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N.° 17

SESSÃO DE 31 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Cosia Santos

Secretarios - os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

O sr. presidente participa ter sido recebida por Sua Magestade a deputação encarregada de apresentar a resposta ao discurso da corôa - Lê-se um officio do segundo districto criminal de Lisboa, acompanhando um processo - Têem segunda leitura, e são admittidas, duas propostas de renovação de iniciativa, apresentadas pelo sr. Dantas. - O sr. Thomás Sequeira apresenta uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.º 38, de 1892, e propõe que seja aggregado á commissão do orçamento o sr. Vargas. Esta ultima proposta é approvada. - Renova a iniciativa do projecto de lei que apresentára em 1883, relativo ao collegio dos orphãos do Porto, o sr. Patricio. - Trocam-se explicações entre o sr. Adriano Monteiro e o sr. presidente com referencia á omissão de uma formalidade - O sr. Adriano Monteiro, apresentando uma representação da camara de Torres Vedras, fundamenta-a com largas considerações ácerca do precario estado da agricultura. Responde ao sr. Monteiro o sr. ministro das obras publicas. - Presta juramento o sr. Diogo de Macedo. - Manda para a mesa uma representação o sr. Amadeu Pinto. - O sr. Cincinato da Costa requer esclarecimentos pelos ministerios da fazenda e obras publicas, e faz algumas considerações com referencia ao que acabara de dizer o sr. Adriano Monteiro -Apresenta uma representação dos ex-arbitradores das comarcas do Porto o sr. Correia de Barros. - Os srs. Candido da Costa e Teixeira de Vasconcellos apresentam requerimentos de interesse particular. - Justificam as suas faltas às sessões os srs. Dantas da Gama, Patricio e Miguel Dantas.

Na ordem do dia o sr. Mello e Sousa couclue o seu discurso começado na sessão anterior. - O sr. João Arroyo, declarando abster-se de tomar parte na votação do projecto em discussão, porque entende que a camara, votando-o em conformidade com o modo por que é apresentado, assume funcções de poder moderador, apresenta uma proposta relativa aos limites de idade nos postos inferiores ao de coronel. - O sr. Fratel (relator), responde aos srs. Mello e Sousa e João Arroyo.- O sr. Boavida, declarando-se em principio, contrario as dictaduras, diz que votará a favor do bill por ter confiança no governo, faz breves considerações com referencia a algumas palavras do relatorio, que considera ambiguas, e propõe um voto de sentimento pela morte do Pasteur. - sr. Ferreira de Almeida responde a referencias que Ide foram feitas, explicando as causas que oiiginaram os decretos que promulgara quando gema a pasta da marinha, assim como a economia que d'elles resultou, e, não tendo concluido o seu discurso, fica com a palavra reservada por ter dado a hora.

Abertura da sessão - As tres horas da tarde.

Presentes a chamada, 56 srs. Deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Bento Ferreira de Almeida, José Correia de Barros, José Eduardo Supões Baixo, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Dias Gallas, José Marcellino de Sá Vargas, José Mendes Lima, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Júnior, José dos Santos Pereira Jardim, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel do Bivar Weinholtz, Manuel Bravo Gomes, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Quirino Avelino de Jesus, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha, Visconde de Leite Pery, Visconde de Palma de Almeida e Visconde de Tinalhas.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Antonio Adriano da Costa, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio Candido da Costa, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José Lopes Navarro, Conde de Anadia, Conde de Valle Flor, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Diogo de Macedo, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Cândido da Silva, Jacinto José Maria do Couto, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João da Mota Gomes, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Adolpho de Mello e Sousa, José Coelho Serra, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Joaquim Aguas, José Luiz Ferreira Freire, José Teixeira Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Maria Pinto do Soveral, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Luiz Osório da Cunha Pereira de Castro, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Pedro Guedes, Marianno Cyrillo de Carvalho, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Romano Santa Clara Gomes, Theodoro Ferreira Pinto Basto e Visconde de Nandufe.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Augusto Victor dos Santos, Carlos de Almeida Braga, Conde de Jacome Correia, Conde de Tavarede, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jeronymo Osório de Castro Cabral e Albuquerque, João Maria Correia Ayres de Campos, João Rodrigues Ribeiro, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, Licinio Pinto Leite, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Sousa Avides, Manuel Thomás Pereira, Pimenta de Castro e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

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EXPEDIENTE

Officio

Do juizo do direito do segundo districto criminal de Lisboa, acompanhando o processo instaurado neste juizo contra o sr. deputado Constancio Roque da Costa.

Para a commissão de legislação criminal.

Segundas leituras

Renovação do iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 116-A, de 1893, estabelecendo que o encargo imposto á companhia dos caminhos de ferro do Porto á Povoa de Varzim e Famalicão pela disposição do artigo 2.º da lei de 7 de abril do 1877, seja restricto ao mesmo praso por que foram, concedidas as isenções constantes do artigo 1.° da mesma lei.

Sala das sessões, em 29 de janeiro de 1896. = Miguel Dantas.

Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de obras publicas.

O projecto a que se refere esta renovação de iniciativa é o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.º O encargo, imposto á companhia dos caminhos de ferro do Porto á Povoa de Varzim e Famalicão, pula disposição do artigo 2.º da lei do 7 do abril de 1877, é restricto ao mesmo praso por que foram concedidas as isenções constantes do artigo 1.° da mesma lei. Fica d'esta forma authenticamente interpretada aquella disposição legal.

Sala das sessões da camara dos deputados, 16 de fevereiro do 1893. = O deputado, Miguel Dantas Gonçalves Pereira.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 115-C, de 1893, que auctorisa o governo a conceder definitivamente á camara municipal do concelho de Caminha os terrenos das antigas muralhas da villa do mesmo nome.

Sala das sessões, em 29 de janeiro de 1896. - Miguel Dantas.

Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

O projecto a que se refere esta renovação de iniciativa é o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.º É auctorisado o governo a conceder definitivamente á camara municipal de Caminha os terrenos das antigas muralhas d'esta villa, que lhe foram provisoriamente cedidos pela carta de lei de 9 de abril de 1877.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos senhores deputados, em sessão de 4 de maio do 1887. - O deputado, Miguel Dantas.

O sr. Presidente: - Participo á camara que a deputação encarregada do apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa, foi recebida com a costumada benevolencia e affabilidade.

O sr. Tnomás Sequeira: - Mando para a mesa uma proposta, para aggregação.

Visto estar com a palavra, mando tambem para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.º 38, apresentado na camara dos senhores deputados na sessão legislativa de 1892.

Peço á camara que tome este projecto na devida consideração.

Ficou para segunda leitura.

Leu-se a seguinte:

Proposta

Proponho que seja aggregado á commissão do orçamento o sr. deputado Manuel rancisco Vargas.

Sala das sessões da camara dos deputados, 31 de janeiro de 1896. = Thomás Sequeira.

Foi approvada.

O sr. Francisco José Patricio: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.

Renovo tambem a iniciativa do projecto do lei n.° 83-U, apresentado á camara em sessão de 12 de maio de 1882, a fim de que o estado indemnise o collegio dos orphãos do Porto para que se podesse dar começo á construcção do edificio da academia polyteehnica do Porto.

Ficou para segunda leitura.

A justificação vae a pag. 146.

O sr. Adriano Monteiro: - Sr. presidente, antes de entrar no assumpto para o qual pedi a palavra, desejo fazer uma pergunta a v. exa. Li, no summario da sessão de 28 de janeiro corrente, as participações de que ficaram constituídas as commissões de instrucção superior e especial, e a de agricultura. Ora, como eu tenho a honra de fazer parte de ambas estas commissões e não recebi aviso de convocação, desejava saber se a camara tinha tomado alguma resolução especial sobre este assumpto.

O sr. Presidente: - Participo a v. exa. que a camara não tomou resolução alguma.

Darei as ordene precisas, a fim que v. exa. e todos os membros das commissões sejam convidados devidamente para as reuniões das mesmas commissões.

O Orador: - Como eu não sei o que se passou e, não havendo, me parece, motivo extraordinário que obrigasse a não me participarem as reuniões das commissões de que eu faço parte, eis a rasão por que desejei saber se havia sido tomada alguma resolução especial pela camara?! Porque, sendo assira, apenas me cumpria acatar as suas deliberações, como recebi a minha eleição para as commissões de que faço parte. Tanto mais honrosa para mira, quando é certo que de modo algum solicitei tamanha prova do benevolente consideração da parte dos meus illustres collegas.
Nem mesmo as minhas palavras significam um protesto. São, quando muito, a expressão do meu sentir ao manifestar a minha surpreza por este phenomeno parlamentar.

O sr. Presidente: - Torno a participar a v. exa. que a camara não tomou nenhuma resolução especial, e, repito, que darei as devidas ordens para que v. exa. e quaesquer outros membros das commissões não deixem de ser convidados para as reuniões respectivas.

O Orador: - Tomando na devida consideração as palavras do v. exa., registo apenas o acontecimento, que me parece anormal.

Entrando agora no assumpto especial para que pedi a palavra, participo á camara que recebi uma representação da camara municipal de Torres Vedras, representação que, pela forma como está redigida quanto á sua direcção, pois é dirigida a Sua Magestade El-Rei, não póde ser presente a esta camara; mas, como os assumptos que n'ella se tratam são muito importantes, eu não posso dispensar-me de fazer, permito a camara e perante o governo, algumas considerações tendentes a chamar a attenção dos altos poderes do estado para tão momentosas questões. Antes de mais nada, tentarei definir a minha posição de deputado.

Sabe-se perfeitamente qual a attitude que tenho tido como membro d'esta casa do parlamento; no emtanto, como esta camara está organisada por uma forma inteiramente nova representando as forças vivas do paiz, perfeitamente
equilibradas, eu não queiro deixar de bem definir a minha posição.

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Todos conhecem a minha attitude na questão politica, pelas declarações que tenho tido occasião de fazer em vários debates das outras legislaturas, e espero que os meus actos subsequentes comprovarão o que acabo de dizer.

Quanto á feição económica, desde que faço parte dá camara (desde 1890, com excepção da sessão de 1893, tenho a honra de ter assento nesta casa), é a feição agricola a minha predominante. E quero conserva-a agora mais de que nunca, visto nesta camara achar-se representada dignamente a classe agricola pelos mais distinctos agricultores de todas as regiões do paiz, cavalheiros cuja auctoridade está comprovada por uma longa pratica de negocios agricolas de sua propria exploração.

E, ao mesmo tempo vejo, tambem com satisfação, igualmente representada, a benemérita classe dos agrónomos diplomados; e, entre elles, estilo dos mais preclaros professores da nossa escola superior de ensino agricola.

Ainda bem que a agricultura portugueza póde ter, no seio do parlamento, devotados defensores, talvez como nunca teve. Por isso, mais do que nunca, conservarei a minha feição agricola, bem dizendo a óptima camaradagem de onde me póde vir lição util.

Dadas estas explicações, eu passo a expor a doutrina da representação da vereação transacta da camara de Torres Vedras. A representação tem por synthese esta espécie de enunciado do estado geral da questão agricola: nós não produzimos pão para comer, não temos oiro para o comprar, e temos muito vinho sem saber a quem o vendor, e dentro em pouco tempo mais ainda havemos de ter.

Esta situação é dolorosa. E, posto que as condições económicas e financeiras do paiz estejam agora mais desafogadas do que estavam em 1890, não o estão ainda por forma a podermos tranquillisar-nos inteiramente. A questão economico-agricola traduz-se exactamente pelo que acabo de dizer. Está condensada na synthese da representação da camara municipal de Torres Vedras.

Alargar, a cultura cerealífera, restringir a da vinha e procurar mercados para collocar os nossos vinhos, sito problemas económicos cujas soluções nos conduzirão á resolução completa da questão agricola. Será possivel? Ato certoponto é. Eu não tenho bastante auctoridade para fallar em cultura de cereaes; mas como pertenço a uma região essencialmente agricola, debaixo da feição cerealífera, não posso deixar de dizer algumas verdades. Pelo ultimo inquérito agricola reconheceu-se que a cultura do trigo não podia continuar, sem que cada 10 kilogrammas deste cereal valessem 600 réis.

Parecia que a cultura cerealífera deveria ter augmentado com este fundamento económico certo. Pois ainda assim não é tão viavel como póde parecer a s. exas.

E as rasões são estas: ou se trata da cultura em terras maninhas, cuja arroteia immobilisaria enormes capitães, com demorada remuneração, o que é um onus pesadíssimo; ou, então, para forçar a producção, são precisos labores profundos e estruracções energicas nos terrenos causados, o que obriga a emprego de importantes capitães circulantes.

E, em qualquer dos casos, o seu preço é tão elevado nos mercados do nosso paiz, que o lavrador, que tenta estes expedientes marcha para a sua ruina.

Eu, que sou d'aquella região, posso dizer que a geração que nos succeder ha de continuar a presencear o phenomeno agricola archaico, que será a continuação da rotina da cultura arabe, porque é a unica economicamente possivel. No momento historico actual o unico capital barato no Alemtejo é a terra! emquanto assim for, a cultura não póde ser senão extensiva. Só poderemos cultivar pelos processos modernos de cultura chamada intensiva, quando houver dinheiro barato!

