados, o que obriga a emprego de importantes capitães circulantes.
E, em qualquer dos casos, o seu preço é tão elevado nos mercados do nosso paiz, que o lavrador, que tenta estes expedientes marcha para a sua ruina.
Eu, que sou d'aquella região, posso dizer que a geração que nos succeder ha de continuar a presencear o phenomeno agricola archaico, que será a continuação da rotina da cultura arabe, porque é a unica economicamente possivel. No momento historico actual o unico capital barato no Alemtejo é a terra! emquanto assim for, a cultura não póde ser senão extensiva. Só poderemos cultivar pelos processos modernos de cultura chamada intensiva, quando houver dinheiro barato!
Os proprietarios ruraes e agricultores do Alemtejo dispensam todos os favores da protecção excepcional a troco de dinheiro a baixo premio. Não me causarei de dizer o que muitas vezes tenho dito n'esta camara.
"Nós não produzimos porque não temos dinheiro, e não temos dinheiro porque não produzimos."
Só um braço potente que podesse cortar este circulo vicioso, e introduzir n'elle elementos novos de vida, resolveria a questão. Pôde ser, mas não me parece que as circumstancias actuaes sejam as mais propicias para estabelecer o credito agricola; e por isso dispenso-me de recommendar ao governo este meu anhelo, que é o de nós todos, proprietarios e agricultores.
A região alemtejana, que é sem duvida o celleiro do paiz, muito lucraria com & facilidade da acquisição de capitães baratos. Eu mesmo, com as minhas limitadíssimas faculdades de estudo, já tentei, quando deputadopor Evora, na legislatura de 1890 a 1892, abrir um inquerito ácerca da maneira como se poderia manter o credito agricola na vasta provincia do Alemtejo. O resultado obtido não correspondeu completamente á minha espectativa, porque a administração e direcção gratuitas dos bancos ruraes, que viessem a estabelecer-se, eram as bases tão sómente acceitaveis pelo governo de então, para o estabelecimento destas instituições economicas.
Outra tentativa poderia ser emprehendida para diminuir o deficit da nossa producção cerealifera. Era fazer uma propaganda activa a favor da transformação dos nossos habitos do alimentação.
S. exas. sabem, sem duvida, porque são muito illustrados, a propaganda que os modernos hygienistas têem feito a favor do pão completo, que é sem duvida de aspecto menos encantador para os olhos, mas de bom sabor e de optimo resultado para o estomago. Todo o mundo sabe isto. E, apesar disso, todo o mundo continua a alimentar-se com o pão incompleto, a que falta em grande parte os elementos plasticos.
Uma parte dos elementos do pão completo dirige-se especialmente á constituição dos alimentos respiratórios, e a outra, a mais importante, e que elle tem em muito maior quantidade do que o pão de farinha branca (alva), constituo a alimentação azotada da economia do corpo humano.
Ainda ha pouco li no Petit journal uma serie de artigos do sr. Pierre Giffard, em que elle aconselhava, com o mais vivo enthusiasmo, a toda a população de Paris o uso do pão completo, em vez do pão de luxo. E fez mais. Depois de conseguir que as camadas superiores d'aquella grande população comessem do pão completo, convenceu os productores, os padeiros, a fabricarem este pão; o que elles fizeram, desde o momento em que começou a ser procurado pelos consumidores.
A restricção da cultura da vinha é talvez uma necessidade económica nacional, dentro do pouco tempo, especialmente n'aquelles terrenos baixos, marginaes dos grandes rios, onde o elevado nivel da camada aquífera convida á sementeira dos trigos de primavera.
Emqnanto não houver uma lei protectora para a cultura cerealífera em terrenos maninhos, como a que se promulgou para a reconstituição dos vinhedos devastados pela phylloxera, não diminuirá o deficit da producção dos cereaes.
A cultura da vinha é um phenomeno de economia rural absolutamente condemnavel, quando feita nos terrenos destinados naturalmente á cultura dos cereaes, como succede nos terrenos que têem elementos sufficientes para esta cultura, ainda mesmo já em plena estação estival.
Quem não conhece o trigo, das sete semanas, das sementeiras serôdias dos valles do Tejo e Sado?!
Equilibrar estas duas culturas, uma representando a maior necessidade publica, e a outra sendo a maior riqueza do paiz, não seria facil, visto que estamos, felizmente, em pleno regimen de liberdade, e a cultura da vinha dá por emquanto maior remuneração do que a cultura cerealífera. É a miragem enganadora de momento.