SESSÃO N.º 17 DE 31 DE JANEIRO DE 1896 145
isto que explica tambem essa despreoccupação, no momento da partida, a que se fez referencia.
Mas, nem por isso, esses benemeritos, que nos sertões africanos fizeram baquear a pratica ominosa da idolatria, da escravatura e dos sacrifícios humanos, nem por isso deixam de ser dignos de jazer junto desse argonauta, que abriu novos caminhos maritimos e mundos novos para as conquistas incruentas da fé e da civilisação. (Apoiados.) Nem por isso deixam de ser dignos de jazer ao lado do cantor immortal das nossas vetustas glorias, esses novos heroes, que, embora não tivessem escripto estrophes, nem poemas, escreveram comtudo, com o sangue de suas veias, nas paginas diamantinas da nossa historia colonial, e sellaram com os ultimos e inspirados alentos de sua vida, essa moderna epopeia nacional, que nos engrandece tambem á face do mundo inteiro! (Apoiados.)
Se a gratidão e a arte nacional não poderam offertar aos que lá morreram, "dilatando a fé e o imperio", nem pantheons soberbos, nem mausoleus sumptuosos, consagrados á perpetuação de sua memoria posthuma, é certo, que a Providencia e a natureza offertavam, para, glorificação dos que ficaram sepultados na immensidade dos mares, um pantheon mais grandioso, um mausoleu mais bello, em cuja limpida superficie vão reflectir-se essas esplendorosas e infinitas constellações que povoam o firmamento e illuminam o universo! (Apoiados.)
É n'essa immensa uma de puro crystal, digna de gigantes e de heroes, e que o sol tambem illumina, espargindo n'ella os iriados reflexos de sua deslumbrante luz, é nessa uma transparente e formosa, que nós e as gerações do porvir, poderemos, ao menos pela phantasia, admirar o ver, como num espelho brilhantissimo, o titanico e incessante esforço dos nossos soldados, que, apesar de mortos, ainda se debatem, em eterna peleja, contra as ondas encapelladas, ainda se agitam, em febril convulsão, n'essas voragens profundas e mysteriosas, como que para nos advirtirem, de que, ainda depois da morte, nós devemos, pela memoria, sempre viva, pelo exemplo inolvidavel dos feitos heroicos legados á posteridade, pugnar e pugnar sempre pela patria, sem tréguas, nem descanso! (Apoiados.)
Os que lá ficaram sepultados n'esses areaes adustos da Africa, esses ainda nos estão advirtindo tambem, pela lição e incentivo d'esse eloquentissimo exemplo, de que devemos manter sempre a todo o transe, á custa do nosso sangue, da propria vida, a pureza das crenças religiosas e a integridade do solo portuguez! (Apoiados.) É sobre as ossadas desses nossos irmãos, martyres do dever, que está hasteado e tremula, triumphante, o estandarte glorioso das quinas, que é simultaneamente o symbolo augusto da religião e da patria! É para que estes dois sentimentos, consubstanciados n'um só e indivisivel affecto, se mantenham sempre vivos e identificados no coração do povo portuguez, que fomos, ainda hontem, orar no templo de Deus por alma desses nossos saudosos irmãos, alma nobilíssima e immortal, como o principio eterno, do que dimana, e que parecia estar-nos supplicando era fervorosa prece: a conservae, conservae sempre, como em deposito sagrado, a riquissima herança, o precioso thesouro da fé de nossos maiores, que foi o principio de nossa grandeza epica no passado, que é a mola mysteriosa e providencial, que impulsiona o nosso resurgimento actual, e determina as nossas novas victorias e gloriosas conquistas, e que será ainda a grande força, a condição essencial da nossa rehabilitação e felicidade futura! Civilisae, pois e conservae sempre, como penhor sacrosanto das nossas crenças e da nossa independencia, esses preciosos e abençoados territorios, regados com o nosso sangue, o em que repousam os nossos despojos mortaes: e assim dormiremos, tranquiliza, o somma eterno, seguros de que as mãos sacrilegas do selvagem não irão revolver e profanar as nossas cinzas, e de que os pesados pós do estrangeiro não conculcarão mais a nossa humilde sepultura!" (Apoiados - Vozes: Muito bem.)
É por tão imperiosos motivos, sr. presidente; que peço permissão para transmittir esta mesma supplica ao esclarecido critério e recta consciência do parlamento, como legitimo representante dos altos interesses, das vivas crenças e justas aspirações de toda a nação.
O meu maior e mais vehemente desejo é que no santuário das nossas igrejas não se apague nunca a luz redemptora da fé: é que esta flamma sacrosanta nunca se extinga no seio das nossas escolas, no lar de nossas familias, e onde quer que palpite um coração verdadeiramente portuguez. (Muitos apoiados.)
Peço desculpa de ter abusado da paciencia da camara, e agradeço, muito penhorado, a attenção e benevolencia, com que se dignou escutar estas desalinhadas expressões, desalinhadas, modestas e humildes, sim, mas sentidas, espontâneas e dictadas por um coração profundamente crente, sem hypocrisia nem fanatismo, por um coração genuinamente e intransigentemente portuguez. (Apoiados.)
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(Orador foi muito comprimentado.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
A camara dos deputados, a quem compete, como um dos ramos do poder legislativo, velar na guarda da constituição e na exacta e rigorosa observancia das leis do reino, affirma o seu proposito de cooperar na indispensável harmonia dos poderes politicos, e de respeitar fiel e inviolavelmente a religião do estado.
Confia que o poder executivo, restabelecendo e conservando, intemeratos, os foros parlamentares, as regalias legitimas da liberdade e o império da lei, não exorbitará mais da esphera restricta das suas attribuições, e assegurará o conveniente predomínio das crenças catholicas, professadas, quasi unanimemente, pelo povo portuguez, e continua na ordem do dia. = O deputado, Antonio José Boa-vida. .
O sr. Ferreira de Almeida: - Desejava ser rápido no uso da palavra, mas umas referencias que lhe têem feito, obrigam-no a ser mais largo na sua exposição.
Diz que na collecção de medidas decretadas pelo governo em dictadura, elle figura com trinta e tres decretos, sendo vinte e quatro de marulha e nove do ultramar, decretos dos quaes resultou, desde já, uma economia de 52 contos de réis.
Mais dezesete decretos tinha preparado, e que não chegaram a publicar-se, referindo-se seis á marinha, dez ao ultramar e um á acquisição de material naval.
Indica um a um os decretos que promulgou, explicando as causas que os originaram e a economia que d'elles resultou, ficando ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte, por ter dado a hora.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, guando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Deu a hora. Se v. exa. quizer póde ficar com a palavra reservada.
O Orador: - Sim, senhor.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha1 é a mesma que vinha para hoje e mais a reforma do regimento da camara.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Documentos enviados para a mesa nesta sessão
1.° Dos ex-arbitradores judiciaes das comarcas do Villa do Conde, Moncorvo, Montalegre, Villa Nova de Foscôa,