Os proprietarios ruraes e agricultores do Alemtejo dispensam todos os favores da protecção excepcional a troco de dinheiro a baixo premio. Não me causarei de dizer o que muitas vezes tenho dito n'esta camara.

"Nós não produzimos porque não temos dinheiro, e não temos dinheiro porque não produzimos."

Só um braço potente que podesse cortar este circulo vicioso, e introduzir n'elle elementos novos de vida, resolveria a questão. Pôde ser, mas não me parece que as circumstancias actuaes sejam as mais propicias para estabelecer o credito agricola; e por isso dispenso-me de recommendar ao governo este meu anhelo, que é o de nós todos, proprietarios e agricultores.

A região alemtejana, que é sem duvida o celleiro do paiz, muito lucraria com & facilidade da acquisição de capitães baratos. Eu mesmo, com as minhas limitadíssimas faculdades de estudo, já tentei, quando deputadopor Evora, na legislatura de 1890 a 1892, abrir um inquerito ácerca da maneira como se poderia manter o credito agricola na vasta provincia do Alemtejo. O resultado obtido não correspondeu completamente á minha espectativa, porque a administração e direcção gratuitas dos bancos ruraes, que viessem a estabelecer-se, eram as bases tão sómente acceitaveis pelo governo de então, para o estabelecimento destas instituições economicas.

Outra tentativa poderia ser emprehendida para diminuir o deficit da nossa producção cerealifera. Era fazer uma propaganda activa a favor da transformação dos nossos habitos do alimentação.

S. exas. sabem, sem duvida, porque são muito illustrados, a propaganda que os modernos hygienistas têem feito a favor do pão completo, que é sem duvida de aspecto menos encantador para os olhos, mas de bom sabor e de optimo resultado para o estomago. Todo o mundo sabe isto. E, apesar disso, todo o mundo continua a alimentar-se com o pão incompleto, a que falta em grande parte os elementos plasticos.

Uma parte dos elementos do pão completo dirige-se especialmente á constituição dos alimentos respiratórios, e a outra, a mais importante, e que elle tem em muito maior quantidade do que o pão de farinha branca (alva), constituo a alimentação azotada da economia do corpo humano.

Ainda ha pouco li no Petit journal uma serie de artigos do sr. Pierre Giffard, em que elle aconselhava, com o mais vivo enthusiasmo, a toda a população de Paris o uso do pão completo, em vez do pão de luxo. E fez mais. Depois de conseguir que as camadas superiores d'aquella grande população comessem do pão completo, convenceu os productores, os padeiros, a fabricarem este pão; o que elles fizeram, desde o momento em que começou a ser procurado pelos consumidores.

A restricção da cultura da vinha é talvez uma necessidade económica nacional, dentro do pouco tempo, especialmente n'aquelles terrenos baixos, marginaes dos grandes rios, onde o elevado nivel da camada aquífera convida á sementeira dos trigos de primavera.

Emqnanto não houver uma lei protectora para a cultura cerealífera em terrenos maninhos, como a que se promulgou para a reconstituição dos vinhedos devastados pela phylloxera, não diminuirá o deficit da producção dos cereaes.

A cultura da vinha é um phenomeno de economia rural absolutamente condemnavel, quando feita nos terrenos destinados naturalmente á cultura dos cereaes, como succede nos terrenos que têem elementos sufficientes para esta cultura, ainda mesmo já em plena estação estival.

Quem não conhece o trigo, das sete semanas, das sementeiras serôdias dos valles do Tejo e Sado?!

Equilibrar estas duas culturas, uma representando a maior necessidade publica, e a outra sendo a maior riqueza do paiz, não seria facil, visto que estamos, felizmente, em pleno regimen de liberdade, e a cultura da vinha dá por emquanto maior remuneração do que a cultura cerealífera. É a miragem enganadora de momento.

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assim um erro, que o volante economico da lei da offerta e da procura corrigirá violentamente.

Outra necessidade economica imperiosa se nos apresenta, e a collocação dos vinhos, que representa a maior riqueza agrícola do nosso paiz.

Para a collocação dos nossos vinhos temos os mercados interno e os externos, sendo o interno o maior actualmente porque os externos estão quasi fechados, pelo menos para os vinhos de pasto de consumo directo.

E o que succede no mercado interno, especialmente nos centros de consumo, como são as nossas duas grandes cidades, Lisboa e Porto?!

Em Lisboa praticam-se falsificações de vinhos por diversas formas, todas ellas tendentes a deslocar do consumo os vinhos genuínos, com o duplo inconveniente para o thesouro e para a saude do publico.

São tres os principaes processos do falsificação empregados no mercado de Lisboa:

1.° Desdobramento com agua e vinho naturalmente alcoolico;

2.° Desdobramento com agua e vinho alcoolisado com alcool industrial;

3.º Fabrico de vinho artificial com agua, alcool industrial o tinturas apropriadas.

Assim:

"Cada casco de vinho de 15° do alcool é desdobrado com 7 ou 8 almudes de agua.

"Cada casco de vinho de 19° (elevado a esta graduação com alcool industrial) é desdobrado com 18 a 20 almudes de agua.

"Fabricam-se 15:000 pipas de vinho artificial dentro das barreiras de Lisboa.

"O preço do alcool industrial é de 240 réis por cada litro, e, pagando apenas 270 réis de direitos de consumo na sua entrada em Lisboa, dá em resultado que por 500 réis se obtém um producto que, sendo desdobrado com sete ou oito partes do agua, ficará um liquido com a força alcoolica approximada á dos vinhos de pasto geralmente expostos á venda. Aquella mistura fica assim dentro das barreiras por um preço que, em media, se poderá computar em 60 réis cada litro."

Por estes dados, que eu li por não os poder conservar de memoria, se vê qual é a importância das falsificações, BÓ no mercado de Lisboa. De modo que cada almude (17 litros) do vinho artificial ficará pelo preço maximo de 1$020 =17 X 60. Emquanto que para os vinhos genuínos 80 dá o seguinte.

Actualmente em Lisboa a grande massa de vinhos de consumo não custa menos de 900 réis por cada 1l litros, numero redondo; com o imposto de barreira sobe a 10560 réis, o ainda com as despezas "acessórias para o transpor-tar para os armazéns, etc., eleva- se a 1 $600 réis, números tambem redondos. No fabrico das taes 15:000 pipas ha por consequência uma margem de 580 réis de interesso liquido por cada almude de 17 litros.

Poderia minorar-se um pouco este estado de cousas pelo estabelecimento da escala alcoolica ; mas para isto era preciso que a taxa minima do imposto de consumo em Lisboa fosse tal, que podesse deslocar o fabrico de vinhos artificiaes, feitos com o alcool industrial. Que onus deveria pesar sobre o alcool industrial para não poder deslocar os vinhos genuínos, como são, por exemplo, os da região lorreana, que não têem em geral mais de 10° a 11° graus de alcool de constituição?

E que diriamos então dos vinhos verdes?!

Qual deveria ser, pois, o limite minimo da escala alcoolica, applicavel a esses vinhos, de modo que não podessem ser deslocados do consumo pelo alcool industrial misturado com agua e materias corantes? Não é fácil responder.

Eu pertenço a uma região onde os vinhos são naturalmente alcoolicos; estamos por isso numa situação especial relativamente â viticultura portugueza. Nós não produzimos vinhos para a caldeira e, em geral, os nossos vinhos ntto precisam ser alcoolisados para se poderem vender directamente ao consumidor.

Estamos por conseguinte em uma situação boa em relação á questão do alcool de vinho, mas muito mal emquanto á collocação dos vinhos, em concorrência com outros menos alcoólicos e com os artificiaes, se fosse estabelecida a escala alcoolica.

Se a taxa minima do imposto de consumo em Lisboa difficilmente deslocaria o vinho fabricado com alcool industrial misturado com tinturas, quando applicada a vinhos genuinos de mínima graduação alcoolica, póde a camara imaginar o que succederia com os vinhos naturalmente alcoolicos do Alemtejo!
Esta é uma questão muito complicada.~

Eu fiz parte do congresso viticola reunido nesta mesma sala, e tive a honra de fallar ácerca desta questão, transigindo até um certo limite mínimo de graduação, 13°,5, creio eu, de percentagem alcoólica, para se poderem collocar as grandes massas de vinhos do Alemtejo, sem prejudicar os vinhos baixos da região torreana e outros parecidos. Levantaram se, porém, taes difficuldades, que foi impossivel chegar a um resultado satisfactorio.

Quanto aos mercados estrangeiros dá-se o seguinte. E mais do que averiguado que os nossos vinhos não podem ser exportados sem adubação alcoolica, principalmente os chamados vinhos do Porto. Para que possam concorrer com os productos similares de outras nações até os artificiaes de Cette e Hamburgo - carecem de alcool barato.

Por outro lado, os viticultores que produzem vinho, denominado de caldeira, querem que o preço do alcool de vinho se mantenha por forma a remunerar as suas explorações viticolas. Com este antagonismo de interesses a questão parece irreductivel.

Só o bom regimen do alcool industrial poderia regular esta questão magna da viticultura e do commercio de vinhos. A base cenologica da aguardentação dos vinhos é certamente o emprego exclusivo do alcool de vinho, e só como um mal necessario se póde tolerar o alcool industrial depois de bem rectificado. Por consequencia, a única maneira de harmonisar interesses, até onde fosse possivel, era estabelecer o preço máximo do alcool de vinho (como se fez para os cereaes) de modo a que nunca podesse concorrer com elle o do alcool industrial, nem mesmo o nacional. O deficit da nossa producção seria supprido pelos alcooes estrangeiros, dando-se preferencia ao alcool de vinho. A collocação do alcool industrial nacional, antes do alcool de vinho estrangeiro, é um acto de respeito por interesses estabelecidos, especialmente na região insulana.

Como se sabe, o alcool industrial fabricado pelos modernos processos da rectificação fica em melhores condições hygienicas, e os homens públicos de todos os paizes têem reconhecido a necessidade de que a rectificação se faça por conta do estado para assegurar o melhor resultado da operação, embora a producção geral seja livre.

Agora o que não se comprehende é que se diga que os nossos vinhos de exportação são adubados com alcool de vinho, e que ao mesmo tempo se tpeça a diminuição da taxa aduaneira do alcool industrial. É uma cousa exquisita esta contradicção.
Eu respeito o commercio licito, porque a viticultura nlo póde collocar os seus productos directamente nas mãos do consumidor; ha de servir-se necessariamente de intermediários. Mas como é que ou hei de comprehender que esses intermediarios queiram collocar os vinhos do seu commercio depois de aguardentados com alcool estrangeiro e que não é de vinho?!

Eu não provoco ninguem, desejava apenas explicações. Só alguém mas podesse dar ficava satisfeito, porque desejo aprender.

Mas o que eu desejava, acima de tudo, era ver harmo-

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nisar as necessidades do fisco com as da viticultura e com as do consumidor. Isto não é facil porque, quanto ás regiões do vinho de caldeira, era preciso que os produtores dissessem o preço minimo o seu producto para terem a devida remuneração, e que os commerciantes, principalmente os da região do Douro, onde o vinho é mais alcoolisado e mais proprio para exportação, dissessem o preço máximo por que podiam pagar o alcool de vinho.

Creio que a approximação destes dados estatisticos, feita com sinceridade e boa vontade nas diversas estacões por onde correm estes assumptos, daria resultados beneficos para todos. Posso estar em erro, mas o meu ponto de vista é este. Se podesse haver uma lei protectora, como a de cereaes, para collocação do alcool de vinho e seus derivados, ninguém ficaria prejudicado.

Eu desejava esta ordem de successão: primeiro o alcool de vinho portuguez; depois, por muita transigência e desprezando, por necessidade económica, um pouco os preceitos hygienicos, o alcool industrial portuguez; em seguida o alcool de vinho estrangeiro; e depois o alcool industrial estrangeiro ?!... Em minha consciencia nunca podia acceitar que o alcool industrial, fosse de que procedência fosse, adubasse os vinhos; mas a falta de alcool de vinho em quantidade sufficiente para os tratamentos cenologicos obriga-nos a consentir na entoxicação lenta, que attinge todas as classes sociaes, principalmente as superiores, que por um gosto exquisito se costumam a bebidas de preparação secreta, gostosas ao paladar, mas fundamentalmente prejudiciaes á saude.

Eu não fiz mais do que cumprir o meu dever esclarecendo a representação da camara de Torres Vedras, que faz parte do antigo circulo uninominal por onde tive a honra de ser eleito na ultima legislatura. Desejarei que esta camara e o governo, na sua alta sabedoria, possam esclarecer e resolver, a contento de todos, estas questões, cuja complexidade é grande.
Disse.

O sr. Ministro das obras Publicas (Campos Henriques): - O illustre deputado e meu amigo o sr. Adriano Monteiro, acaba de referir-se a um assumpto verdadeiramente importante, e que merece realmente a attenção dos poderes publicos. Nenhum outro mesmo é mais digno da attenção do parlamento. Este assumpto não interessa simplesmente a uma classe social, interessa ao para inteiro.

