142 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
"E essa invasão na esphera do poder legislativo, repetida amiudadamente por todos os partidos, por todos os estadistas, por aquelle mesmo que a si proprio, em linguagem repassada de candura o ardente amor da liberdade, se proclamava "implacavel inimigo das dictaduras", bem póde ser que traduza os symptomas de uma epocha renovadora na historia politica dos povos. Esse phenomeno, contradictorio e extranho, significará, porventura, o indicio prematuro de um ulterior regimen, caracterisado pela suppressão de subtilezas metaphysicas e profundas modificações no parlamentarismo; regimen possivel e provável, quando a dictadura, operada a transformação mental no espirito collectivo, triumphanto a crença positiva, eliminados os hábitos de retrocesso e extinctos obscuramente, com o cunho de retrógrados, os denominados revolucionarios, seja por essência progressiva, sem jamais ser anarchica."
Eu creio, pois, que o illustre relator discorria sob o ponto de vista politico e philosophieo, o não no sentido religioso. A natureza do assumpto, o scopo a que mirava, o confronto dos períodos antecedentes e consequentes, tudo nos induz a essa convicção.
Bastava, porém, considerar a qualidade dos cavalheiros, que constituem a commissão, e que assignaram o relatorio sem declarações, posto que este documento seja da responsabilidade do seu auctor, cavalheiros tão distinctos pelo seu talento, pelo seu caracter e pelas suas crenças religiosas; bastava, repito, essa consideração, para que tal convicção attingisse o grau da evidencia.
Entre outros, recordo me e aponto o illustre deputado, que já foi presidente desta camara, monsenhor Santos Viegas, de cuja orthodoxia e illustração a ninguem é licito duvidar.
O sr. Quirino de Jesus, no próprio appellido tem a justificação das suas crenças catholicas, de que tem dado demonstração publica, tanto na imprensa como aqui no parlamento.
O sr. Luiz Osorio, meu compatrício e amigo, que tambem faz parte da commissão do bill, ninguem ignora, que é um crente profundo e um poeta distinctisBÍmo, que tem sabido affirmar as suas convicções religiosas e delicados sentimentos noa mais altos e aprimorados conceitos dos seus discursos e dos seus escriptos.
Julgo, por isso, que são sinceras as suas crenças, que, de mais a mais, têem o condão de serem realçadas pelas honrosas tradições de sua nobilíssima familia. (Apoiados.)
E evidente, pois, que estes cavalheiros, e todos os outros que subscreveram o relatorio, não auctorisariam com o seu voto, nem mesmo com o seu nome um documento que contivesse doutrinas heterodoxas, contra as quaes protestariam, ou fariam convenientes declarações, posto que, como já disso, os relatorios sejam da immediata responsabilidade dos seus auctores.
Eu proprio, que não assignei tal documento, teria protestado n'esse caso, ou no caso de ser verdadeira a interpretação, que se pretendeu dar aos considerandos, a que me tenho referido.
Eu não posso, em verdade, convencer-me do que pessoas tão serias e respeitáveis viessem para aqui preconisar o positivismo, como systema religioso, predominante no presente ou no futuro, para antepol-o á benéfica e salutar doutrina do Evangelho, o não posso convencer-me disto, porque, ha poucos dias ainda, nós jurámos manter fiel e inviolavelmente a religião catholica, que é a religião do estado. (Apoiados.)
Eu, por mim, creio que este juramento não é uma formula banal, do significação vã, uma formula de convenção, sem effeitos praticos, antes creio que elle traduz nitidamente as crenças vivas do todo o paiz, as crenças do parlamento e as crenças do próprio governo. (Apoiados.)
Alem d'isso, outras rasões me levam a crer, que o illustre e talentoso relator não tratava de assumptos religiosos, que seriam completamente descabidos num documento d'esta indole e d'esta ordem.
Todos nós sabemos, que o illustre relator, o sr. Fratel, tem revelado um espirito culto, altas faculdades de talento e largas aptidões de trabalho.
Possuindo s. exa. verdadeira orientação scientifica e philosophica, exercendo imparcialmente o seu elevado critério histórico, usando mesmo dos modernos processos de investigação experimental, e empregando os methodos exactos de observação justa e conscienciosa, certamente não abraçaria um systema, como o positivismo, que está julgado pelos homens mais notáveis da sciencia e considerado morto, em face da propria critica scientifica, da critica philosophica e da critica historica.
É certo que o positivismo não resiste á critica, conforme proficientemente o demonstrou o grande sábio mr. Pasteur na academia franceza, condemnando este systema como o menos experimental, menos scientifico, que póde imaginar-se.
Já que me referi a mr. Pasteur, peço licença para abrir um parenthesis, a fim de declarar, que na próxima sessão apresentarei uma proposta, como já se praticou na outra casa do parlamento, para que na acta respectiva se lance um voto de sentimento pela morte d'aquelle eminente sábio, mr. Pasteur, que tanto honrou a sciencia, (Apoiados} que tão relevantes serviços prestou á humanidade (Apoiados) e que bem mereceu tambem da religião (Apoiados.)
Mas, proseguindo na mesma ordem de idéas, facil é demonstrar que mr. Pasteur fora um benemerito da religião catholica, pois que no sou discurso de recepção na academia franceza, a que já fiz referencia, descarregou golpe fatal sobre o positivismo, e por tal forma pulverisou o systema de Comte, que o proprio Renan se viu obrigado a renegal-o, declarando em resposta ao novo academico: "Eu não sou Comtistan." Nem mesmo concedeu o mérito da originalidade ao positivismo, que é simplesmente considerado o methodo de observação, mas desvirtuado, que Descartes havia erigido em systema, e que, applicado por um espirito robusto o por um philosopho como elle, não o impedira de permanecer catholico firme e decidido. "Este methodo, affirma ainda Pasteur, remonta mesmo a Archimedes, e Laplace e Lavoisier foram seus partidarios."
Emquanto a Littré, discipulo de Comte e um dos maia notáveis coripheus do systema positivista, todos conhecem a transformação, que, nos últimos annos de sua vida, se operara nas suas crenças e nas suas idéas, em virtude de um notavel phenomeno psychologico, produzido pela decepção o pelo desmentido, que a propria experiencia e observação dos factos se encarregara de dar às suas theorias.
Todos conhecem a brilhante conversão dessa alma purissima para os esplendores da verdade religiosa, que induzira este verdadeiro sábio a renunciar a todas as idéa a, a todas as theorias antigas, que chegaram a causar-lhe repugnancia e até vergonha.
De Renan basta dizer, que, falsificando a historia e a hermeneutica, para apear o Redemptor do seu divino pedestal de gloria, se vira forçado a confessar a authenticidade dos evangelhos canonicos, em que se patenteia a verdade histórica e se confirma a divindade do christianismo...
Sr. presidente, não pretendo abusar da paciencia da camara, por isso, abstenho-me de expender mais largas considerações, attinentes a este assumpto especial.
Pretendo sómente affirmar as minhas crenças e confirmar a verdade das crenças catholicas, professadas pelo povo portuguez, de que todos nós somos legítimos representantes.
Direi, portanto, em geral e em resumo, que todos oa systemas religiosos, todas as theorias philosophicas, que aspiram a substituir o christianismo, embora architectadas pelos mais possantes engenhos, têem baqueado, para não mais se erguerem, emquanto esta divina religião de Jesus, sempre nova e viva na consciência humana, campeia, so-