SESSÃO N.° 17 DE 31 DE JANEIRO DE 1896 141
attenuantes do sen procedimento, que assim se converte em culpa venial, que mesmo pelos principios da moral póde ser absolvida e considerada, talvez, como "feliz culpa".
Em todo o caso, não desejo, que ao meu voto se dó a significação de connivencia, nem que este meu acto seja considerado como de cumplicidade. Assim como não sou solidário nas responsabilidades, pelos actos exercidos por qualquer dictadura pretérita, assim tambem não quero, que da minha indulgência actual se tire argumento, nem precedente, que auctorise no futuro dictaduras do qualquer espécie e natureza. Sou systematicamente contra todas as dictaduras, e por ellas mantenho toda a minha repugnancia.
Não me referirei às differentes dictaduras, que, proficientemente têem sido apreciadas por diversos oradores; mas não posso deixar de referir-me especialmente a uma, de que fui testemunha e victima, como deputado da nação.
A primeira vez que vim ao parlamento, em 1870, foi esta camara dissolvida por uma dictadura militar, de todas, a mais despotica e feroz. Recordo-me ainda, como se fora hoje, da profunda impressão de desgosto e das graves decepções, que experimentei nesse dia memoravel, 19 de maio de 1870, que ficou, por muitos títulos, celebre nos fastos da nossa historia politica.
Na madrugada d'esse dia, de triste recordação, acordei sobresaltado ao som de salvas repetidas de artilheria, dadas no castello de S. Jorge, e que, despertando os echos da capital, acordavam tambem os seus pacificos habitantes.
Imaginei, na minha ingenuidade, que se tratava de celebrar algum acontecimento de gala e regosijo publico, algum extraordinário jubileu...
E já agora esta palavra, que era exclusivamente do domínio ecclesiastico, passa tambem a ter foros 5 consagração, para uso parlamentar. Imaginei, repito, que se celebrava com solemne jubileu algum acto patriótico e festivo pelo triumpho da soberania nacional, das liberdades publicas e correlativas immunidades parlamentares, tão preconisadas sempre, e agora mesmo, pelo illustre deputado o sr. conselheiro Dias Ferreira!...
Pura illusão... Desengano atroz!...
Passando a inquirir dos factos extraordinarios, occorridos na calada da noite antecedente, soube, com tanta surpreza, quanta indignação, que o paço real tinha sido, não acatado, como devia ser, mas atacado ignobilmente, á mão armada, pela soldadesca infrene e revoltada!...
Soube que, "nas horas do silencio, á meia noite", segundo a phrase de um nosso insigne escriptor, essa força revoltada, sob o cominando de uma espada prestigiosa, havia coagido o poder moderador, o chefe supremo, inviolável e sagrado da nação, aliás em tempos normaes, em tempos de paz e tranquillidade publica, impondo-lhe a demissão do ministério, não pelos meios legaes, mas pelo argumento irresistível das bayonetas!. ..
Este foi, evidentemente, o primeiro acto de acatamento e de respeito pela soberania nacional!... (Apoiados.)
O segundo, não foi inferior a este. Recordo-me tambem ainda, da impressão triste e dolorosa, que nos causou o facto de encontrarmos fechadas hermeticamente as portas do parlamento e guardadas com sentinellas á vista, quando nós, os representantes legitimes do paiz, nos dirigiamos às cortes, para ah? desempenharmos o nosso mandato, como era nosso dever, e usarmos dos direitos que nos tinham sido conferidos pelos nossos eleitores!... (Apoiados.)
Era por esta forma insólita, que foram ainda acatadas e respeitadas as prerogativas parlamentares, a soberania nacional e as liberdades publicas, hoje tão energicamente apregoadas pelo illustre deputado que iniciou este debate, . e que é o mesmo possante e illustre estadista, que n'aquella occasião logrou sobraçar simultaneamente todas as pastas da administração publica. (Apoiados.)