É certo que a nossa agricultura em geral, e a nossa viticultura em especial têem atravessado nos ultimos annos uma crise por de mais prolongada, e até angustiosa. A phylloxera, invadindo e devastando rapidamente os nossos vinhedos, fiz com que do um momento para outro passassem de um estado de relativa prosperidade para um estado de completa ruina.

Nós lucrámos evidentemente com a desgraça da França, que foi o primeiro paiz assolado pela phylloxera; mas não aproveitámos com essa experiencia, nem imitámos o seu salutar procedimento.

A França, quando a phylloxera devastou os seus vinhedos não procurou simplesmente, com dedicada solicitude, a replantação das suas vinhas; fez mais, procurou manter os seus typos e conservar os seus mercados. Nós tratámos, é certo, da replantação dos nossos vinhos comuma solicitude e com um cuidado devotado, mas perdemos os nossos mercados e conservámo-nos em parte, frios, indifferentes e inertes, vendo muitas vezes atravessar comboios carregados de vinhos hespanhoes que iam abastecer os mercados estrangeiros e, o que é mais e peior, exportando-se de Hespanha como vinho nosso, e em vasilhame portuguez, vinho estrangeiro, perdendo assim o typo dos nossos vinhos, perdendo os nossos mercados e o que é muito mais, chegando até a perder os nossos commerciantes.

Em compensação, como disse ha pouco, e é verdade, os nossos viticultores procuraram replantar com cuidado as

suas vinhas e graças aos esforços de todos, aos esforços dos poderes públicos e dos viticultores, graças á acção administrativa e á iniciativa particular, é certo que a replantação tem-se feito em grande escala, e á crise da escassez deve succeder em breve a crise da abundancia.

É esta, a actual phase da questão, e debaixo deste ponto de, vista a encarou o illustre deputado o sr. Adriano Monteiro e como tal deve ser hoje apreciada e discutida. (Apoiados.)

Qual será o meio qual o conjuncto do providencias que será preciso empregar, para evitarmos os effeitos perniciosos que podem resultar do facto de termos muito vinho e de não termos mercados para o collocar?

Evidentemente, supponho que é indispensável produzir bem e que 6 indispensável, por todas as formas, emprehender uma cruzada intelligente, activa e persistente para conservarmos os mercados que ainda temos, readquirir os que perdemos e abrir para os nossos productos novos centros de consumo. (Apoiados.)

Para produzir bem, é absolutamente preciso, é primeira condição, que a vinha se cultive no terreno naturalmente indicado para a sua cultura.

E aqui vem de molde referir-me a um erro economico gravissimo, a que tambem se referiu o illustre deputado que me precedeu, e que convém combater cor todos os modos; refiro-me á plantação da vinha, que se está fazendo em larga escala, em terrenos baixos, (Apoiados.) o que traz comsigo como consequência inevitavel, em primeiro logar, a producção de um vinho de má qualidade e por consequencia, difficil de vender e collocar; e em segundo logar, porque tem o inconveniente de cercear o terreno, que podia ser cultivado, com vantagem, de cereal, e designadamente de trigo, de que tanto carecemos e que nos é absolutamente indispensavel. (Apoiados.)

E importa este facto, um erro económico; porque nós, para adquirirmos o trigo de que carecemos, teremos do fazer annualraente, uma larga exportação de oiro, que irá aggravar extraordinariamente, o preço dos cambios.

Para produzir bem, é ainda indispensável que a planta seja adequada á cultura; é necessario aperfeiçoar os processos de fabrico, constante e insistentemente; e é ainda indispensavel, que conservemos os mercados que temos, readquiramos os que perdemos e conquistemos outros novos. Para isso, são absolutamente necessarios os esforços e o conjuncto de todos os interessados, a acção dos poderes públicos e a iniciativa dos particulares.

Se todos esses esforços não convergirem para o mesmo fim, qualquer que seja a boa vontade de um ou outro, o resultado será sempre insignificante ou por assim dizer nullo.

E já que fallei em abrir novos mercados para os nossos productos seja-me licito referir-me em poucas palavras, á exposição que brevemente se deve abrir em Johannesburg, exposição esta que póde ser para o paiz de beneficos resultados.

Johannesburg, como a camara sabe, é uma cidade importante do Transvaal, que é um estado independente e de uma grande prosperidade, pela abundancia dos seus jazigos auriferos o onde existe uma população muito densa, já de naturaes, já de europeus, que pela sua abastança, mais olha á qualidade dos productos, do que ao seu preço; do Transvaal, cuja proximidade da nossa cidade de Lourenço Marques e pela convenção que tem connosco, nos permitte podermos concorrer aos seus mercados, com os nossos productos de boa qualidade, em condições muito superiores aos productos similares dos paizes estrangeiros.

Portanto, se aproveitarmos estas condições( de incontestavel vantagem e de relativa superioridade e empregarmos todos os nossos esforços, nós poderemos ter, não só no estado do Transvaal, mas ainda nos estados da Africa do Sul, um largo mercado para os nossos productos.

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Devo declarar que no meu animo abrigo bem funda e radicada esta grata esperança.

O illustre deputado a quem estou respondendo, referiu-se á falta de trigo, e disso, que ella resultava em grande parto da falta do capitães. E certo que a falta do capitães é muito sensivel para qualquer exploração, quer esta exploração seja commercial, industrial ou agricola, mas parece-me que não faltam única e exclusivamente capitaes, mas uma corta orientação e uma exacta comprehensão dos interesses.

Se o capital que annualmente se gasta na plantação da vinha em terrenos baixos, se applicasse á cultura do trigo, 6 certo que dentro em pouco teriamos reduzido a producção do vinho às forças do consumo. Por outro lado teria-mos augmentado a producção do trigo mais em harmonia com as nossas necessidades.

Eu creio que a acção intelligente, persistente e pertinaz de todos os interessados e dos poderes publicos para fazer comprehender bem a vantagem que haveria na reducção da cultura da vinha às encostas e a vantagem que adviria de augmentar a área cultivada de cereaes, seria de grande conveniencia para a agricultura e por consequencia para os interesses do paiz.

S. exa. referiu-se ainda a um assumpto muito importante; é o que diz respeito ao alcool. Esta questão e tambem muito complexa, muito difficil e interessa inteiramente ao paiz.

Interessa ao paiz porque o thesouro aufere da tributação do alcool importantes receitas de que não póde totalmente prescindir; interessa á hygieno, á saude publica, porque o abuso do alcool impuro, mal ratificado, póde produzir graves consequencias; interessa ao commercio, porque o commercio carece de alcool em condições acceitaveis de preço e qualidade para poder concorrer no estrangeiro com productos similares; interessa á viticultura, porque carece muitas vezes de vender os seus vinhos transformados em aguardente, e interessa á agricultura porque a terra é que dá os productos de onde se extrahe o alcool industrial.

É claro, portanto, que a questão não póde ser mais complexa, nem mais difficil, nem mais vital. Eu creio que em assumpto desta natureza não é exacta nenhuma opinião radical, e que devemos seguir aquella que mais facilmente attenda e acautele estes differentes interesses, que sito todos legítimos e dignos da attenção dos poderes publicos.

É certo, sr. presidente, que o commercio de exportação, designadamente o da exportação de vinhos do Porto e da Figueira reclama o alcool barato, e reclama mesmo a abolição, ou pelo menos uma grande reducção nos direitos do alcool para assim poder concorrer lá fora com os productos similares estrangeiros. É certo tambem que o commercio carece de ter alcool em condições de preço e qualidade que lhe permitta regular os seus vinhos e conservar e ampliar os centros do seu consumo. Debaixo deste ponto de vista eu receio muito que os nossos vinhos generosos, chamados do Porto, se prejudiquem com uma demasiada alcoolisação, sobretudo de alcool industrial, o que fará perder as qualidades essenciaes que os distinguem de todos os vinhos e os approximam um pouco aquelles que se fabricam em Cotte e Hamburgo, e como tal só vendem nos mercados estrangeiros sem que muitas vezes entre na sua confecção um bago de uva produzido na região do Douro. Por um lado, com relação aos vinhos de pasto, quer nos Estados Unidos do Brazil, quer mesmo na Africa do sul, que póde ser um grande mercado para os nossos vinhos, como acabei de dizer, seria talvez preferível apresentar ao publico um vinho de pasto palhete, menos carregado, do que um vinho carregado e muito alcoolisado. Por outro lado, os viticultores do sul reclamam mil virtude dos seus interesses e da necessidade que têem do venderem os meus vinhos transformados era aguardente, que sobre o alcool incida um direito menos elevado para que o alcool estrangeiro não possa fazer uma concorrência que consideram nefasta.

Indiscutivelmente, em parte, os viticultores do sul tem ras5o; é indispensável que elles possam vender os seus vinhos, que aliás se consideram indispensáveis para o amanho dos outros vinhos, sobretudo os vinhos generosos; mas é completam ente indispensavel e julgo possivel, que os viticultores do sul se habilitem a poder fornecer ao commercio aguardente de vinho em condições de preço e qualidade que permittam ao mesmo commercio poder concorrer nos mercados estrangeiros com os productos similares. Por estas rápidas considerações que estou fazendo em resposta ao illustre deputado o sr. Adriano Monteiro, se deprehende a grandissima importancia que tem esta questão dos alcooes. Não prende ella, devo dizer, directamente com a pasta das obras publicas, que tenho a honra de gerir, mais directamente está ligada com a pasta da fazenda. Eu sei que o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda tom sobre este ponto estudos muito completos e que tenciona apresentar ainda nesta sessão legislativa uma proposta ácerca do alcool. Sei ainda que os interessados projectam apresentar ao parlamento representações que façam valer os seus legítimos interesses. Posso affirmar a v. Exa., ao illustre deputado e á camara que da parte do governo ha a melhor vontade de resolver esta e outras questões que tanto interessam á vitalidade do paiz; que não só usará da sua iniciativa, mas cooperará com o parlamento e espera que nesta casa, onde ha tantas illustrações o competencias provadas, se formularão propostas o projectos, e apresentarão alvitres que facilitem ao governo o empenho que elle tem de resolver esta questão. O que posso affirmar é que farei todos os esforços para que este e outros assumptos se resolvam de forma que melhor se salvaguardem os legítimos e superiores interesses do paus. (Apoiados.)

São estas as considerações que faço em resposta ao illustre deputado e muito estimarei que ellas possam satisfazer a s. exa.

(S. exa. não reviu o seu discurso.) O sr. Presidente: - Está nos corredores o sr. deputado Diogo de Macedo. Convido o sr. Manuel Bivar e o sr. Luiz Osório a introduzil-o na sala.

foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Diogo de Macedo.

O sr. Amadeu Pinto:-Mando para a mesa uma, representação dos arbitradores judiciaes da comarca de Rezende, contra o decreto de 15 de setembro de 1892, que revogou o artigo 37.° do decreto do 20 de junho do 1886 e o regulamento de 17 de março de 1887.

E renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 191, de 31 de julho de 1893, relativamente ao restabelecimento dos logaros de arbitradores judiciaes.
Ficou para segunda leitura. A representação vae, por extracto, no fim d'esta sessão.

O sr. Cincinato da Costa: - Requeiro que, pelo ministerio da fazenda e pelo das obras publicas, me sejam enviados, com a possível urgencia, alguns documentos constantes da nota que envio para a mesa.

E se v. exa., sr. presidente, me concede, eu farei algumas brevíssimas considerações relativamente ao que ha pouco referiu a esta camara o illustre
deputado o sr. Adriano Monteiro.

O illustre deputado tocou nos assumptos mais importantes e mais palpitantes, que affectam a nossa economia interna, tratando da nossa agricultura. São assumptos muitissimo importantes de certo, aquelles a que s. exa. se referiu, mas que justamente pela sua importância não podem ser tratados um pouco á ligeira, direi assim, como s. exa. parece pretender fazer, trazendo-as á discussão pela forma vaga por que os apresentou em palestra antes da ordem do dia; eito assumptos que eu imagino deverão submetter-se

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a uma ordem e serem successivamente discutidos larga e francamente aqui no parlamento. (Apoiados.)

Pela minha parte, com a minha pouca competencia, estou prompto nesta casa, como s. exa. sabe, a entrar na discussão de, todos estes assumptos que dizem respeito às questões agricolas e às questões economicas. Farei todo o possivel para emittir a minha opinião, sempre franca e aberta, e por isso desde já, digo a s. exa., que com respeito a um ponto, a que s. exa. alludiu, referente á gravissima questão do alcool que tanta gente preocupa, tenho uma opinião terminante e positiva: é com respeito ao alcool industrial.

Se fosse possivel condemnal-o em absoluto, mal rectificado como ordinariamente elle se apresenta, para a adubação dos vinhos, seria esse o meu desejo, mas eu creio que não é facil conseguil-o, porque havendo interesses internos do próprio paiz que estão consolidados ha muitos, annos á sombra delle, não seria de bom senso, não seria bem pensado aniquilal-os de repente, por uma medida tomada de momento.

E necessario que uma discussão ampla se estabeleça sobre estes assumptos, que faça inteira luz sobre todos estes problemas que tão vivamente nos interessam, e só então se poderá chegar a adoptar um conjuncto de medidas, que ao mesmo tempo revertem em favor da viticultura, que o mesmo é dizer a bem do paiz, sem ao mesmo tempo prejudicar interesses legitimos, que estão ligados á distillação de differentes materias agricolas, como a batata doce, o milho, e outras matérias primas que a agricultura fornece.

O sr. Adriano Monteiro: - Um paiz que não tem cereaes, estar a distillar para fazer alcool!

O Orador: - Direi a v. exa. que é necessario não esquecer os interesses de uma parte do para, quero referir-me aos Açores, que por motivos de ordem económica que não vem para aqui agora apreciar, foi forçado a lançar mão desse expediente.

N'esta ordem de idéas, sr. presidente, eu desejo emittir simplesmente o meu modo de pensar a este respeito.

Não vinha prevenido para discutir a questão do alcool, dos cereaes e outras graves questões do interesse directo para a nossa agricultura, e apenas desejo referir-me às considerações, aliás muito sensatas, expostas á camara pelo sr. Adriano Monteiro, dizendo que estes problemas são muito graves e complexos, não podendo por isso mesmo ser resolvidas de repente, sem estar devidamente preparado para se entrar na sua discussão.

Eu desejaria, assim como muitos dos meus collegas nesta casa, achar-me habilitado para entrar na discussão destes assumptos com conhecimento mais perfeito d'elles e com documentos e numeros, como aquelles que eu acabo de pedir pelas repartições competentes, afim de poder chegar a conclusões positivas.

Eu não conheço ainda bem as praxes desta casa, entretanto creio que todos estes assumptos virão a entrar em ordem do dia, e será então occasião propria de cada um dizer o que julgar conveniente.

É isto o que se me offerece dizer por agora.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazel-o.

O sr. Correia de Barros: - Mando para a mesa uma representação.

Se não houvesse inconveniente, pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se consente a publicação no Diario do governo.

Vae por extracto no fim da sessão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.° 2 (bill de indemnidade)

O sr. Mello e Sousa: - (Continuando,) Agradecendo a v. exa., sr. presidente, e á camara a benevolencia com que se dignaram ouvir-me na sessão anterior, vou continuar as simples considerações que entendi dever fazer, promettendo desde já ser breve.

Uma cousa que realmente me admirou, foi o ficar com a palavra reservada, tendo eu todo o cuidado em dizei- o maior numero de cousas no menos numero de palavras possivel.

Dito isto entrarei na questão.

Dizia eu na ultima sessão, que o sr. Dias Ferreira, com a auctoridade resultante da sua erudicção e longa carreira parlamentar se dignara historiar-nos alguns factos succedidos no parlamento, dizendo-nos entre outras cousas que vira sempre nas questões mais importantes os magnates estarem de accordo e os conflictos nascerem no modo de propor e outras questões relativamente insignificantes. O emprestimo dos tabacos, as obras do porto de Lisboa, e não &ei que outras questões mais, vira s. exa. passar sempre som discussão, sem maior reparo.

Depois critou s. exa. a lei eleitoral, que na sua opinião parecia ter sido feita pelo governo na intenção de evitar opposições e viver socegado, e disse que as paixões ou rivalidades partidárias eão necessárias para a boa politica.
Isto parece-mo uma verdade, a qual todavia carece de algum esclarecimento.
Será porventura de boa politica, que os dois partidos monarchicos em logar de discutirem as questões importantes as deixem passar, ou as impeçam a todo o transe com questiúnculas sobre cousas de menor importância, mostrando aberta e claramente que apenas attendem a interesses egoistas e partidarios, procurando derrubar os que estão no poder para occupar o logar d'elles.? (Apoiados.}

Será tambem de boa politica que o partido republicano, cuja acção colloboradora podia ser importante, se apresentasse um programma definido defendendo idéas claras e abertas, em vez de fazer isto se reunisse e1 congregasse constantemente com o partido monarchico que está na opposição, levado apenas pelo interesse de derrubar o que está no poder e procurando ver se em algumas dessas repetidas quedas quebra o throno e o substitue por um fautenil?

Se isto é boa politica, deu em resultado levar-nos a uma meia bancarota.

Ainda assim, neste systema obstruccionista não nos cabe mesmo a honra da originalidade, é conhecido ha muito lá fora e praticado ainda em larga escala em França onde a sua critica está já synthetisada n'esta phrase muito conhecida: Plus ça change, plus c'est la même chose. Eis o resultado da politica obstruccionista. De facto as rivalidades saio necessarias á boa politica, mas quando os partidos oppõem idéas a idéas, programma a programma, resultando d'ahi que as questões importantes se estudam, aperfeiçoando-se por consequencia os grandes ramos da administração publica.

Quando, porém, são partidos governamentaes, isto é, que tudo apoiam, ou partidos de opposição systematica, isto é, que tudo rejeitam, esses partidos passam a ser então simples fracções, que tudo aniquilam, e que nos podem conduzir, á bancarrota completa; porque não podemos continuar a viver em constante dictadura, como prophetisou o sr. conselheiro Marianno de Carvalho, com aquella prespicacia que o torna conhecido.

Basta lembrarmo-nos que uma fracção difficilmente se torna em partido, para reconhecermos a necessidade urgente de remodelar por completo todos os partidos politicos do paiz.

Disse-nos mais o sr. Dias Ferreira que havia muito quem olhasse mal esta camara, e que a somnolencia não era o característico das assembléas politicas.

Mão onde viu s. exa. que a camara dormitava? Porque ella não perdeu algumas sessões a pedir interpretações de artigos do regimento? Porque ella não achou subtilezas

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sobre o modo de propor? Porque ella não descobriu habilmente uma phrase qualquer no discurso da corôa, que provocasse, ou tentasse provocar pela discussão manifestação do ciasses ordeiras, a quem está entregue a segurança do paiz? Porque, emfim, ella não passou horas a discutir democraticamente qual era a graduação do empregado de policia a quem cumpria fazer uma intimação a um chefe democrata? (Apoiados.)

Ora, francamente, nós não viemos aqui positivamente para isto. (Apoiados.) Apresentem-se as questões económicas, as questões financeiras. Vá o governo, por uma aberração, que eu não julgo provavel, alterar o systema de zelar os interesses publicos para zelar os interesses partidarios, o eu garanto que s. exa. ha do ver que esta camara não dormita. (Apoiados.}

Sr. presidente, vou concluir dizendo a v. exa. que vejo os jornaes todos os dias asseverarem, como querendo atacar esta camara, que ella não se assimelha em nada às as camaras passadas.

Enche-me do jubilo similhante asserção; e eu faço votos sinceros para que esta camara corresponda completa e absolutamente a esta asserção, de fórma que possa levar ao convencimento publico que realmente já não são todos o mesmo.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.}

(S. exa. não reviu.)

O sr. Arroyo: - Pedi a palavra, não para fazer um discurso, mas unicamente para apresentar á camara sucintas observações.

Entendo, sr. presidente, que o momento não é azado para um largo debate político e que todas as circumstancias parlamentares e extra-parlamentares me aconselham, assim como a todos os membros desta camara, a seguir um caminho de exame directo e immediato aos diplomas quer de ordem financeira, quer de ordem administrativa ou economica.

Mas não quero proferir essas leves observações para que pedi a palavra sem fazer uma referencia ao orador que me procedeu.

Respeito essa antiga praxe parlamentar e declaro a v. exa. que o faço com inteira o completa satisfação, porque o orador que ma procedeu é inquestionavelmente um cooperador valiosissimo e um cavalheiro que pelas suas qualidades de intelligencia e caracter é merecedor de toda a nossa estima. Consinta s. exa. que lhe enderece daqui o meu parabém o felicite a camara pelo novo orador e pelos valiosos serviços da sua collaboração, que é magnifica.

Prestada esta homenagem, não como resposta ao sr. Mello o Sousa, porque a esses discursos não se respondo (tambem isso é uma antiga praxe parlamentar, e v. exa. dei-se-me ficar com os antigos hábitos), não como resposta a s. exa., mas como homenagem prestada aos parlamentos anteriores, direi a v. exa., não para defender ausentes, mas para prestar homenagem á verdade e á realidade das cousas, que ou não encaro senão com verdadeiro respeito e com intimo e profundo reconhecimento a maneira como camaras feitas de homens que deviam de zelar os seus interesses, como todos devera zelar, souberam em epochas difficultosas, de verdadeira crise, pôr acima de todas as conveniências pessoaes as conveniencias publicas e votar verdadeiros sacrifícios que pesavam especialmente sobre elles. (Apoiados.) Creio, sr. presidente, que afastei nestas observações todo e qualquer resaibo, já não direi reparo, mas sequer a observação a mais anodyna ao discurso que acabo de ter o prazer de ouvir.

Dito isto, vou ser breve. Começo por affirmar que entendo que o momento não é azado para largo debate político e que é minha obrigação fazer com que as minhas palavras sejam coherentes eom o que, acabo de dizer. Dividirei o que lenho a dizer em duas partes: uma d'ellas constará do enunciado do motivo que me impede de tomar; parte na votação do presente projecto de lei, a outra constará da notificação de uma proposta que vou ter a honra de mandar para a mesa.
Eu não posso associar-me á votação do projecto que se discuto. Não voto contra, nem voto a favor, pelo contrario, abstenho-me da votação, e pelos motivos que vou dar á e amara.

Em virtude de uma enfermidade conhecida do nosso regimen político parlamentar, eu assisti, como muitos outros membros d'esta camara, a discussões suceessivas do bills de indemnidade. Assisti á discussão de 188ò, á de 1887 e a outras que por esses annos fora têem começado dentro do seio do parlamento, tendo umas terminado e outras não.

Mas, sr. presidente, ao principio, a marcha seguida, não bó pulas commissões que analysavam. os respectivos diplomas, mas pelas camaras que votavam esses pareceres, foi, e me parece sem excepção até no momento presente, a de discutir com a possível largueza os diplomas sujeitos á discussão parlamentar, fazendo incidir seguidamente sobre esses diplomas a votação do parlamento.

Havia, portanto, uma votação e uma apreciação final.

Examinava-se e votava-se; discutia-se e approvava-se ou rejeitava-se.

Era esta a norma seguida nos trabalhos parlamentares, e com magna vi que foi exceptuada na presente sessão legislativa.

Tambem com isto não vae a mais leve censura á commissão que deu parecer sobre o assumpto em discussão, nem vae tambem a mais pequena censura ao relatorio dessa commissão, relatorio aliás redigido por um rapaz entrado ha pouco n'esta casa, e que já nos deu manifestações do seu talento e do sou saber, inspirando-nos a esperança de que será um companheiro intelligente e de um esforço efficaz nos trabalhos parlamentares; (Apoiados.) é unicamente a exhibição do meu pensamento, feita o mais singelamente que me foi possivel.

Repito, em todos os bills de indemnidade assisti a este processo logico de exame o votação; examinava-se, discutia-se, approvava-se ou rejeitava-se.

Mas o que fez a illustre commissão, e o que me parece, emfim, que vae fazer a maioria d'esta casa do parlamento? É o seguinte: releva o governo da responsabilidade em que incorreu, tendo assumido a dictadura desde tal epocha de 1893, até tal epocha de 1895; divide em duas secções os diplomas sujeitos ao seu exame; continua a pertencer a essa commissão o exame dos diplomas chamados mais de natureza política, como a reforma da camara dos deputados, reforma da camara dos pares e não sei se mais algum, e todos os outros diplomas vão ser enviados às commissões respectivas. Relativamente aos diplomas de caracter dictatorial anteriores, acceita a illustre commissão a mesma jurisprudência da camara transacta, incumbindo tambem o seu exame a uma commissão especial; e estão neste cabo, por exemplo, os diplomas de caracter dictatorial, que dimanaram do gabinete presidido pelo sr. José Dias Ferreira.

Conseguintemente, o que se fez? Foi em primeiro logar relevar a responsabilidade e mais tarde examinaremos os diplomas!

Ora, sr. presidente, a dictadura é um abuso do poder, que está considerado e classificado na carta constitucional, como não podia deixar de estar na natureza dos delictos. Examinar e relevar depois, é uma attribuição do poder legislativo; mas relevar primeiro e examinar depois, não é, não póde ser, nunca foi, nunca será, uma attribuição do poder legislativo. Relevar primeiro o examinar depois, é um acto de perdão, que está dentro das faculdades legislativas, mas que incumbe ao poder moderador. Eu escuso de dizer a v. exa. que nem mesmo na mais intima e pequena parcella me julgo revestido, por cousa alguma deste mundo, da natureza desse poder. Aqui tem v. exa. o motivo do meu procedimento.

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Entendendo que a camara deixa de exercer uma faculdade do poder legislativo ao votar este projecto, e pretende assumir uma faculdade do poder moderador, julgo do meu dever, com mágua o digo, não collaborar na votação do presente projecto.

Exposto o motivo que me levou a pedir a palavra, não a respeito do corpo do artigo do presente projecto de lei, mas do seu § 1.°, voltarei agora mais especialmente os meus olhos para um assumpto relativo ao ministerio da guerra.

Não vejo presente o titular d'aquella pasta, mas como não tenho que fazer senão leves apreciações de caracter anodino, sem a mais pequena referencia individualisada. S. exa., não só pelas actas das sessões desta camara, mas por qualquer dos seus collegas que me faça esse favor, s. exa. terá conhecimento destas minhas breves observações.