Não pretendo melindrar o sr. Dias Ferreira, que estimo ver presente, para lhe assegurar, que tenho por s. exa. toda a consideração e respeito, e que não1 desejo mesmo ser-lho desagradavel. Não posso, porém, deixar de rememorar estes factos, ainda que antigos, da nossa historia politica, que nos servem de lição e offerecera ensinamento eloquente.
Concordo, por isso, com o que muito bem disse o sr. presidente do conselho de ministros a este respeito: que, embora as palavras do sr. Dias Ferreira nos encantem e deliciem os ouvidos, comtudo, nem os seus actos e processos de administração, nem os seus exemplos políticos, conseguem commover-nos, nem edificar-nos, nem convencer-nos. (Apoiados.)
Vou, portanto, synthetisar a minha opinião e consubstanciar as minhas idéas sobro o assumpto, adoptando e reproduzindo o pensamento de um grande publicista francez, mr. Emilio de Girardin, que nos diz: de onde provém, que os astros se movem em plena liberdade no espaço, sem se encontrarem, e sem nunca se chocarem entre si? Provém de que cada um d'elles se mantém e se movo na sua orbita, som poder d'ella sair.
Esta ordem astronomica é o que constituo o equilibrio universal.
E um equilíbrio igual, que deve manter-se na ordem politica.
A nossa carta constitucional estabelece as bases e assegura as condições deste necessario equilíbrio, estatuindo a divisão, independência e harmonia dos poderes políticos, de que depende a ordem, a liberdade e a segurança dos direitos dos cidadãos. Convém, pois, que não se perturbe esta ordem, este equilibrio. Convém que cada um saiba exercer a sua libérrima acção, dentro dos justos limites da esphera restricta de suas attribuições. (Muitos apoiados.)
Justificada esta primeira parte da minha moção, tenho de referir-mo a outro assumpto, grave e melindroso, para que fora provocado na ultima sessão, sendo este o motivo especial e unico, que me determinou a pedir a palavra sobre a ordem, sentindo não me ser dado então usar d'ella.
Hoje sinto-me bastante embaraçado e terei de restringir e eliminar muitas considerações, que tencionava expender, visto não estar presente o sr. conselheiro Marianno de Carvalho, e não haver provavelmente quem o substitua na generosa defeza dos ausentes, tanto da predilecção de s. exa. Foi effcctivamente o sr. Marianno de Carvalho quem interpellou todos os ecclesiasticos, que têem assento nesta assembléa, e os chamou á autoria, por causa dê algumas phrases do relatorio, ambíguas, é certo, e que, por isso, demandam explicação, depois da interpretação, que s. exa. lhe dera, depois do sentido desfavorável, em que accentuadamente as tomara.
Na rapida leitura d'esse relatorio havia-me passado desapercebida uma tal significação, attribuida a estas phrases, que não me tinham, impressionado mal nesse momento, - francamente o confesso, - porque não lhe ligara o sentido, que lhe ligou o sr. Marianno de Carvalho) que tão preoccupado se mostrou com ellas, que lhe produziram escrúpulos de consciência e até insomnias, como s. exa. affirmou, e todos nós temos obrigação de acreditar.
Mas s. exa. não determinou precisamente quaes eram essas phrases; e por isso o sr. relator, que lhe succedeu no uso da palavra, não as explicou, como, estou certo, as explicaria, e muito satisfatoriamente, segundo creio.
Em todo o caso, referem-se ellas evidentemente a uma possível conquista de aspirações politicas, a um programma platonico de ideal philosophico, a um provável regimen de vida nova, num futuro mais ou menos remoto, muito eventual, em que, supprimidas subtilezas metaphysicas e realisadas outras problematicas condições, advirá o preconisado triumpho e predomínio da crença positiva. Vejâmos, porém, textualmente, os periodos suspeitos o incriminados pela critica meticulosa;