Vou referir-me a um ponto que consta do decreto de 10 de janeiro de 1895, referente a promoções no nosso exercito. Esse ponto está comprehendido nos artigos 6.° e 10.° desse decreto, o qual estatue sobre o limite de idade no exercito de terra; o artigo 6.°, estabelecendo o principio da applicação definitiva, e o artigo 10.°, estabelecendo o principio da applicação transitoria. Por conseguinte, o facto de eu fazer umas observações sobre este assumpto, não quer dizer que me repugna, porque não me repugna absolutamente nada o regimen de limite de idade applicada á organisação militar, nem podia repugnar-me, porque fui eu que tive occasião, e parece-me que posso dizer, a satisfação de introduzir esse principio salutar na nossa organisação militar, referente á marinha de guerra. (Apoiados.)

Por um decreto de 1890, quando tratei da questão da legislação de differentes serviços da corporação da armada, tive occasião de introduzir nesse decreto o limite de idade, que por esse diploma ficou reduzido aos setenta annos, comprehendendo todos os postos. Não, é, todavia, assim o estado actual da legislação da marinha militar.

O sr. Ferreira do Amaral em 1892 tornou a occupar-se deste assumpto, num artigo, de cujo numero me não recordo, do seu decreto de reorganisação, de cuja data tambem me não lembra, desenvolvendo o principio do limite de idade, e fixou três limites, em setenta annos para o posto de vice-almirante, de sessenta e sete para o posto de contra-almirante, e o de sessenta e quatro para o posto de capitão de mar e guerra e postos inferiores.

O decreto do 10 de janeiro adoptou os seguintes principios. Primeiro acceitou os limites respectivamente de setenta annos, sessenta e sete e sessenta e quatro para os postos de general de divisão, do general de brigada e de coronel.

Por conseguintemente, até ao posto de coronel manteve absoluta igualdade entre a applicação deste principio ao exercito de terra e aquelle que se acha estabelecido no decreto de 1892 para a nossa marinha de guerra.

Mas o decreto de 10 de janeiro de 1895, alargando ainda a applicação do principio dos limites de idade, estabelece um quarto limite de cincoenta e seis annos, no período definitivo para os postos do exercito inferiores a coronel.

E o facto é que se a opinião acceitou sem difficuldade a applicação ao exercito de terra, dos tres limites da lei de 1892, não viu com bons olhos os quatro limites applicados pelo decreto de 1895 aos postos do exercito inferiores a coronel; e não viu porque os motivos em que se baseavam os tres limites superiores, de maneira alguma existiam pararo quarto; basta unicamente lembrar a v. exa. e á sabedoria da camara que realmente um hontem com cincoenta e seis, cincoenta e oito ou mesmo sessenta annos, não me parece que se possa suppor inutilisado para exercer os legares para os quaes o julgava inapto o decreto de 1895.

O meu proposito é o seguinte: tendo em consideração os muitos reparos feitos ao limite especial de idade de cincoenta e seis annos marcado no decreto de 10 de janeiro de 1895, respectivo aos postos inferiores a coronel, parece-me justo estabelecer-se já um estudo preparatorio de absoluta igualdade entre as forção de terra e mar, estudo preparatório de legislação que permitta esperar-se o momento em que esta camara aprecie o decreto de janeiro de 1895.

Parece-me bem, parece-me equitativo, parece-me prudente e sensato eliminar desde já da nossa legislação um principio que levanta contra si a opinião, no momento em que as nossas forças armadas tão extraordinária" provas de valor, de coragem e de civismo acabam de dar.

Por estes fundamentos eu vou mandar para a mesa o seguinte projecto de lei.

(Leu.)

Sr. presidente, eu vou terminar, porque nada mais tenho a dizer, promettendo á camara que abusarei muito poucas vezes da sua attenção, e, escuso de o disser,- a minha paLivra será sempre empregada na defeza de causas não partidárias, porque não me parece que seja este o sentido que devam revestir as discussões d'esta camara!

Não fallo em nome de ninguém, mas única e simplesmente em nome da minha pessoa, e já é bastante, porque a responsabilidade pessoal, por mais pequena que seja, pesa sempre sobre os meus hombros.

Prometto á camara que, quando fallar, procurarei sempre fazel-o de forma que, qualquer que seja a minha divergência de opinião, já não direi contra O ministério, mas contra as bases da actual organisação desta camara, esteja sempre dentro do regimen existente, para o bom exercício das minhas funcções parlamentares.

Unicamente espero, e nisto não vae malicia, que pertencendo avis rara, áquelles que descrêem da opinião do governo, unicamente espero que seja tratado nas discussões parlamentares com um bocadinho mais de carinho do que o sr. presidente do conselho teve n'aquella resposta que deu ao meu illustre collega o sr. José Dias Ferreira, porque o discrepar da opinião do governo é um grande serviço que lhe estamos fazendo e um favor desta ordem é tal, que o governo não devia desprezar, mas sim tratar e bem, os que lho prestam.

Explicada a minha abstenção de voto no projecto e justificada, creio eu, com as rasões que apresentei a proposta que tive a honra de mandar para a mesa, nada mais tenho que dizer senão pedir desculpa á camara se por tão largo tempo abusei da sua paciencia.

(S. exa. não reviu o seu discurso.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que, no projecto de lei em discussão, se consigne uma declaração relativa aos artigos 6.ª e 10.ª do decreto de 10 de janeiro de 1895, sobre promoções no exercito, applicando aos postos militares inferiores ao de coronel os mesmos limites de idade, estabelecidos nos artigos citados para o posto de coronel.

Sala das sessões da camara dos deputados, 31 de janeiro de 1896. = João Arroyo.

O sr. Presidente: - A proposta fica em discussão juntamente com a materia.

O sr. Manuel Fratel: - Agradece as palavras lisonjeiras que lhe dirigiu o sr. Arroyo, e lamenta que s. exa. esteja resolvido a fallar poucas vezes, porque a palavra do illustre deputado, pelos seus brilhantes dotes oratorios, era sempre escutada com agrado.

Ao sr. Mello e Sousa responde que o facto das classes commercial e industrial terem satisfeito os seus compromissos, pagando os impostos, como s. exa. disse em uma

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sessão passada, não destroe a phrase do relatorio em que se diz que ha penuria de educação civica.

Quando os cidadãos procurara eximir-se do serviço de jurados, quando procuram evitar que os chamem para testemunhas, quando votam para servirem os amigos, e quando só dão outros factos que todos conhecem, não se póde dizer que a educação civica exista.

Quanto á moratoria, observa que o relatorio não diz que os bancos usaram ou deixaram de usar d'ella; o que diz e que ella foi o bastante para se estabelecer o panico.

Referindo-se ainda ao que dissera o sr. Arroyo, declara que entra em duvida sobre só s. exa. podia declarar que não vota a favor nem contra o projecto, por este relevar o governo da sua responsabilidade, antes de se examinarem as suas medidas.

Procede a sua duvida da disposição regimental, pela qual todos os deputados presentes não podem deixar de votar de uma ou de outra forma.

Em sua opinião as dictaduras justificam-se pelas circumstancias que as determinaram, e não pelos resultados, como tem ouvido affirmar. E desde que este principio ficou assente, podia o governo seguir o caminho que seguiu.
Reconhecida, portanto, a necessidade da dictadura, póde-se relevar o governo da sua responsabilidade, ficando para depois o exame dos decretos promulgados.

Declara que não houve táctica política em separar a dictadura do sr. Dias Ferreira da dictadura do actual governo. O que houve foi differença de ministerios, e portanto differença de circumstancias. Conclue dizendo que responde ao sr. Arroyo simplesmente por consideração para com s. exa. pois que as suas observações só tinham cabimento antes de approvada a proposta que elle, orador, apresentou no principio da discussão.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)

O sr. Boavida: - Sr. presidente, na conformidade do regimento, e para observância das suas prescripções, vou ler a minha moção de ordem, que é do teor seguinte:

"A camara dos deputados, a quem compete, como um dos ramos do poder legislativo, velar na guarda da constituição e na exacta o rigorosa observancia das leis do reino, affirma o seu propósito de cooperar na indispensável harmonia dos poderes politicos, e de respeitar fiel e inviolavelmente a religião do estado.

"Confia que o poder executivo, restabelecendo e conservando, intemeratos, os foros parlamentares, as regalias legitimas da liberdade e o imperio da lei, não exorbitará mais da esphera restricta das suas attribuições, e assegurará o conveniente predominio das crenças catholicas, professadas, quasi unanimemente, pelo povo portuguez, e continua na ordem do dia. - O deputado, Antonio José Boavida."

Sr. presidente, vou justificar a minha moção, e dar a rasão do meu voto, seguindo assim o exemplo dos illustres oradores, que me antecederam no uso da palavra.

Eu devo dizer franca e desassombradamente a minha opinião: em theoria, em principio, em these, sou contra todas as dictaduras, porque sou contra tudo quanto seja arbitrário e possa conduzir á tyrannia e ao despotismo. Tem-se pretendido justificar as dictaduras com os precedentes.

Eu entendo, que os precedentes não as justificam: um nbuso não justifica outro abuso. Se os precedentes podessem ser invocados e servir de argumento, para legitimar as dictaduras, nós poderíamos ir procural-os, muito mais longe, á republica romana, que, nas occasiões graves e solemnes, quando perigava a salvação publica, quando havia guerra interna ou estrangeira, creava os seus dictadores, mas por tempo restricto, sujeitando-os ainda assim aos tribunaes, quando delinquiam, como se já houvesse a noção antecipada das modernas e preconisadas theorias de responsabilidade ministerial.

Se a historia nos diz isto, ella tambem nos adverte, de que as dictaduras foram uma das causas mais poderosas, que contribuiram para a ruína da liberdade, o occusionaram o esphacelamento e a derrocada monumental do imperio romano.

Pelos precedentes, pois, entendo que não podemos argumentar a favor das dictaduras.

Alguns oradores, que me precederam, alias muito distinctos, pretenderam tambem justifical-as pelos seus resultados.

Não concordo tambem com esta opinião, porque não sigo a theoria, de que os fins justificam os meios.

Os principios de philosophia moral, que me ensinaram, protestam abertamente contra esta theoria dissolvente e perniciosa. Exemplifiquemos.

Todos sabem, que a caridade é uma virtude essencialmente pratica e altruista, uma virtude sublime e divina!

Pelos principios incontestaveis da jurisprudencia criminal, todos sabem tambem, que o roubo, a usurpação de qualquer objecto alheio, embora com o fim de se destinar o seu producto ao exercício da caridade, nem por isso deixa de ser um crime, um delicio condemnavel, pois que chega a ser tambem uma offensa grave contra os preceitos da lei natural e até da lei de Deus.

Parece-me, portanto, que nós não podemos justificar as dictaduras pelos seus resultados, embora beneficos, que, quando muito, as attenuam, e attenuam certamente no caso presente, que estamos apreciando e discutindo, em que o delicio do governo se torna desculpavel, minorando-se assim as responsabilidades, em que incorreu, por haver infringido as leis do reino, em proveito evidente dos interesses do paiz.

N'esta parte estimo estar de accordo com o illustre relator da commissão, que eloquentemente demonstrou, que as dictaduras não se legitimam, nem justificam pelos resultados, que d'ellas possam derivar-se.

Entendo, porém, que, na hypothese presente, attentas as circumstancias especiaes que se deram, e que todos conhecem, attentos os motivos imperiosos, de força maior, que determinaram o governo actual a exercer actos do uma larga e proficua dictadura, deve ser absolvido pelo parlamento das illegalidades, que se viu forçado a commetter.

Sendo este um facto consumado, que estimaria mais não se houvesse dado, parece-me, que não ha outro meio legal e pratico de sanal-o, senão relevando o governo da responsabilidade, em que incorreu, pela pratica dessas irregularidades e infracções da lei.

Entre dois males escolho o menor.

Considero, por isso, dever absolver o governo das infracções de lei que commetteu, alem dos motivos, que já expuz, porque se torna necessário, senão indispensável, restabelecer a normalidade constitucional, porque se torna conveniente e preciso, que o systema parlamentar, pondo cobro aos proprios desvarios, e obviando aos desmandos dos governos, funcciono regularmente, discutindo sempre com seriedade e cordura, legislando com imparcialidade e justiça, porque assim conquistará prestigio e auctoridade no conceito e na opinião do paiz. (Apoiados.)

Voto alem d'isso o bill, porque tenho confiança completa e absoluta no governo, em quem o paiz evidentemente confia também, e de quem tem muito a esperar ainda, pelas faculdades, que tem manifestado, de intelligencia, honestidade, trabalho e energia, que muito o distinguem, e que attenuam as suas faltas e as tornam desculpaveis.

Desde que elle se apresenta a fazer confissão publica dessas faltas, desde que vem penitenciar-se, e restituir ao parlamento as prerogativas, que lhe havia usurpado, este não póde deixar de usar de indulgencia, relevando as responsabilidades do governo, era vista das circumstancias

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attenuantes do sen procedimento, que assim se converte em culpa venial, que mesmo pelos principios da moral póde ser absolvida e considerada, talvez, como "feliz culpa".

Em todo o caso, não desejo, que ao meu voto se dó a significação de connivencia, nem que este meu acto seja considerado como de cumplicidade. Assim como não sou solidário nas responsabilidades, pelos actos exercidos por qualquer dictadura pretérita, assim tambem não quero, que da minha indulgência actual se tire argumento, nem precedente, que auctorise no futuro dictaduras do qualquer espécie e natureza. Sou systematicamente contra todas as dictaduras, e por ellas mantenho toda a minha repugnancia.

Não me referirei às differentes dictaduras, que, proficientemente têem sido apreciadas por diversos oradores; mas não posso deixar de referir-me especialmente a uma, de que fui testemunha e victima, como deputado da nação.

A primeira vez que vim ao parlamento, em 1870, foi esta camara dissolvida por uma dictadura militar, de todas, a mais despotica e feroz. Recordo-me ainda, como se fora hoje, da profunda impressão de desgosto e das graves decepções, que experimentei nesse dia memoravel, 19 de maio de 1870, que ficou, por muitos títulos, celebre nos fastos da nossa historia politica.

Na madrugada d'esse dia, de triste recordação, acordei sobresaltado ao som de salvas repetidas de artilheria, dadas no castello de S. Jorge, e que, despertando os echos da capital, acordavam tambem os seus pacificos habitantes.

Imaginei, na minha ingenuidade, que se tratava de celebrar algum acontecimento de gala e regosijo publico, algum extraordinário jubileu...

E já agora esta palavra, que era exclusivamente do domínio ecclesiastico, passa tambem a ter foros 5 consagração, para uso parlamentar. Imaginei, repito, que se celebrava com solemne jubileu algum acto patriótico e festivo pelo triumpho da soberania nacional, das liberdades publicas e correlativas immunidades parlamentares, tão preconisadas sempre, e agora mesmo, pelo illustre deputado o sr. conselheiro Dias Ferreira!...

Pura illusão... Desengano atroz!...

Passando a inquirir dos factos extraordinarios, occorridos na calada da noite antecedente, soube, com tanta surpreza, quanta indignação, que o paço real tinha sido, não acatado, como devia ser, mas atacado ignobilmente, á mão armada, pela soldadesca infrene e revoltada!...

Soube que, "nas horas do silencio, á meia noite", segundo a phrase de um nosso insigne escriptor, essa força revoltada, sob o cominando de uma espada prestigiosa, havia coagido o poder moderador, o chefe supremo, inviolável e sagrado da nação, aliás em tempos normaes, em tempos de paz e tranquillidade publica, impondo-lhe a demissão do ministério, não pelos meios legaes, mas pelo argumento irresistível das bayonetas!. ..

Este foi, evidentemente, o primeiro acto de acatamento e de respeito pela soberania nacional!... (Apoiados.)

O segundo, não foi inferior a este. Recordo-me tambem ainda, da impressão triste e dolorosa, que nos causou o facto de encontrarmos fechadas hermeticamente as portas do parlamento e guardadas com sentinellas á vista, quando nós, os representantes legitimes do paiz, nos dirigiamos às cortes, para ah? desempenharmos o nosso mandato, como era nosso dever, e usarmos dos direitos que nos tinham sido conferidos pelos nossos eleitores!... (Apoiados.)

Era por esta forma insólita, que foram ainda acatadas e respeitadas as prerogativas parlamentares, a soberania nacional e as liberdades publicas, hoje tão energicamente apregoadas pelo illustre deputado que iniciou este debate, . e que é o mesmo possante e illustre estadista, que n'aquella occasião logrou sobraçar simultaneamente todas as pastas da administração publica. (Apoiados.)

Não pretendo melindrar o sr. Dias Ferreira, que estimo ver presente, para lhe assegurar, que tenho por s. exa. toda a consideração e respeito, e que não1 desejo mesmo ser-lho desagradavel. Não posso, porém, deixar de rememorar estes factos, ainda que antigos, da nossa historia politica, que nos servem de lição e offerecera ensinamento eloquente.

Concordo, por isso, com o que muito bem disse o sr. presidente do conselho de ministros a este respeito: que, embora as palavras do sr. Dias Ferreira nos encantem e deliciem os ouvidos, comtudo, nem os seus actos e processos de administração, nem os seus exemplos políticos, conseguem commover-nos, nem edificar-nos, nem convencer-nos. (Apoiados.)

Vou, portanto, synthetisar a minha opinião e consubstanciar as minhas idéas sobro o assumpto, adoptando e reproduzindo o pensamento de um grande publicista francez, mr. Emilio de Girardin, que nos diz: de onde provém, que os astros se movem em plena liberdade no espaço, sem se encontrarem, e sem nunca se chocarem entre si? Provém de que cada um d'elles se mantém e se movo na sua orbita, som poder d'ella sair.

Esta ordem astronomica é o que constituo o equilibrio universal.
E um equilíbrio igual, que deve manter-se na ordem politica.

A nossa carta constitucional estabelece as bases e assegura as condições deste necessario equilíbrio, estatuindo a divisão, independência e harmonia dos poderes políticos, de que depende a ordem, a liberdade e a segurança dos direitos dos cidadãos. Convém, pois, que não se perturbe esta ordem, este equilibrio. Convém que cada um saiba exercer a sua libérrima acção, dentro dos justos limites da esphera restricta de suas attribuições. (Muitos apoiados.)
Justificada esta primeira parte da minha moção, tenho de referir-mo a outro assumpto, grave e melindroso, para que fora provocado na ultima sessão, sendo este o motivo especial e unico, que me determinou a pedir a palavra sobre a ordem, sentindo não me ser dado então usar d'ella.

Hoje sinto-me bastante embaraçado e terei de restringir e eliminar muitas considerações, que tencionava expender, visto não estar presente o sr. conselheiro Marianno de Carvalho, e não haver provavelmente quem o substitua na generosa defeza dos ausentes, tanto da predilecção de s. exa. Foi effcctivamente o sr. Marianno de Carvalho quem interpellou todos os ecclesiasticos, que têem assento nesta assembléa, e os chamou á autoria, por causa dê algumas phrases do relatorio, ambíguas, é certo, e que, por isso, demandam explicação, depois da interpretação, que s. exa. lhe dera, depois do sentido desfavorável, em que accentuadamente as tomara.

Na rapida leitura d'esse relatorio havia-me passado desapercebida uma tal significação, attribuida a estas phrases, que não me tinham, impressionado mal nesse momento, - francamente o confesso, - porque não lhe ligara o sentido, que lhe ligou o sr. Marianno de Carvalho) que tão preoccupado se mostrou com ellas, que lhe produziram escrúpulos de consciência e até insomnias, como s. exa. affirmou, e todos nós temos obrigação de acreditar.

Mas s. exa. não determinou precisamente quaes eram essas phrases; e por isso o sr. relator, que lhe succedeu no uso da palavra, não as explicou, como, estou certo, as explicaria, e muito satisfatoriamente, segundo creio.

Em todo o caso, referem-se ellas evidentemente a uma possível conquista de aspirações politicas, a um programma platonico de ideal philosophico, a um provável regimen de vida nova, num futuro mais ou menos remoto, muito eventual, em que, supprimidas subtilezas metaphysicas e realisadas outras problematicas condições, advirá o preconisado triumpho e predomínio da crença positiva. Vejâmos, porém, textualmente, os periodos suspeitos o incriminados pela critica meticulosa;

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"E essa invasão na esphera do poder legislativo, repetida amiudadamente por todos os partidos, por todos os estadistas, por aquelle mesmo que a si proprio, em linguagem repassada de candura o ardente amor da liberdade, se proclamava "implacavel inimigo das dictaduras", bem póde ser que traduza os symptomas de uma epocha renovadora na historia politica dos povos. Esse phenomeno, contradictorio e extranho, significará, porventura, o indicio prematuro de um ulterior regimen, caracterisado pela suppressão de subtilezas metaphysicas e profundas modificações no parlamentarismo; regimen possivel e provável, quando a dictadura, operada a transformação mental no espirito collectivo, triumphanto a crença positiva, eliminados os hábitos de retrocesso e extinctos obscuramente, com o cunho de retrógrados, os denominados revolucionarios, seja por essência progressiva, sem jamais ser anarchica."

Eu creio, pois, que o illustre relator discorria sob o ponto de vista politico e philosophieo, o não no sentido religioso. A natureza do assumpto, o scopo a que mirava, o confronto dos períodos antecedentes e consequentes, tudo nos induz a essa convicção.

Bastava, porém, considerar a qualidade dos cavalheiros, que constituem a commissão, e que assignaram o relatorio sem declarações, posto que este documento seja da responsabilidade do seu auctor, cavalheiros tão distinctos pelo seu talento, pelo seu caracter e pelas suas crenças religiosas; bastava, repito, essa consideração, para que tal convicção attingisse o grau da evidencia.

Entre outros, recordo me e aponto o illustre deputado, que já foi presidente desta camara, monsenhor Santos Viegas, de cuja orthodoxia e illustração a ninguem é licito duvidar.

O sr. Quirino de Jesus, no próprio appellido tem a justificação das suas crenças catholicas, de que tem dado demonstração publica, tanto na imprensa como aqui no parlamento.

O sr. Luiz Osorio, meu compatrício e amigo, que tambem faz parte da commissão do bill, ninguem ignora, que é um crente profundo e um poeta distinctisBÍmo, que tem sabido affirmar as suas convicções religiosas e delicados sentimentos noa mais altos e aprimorados conceitos dos seus discursos e dos seus escriptos.

Julgo, por isso, que são sinceras as suas crenças, que, de mais a mais, têem o condão de serem realçadas pelas honrosas tradições de sua nobilíssima familia. (Apoiados.)

E evidente, pois, que estes cavalheiros, e todos os outros que subscreveram o relatorio, não auctorisariam com o seu voto, nem mesmo com o seu nome um documento que contivesse doutrinas heterodoxas, contra as quaes protestariam, ou fariam convenientes declarações, posto que, como já disso, os relatorios sejam da immediata responsabilidade dos seus auctores.

Eu proprio, que não assignei tal documento, teria protestado n'esse caso, ou no caso de ser verdadeira a interpretação, que se pretendeu dar aos considerandos, a que me tenho referido.

Eu não posso, em verdade, convencer-me do que pessoas tão serias e respeitáveis viessem para aqui preconisar o positivismo, como systema religioso, predominante no presente ou no futuro, para antepol-o á benéfica e salutar doutrina do Evangelho, o não posso convencer-me disto, porque, ha poucos dias ainda, nós jurámos manter fiel e inviolavelmente a religião catholica, que é a religião do estado. (Apoiados.)

Eu, por mim, creio que este juramento não é uma formula banal, do significação vã, uma formula de convenção, sem effeitos praticos, antes creio que elle traduz nitidamente as crenças vivas do todo o paiz, as crenças do parlamento e as crenças do próprio governo. (Apoiados.)

Alem d'isso, outras rasões me levam a crer, que o illustre e talentoso relator não tratava de assumptos religiosos, que seriam completamente descabidos num documento d'esta indole e d'esta ordem.

Todos nós sabemos, que o illustre relator, o sr. Fratel, tem revelado um espirito culto, altas faculdades de talento e largas aptidões de trabalho.

Possuindo s. exa. verdadeira orientação scientifica e philosophica, exercendo imparcialmente o seu elevado critério histórico, usando mesmo dos modernos processos de investigação experimental, e empregando os methodos exactos de observação justa e conscienciosa, certamente não abraçaria um systema, como o positivismo, que está julgado pelos homens mais notáveis da sciencia e considerado morto, em face da propria critica scientifica, da critica philosophica e da critica historica.

É certo que o positivismo não resiste á critica, conforme proficientemente o demonstrou o grande sábio mr. Pasteur na academia franceza, condemnando este systema como o menos experimental, menos scientifico, que póde imaginar-se.
Já que me referi a mr. Pasteur, peço licença para abrir um parenthesis, a fim de declarar, que na próxima sessão apresentarei uma proposta, como já se praticou na outra casa do parlamento, para que na acta respectiva se lance um voto de sentimento pela morte d'aquelle eminente sábio, mr. Pasteur, que tanto honrou a sciencia, (Apoiados} que tão relevantes serviços prestou á humanidade (Apoiados) e que bem mereceu tambem da religião (Apoiados.)

Mas, proseguindo na mesma ordem de idéas, facil é demonstrar que mr. Pasteur fora um benemerito da religião catholica, pois que no sou discurso de recepção na academia franceza, a que já fiz referencia, descarregou golpe fatal sobre o positivismo, e por tal forma pulverisou o systema de Comte, que o proprio Renan se viu obrigado a renegal-o, declarando em resposta ao novo academico: "Eu não sou Comtistan." Nem mesmo concedeu o mérito da originalidade ao positivismo, que é simplesmente considerado o methodo de observação, mas desvirtuado, que Descartes havia erigido em systema, e que, applicado por um espirito robusto o por um philosopho como elle, não o impedira de permanecer catholico firme e decidido. "Este methodo, affirma ainda Pasteur, remonta mesmo a Archimedes, e Laplace e Lavoisier foram seus partidarios."

Emquanto a Littré, discipulo de Comte e um dos maia notáveis coripheus do systema positivista, todos conhecem a transformação, que, nos últimos annos de sua vida, se operara nas suas crenças e nas suas idéas, em virtude de um notavel phenomeno psychologico, produzido pela decepção o pelo desmentido, que a propria experiencia e observação dos factos se encarregara de dar às suas theorias.

Todos conhecem a brilhante conversão dessa alma purissima para os esplendores da verdade religiosa, que induzira este verdadeiro sábio a renunciar a todas as idéa a, a todas as theorias antigas, que chegaram a causar-lhe repugnancia e até vergonha.

De Renan basta dizer, que, falsificando a historia e a hermeneutica, para apear o Redemptor do seu divino pedestal de gloria, se vira forçado a confessar a authenticidade dos evangelhos canonicos, em que se patenteia a verdade histórica e se confirma a divindade do christianismo...

Sr. presidente, não pretendo abusar da paciencia da camara, por isso, abstenho-me de expender mais largas considerações, attinentes a este assumpto especial.
Pretendo sómente affirmar as minhas crenças e confirmar a verdade das crenças catholicas, professadas pelo povo portuguez, de que todos nós somos legítimos representantes.

Direi, portanto, em geral e em resumo, que todos oa systemas religiosos, todas as theorias philosophicas, que aspiram a substituir o christianismo, embora architectadas pelos mais possantes engenhos, têem baqueado, para não mais se erguerem, emquanto esta divina religião de Jesus, sempre nova e viva na consciência humana, campeia, so-

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branceira e victoriosa, através dos seculos, derramando a flux em todos os povos do mundo, os seus benefícios, as suas consolações supremas, enxugando todas as lagrimas, mitigando todas as dores, fallando ao espirito e ao coração do sábio e do ignorante, do pobre e do rico. É por isso que a cruz resiste e triumpha sempre de todos os embates, de todas as vicissitudes, de todos os cataclysmos, que nos escombros de suas derrocadas sepultam as nações, os impérios e as sociedades, por mais fortes e seguras, que se considerem.

É por isso ainda, que a missão providencial da igreja catholica não está concluuida, e não o estará, emquanto subsistir a sociedade humana, que, para caminhar em suas incessantes e progressivas evoluções, para evitar escolhos e attingir o Aporto, carece incontestavelmente de bússola e de pharol, carece da força espiritual e moralisadora da igreja, a quem se devem as conquistas incruentas da civilisação moderna, segundo as affirmações de um escriptor insuspeito, porque era protestante, e que se chama Guizot.

Na sua Historia da civilisação demonstra elle, com justiça e imparcialidade apreciável, que é á Igreja que se deve a civilisação moderna; porque foi ella que salvou o mundo bárbaro e pagão e será ella que salvará a sociedade moderna desse cancro medonho, que se denomina anarchismo e nihilismo. (Apoiados.}

Creio, portanto, que é da acção civilisadora da Igreja e do pontificado, que depende a salvação da humanidade e a solução do gravissimo problema social, que traz justamente preoccupados todos os governos, os estadistas, os políticos e os sábios, que no mundo culto merecem este nome. (Apoiados.)

Por todas as rasões expostas, desejo e espero que seja mantido sempre no parlamento portuguez todo o respeito devido às crenças religiosas, que ã nação e todos nós professamos. (Apoiados.)

O procedimento contrario poderia acarretar-nos consequencias funestissimas e responsabiliades muito graves. Quando, ainda na ultima sessão d'esta camara, se discutiam aqui assumptos religiosos, em tom irónico e por uma forma epigrammatica, que despertava risos na assembléa e hilaridade nas galerias, a essa mesma hora, - notavel coincidencia! - um louco, -,sel-o-ha?! - proclamava a anarchia e aggredia nas das da capital o próprio chefe do estado!...

Será um louco?!... Repito. Talvez! Mas, se o ó, acautellemo-nos, porque a molestia é contagiosa e tem invadido já as infimas camadas sociaes, de onde se elevará, como os miasmas, para as superiores, que, pelo menos, terão de soffrer-lhe os effeitos...

Apavoram-nos estes effeitos ?!... Surprehendem-nos?!... Não ha grande rasão para surprezas, desde que não curemos de remover efficazmente as causas morbidas, que fatalmente os determinam, com é mesmo rigor logico com que a conclusão deriva das premissas estabelecidas. No meio social em que vivemos, e em que predomina a mais nociva anarchia moral e mental, torna-se indispensavel empregar todos os meios educativos, que dêem aos cérebros allucinados pela desgraça a exacta noção de seus direitos e deveres, aos espíritos doentios a alta comprehensão dos princípios eternos de justiça, que são condição essencial da liberdade e sustentáculo da auctoridade, aos corações pervertidos a verdadeira orientação da crença religiosa, que dá resignação no infortúnio e esperanças em mais elevados e, felizes destinos. (Apoiados.)

Se, em logar de aproveitarmos estes elementos de educação e regeneração, nos deliciarmos em motejar da religião e em desprestigiar os seus ministros, não nos admiremos de que a mesma causa, que determinou o attentado contra El-Rei, produza, como já tem produzido, identicos effeitos... Sirva de lição o que aconteceu em 30 debulho do anno passado, em que, nas das principaes da capital do reino, que se denomina "fidelissimo", e que se diz civilisado, em plena luz do dia, foram insultados e aggredidos barbaramente sacerdotes inoffensivos e inermes, e até alguns cidadãos pacíficos, que com elles se pareciam, praticando-se, com frívolos pretextos, actos de tão repugnante selvageria, que seriam incríveis, por desusados; nos mais inhospitos sertões da Africa ou da Oceania. Vou comprovar esta minha asserção.

N'esse tempo, acabavam de regressar de Timor a Lisboa, alquebrados pelo trabalho e pelas febres, dois missionarios beneméritos, um dos quaes prestara ali relevantes serviços, durante dezenove annos contínuos, e outro doze, nas mesmas condições, tendo perdido, ambos, neste meio tempo, as pessoas mais proximas e queridas de suas familias. Não pediram, nem esperavam recompensas extraordinárias, posto que merecidas. Não contavam, porém, que, em logar da estima e consideração publica, a que aspiravam, por único e devido galardão, receberiam insultos e ameaças, que os obrigaram a ausentar-se daqui, pão com medo, que não se compadece com o animo de quem, por habito e por dever, affronta os maiores poucos e sacrificios, mas com vergonha e desgosto de encontrarem na capital compatriotas seus, menos crentes, menos civilisados do que os miseros indigenas das selvas bravias, que sempre lhes prodigalisaram inequivocas provas de sympathia, dedicação e affecto! É por isso que estes bons missionarios significavam, com o coração a transbordar de gratidão, que sentiam viva e indelével saudade pelos sertões e pelos seus habitantes! Sendo, pois, aquelles factos deprimentes indicio claro do nosso descrédito e prova manifesta da nossa decadência moral, é por isso também, sr. presidente, que eu na minha moção de ordem altamente significo e accentuo a necessidade de mantermos o indispensavel predominio das crenças cathohcas. (Apoiados. - Vozes: Muito bem.)

Para comprovar esta necessidade impreterivel, não se torna mister grande esforço de intelligencia: basta compulsar os annaes da nossa historia patria, em que evidentemente se demonstra, por forma incontroversa, que todos os arrojos de heroismo, de que dimana a nossa pretérita, grandeza, se devem á acção prodigiosa da fé inquebrantavel de nossos maiores e á benefica influencia da igreja, que sempre secundara, como está secundando ainda, nossos commettimentos gloriosos. (Apoiados.)

É por isso, que dos fastos historicos da nossa patria não podem separar-se os traços luminosos da historia da fé e da civilisação catholica; porque "são duas paginas do mesmo poema, e omittir uma equivaleria a truncar outra". Dil-o assim, com a sua grande auctoridade, o sr. Rebello da Silva na sua Historia de Portugal.

Lançando, pois, a traços rápidos, um simples relancear de olhos pelos factos mais salientes da nossa historia, vemos, logo no inicio auspicioso da nossa monarchia e da nossa nacionalidade, que um punhado de portuguezes, que importa o mesmo que dizer, de heroes, avantajando-se, pelo valor e pela coragem, sobre numerosas e aguerridas hostes inimigas, conseguira abater a seus pés a meia lua de Islam, arvorando sobre os seus destroços o estandarte victorioso das quinas portuguezas. (Apoiados.) Esses rasgos homericos e assombrosos de heroismo que constituem os fundamentos da nossa nacionalidade e significam o triumpho simultâneo da religião e da patria, foram impulsionados pela alavanca dessa grande força, que se chama fé, que, na phrase do evangelho, transporta montanhas e opera os prodigios das mais altas façanhas, dos mais grandiosos commettimentos! (Apoiados.)

Foram ainda os rasgos prodigiosos desse heroísmo e dessa fé, que assignalaram o periodo áureo da historia da nossa restauração nacional, em que o famoso condestavel Nun'Alvares Pereira, o grande crente, o grande patriota, o grande heroe, antes de entrar nesses combates, desiguaes pela superioridade numerica do inimigo, recorria, como o confirmou o espirito investigador do sr. Oliveira

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Martins, recorria sempre ao auxilio sobrenatural, procurando na oração o na fé a fortaleza e a coragem, que não "...permittia a força humana."

(Apoiados - Vozes: Muito bem.)

E ainda a historia dos nossos descobrimentos e emprestas maritimas, que nos demonstra claramente, que foi tambem a fé, que nos abriu os caminhos e as portas do um novo mundo, que rasgou novos e largos horisontes para todas as conquistas do progresso, da civilisação e da sciencia, para o alargamento do commercio, e para todos esses commettimentos heroicos e grandiosos, que illustram a nossa historia, o que o valente marechal de Turenne denominava "o glorioso atrevimento portuguez". (Apoiados.)

Que o infante D. Henrique, o glorioso filho do immortal Mestre de, Aviz, tivera por fim principal dos seus emprehendimentos o, conquistas a diffusão da luz redemptora da fé e da civilisação christã, comprova-se evidentemente pela exposição, que elle dirigira ao Summo Pontifice Romano, em que assevera, que o intuito, a que miravam essas conquistas e emprezas maritimas, não consistia só na expansão material de interesses economicos e politicos, senão no proposito essencial de levar aos povos idolatras e selvagens a luz do evangelho. (Apoiados.)

Rememorando estes eloquentes factos historicos, ou desejava ver presente o sr. ministro da marinha, para lhe pedir, que nos navios que s. exa. houver de mandar, e que é necessario mandar, para consolidar os nossos domínios ultramarinos (Apoiados.} s. exa. faca transportar n'elles os mesmos elementos de civilisação, a que se referiu o nosso insigne clássico e abalisado orador padre Antonio Vieira, quando fallava dos galeões, que transportavam para o ultramar os nossos soldados e os nossos marinheiros:

"Levavam por lastro os padrões das igrejas e talvez as mesmas igrejas para lá se fabricarem, levavam nas bandeiras as chagas de Christo, nas antenas a cruz, na agulha a Pó, nas ancoras a Esperança, no leme a Caridade, no pharol a luz do Evangelho, e em tudo salvação."

Se eu não melindrasse o meu amigo, o sr. Ferreira de Almeida, que reduziu o quadro dos capellães da armada, quando ministro da marinha, e por motivos exclusivamente economicos, segundo creio, pedir-lhe-ia tambem, que empregasse a sua enérgica iniciativa e larga influencia, para que n'esses navios, destinados ao serviço das colonias, fossem os capellães da armada restituidos aos seus logares e reintegrados em seus direitos. (Apoiados.)

Eu, sr. presidente, peço e desejo isto, que não importa avultada despeza, porque entendo conveniente que os nossos soldados e marinheiros, que tão altos prodigios do valor e heroismo acabam de operar, teimam sempre junto de si, nos revezes e nos perigos, quem os fortaleça no sentimento religioso.

Entendo conveniente, repito, que os nossos militares, que despertam justa admiração no mundo inteiro, não deixem obliterar do coração o grande principio da fé, que produz essa santa alegria, que o ar. Luiz Osorio aqui enaltecera, ora phrase sentida, poética e levantada, quando descreveu, como testemunha ocular, a despreoccupação e o enthusiasmo com que os nossos expedicionarios, na hora solemno da despedida, se desprendiam dos braços carinhosos da familia e deixaram, muitos para não voltar mais, a terra bemdita da sua patria! (Apoiados.)

Como explicar o estranho phenomeno da expansão d'essa alegria intima, desse enthusiasmo ardente e communicativo, em momentos que deveriam ser de tristeza, de concentração o angustia?!...

É que todos levavam no coração, com essa divina virtude, que dá fortaleza, confiança e abnegação, uma outra consoladora virtude, irmã e companheira inseparável, como ella essencialmente christã, que traduz a sublime aspiração, que natural e instinctivamente attrahe o eleva a alma para o bem que anhela.

Levaram com a fé a esperança de volverem, coroados de gloria, ao seio da patria querida, ao conchego do lar saudoso, conscios de que mereceriam os applausos e as apotheoses da gratidão nacional, as bençãos e a glorificação do suas familias e de seus concidadãos. (Apoiados.)

Os que conseguiram ver realisados este fagueiro sonho de esperança, de gloria e felicidade; os que tiveram a fortuna de regressar, incólumes, depois de haverem arrostado tantos perigos com stoica serenidade, depois de terem vencido, impávidos, tão numerosos, intrépidos e ferozes inimigos, depois de terem supportado com evangélica resignação, alem das inclemencias deletérias de climas inhospitos, todo o género de privações e sacrifícios, todos esses heróicos expedicionários tiveram uma larga e justa compensação, ao avistarem novamente os formosos horisontes da patria. (Apoiados.)

Todos esses valentes exultaram, mais uma vez, de alegria e enthusiasmo, sentindo que esta abençoada terra portugueza, que parecia desalentada e adormecida, se commovia profundamente, debaixo de seus pós, como que despertada e impulsionada por mysteriosa corrente electrica, que se transmittia, desde os paços reaes até às mais humildes e alpestres cabanas de nossas aldeias. Todos elles sentiram referver-lhe nas veias o sangue, aquecido pela febre e retemperado na rudeza dos combates, quando se viram acclamados e abraçados por toda a nação, quando sentiram o palpitar agitado do coração de todo um povo, que na sua nobre o altiva tradição tom por divisa a fé e o heroísmo. (Apoiados.)

Depois de extinctos os frémitos commoventes e unisonos dessas ruidosas acclamações; depois de apagadas as ultimas vibrações dos hymnos religiosos e dos canticos patrioticos, que despertaram echos de sympathia e correspondencia em todos os angulos do paiz, podem esses heroes realisar suas legitimas aspirações, de acabarem tranquillamente na terra natal os dias que lhes restarem do vida, na segurança do dever satisfeito, na consciência da benemerência universalmente reconhecida. (Apoiados.)

Podem esses benemeritos realisar ainda essa consoladora aspiração, essa esperança ineffavel, de dormirem o somno eterno no humilde cemitério da sua aldeia, á sombra benéfica dessa cruz magestosa e salutar, diante da qual tantas vezes descobriram a cabeça, inclinaram a fronte e curvaram os joelhos, para orarem pelos seus mortos queridos, com os quaes irão confundir-se num derradeiro abraço, legando ainda às gerações vindouras, com a herança abençoada de sua memória immorredoura, a immensa e inestimavel riqueza de seu eloquentissimo exemplo! (Apoiados.)

Mas esses heroes, esses benemeritos que lá ficaram, e ficaram para sempre, esses que derramaram seu sangue precioso e sacrificaram a vida, para offertal-a á patria, como em holocausto, esses que tão alto levantaram o nome portuguez e avivaram suas tradicções gloriosas, esses que asseguraram os direitos da nossa soberania nacional em tão dilatados territórios, esses nem. ao menos tiveram no cemitério de suas aldeias sete palmos de terra para seu eterno descanso, nem ao menos tiveram uma sepultura rasa em que, a mão piedosa das mães, das esposas, dos irmos e dos amigos fosse desfolhar algumas flores campestres e orvalhal-as com as sentidas lagrimas de infinda saudade! (Apoiados. - Vozes: Muito bem.)

Não tiveram a consolação de ver realisada a sua aspiração, de regressarem á torra da sua patria, para serem sepultados no seu modesto cemitério, á sombra do melancólico e altivo cypreste, que lança suas raízes seculares nas veias e nos corações dos mortos, como para lhes animar o sangue congelado, misturando-o com a sua seiva, e eleval-o, em holocausto, n'uma prece silenciosa até ao throno do Eterno! (Apoiados.)

Estou certo, que nem uns, nem outros dos nossos expedicionários aspiravam a jazer no pantheon nacional, e é

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SESSÃO N.º 17 DE 31 DE JANEIRO DE 1896 145

isto que explica tambem essa despreoccupação, no momento da partida, a que se fez referencia.

Mas, nem por isso, esses benemeritos, que nos sertões africanos fizeram baquear a pratica ominosa da idolatria, da escravatura e dos sacrifícios humanos, nem por isso deixam de ser dignos de jazer junto desse argonauta, que abriu novos caminhos maritimos e mundos novos para as conquistas incruentas da fé e da civilisação. (Apoiados.) Nem por isso deixam de ser dignos de jazer ao lado do cantor immortal das nossas vetustas glorias, esses novos heroes, que, embora não tivessem escripto estrophes, nem poemas, escreveram comtudo, com o sangue de suas veias, nas paginas diamantinas da nossa historia colonial, e sellaram com os ultimos e inspirados alentos de sua vida, essa moderna epopeia nacional, que nos engrandece tambem á face do mundo inteiro! (Apoiados.)

Se a gratidão e a arte nacional não poderam offertar aos que lá morreram, "dilatando a fé e o imperio", nem pantheons soberbos, nem mausoleus sumptuosos, consagrados á perpetuação de sua memoria posthuma, é certo, que a Providencia e a natureza offertavam, para, glorificação dos que ficaram sepultados na immensidade dos mares, um pantheon mais grandioso, um mausoleu mais bello, em cuja limpida superficie vão reflectir-se essas esplendorosas e infinitas constellações que povoam o firmamento e illuminam o universo! (Apoiados.)

É n'essa immensa uma de puro crystal, digna de gigantes e de heroes, e que o sol tambem illumina, espargindo n'ella os iriados reflexos de sua deslumbrante luz, é nessa uma transparente e formosa, que nós e as gerações do porvir, poderemos, ao menos pela phantasia, admirar o ver, como num espelho brilhantissimo, o titanico e incessante esforço dos nossos soldados, que, apesar de mortos, ainda se debatem, em eterna peleja, contra as ondas encapelladas, ainda se agitam, em febril convulsão, n'essas voragens profundas e mysteriosas, como que para nos advirtirem, de que, ainda depois da morte, nós devemos, pela memoria, sempre viva, pelo exemplo inolvidavel dos feitos heroicos legados á posteridade, pugnar e pugnar sempre pela patria, sem tréguas, nem descanso! (Apoiados.)

Os que lá ficaram sepultados n'esses areaes adustos da Africa, esses ainda nos estão advirtindo tambem, pela lição e incentivo d'esse eloquentissimo exemplo, de que devemos manter sempre a todo o transe, á custa do nosso sangue, da propria vida, a pureza das crenças religiosas e a integridade do solo portuguez! (Apoiados.) É sobre as ossadas desses nossos irmãos, martyres do dever, que está hasteado e tremula, triumphante, o estandarte glorioso das quinas, que é simultaneamente o symbolo augusto da religião e da patria! É para que estes dois sentimentos, consubstanciados n'um só e indivisivel affecto, se mantenham sempre vivos e identificados no coração do povo portuguez, que fomos, ainda hontem, orar no templo de Deus por alma desses nossos saudosos irmãos, alma nobilíssima e immortal, como o principio eterno, do que dimana, e que parecia estar-nos supplicando era fervorosa prece: a conservae, conservae sempre, como em deposito sagrado, a riquissima herança, o precioso thesouro da fé de nossos maiores, que foi o principio de nossa grandeza epica no passado, que é a mola mysteriosa e providencial, que impulsiona o nosso resurgimento actual, e determina as nossas novas victorias e gloriosas conquistas, e que será ainda a grande força, a condição essencial da nossa rehabilitação e felicidade futura! Civilisae, pois e conservae sempre, como penhor sacrosanto das nossas crenças e da nossa independencia, esses preciosos e abençoados territorios, regados com o nosso sangue, o em que repousam os nossos despojos mortaes: e assim dormiremos, tranquiliza, o somma eterno, seguros de que as mãos sacrilegas do selvagem não irão revolver e profanar as nossas cinzas, e de que os pesados pós do estrangeiro não conculcarão mais a nossa humilde sepultura!" (Apoiados - Vozes: Muito bem.)

É por tão imperiosos motivos, sr. presidente; que peço permissão para transmittir esta mesma supplica ao esclarecido critério e recta consciência do parlamento, como legitimo representante dos altos interesses, das vivas crenças e justas aspirações de toda a nação.

O meu maior e mais vehemente desejo é que no santuário das nossas igrejas não se apague nunca a luz redemptora da fé: é que esta flamma sacrosanta nunca se extinga no seio das nossas escolas, no lar de nossas familias, e onde quer que palpite um coração verdadeiramente portuguez. (Muitos apoiados.)

Peço desculpa de ter abusado da paciencia da camara, e agradeço, muito penhorado, a attenção e benevolencia, com que se dignou escutar estas desalinhadas expressões, desalinhadas, modestas e humildes, sim, mas sentidas, espontâneas e dictadas por um coração profundamente crente, sem hypocrisia nem fanatismo, por um coração genuinamente e intransigentemente portuguez. (Apoiados.)

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(Orador foi muito comprimentado.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

A camara dos deputados, a quem compete, como um dos ramos do poder legislativo, velar na guarda da constituição e na exacta e rigorosa observancia das leis do reino, affirma o seu proposito de cooperar na indispensável harmonia dos poderes politicos, e de respeitar fiel e inviolavelmente a religião do estado.

Confia que o poder executivo, restabelecendo e conservando, intemeratos, os foros parlamentares, as regalias legitimas da liberdade e o império da lei, não exorbitará mais da esphera restricta das suas attribuições, e assegurará o conveniente predomínio das crenças catholicas, professadas, quasi unanimemente, pelo povo portuguez, e continua na ordem do dia. = O deputado, Antonio José Boa-vida. .

O sr. Ferreira de Almeida: - Desejava ser rápido no uso da palavra, mas umas referencias que lhe têem feito, obrigam-no a ser mais largo na sua exposição.

Diz que na collecção de medidas decretadas pelo governo em dictadura, elle figura com trinta e tres decretos, sendo vinte e quatro de marulha e nove do ultramar, decretos dos quaes resultou, desde já, uma economia de 52 contos de réis.

Mais dezesete decretos tinha preparado, e que não chegaram a publicar-se, referindo-se seis á marinha, dez ao ultramar e um á acquisição de material naval.

Indica um a um os decretos que promulgou, explicando as causas que os originaram e a economia que d'elles resultou, ficando ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte, por ter dado a hora.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, guando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Deu a hora. Se v. exa. quizer póde ficar com a palavra reservada.

O Orador: - Sim, senhor.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha1 é a mesma que vinha para hoje e mais a reforma do regimento da camara.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

1.° Dos ex-arbitradores judiciaes das comarcas do Villa do Conde, Moncorvo, Montalegre, Villa Nova de Foscôa,

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146 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Celorico da Beira, Paços de Ferreira, Bragança, Figueira de Caslello Rodrigo, Santo Thyrso, Penafiel, Chaves, Celorico de Basto e Taboaço, contra o decreto de 15 de setembro do 1892, que revogou o artigo 37.° do decreto de 20 de julho de 1886 e regulamento de 17 de março de 1887.

Apresentados pelo sr. deputado Manuel Joaquim Fratel, e enviados á commissão do bill.

2.° Dos ex-arbitradores judiciaes da comarca do Rezende, no mesmo sentido.

Apresentado pelo sr. deputado Amadeu Augusto Pinto da Silva, e enviado á commissão ao bill.

3.° Dos ex-arbitradores judiciaes das comarcas do Porto e de Lisboa, no mesmo sentido.

Apresentado pelo sr. deputado José Correia de Sarros, e enviado á commissão do bill.

Requerimento do Interesse publico

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda e das obras publicas, sejam enviados com a possível urgência a esta camara os seguintes esclarecimentos e documentos:

Nota detalhada dos preços das aguardentes de vinho produzidas no paiz, em cada anno, durante os últimos vinte annos.

Nota da producção total de aguardentes de vinho no paiz, durante os ultimos dez annos.

Nota do valor total da exportação de vinhos e das quantidades do vinhos exportados, no conjunclo e por classe, durante os ultimos vinte annos.

Estatística de producção dos alcooes industriaes no paiz (continente e ilhas adjacentes) designando as qualidades produzidas em globo e descriminada, segundo a natureza das matérias primas que os produziram o indicando o logar do fabrico.

Conjuncto de leis e regulamentos, publicados até ao presente, sobre o regimen do alcool no paiz, bem como relatorios e todos os documentos de natureza official que só relacionem com a questão do alcool. = Cincinato da Costa.

Mandou-se expedir.

Requerimentos de Interesse particular

1.° Do Joaquim Botelho de Lucena, capitão de infanteria, graduado tenente coronel em virtude da lei de 2 do julho de 1880, engenheiro chefe de 1.ª classe do corpo de engenheiros de obras publicas, pedindo que lhe seja applicado o preceituado no § 1.° do artigo 77.° do decreto n.° 2, de 1 de dezembro do 1892.

Apresentado pelo sr. deputado Cândido da Costa, e enviado á commissão de guerra.

2.° De José Maria, fogueiro torpedeiro n.° 604-A da 7.ª companhia de reformados, pedindo melhoria de vencimento.

Apresentado pelo sr. deputado Teixeira de Vasconcellos e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

Justificação de faltas

Declaro que por motivo justificado n3o pude comparecer as ultimas sessões d'esta camara. = O deputado, Augusto Dias Dantas da Gama.

Para a secretaria.

Declaro que por motivo justificado não pude comparecer às ultimas sessões. = F. J. Patricio. Para a secretaria.

Declaro que o sr. deputado Manuel Thomás Pimenta de Castro tem faltado às sessões por motivo justificado. = Miguel Dantas.

Para a secretaria.

O redactor = Sá Nogueira.

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